domingo, 2 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25592: Manuscrito(s) (Luís Graça): A "macacaria", o azulejo polícromo, burlesco e satírico, do séc. XVII










Lisboa > Museu Nacional do Azulejo "Macacaria. Casamento da Galinha" > Olaria. Manuel Francisco (?) . c. 1660/67. Faiança polícroma. Proveniência: Quinta da Cadriceira, Turcifal, Torres Vedras. Doação: Celeste e Vitor Cinatti Batalha Reis. MNAz Inv 400 az

Fotos: Luís Graça (2024).


1. Sou fã do azulejo. Do nosso azulejo. Ainda há dias percorri, extasiado, o Mosteiro de São Vicente de Fora, e nomeadamente os claustros revestidos de azulejos barrocos. Andava há anos para conhecer as 38 fábulas de La Fontaine, contadas em azulejo. Revestiam os claustros, os painéis foram retirados, restaurados e colocados em exposição. 

O azulejo português tem uma história, fascinante,  de cinco séculos. (A palavra vem do árabe.) E nada como visitar o Museu Nacional do Azulejo, instalado no antigo convento da Madre de Deus (séc. XVI). Os antigos combatentes tem acesso gratuito ao Museu. (O seu sítio está em remodelação neste momento; para saber mais sobre o Museu ver a entrada na Wikipedia.)

Ver ou rever, entretanto, na RTP Play, a Visita Guiada - Convento da Madre Deus, Lisboa.

De tempos a tempos passo por lá. Hoje destaco um peça, muito curiosa e rara, de que reproduzo alguns detalalhes acima. É uma painel do séc. XVII (c. 1660/67), que veio de uma quinta da região do Oeste Estremenho, a Quinta da Cadriceira, em Turcifal, Torres Vedras.

Lê-se, com a devida vénia, no sítio da Time Out, em artigo de Helena Galvão Soares (12 de maio de 2019):


(...) "O painel chama-se 'O Casamento da Galinha' e é uma 'singerie' (macacaria), um estilo em que os protagonistas são macacos (sim, daí o nome) em trajos e actividades humanas, com intenção geralmente satírica.

"Embora estas figuras já apareçam como apontamentos nas iluminuras medievais, o estilo surge em força na pintura flamenga do século XVI e XVII e espalha-se pela Europa nos séculos seguintes em frescos, mobiliário, cerâmica, serviços de louça... Em Portugal, como não podia deixar de ser, surge em azulejo.

"A nobreza que acabara de sair vitoriosa da Guerra da Restauração (1640-1668) investiu na construção de novas quintas de recreio e encomendava painéis de azulejo para o revestimento de casas e jardins. Foi em duas dessas quintas que surgiram os painéis de macacarias que chegaram até hoje." (...)


Esta nova nobreza (que apostou no cavalo certo, a causa da Casa de Bragança) tem o gosto do exótico~, do excêntrico e do burlesco: veja-se, além dos macacos, a representação de outros animais como o elefante  mas também o leão (ou o o leopardo, noutro painel ao lado).

Por outro lado, sabe-se que o macaco está sempre associado à crítica satírica mas é também um símbolo de liberdade: uma leitura possível deste painel é a sátira à antiga nobreza que se aliou ao poder filipino (vivendo inclusive em Madrid, de costas voltadas para a sua Pátria) e que  representava, portanto, o partido dos vencidos, com a restauração do reino... (As campanhas da Guerra da Restauração foram bem mais longas que a guerra colonial: 1640-1668).

A outra quinta, com painéis de "macacarias" (mas estas "in su situ" ) é a do Palácio de Fronteira, em São Domingos de Benfica, que merece uma visita demorada (estive também lá há dias nos jardins). 
Vd.  em RTP Play a Visita Guiada aos Jardins do Palácio Fronteira, em Lisboa| Ep. 222 set. 2014 |

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