sexta-feira, 7 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25615: S(C)em Comentários (39): E as "cunhas" (o factor C) eram como as bruxas: "yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay"

Cortesia de Freepik (2024)
1. Excerto do poste P19108 (*):


O nosso camarada C. Martins (ex-alf mil art, cmdt, 23º Pel Art, Gadamael Gadamael, 1973/74), e que é médico de família, hoje reformado, na sua terra (razão por que nunca quis dar a cara)..., citava há tempos o seu avô que, na inauguração da escola local, em pleno Estado Novo, ouviu da boca de um manda-chuva esta rotunda "verdade sociológica":

 "O escritório, para o rico; a enxada, para o pobre"... 

No fundo, é uma variante do ditado alentejano: 

"A rica teve um menino, a pobre pariu um moço"...

Não nascemos nem sequer morremos iguais, embora sejamos todos feitos - com a sua licença, caro leitor -, da mesma "merda"... E, ao longo da vida, há outros fatores que nos continuam a diferenciar, e que explicam por que é que o "ascensor social" não pára, para toda a gente,  em todos os "andares" ...

No caso da tropa, da arma e da especialidade, e da mobilização para o Ultramar (eufemismo para "guerra", "guerra colonial"...), o berço, o estatuto socieconómico dos pais, as habilitações literárias, os testes psicoténicos, o mérito, a instrução militar e o famoso factor C [a "cunha") e, já agora, a "sorte" e os "santinhos" ou os "bons irãs" ... ajudam a explicar muita coisa...

Didático, com graça, com ironia, mas naturalmente de forma redutora, o C. Martins queria dizer que o "pobre" ia para atirador de infantaria ("tropa-macaca"), o "remediado" ia para cavalaria, o "remediado com estudos" para a artilharia... e os "ricos" e os gajos com cunhas, esses, desenrascavam-se muito melhor: tinham especialidades que os livravam de ir para o Ultramar ("ir para fora"...) ou ficavam no "ar condicionado" de Bissau, Luanda ou Lourenço Marques... (Bom, falamos do Exército, e do serviço militar obrigatório, não queremos "guerras" com a Academia Militar, a Reserva Naval, a FAP, as tropas especiais, etc.)

O retrato pode ser grosseiro, mas, na época da guerra do ultramar / guerra colonial, não andaria muito longe da "verdade sociológica" do avô beirão do dr. C. Martins... Na sociedade portuguesa, tradicionalmenmte clientelar,  ser "filho de algo" sempre foi, historicamente, importante, se não mesmo decisivo. 

O mérito é uma noção recente, capitalista, burguesa, coisa de há menos de 100 anos... E a "cunha" (o factor C) era como as bruxas: que as havia, havia, e toda a gente "mexia (ou procurava mexer) os seus pauzinhos"... (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 17 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19108: 'Então, e depois? Os filhos dos ricos também vão pra fora!'... Todos éramos iguais, mas uns mais do que outros... Crónicas de uma mobilização anunciada (1): Valdemar Queiroz (ex-fur mil at art, CART 2479 /CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


(**) Último poste da série > 29 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25579: S(C)em Comentários (38): Gandembel, em que é que foi diferente dos 3 G (Guileje, Guidaje, Gadamael ?) (Alberto Branquinho, ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69))

2 comentários:

Carlos Vinhal disse...

Caro Luís,
E hoje? Filho(a) de ministro não sai ministro(a)? Esposa de ministro, ou marido de ministra, não sai ministro(a)? Temos até casos de jovens promissores, recém formados e sem experiência no mercado de trabalho, que arranjam uns belos tachos como assessores nos ministérios, muito bem remunerados, enquanto que outros tentam subsistir nas caixas dos hipermercados. Se chamarmos os bois pelos nomes, são jobs for the boys, ou cunhas de altíssima eficácia.
Ontem, como hoje, os ventos sopram sempre de e para os mesmos lados.
Aqui em Leça, um filho de uma família bem colocada socialmente, foi mobilizado para Angola. A mãe fartou-se de pedir ao marido que intercedesse para que o filho de ambos fosse poupado. O marido terá dito que se os filhos dos outros iam para a guerra, com o filho dele não ia ser diferente. Se tinha sido mobilizado, iria cumprir o seu dever.
O certo é que na próxima segunda-feira, 10 de Junho, o Manuel, que faleceu em combate em 1962, será um dos leceiros a quem vamoa prestar a nossa homenagem.
Carlos Vinhal

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Claro que todos conhececemos "exceçóes" que confirmavam a "regra"... Claro que havia gente, alinhada com o regime, que era absolutamente coerente...

Quanto, à atualidade, o nosso blogue acaba (ou devia acabar) ... com 25 de Abril de 1974 e "descolonização"... O nosso nosso horizionte temporal é, grosso modo, o período que vai de 1961 a 1974... Por mera razões de "economia de análise" e de "exercício diferenciado da memória"...

Um alfabravo, e boas comemorações do 10 de junho aí em Matosinhos. Luís