Pesquisar neste blogue

sábado, 29 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10454: Do Ninho D'Águia até África (13): O Bóia (Tony Borié)

1. Continuação da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (13)
O Bóia

Já lá ia mais de um ano de estadia na província.

A farda que usávamos era amarela, começando a aparecer tropa com roupa de diferente cor, um verde azeitona. Diziam que era feita de tecido melhor e que se adaptava mais ao clima tropical, podia ser verdade, mas estes novos militares logo foram baptizados com o nome de “Periquitos”. E alguns desses militares podiam ser pessoas com bastante senso nas palavras e com escola superior, mas isso não interessava nada, tudo o que pudessem dizer, não valia e não tinha qualquer senso, pois vinha da boca de um “Periquito”.

O Cifra tinha quase a certeza, mas podia estar enganado, de quem baptizou estes novos militares, foi o cabo “Bóia”, pois um dia quando chegou ao aquartelamento um Unimog carregado com alguns tropas vestidos com a farda verde azeitona, quando esses militares saltaram para o chão, o cabo Bóia, disse: Oh raio, parecem periquitos!

O nome pegou.

O cabo Bóia, em Portugal, era da região do Alentejo, falava devagar e com um sotaque bastante popular, que só ele sabia, era difícil de imitar. O seu vocabulário tinha um conjunto de palavras que só ele e mais uns quantos entendiam, e era conhecido por esse nome porque sempre que se aproximava a hora da refeição, dizia: Hei, compadres, está na hora da bóia.

A bóia, na sua linguagem, era a comida. Tinha um grande bigode, retorcido nas pontas, era tropa dos velhos, pois pertencia à tal companhia onde o capitão batia nos soldados e furriéis.

O Curvas, soldado atirador, alto e refilão, um dia na altura da refeição do meio dia, pega no recipiente onde vinha a comida para a mesa, que parecia uma bacia em alumínio, diz a respeito do tal capitão: Ca granda filho da puta! Se fosse comigo, enfiava-lhe com esta bacia cheia de merda nos cornos! Cabrão! Era assim o homem. Quando se lhe desprendia a língua, era melhor fugirem!.

Para nossa salvação andava sempre por perto o Trinta e Seis, soldado telegrafista, baixo e forte na estatura, que logo lhe disse:
- Cala-te homem de Deus, e tem respeito, pois isto é uma mesa onde todos comem.

Mas adiante, vamos à história. Havia uma pequena ponte, um pouco distante do aquartelamento, quem ia para o interior, creio que na estrada que ia dar à povoação de Cutia, que era guardada durante o dia por uma secção. Na dita altura das chuvas formava-se um grande pântano a que os militares chamavam bolanha sul, com alguns quilómetros de extensão, mas onde se transitava pela estrada de terra, que era um pouco mais alta, onde a água tinha pouca ou quase nenhuma altura, e quem conhecia o caminho ia e vinha sem qualquer problema. A zona onde estava localizada a ponte era seca.

Estes militares levavam comida para todo o dia, e para lá iam de Unimog, onde tinham uma espécie de pequena fortaleza montada, que era um abrigo feito com sacos de terra, coberto com uma estrutura de alguns troncos de palmeira e algumas folhas de zinco, que por sua vez estavam também cobertos de terra. Ali passavam o dia, e entre outras coisas, identificavam quem passava na ponte. Tinham aparelhagem de rádio e estavam em contacto, se fosse caso disso, com o aquartelamento.

Não muito distante havia uma pequena aldeia de naturais que trabalhavam nas terras pantanosas, ou seja a bolanha do arroz e criavam alguns animais, eram pessoas pacatas, pelo menos pareciam, não havia pessoas novas, eram só velhos e crianças, mesmo crianças. Havia até alguns militares que queriam fazer esta segurança à ponte, pois no regresso traziam aguardente de palma, que compravam, ou talvez não, na referida aldeia. O Bóia foi destacado, nesse dia, para ir com outros militares prestar segurança à referida ponte.

Tudo normal.

Chegam, inspeccionam o local, normalmente deixavam um sinal em certos pontos estratégicos para verem se alguém tinha usado a ponte ou a pequena fortaleza, durante a noite. Nesse dia, sim, tinham usado.

Havia sinal de pegadas, de sandálias que os militares conheciam, pois faziam parte da farda dos guerrilheiros, logo muito conhecidas.

Ficam com cuidado redobrado, comunicam ao aquartelamento o sucedido e recebem ordens de se manterem de olhos bem abertos, que alguma tropa iria já para lá, para reforçar a zona da ponte e talvez fazer uma patrulha mais aprofundada na zona.

O Bóia, com o cigarro no canto da boca, com o seu ar bonacheirão, com a mão direita, pois a esquerda segurava a G3, tira o cigarro da boca, molha os dedos com saliva, coloca de novo o cigarro na boca e retorcendo o seu grande bigode, diz:
- Deixa lá ver o que estes “compadres” andaram por aqui a fazer durante a noite?

Enquanto os militares se encontravam quase todos juntos a discutir a situação, o Bóia com passo lento mas firme, começa a atravessar a ponte de G3 na mão, pronta a disparar, quase com se andasse à caça aos coelhos, em alguma herdade lá no seu Alentejo, quando mais ou menos ao meio, mas mais perto do final, sente qualquer coisa a tocar-lhe a perna e a prender-lhe o movimento.

O pobre do Bóia, não viu mais nada. Sem querer accionou um engenho explosivo que lhe destruíu quase todo o corpo.

Morreu, tendo o seu corpo sido recolhido aos bocados. Mais dois soldados foram atingidos com alguns estilhaços. Quando chegaram os reforços, que aumentaram o andamento ao ouvirem o rebentamento do engenho explosivo, depararam com toda esta cena, onde parte dos soldados choravam e tentavam recolher os restos do corpo da pessoa a quem carinhosamente chamavam Bóia.

Quando chegaram ao aquartelamento, com o resto do corpo do Bóia, o Cifra tinha acabado de decifrar uma mensagem dirigida à companhia a que pertencia o defunto Bóia, comunicando que se deviam apresentar num dos próximos dois dias no comando territorial da provincia, na capital, a fim de embarcarem para Portugal, pois tinham completado o tempo de serviço, que na altura eram dois anos. Esperariam pela chegada da força militar que os vinha substituir naquele cenário de guerra, que tinha vindo no mesmo barco que os havia de levar de regresso a Portugal, levando o defunto Bóia dentro de um caixão.

Era esta a guerra onde estávamos envolvidos, onde não havia regras de sobrevivência, o militar estava exposto até ao último minuto da sua estadia, pois era substituído por outra força militar, em pleno cenário de guerra, não tinha nenhuma chance, pois mesmo que houvesse leis, não havia qualquer meios na capital da província de se restabelecer, uns dias antes de regressar à Metropole, como então se dizia.

Alguns apresentavam-se à família, no cais da Alcântara em Lisboa, com a roupa rota e suja, as botas também rotas, com o cabelo comprido, com grandes barbas e bigodes, os dentes negros, mas mesmo negros, vários insectos minúsculos em determinadas zonas do corpo, cara de selvagens, falando pouco, desconfiados, deprimidos, olhando sempre para o chão, algumas encurrilhas na testa, em sinal e na expectativa do pior, não queriam que lhes tocassem no corpo, admirados por verem tantas pessoas trajando civilmente, pensando que ainda estavam debaixo de um abrigo, que os guerrilheiros iam atacar, que o arroz que iam comer lhes fazia os intestinos andarem parados por dias, com dores constantes na região do estômago e que só de facto algum excesso de álcool, entre outras coisas, lhes fazia ter uma vida considerada “normal”.

A alguns, todos estes sintomas não mais sairam do seu corpo e passado quase cinquenta anos, os que ainda estão vivos, que são homens com um “H” muito grande, apresentam por vezes todo este aspecto, também por vezes alteram um pouco a sua voz de revolta, e algumas pessoas, das novas gerações, onde se incluem muitos políticos, ao verem-nos, viram a cara, riem-se baixinho, e dizem:
- Deixa lá esse desgraçado falar, pois aquilo é só stress e saudades da guerra.

Oxalá que o Curvas, alto refilão, ainda esteja vivo, mas que não leia este texto, porque depois de ouvir todas estas considerações do amigo e companheiro Cifra, é capaz de vir por aí e matar tudo e todos, como ele dizia, pois era a pessoa que mais bem preparada estava, naquele tempo, para enfrentar aquele conflito, pelo menos na linguagem.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10438: Do Ninho D'Águia até África (12): O Madragoa (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10453: Parabéns a você (475): António Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç 953 (Guiné, 1964/66) e Manuel Moreira Vieira, ex-1.º Cabo da CART 1746 (Guiné, 1967/69)

Para aceder aos postes dos nossos camaradas António Bastos e Manuel M. Vieira, clicar nos seus nomes
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10441: Parabéns a você (474): Luís Borrega, ex-Fur Mil da CCAV 2749 (Guiné, 1970/72)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10452: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 Guileje e Cufar, 1969/70) (3): As refeições, em Guileje





Guiné > Região de Tombali >  Guileje > Pel Caç Nat 51 (jan 969/ jan 1970) >  Mais quatro notáveis fotos, a preto e branco, do álbum do nosso camarada Armindo Batata, ex-comandante do Pel Caç Nat 51... Na época, o Pel Caç Nat 51 esteve adido à  CCAÇ 2316 (mai 1968 / jun 1969)  e à CART 2410,  os Dráculas (jun 1969 / mar 1970). 

De cima para baixo, são fotos nº 15, 12, 13 e 14.  As fotos documentam  as "refeições em Guileje", de acordo com a anotação que vem no ficheiro cedido ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje,  refeições essas que eram tomadas no abrigo ou no espaço reservado ao Pel Caç Nat 51.  O pelotão tinha um fogareiro a petróleo que possivelmente só servia para aquecer a comida ou confecionar refeições ligeiras. No essencial, a  confeção das refeições deveria estar a cargo da cozinha da unidade de quadrícula de Guileje (primeiro,  a CCAÇ 2316 e,  depois,  a CART 2410).

O pessoal africano do pelotão devia ser  desarranchado, como acontecia com a generalidade das unidades compostas por tropas do recrutamento local. As fotos não trazem legenda, pelo que não nos é possível identificar os militares que aqui aparecem, com exceção do alf mil Batata (foto nº 12, fardado, com galões de alferes, e de óculos, e nº 15, sentado, em tronco nu, de óculos). O pessoal metropolitano era, por sua vez, de rendição individual.

Fotos: © Armindo Batata / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]

_______________


Nota do editor:

Guiné 63/74 - P10451: (Ex)citações (196): Um funeral balanta, em Barro, no tempo da CART 2412 (1968/70) (Adriano Moreira)

1. Comentário do Adriano Moreira (Admor) ao poste P10442:

[O Moreira foi Fur Mil Enf da CART 2412, Bigene, GuidajeBarro, 1968/70, e está inscrito na Tabanca Grande desde 30 de maio de 2012; foto atual à direita]


O único enterro em que fui chamado a participar ou convidado aconteceu em Barro.

Um homem grande,  de etnia balanta,  que se chamava Fonseca, meu cliente certo da enfermaria,  fez questão ou a sua família que eu assistisse ao seu funeral.

Assim, quando cheguei à tabanca,  na casa onde ele morava estava o Fonseca sentado numa poltrona de veludo vermelho, bastante coçado,  e com duas ou três notas enroladas e metidas nos lábios.

Quando foi a enterrar ao lado da sua casa,  foi precisamente num buraco aberto na vertical e na mesma posição de sentado em que estava na poltrona, que devia de servir para estas situações.

Não sei se a sua posição respeitava alguma orientação, mas como os balantas eram animistas acho que não devia ter qualquer sentido obrigatório, como Meca para os muçulmanos.

Fiquei bastante surpreendido com estas situações, mas não fiz quaisquer perguntas, nem na altura nem depois, o que realmente foi pena, pois poderia agora estar mais elucidado sobre o assunto.

Um grande abraço para todos.
Adriano Moreira



Guiné > Região do Cacheu > CCAÇ 3 > Barro > 1968 > Espaldão do morteiro 81, guarnecido por dois Jagudis, de etnia balanta.

Foto: © A. Marques Lopes (2007). Todos os direitos reservados.

_____________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P10450: Efemérides (110): Leiria homenageou os seus combatentes no passado dia 23 de Setembro de 2012 (José Marcelino Martins)

1. Em mensagem do dia 23 de Setembro de 2012 o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), mandou-nos a sua reportagem da Homenagem que o Concelho de Leiria prestou aos seus Combatentes no Ultramar.



Homenagem aos Combatentes do Concelho de Leira que serviram a Pátria no Ultramar

1º Encontro Concelhio - 23/09/2012

Levada a efeito por iniciativa da Câmara Municipal de Leiria, com a colaboração estreita do Núcleo da Liga dos Combatentes, da cidade, foram homenageados os combatentes nascidos e/ou residentes no concelho.

Todas as cerimónias foram presididas pelo Secretário de Estado da Defesa Dr. Paulo Braga Lino, estando presentes o Presidente da Câmara Municipal de Leiria, Dr. Raul Miguel de Castro, o Presidente da Direcção Central da Liga dos Combatentes, Tenente General Joaquim Chito Rodrigues, o Comandante da Brigada de Reacção Rápida, o Comandante do Regimento de Artilharia 4, representantes da Armada, da Força Aérea, Guarda Nacional Republicana e Policia de Segurança Pública. Também se encontrava presente a direcção do Núcleo da Liga dos Combatentes, tendo a frente o seu Presidente, Tenente-coronel Mário João Ley Garcia.

Os núcleos de Marinha Grande, Alcobaça, Batalha e Rio Maior fizeram-se representar com os seus Guiões.

As cerimónias tiveram início pelas 14H30 na Sé Catedral de Leiria, cuja primeira pedra foi lançada em 11 de Agosto de 1550, com uma missa de sufrágio pelos militares Tombados em Campanha e, também, pelos Combatentes que tendo regressado, já partiram do nosso convívio. A Santa Missa foi celebrada pelo Capelão da Base Aérea nº 5, Monte Real, Alferes Capelão Padre Manuel Henrique.

À homilia, desenvolvendo o Evangelho do dia de hoje (Mateus 9,30-37), deu ênfase ao versículo 35: Jesus sentou-se, chamou os doze e lhes disse: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”, dizendo que, com base nestes”ensinamentos” a “importância” que alguns tomam, “quer por posição social quer por questões hierárquicas”, não os engrandece aos olhos de Deus.


Terminada a cerimónia religiosa, as entidades oficiais, os combatentes e suas famílias, dirigiram-se para o local onde, em 10 de Junho de 2008, foram inauguradas três placas com os nomes dos Militares Tombados em Campanha do Concelho de Leiria.

No local encontrava-se um pelotão do Regimento de Artilharia nº 4, com fanfarra, para prestar as Honras Militares.


Como é hábito, nas cerimónias deste género, iniciou este acto o Capelão da B.A. 5, com uma oração para aqueles que tombaram, recordando-os.

Seguidamente o Secretário da Defesa, o Presidente da Câmara e o Presidente da Liga dos Combatentes, descerraram a lápide a inaugurar, que se encontrava coberta pela Bandeira Nacional e colocada junto às lápides anteriormente referidas.

Procedeu-se, então à colocação de coroas de flores junto ao monumento.


De seguida, com o pelotão em “ombro armas”, a fanfarra executou o toque de “Silêncio”, o toque que, sendo o último toque ouvido no dia a dia duma unidade militar, aqui representa o “tombar em campanha”; seguidamente, com a força em “apresentar armas” e em continência, foi escutado o toque de “mortos em combate” a que se seguiu um minuto de silêncio total. Passada esta homenagem aos que tombaram e porque acreditamos que “há mais vida para além da vida”, foi executado o toque de “alvorada” pois acreditamos que, um dia, todos nos voltaremos a encontrar.


Terminado este acto, a força militar retirou do local, sendo sido oferecido aos combatentes presentes, e que se inscreveram antecipadamente no Núcleo da Liga ou nas Juntas de Freguesia da sua naturalidade, uma lembrança, personalizada, que lembrará a homenagem que o Presidente da Câmara, também ele Combatente do Ultramar, quis prestar aos Leirienses.


A cerimónia terminaria com o desfile dos combatentes, tendo à frente a fanfarra militar e o guia na Núcleo dos Combatentes de Leiria, frente a uma tribuna onde se encontravam as autoridades oficiais e convidados.

O dia iria terminar nas instalações onde se encontra aquartelado o Regimento de Artilharia 4, num convívio de combatentes e familiares. Não estive presente, porque outros compromissos me fizeram regressar a casa.


José Marcelino Martins
23 de Setembro de 2012
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10317: Efemérides (109): Leiria vai homenagear os seus combatentes em 23 de Setembro de 2012 (José Marcelino Martins)

Guiné 63/74 - P10449: Passatempos de verão (17): Luís R. Moreira, de férias em terras transmontanas de Miranda, com o campeão do jogo da malha Belmiro Vaqueiro

1. Mensagem do nosso camarada Luís Rodrigues Moreira (ex-Alf Mil Sapador da CCS/BCAÇ 2917 e BENG 447, Bambadinca e Bissau, 1970/72), com data de 15 de Setembro de 2012, dando-nos conta das suas férias em Miranda do Douro, onde confraternizou com o outro nosso camarada Belmiro Vaqueiro, ex-Fur Mil da CCAÇ 1426 (1965/67) que esteve no subsector de Bafatá:

Caro Carlos,
Nestas férias estive em Miranda do Douro onde também tem casa o nosso camarigo Belmiro Vaqueiro cuja residência oficial é em Bragança como consta nos arquivos da Tabanca Grande.

Há muitos anos que somos amigos e até foi ele que me deu o contacto do blogue para me inscrever. Não temos podido contar com a sua presença nos nossos encontros anuais devido à interioridade e grande distância das localidades onde habita e os locais onde decorrem os nossos encontros. Mas, este ano, resolvemos tirar umas fotos em Miranda que agora te envio para fazeres o que achares por mais conveniente.

Umas com vistas de Miranda e outras onde aparece o jogar o tradicional “Jogo do Fito” (na minha terra é mais conhecido por “Jogo da Malha”) no qual ele é o campeão indiscutível na zona. Não há no blogue muitas referências a qualquer um de nós sobre a passagem pelo T.O. da Guiné, no meu caso por falta de memórias dessa altura já que o acidente que sofri me afectou nesse campo e só recentemente com a leitura do blogue e o encontro com camaradas do meu tempo em Bambadinca – Luís Graça, Humberto Reis, Fernando Marques, Cabral, Vacas de Carvalho, Gabriel Gonçalves, Benjamim Durães e …. tantos outros, me tem permitido reavivar a memória e recordar alguns momentos desse tempo.

E por aqui me fico.
Recebe um grande abraço do camarigo,
Luís R. Moreira

Um aspecto do Jogo do Fito ou, mais vulgarmente conhecido, Jogo da Malha



Os nossos camarigos Belmiro Vaqueiro e Luís R. Moreira (por esta ordem nas fotos inferiores) em Miranda do Douro

Fotos de Luís R. Moreira
Legendas de Carlos Vinhal
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10426: Passatempos de verão (16): Viva Portugal (Felismina Costa)

Guiné 63/74 - P10448: Carta aberta a... (7): Meu amigo guineense Cherno Baldé: O(s) nosso(s) esclavagismo(s) e a arrogância do sr. René Pélissier (António Graça de Abreu)

1. Carta aberta ao Cherno Baldé

[, foto à esquerda, 1972, no CAOP1, em Teixeira Pinto, TO da Guiné]

Tenho por ti todo o respeito do mundo e as diferenças de opinião fazem parte do que somos e enriquecem naturalmente a nossa vida.

Há uns postes atrás, num comentário a comentários, um deles meu, dizes que concordas com a afirmação do Réne Pélissier que volto a citar:

"Para a história colonial portuguesa basta consultar os autores de língua inglesa. Há séculos que a maior parte a denuncia como negreira, arcaica, brutal e incapaz: a quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos".

O francês Pélissier fez esta afirmação, em entrevista a Lena Figueiredo, publicada no jornal Diário de Notícias, Artes, de 02.04.2007 [, Clicar aqui para ler a entrevista na íntegra. LG]. (*)

Isto é uma opinião, ou arrumar de vez com a história colonial portuguesa "quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos?" Isto é uma afirmação de quase ódio a Portugal e aos portugueses. Claro que não fomos santos, mas esta não é a nossa História, tanta vez mal contada.

E aqui não estamos no reino das opiniões.

Por isso, meu caro Cherno [, foto à direita, 1989, em Kiev, Ucrânia], saúdo a tua verticalidade e honestidade intelectual ao acrescentares ainda no mesmo rol de comentários, em referência outra vez ao René Pélissier:

“Nem sempre concordei com a sua linguagem arrogante e de desprezo para com os portugueses e seus aliados.”

A questão, meu caro Cherno, é termos no blogue tantos camaradas que gostam não só enaltecer o trabalho de Pélissier (que nunca foi à Guiné e é uma espécie de rato de biblioteca, rato reaccionário de esquerda, mas rato) mas também de concordar com o que tu chamas “a sua linguagem arrogante e de desprezo para com os portugueses”. E é pena, e às vezes, dói.

Sabemos como funcionava no século XIX muito do recrutamento (chamemos-lhe assim!)
de escravos africanos que embarcavam pela força nos navios negreiros, de bandeira norte-americana, inglesa e francesa (havia navios negreiros portugueses?) rumo ao Brasil, às Caraíbas, à América do Norte?

É ou não verdade que muitos desses infelizes negros, que morriam às centenas em cada viagem transatlântica, eram entregues, vendidos aos capitães negreiros brancos pelos chefes tribais negros dos territórios que se estendem do Senegal até Angola e eram resultado de infindáveis lutas fratricidas entre diferentes etnias? Quem vencia capturava os seus escravos e depois vendia-os aos negreiros ingleses, franceses e norte-americanos.
Estarei a inventar?

Não questiono o colonialismo português. Existiu, com certeza, cometeram-se muitos crimes contra os povos das colónias. E os povos africanos não cometiam constantemente crimes entre si?

Será que é correcto pôr nos pratos da balança, de um lado os brancos, os maus, do outro, os negros, os bons? É assim tão simples, tudo a preto ou branco? Ou o mundo felizmente é a cores, a todas as cores do universo.

Bons e maus existem, coexistem sempre em gente de múltiplas cores.

Estamos em 2012.  
Os tempos são outros, os povos africanos conseguiram a sua tortuosa independência.
Pós independência quase todos os novos dirigentes africanos cometeram outros tantos incontáveis atentados e crimes contra os seus povos. Vê só as lutas tribais no Congo, no Ruanda, no Sudão com milhões de mortos.

Também sei que o neocolonialismo existiu e existe e também tem fomentado muitos conflitos. Mas será o responsável, por exemplo, por quase trinta anos de guerra civil em Angola?

Hoje, cinquenta anos após as mais variadas independência, continuar a acusar os colonialistas portugueses de serem "a quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos", é mentira e não fica bem a quem o faz, ainda por cima um francês que passa uma esponja encharcada mas “limpinha” sobre o colonialismo da França.

Os africanos, tal como alguns brasileiros -- ou até os cubanos, com Fidel de Castro em Havana diante de João Paulo II, há uns anos atrás, a acusar o colonialismo espanhol das desgraças de Cuba, cem anos após a independência da ilha - , os africanos, alguns brasileiros e cubanos, dizia eu, têm tudo a ganhar em se libertaram do complexo anticolonialista. Povos que não conseguem libertar-se dos traumas verdadeiros ou fictícios de um passado que já nem sequer conheceram, com que procuram sempre justificar as suas incapacidades e incompetências, não crescem e permanecerão não vítimas do colonialismo mas reféns de si próprios.


É muito fácil acusar os colonialistas que deus (ou o diabo!) tenha. Muito mais difícil é construir um país e lutar por uma vida melhor para os seus povos.

Abraço,

António Graça de Abreu


[Subtítulo da responsabilidade do editor]
________________

Nota do editor:

Último poste da série > 16 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7294: Carta aberta a... (2): Professores António de Oliveria Salazar e Marcello Caetano (António Graça de Abreu)

(*) Entrevista dada ao DN, a propósito do livro:

Título: 
Campanhas Coloniais de Portugal 1844-1941, As
Autor: René Pélissier
Coleção: Histórias de PortugalCategoria: Ciências sociais e humanas
Editora, local e ano: Editorial Estampa, Lisboa, 2006
Nº pp. 448
Brochado, 14x20,5 cm,  €21,95

Pela primeira vez, este livro revela a história global da conquista do enorme império colonial que Portugal chegou a construir em África, na Índia e na Insulíndia, a partir de 1844. 

Marcada por guerras quase permanentes no início do século XX, esta conquista durou até 1941. No seu apogeu, a extensão do império português foi proporcionalmente igual à do império francês. Como é que, sem dinheiro nem emigrantes numerosos, mas por meio de armas, este pequeno e pobre reino, que as grandes potências queriam desapossar, foi capaz de conseguir uma tal empresa? 

É o que nos conta esta obra minuciosamente documentada. Abundante em informações, este livro magistral esclarece toda uma vertente de História quase desconhecida, cujas consequências não cessam de se repercutir no nosso mundo contemporâneo.

Guiné 63/74 - P10447: Notas de leitura (412): "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", por René Pélissier (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Julho de 2012:

Queridos amigos,

Por exigência do ofício, vou agora rondar pelas histórias da Guiné, imperativo que me é imposto pelo novo trabalho que tenho em mãos quanto a um roteiro que faz o arco entre a Guiné Portuguesa e a Guiné-Bissau.
É uma tentação este texto de René Pélissier, o investigador aparece bem documentado, é por vezes muito brusco e torna a leitura palpitante graças às suas descrições onde não faltam aventuras, guerras e a consideração que ele mostra pelo esforço dos portugueses em internarem-se no mato para consolidar posições. Deita por terra o mito da nossa presença ao longo de cinco séculos, o que é verdade é que mal se saiu da orla marítima, quase sempre dentro das praças e dos presídios. Sim, é apaixonante ler este René Pélissier que ainda se encontra nas livrarias.

Um abraço do
Mário


A história da Guiné,  por René Pélissier (1)

Beja Santos

No âmbito do trabalho que estou a desenvolver com o Francisco Henriques da Silva e que se intitula “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro”, tem total cabimento afoitarmo-nos a fazer uma incursão pelas diferentes obras que falam da Guiné. A primeira história da Guiné foi a de João Barreto, um médico goês, curioso pelo passado da Guiné e que deu à estampa o seu trabalho em 1938.

É mais uma obra de divulgador que de especialista, tem incontestáveis méritos e revela abundantes insuficiências, como mais tarde se destacará. Em 1954, o então comandante Avelino Teixeira da Mota publica um estudo detalhado, a história da Guiné Portuguesa, que durante anos foi a peça de referência e ainda hoje é de leitura obrigatória em certos domínios. E veio a seguir René Pélissier com a sua História da Guiné, portugueses e africanos na Senegâmbia, 1841-1936, dois volumes, Editorial Estampa 1989.

A historiografia posterior aparece parcelada, António Duarte Silva escreve o seu incontornável “Invenção e Construção da Guiné-Bissau”, um olhar que permite ao estudioso e ao interessado pelas coisas guineenses entender a importância da obra de Sarmento Rodrigues e a fase da Guiné como província ultramarina, até chegarmos aos alvores da causa nacionalista. Como igualmente importante se revela a Guiné, 1963-1974, de Fernando Policarpo (QuidNovi, 2006),  porventura o estudo nos oferece a melhor síntese do período correspondente à luta de libertação.

O trabalho de Pélissier aparece prefaciado por Leopold Senghor. É muito belo o que ele nos escreve aqui:

“Os meus antepassados fulas e mandingas provêm de Gabu, no nordeste da Guiné portuguesa, para se integrarem em Sérères do Sine, mais exatamente na Petite Côte do Senegal, onde Joal, minha terra natal, é um porto banhado pelo Oceano Atlântico. Além disso, o meu apelido Senghor tem origem na palavra portuguesa Senhor, tal como o nome da minha cidade natal, Joal, é igualmente um apelido português. Acresce ainda que, além de outras coisas, tenho sangue português. Last but not least, no Senegal predominam os nomes e, portanto, o sangue português, sobre os nomes e o sangue franceses. Para compreender este facto bastará ler o livro de Pélissier. Aliás, no Casamansa fala-se ainda o crioulo português como dialeto regional (…) o que René Pélissier, ou melhor, mostrar, é a originalidade da colonização portuguesa e, sobretudo, o seu carácter nem racista, nem fanático (…) O leitor europeu não ficará pouco surpreendido ao verificar isto: estas campanhas, mais exatamente estas repressões ou estas guerras são quase sempre dirigidas não tanto contra os revolucionários das cidades, os mestiços, os cristãos, até mesmo os muçulmanos, mas contra os povos animistas: os Papéis, os Balantas, os Felupes e outros Beafadas”.

Senghor considera que esta obra proporciona uma leitura apaixonante e dou-lhe toda a razão.

Na introdução, o autor explica-nos ao que vem. Primeiro, contribuir para desfazer o mito dos cinco séculos da colonização-exploração portuguesa; segundo, tentar encher um vazio no conhecimento da África Ocidental pelos francófonos, cujos historiadores, praticamente todos, cessaram as suas investigações nas fronteiras da Guiné. Sem aparentemente se aperceberem de que este enclave não só tinha uma história própria como ainda uma certa importância; terceiro, um estudo dirige-se principalmente aos guineenses para eles considerarem a resistência/colaboração dos seus avós à conquista colonial. Neste ponto, o autor é esclarecedor:

“A Guiné, entre 1841 e 1936 foi uma terra de violência, repetitiva e de uma intensidade que não foi igualada nos territórios de extensão comparável na África Ocidental: perto de três vezes mais que no Casamansa. Com 81 campanhas, expedições ou simples operações que envolveram um mínimo de cerca de 8500 soldados regulares e cerca de 42000 guerreiros e auxiliares alistados do lado português, para consolidar uma colonização que, até ao começo do século XX não sabia se não teria de fazer as malas e pôr-se a andar. Ver-se-á, ao longo do texto, que a razão essencial desta acumulação de choque está ligada com a fraqueza intrínseca do poder português que só avança verdadeiramente para o interior das guerras depois dos grandes massacres de animistas de 1913-1915”.

Nos primórdios tínhamos a Guiné de Cabo Verde (1841-1844), de cedência em cedência a presença portuguesa fica confinada à Guiné de Cabo Verde, uma fração da Guiné de Cabo Verde dos séculos XVI-XVII que começava na foz do Senegal e ia até à Serra Leoa. Esta Guiné é a dependência de Cabo Verde, um género de colónia de uma colónia, pontificam tanto no tráfico negreiro como na administração incipiente os cabo-verdianos, a despeito do tratado luso-britânico de 19 de Fevereiro de 1810 pelo qual o tráfico negreiro era proibido na Guiné.

Pélissier desvela as práticas desse tráfico e os seus protagonistas. Interpelando o que era a Guiné neste período responde:

“Em 1841-1844, a Guiné dos portugueses e dos lusitanizados é, em primeiro lugar, os rios. A isto se junta, em equilíbrio precário nas suas margens, algumas escalas mestiças que sobrevieram à concorrência estrangeira”.

 Explica quais são os limites da Guiné, a sua fronteira marítima de cerca de 450 quilómetros e tece novas considerações:

“Na prática, o problema dos portugueses do litoral, no século XIX, consistirá em fazer com que a França e a Grã-Bretanha admitam que esta costa lhe cabe sem partilhas. Ora, contrariamente a Moçambique e principalmente a Angola, que aumentarão a sua extensão, a Guiné fictícia de 1841-1844 perderá quase metade das suas margens antes de se reduzir às fronteiras que lhe conhecemos. Esta costa é disputada não só nas chancelarias como até já no terreno”.

Seguir-se-á o trabalho de interiorização, os portugueses afanosamente acabarão por criar uma verdadeira colónia. As receitas, nesta fase ainda de tutela de Cabo Verde, resumem-se aos rendimentos da alfândega de Bissau e as despesas aos soldos das guarnições e de alguns funcionários civis, bem como às raras obras de consolidação dos edifícios públicos.

René Pélissier afirma que não há conhecimento exato do comércio das feitorias e argumenta:

“Com a exceção de dois ou três navios americanos, a exclusividade da navegação lícita pertence às escunas e chalupas inglesas e francesas de Gâmbia e de Goreia, que visitam duas ou três vezes por ano, cada uma, os postos portugueses. Os produtos declaráveis são o marfim, os couros e peles, a cera, o óleo de palma, as tartarugas, algum ouro e as madeiras”.

Há um prudente silêncio sobre o tráfico negreiro. Todo o comércio se baseia na troca e nos pagamentos em espécie. Quanto à topografia político-militar, o autor refere duas capitanias-mores, a de Cacheu e a de Bissau que estão unificadas numa comarca que tem à cabeça um subperfeito, residente em Bissau, isto antes de 1842 ano em que a Guiné volta a dividir-se em dois distritos autónomos, cada um com um governador dependente do governador-geral de Cabo Verde. Os portugueses ocupam Zinguichor, de há muito cobiçada pelos franceses, há registo de um enorme esforço de Honório Pereira Barreto para suster esta presença francesa, mas o Casamansa português está num completo declínio.

Na bacia do rio Cacheu, a presença portuguesa é dada pelo presídio de Bolor, pela povoação de Cacheu e a sua antena de Farim. No rio Geba espalha-se uma série de guarnições a começar por Bissau, depois Fá, Geba e Ganjarra, quase em frente à feitoria de Geba; há uma ténue presença no Rio Grande de Buba, no arquipélago dos Bijagós a presença portuguesa ocorre em Bolama e na Ilha das Galinhas. Por esta data inicia-se a “Questão de Bolama”. Só no final do Século XIX é que os portugueses se afoitarão à região Sul, depois do acordo celebrado com os franceses em 1886. Mas a vida em Bissau é terrível, está sujeita a guerras permanentes, como se passa a descrever.

(Continua)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10436: Notas de leitura (411): "Rumo a Fulacunda", de Rui Alexandrino Ferreira (Belarmino Sardinha)

Guiné 63/74 - P10446: A africanização na guerra colonial e as suas sequelas (Carlos Matos Gomes) (Parte I)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (julho de 1969 / março de 1971) >  Uma companhia indepedente, baseada em praças do recrutamento local, de etnia fula, criada em 1969.  Todos eles eram soldados de 2ª classe, com alguns arvorados, suscetíveis de virem a ser promovidos a 1ºs cabos, logo que fizessem o exame da 4ª classe... Na foto, paragem de um coluna numa tabanca fula, para gáudio dos djubis que não escondiam o seu fascínio  pelas fardas e o armamento dos seus irmâos mais velhos, e pelas viaturas em que eram transportados...

Álbum do Arlindo Roda, ex-fur mil at inf, 3º gr comb, CCAÇ 12 (1969/71). Edição e legendagem: L.G.


Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de Carlos Matos Gomes, Coronel Cavalaria Reformado (escritor e historiógrafo da guerra colonial), encaminhada para o nosso Blogue por Mário Beja Santos:

Meus caros amigos

Junto vos envio um texto sobre tropas locais e africanização da guerra que é a adptação para publicação em livro do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra do texto que serviu de base a uma comunicação num seminário sobre a guerra colonial seus segredos.

Tem alguns números novos e alguns enquadramentos que julgo originais a propósito das tropas locais e do seu papel na guerra e no seu destino no pós-guerra...
Um abraço
Carlos Matos Gomes


A africanização na guerra colonial e as suas sequelas 
“Tropas Locais – Os vilões nos ventos da História”

Carlos de Matos Gomes

A administração colonial e o papel dos agentes locais 

O colonialismo português, tal como o francês e o inglês (também o alemão, enquanto durou) exerceram o seu domínio nos territórios que dividiram entre si na Conferência de Berlim (1884-1885) interpondo agentes locais entre os administradores europeus e os povos. As estruturas de contacto incluíam as autoridades tradicionais mais ou menos controladas para garantirem a fidelidade aos poderes coloniais, os elementos assimilados, que funcionavam nos níveis mais baixos da administração e das forças de segurança e forças de segurança, tanto de polícia como militares.

Quanto aos aparelhos militares, existia uma tradição de participação de africanos no exército colonial português desde a segunda metade do século dezanove, para apoiar a penetração no interior de África. O Exército colonial estava então organizado em unidades de primeira linha, constituídas por contingentes expedicionários enviados de Lisboa e por deportados e por tropas de segunda linha, com soldados recrutados localmente, mulatos e negros assimilados. Em tempo de conflitos, eram constituídas forças nativas sob o comando de chefes locais fiéis, que assumiram várias designações, entre elas a de “empacaceiros” (um termo que, curiosamente, seria recuperado durante a guerra colonial para designar as tropas regulares – “a tropa pacaça”). Estas tropas são a longínqua origem das forças africanas e alguns autores julgam que as “campanhas de pacificação” do início do século XX de Angola e de Moçambique não teriam sido possíveis sem estas tropas auxiliares, que atingiram elevadas percentagens de forças combatentes (90% em Angola), como também julgamos que a guerra colonial o não teria sido, pelo menos nos últimos anos.

A regulamentação do recrutamento destas tropas, feita em 1904, estipulava que este devia ser realizado através dos régulos. O que significou o envolvimento das autoridades locais, desde muito cedo, no processo de criação de tropas locais. Em Moçambique o recrutamento militar seguiu, aliás, os mesmos procedimentos do recrutamento para as minas do Transvaal, realizado com forte envolvimento das autoridades tradicionais. Em Moçambique, durante a guerra contra os alemães (IGG) foram incorporados 25.000 moçambicanos como soldados para combaterem no norte, o que representava 44% dos efectivos portugueses e o recrutamento a partir daí passou a ser um acto comum e regulamentado, fazendo as forças do Exército nas colónias parte do aparelho colonial e pertencendo a sua administração ao Ministério das Colónias. Após a II Guerra Mundial, durante os anos 50, ocorreu a reestruturação das forças armadas portuguesas, passando todas elas a depender do Ministério da Defesa. No Exército foram criadas as Regiões Militares de Angola e de Moçambique, os Comandos Territoriais Independentes. Na Armada, os Comandos Navais, e na Força Aérea, as Regiões e Zonas Aéreas. Foram criadas, ou reorganizadas as unidades africanas, que passaram a integrar o dispositivo militar português. Foram ainda criados pelo Exército centros de instrução de tropas em Angola (Nova Lisboa/Huambo); Moçambique (Boane) e Guiné (Bolama). Ver Quadro 2. Em 1961, ano do inicio da guerra colonial o Exército dispunha em África de unidades locais organizadas nos mesmos moldes das unidades europeias.


A africanização das forças portuguesas na guerra

A africanização das forças portuguesas começou, como vimos, muito cedo e muito antes do início da guerra colonial e processou-se seguindo o modelo das outras potências coloniais. A necessidade do recrutamento local tem a ver com razões de quantidade e de qualidade.

No caso português, as razões de quantidade são as que resultaram das crescentes dificuldades financeiras de Portugal em suportar as despesas da guerra (as tropas recrutadas localmente eram mais baratas, pois não necessitavam de ser transportadas para os Teatros de Operações e ganhavam menos) e porque supriam o défice de recrutamento metropolitano, que chegara em 1973 aos limites da sua capacidade. Em 1973, 6% da força de trabalho português estava empenhada na guerra e Portugal era o país com maior percentagem da população a cumprir obrigações militares, depois de Israel.

As razões de qualidade para a utilização de africanos como força de combate de primeira linha são as que resultam do facto do soldado africano, além de ser mais barato, se adaptar melhor do que o europeu ao terreno, se inserir nas culturas locais e avaliar por isso melhor o «estado de espírito das populações», ser mais produtivo na recolha de informações, resistir melhor às doenças tropicais. Tinha, por fim, uma vantagem política de grande importância a nível psicológico, porque a sua morte ou ferimento exercia menos impacto na opinião pública metropolitana.

Apesar destas vantagens, o processo de africanização não foi de aceitação generalizada entre a hierarquia política e militar portuguesa. Os setores mais conservadores viam nos africanos potenciais terroristas, antes de qualquer outra coisa, opuseram-se ou procuraram limitá-lo e os comandantes militares encararam o processo de africanização das forças armadas cada um segundo a sua perspetiva de emprego no respetivo teatro de operações, sem unidade de doutrina.

Convém no entanto dizer que a questão da africanização, mais do que uma questão de quantidade de homens e unidades, foi uma questão de qualidade dessas tropas e, acima de tudo da qualidade dos papéis políticos que elas desempenhavam ou estava previsto virem a desempenhar, como veremos.


Os papéis das forças e a sua organização 

A africanização das forças portuguesas assentou em três tipos de unidades:
- unidades regulares do Exército - companhias e batalhões de caçadores (infantaria), grupos de artilharia e de cavalaria; unidades de serviços, recrutadas localmente, que faziam parte do dispositivo das regiões militares de Angola e de Moçambique e comando territorial independente da Guiné.
- unidades especiais – unidades de características ofensivas e com elevada capacidade de combate, umas eram orgânicas das forças armadas, no caso do Exército, companhias e batalhões de comandos recrutados localmente; na Marinha, destacamentos de fuzileiros especiais da Guiné; outras dependiam dos governos locais, como foram o caso dos GE, dos GEP; ou de outras instituições, que não as forças armadas, caso dos Flechas da PIDE/DGS, e até forças oriundas de territórios estrangeiros, como os catangueses dos «Fiéis» e os zambianos dos «Leais». (Designaremos estas, de forma geral, por “forças especiais africanas” para facilidade e comodidade de comunicação.)
- unidades de milícias – pequenas unidades de base local, étnica/tribal, normalmente com funções de autodefesa e segurança próxima.

Estes três tipos de forças desempenharam papéis muito diferentes na guerra e sofreram tratamento diferente das novas autoridades no pós-independência. As unidades regulares faziam parte de uma tradição de serviço militar estabelecida desde o inicio da colonização e, apesar do seu incremento durante a guerra, não sofreram um impacto maior do que aquele que é produzido em situações normais de conflito. As unidades de milícia, implantadas nas regiões de origem dos seus elementos, também integravam as estruturas administrativas e não motivaram reações de violência que tivessem excedido as disputas locais.

A grande questão da violência originada pela africanização centrou-se nas “forças especiais africanas”, fossem as forças especiais orgânicas das forças armadas, comandos e fuzileiros; fossem as forças especiais constituídas no universo da administração civil, GE, GEP e «Flechas». Isto porque foi nestas que assentou a especificidade da africanização da guerra nos três teatros de operações. Essa especificidade teve a ver com a sua organização e comando, com as suas missões ofensivas, mas sobretudo com o papel político que lhes estava destinado desempenharem numa fase futura da situação colonial.

Quanto à sua organização e comando, os dois aspectos mais distintivos destas forças são a intensidade do empenhamento dos quadros europeus com as tropas africanas; e a promoção aos postos mais elevados de comando operacional de quadros africanos com base no seu mérito. O empenhamento e envolvimento de quadros portugueses europeus no comando de unidades africanas (único na história militar das potências europeias em guerras coloniais, em que europeus comandaram unidades em combate onde todos os efectivos eram africanos, em acções de alta perigosidade e em situações extremas de isolamento, incluindo o combate em territórios estrangeiros) e a promoção de militares africanos aos postos mais elevados na hierarquia das unidades operacionais tinha o óbvio significado de identificação dos quadros africanos com a política colonial portuguesa, que lhes reservava um futuro lugar de relevo.

A grande questão que estas unidades de “forças especiais africanas” levantaram e que motivaram a reação dos novos poderes instalados após as independências, foi a de elas terem conjugado a sua capacidade operacional tanto através do espírito de corpo e do respeito por valores essencialmente militares, inerentes ao profissionalismo militar como, e isso era inaceitável nas condições em que os novos dirigentes chegaram ao poder, através da identificação politico/ideológico dos seus quadros e tropas, com uma possível solução de tipo que seria considerado neocolonial. Será por este motivo que os novos poderes orientarão a sua atenção e em muitos casos a sua violência, contra estas tropas e os seus membros.

Por fim, a amplitude da africanização das forças portuguesas, atingiu proporções únicas nos conflitos coloniais. (Quadro 1)

Quadro 1 – Relação de Efetivos Metropolitanos e de Recrutamento Local


Legenda:
Ex (M) = Exército (Metrópole); Ex (RL) = Exército (Recrutamento Local); GE = (Grupos Especiais); TE = (Tropas Especiais)
Recrutamento Local – Inclui efetivos das Forças Armadas recrutados localmente e forças auxiliares locais.

Em resumo, dos cerca de 170 mil homens nos três teatros de operações, cerca de 83 mil eram de recrutamento local, o que representa aproximadamente 48%, uma percentagem que, se forem tomados em consideração os efetivos da OPVDC (Organização Provincial de Voluntários de Defesa Civil) existentes em Angola e Moçambique e as Guardas Rurais, deverá ficar muito próximo dos 50%.


As forças especiais africanas 

A dimensão destas forças e a sua tipologia foram diferentes nos três teatros, embora dentro dos mesmos princípios de emprego. Elas tomaram nomes muito variados, tantos que, à falta de designação, chegaram a ser constituídos os Grupos Muito Especiais em Moçambique. Assim e por teatro de operações, temos como forças principais (Ver Quadro 2):

Quadro 2 - Unidades de Recrutamento local



Angola

Grupos Especiais (GE) - Criados em Angola em 1968, como primeiro modelo de unidade operacional africana autónoma de base local, dependente das forças armadas. Beneficiavam de treino militar equivalente ao das tropas especiais de tipo comando. Organizados como grupos de combate e estacionados junto às companhias do exército regular, sob as ordens das quais atuavam. Constituíram uma evolução do conceito de milícias de auto-defesa, passando a ser forças de intervenção auto-organizadas e autónomas.

 Os GE angolanos foram o modelo mais popular no conceito militar colonial de tropas auxiliares, tendo chegado aos cerca de 3 000 homens, distribuídos por todo o território, sobretudo no norte e no leste.

Flechas – Criados pela PIDE/DGS, a partir de antigos guerrilheiros e de elementos das tribos Khoisan (Bosquímanos) do sul de Angola. No final da guerra ultrapassavam os 2 500 homens. Apesar da grande autonomia de emprego, dependiam operacionalmente das forças armadas.

Tropas Especiais (TE) – Surgiram em 1966, em Cabinda, quando Alexandre Tati desertou da FNLA. Os seus efectivos rondavam os 1.200 homens e atuaram especialmente contra o MPLA, em Cabinda e no norte de Angola.

Fiéis - Forças originárias do Catanga. A estratégia de criação e accionamento de tropas auxiliares autónomas foi levada ao limite, em Angola, com a criação de forças originárias em grupos dissidentes de países vizinhos, nomeadamente o Zaire e a Zâmbia. Em 1967, aproveitando a entrada no leste de Angola de grupos de gendarmes catangueses antigos apoiantes de Moisés Tchombé, que as autoridades portuguesas acolheram como refugiados políticos, foi criada, através de uma operação denominada «Fidelidade», uma força militar africana de cerca de 2 500 homens, que foi utilizada na luta contra o MPLA em troca da promessa de um futuro apoio português à luta pela “libertação” do Zaire.

Leais - Numa acção em tudo idêntica e contemporânea da dos Fiéis, embora com menores proporções, as autoridades portuguesas montaram a «Operação Colt» para formar uma força auxiliar à base de refugiados zambianos do African National Congress (ANC), que se opunham ao regime de Kenneth Kaunda. Com o nome de código de Leais, esta força actuou no leste e no sul de Angola.

Além destas forças especiais as forças armadas portuguesas dispunham em Angola de unidades de comandos, do Exército, instruídos localmente e que incluíam uma elevada percentagem de elementos recrutados no território, incluindo oficiais e sargentos.


Guiné 

Milícias – A partir das milícias de autodefesa, foi desenvolvido pelo estado-maior do general Spínola o conceito de grupos de intervenção de milícias (companhias e pelotões), já não ligados meramente à autodefesa das “tabancas”, mas operando como força étnica de intervenção, enquadrada pelo Comando Geral de Milícias, que dispunha de um centro de instrução próprio.

As forças armadas dispunham, como forças especiais, de um Batalhão de Comandos Africanos (Exército), com três companhias de comandos e de dois Destacamentos de Fuzileiros Especiais Africanos (Armada).


Moçambique

Grupos Especiais (GE) – Criados em 1970, para integrarem a operação «Nó Górdio» como forças de recrutamento local, com base étnica, semelhantes aos GE de Angola. Posteriormente foram criados os Grupos Especiais Paraquedistas (GEP), de recrutamento nacional, com sede no Dondo/Beira e que actuaram especialmente na zona de Tete.

Além destes GE e GEP, existiram ainda grupos de milícias dependentes dos governos de distrito, com funções de autodefesa, de pesquisa de informações e de patrulhamento. O mais conhecido foi o grupo de milícias do Niassa, comandado por um caçador europeu, Daniel Roxo.

Além destas forças especiais, as forças armadas dispunham em Moçambique de um Batalhão de Comandos (Exército), que passou a formar companhias de comandos de recrutamento local a partir de 1970, em Montepuez.


Conceitos de africanização nos Teatros de Operações 

A análise da africanização da guerra, em especial das tropas especiais africanas, permite verificar as diferenças estruturais que, a partir de 1970, se abrem na direcção da guerra, que até então era unitária. Os objectivos da africanização – dada a personalidade dos seus comandantes-chefe - são claramente diferentes em cada um dos teatros de operações e correspondem a projetos políticos muito distintos.

Na Guiné, Spínola procurou, a partir das experiências de milícias e explorando distinções étnicas, criar um exército africano «nacional» à imagem do exército português, estruturado em companhias agrupadas em batalhões, tendo em vista provavelmente uma futura federação de Estados de língua portuguesa. A africanização da guerra na Guiné estava ao serviço do projecto político de Spínola de uma comunidade de países e de uma federação de Estados.

Em Angola, a africanização teve como objectivo aumentar a capacidade operacional das forças portuguesas e a sua autonomia de forma a criar condições políticas e militares para atrair um dos movimentos – a UNITA – e elementos dos outros. Os Flechas serão o conceito mais específico deste tipo de tropas. A africanização tinha como objectivo político a atração de guerrilheiros e dirigentes nacionalistas, especialmente no Leste e Sudeste do território.

Finalmente, em Moçambique, apesar da grande percentagem de recrutamento local, a formação de tropas africanas autónomas não só foi mais tardia, como estas foram integradas na manobra convencional de Kaúlza de Arriaga, sem explorar todas as suas especificidades de conhecimento do terreno e de ligação às populações. Esta situação explica-se pelos conceitos táticos de Kaúlza de Arriaga, mais inclinado para a manobra clássica e por outro pela difícil relação entre as forças armadas, as autoridades civis e a PIDE/DGS, que levaram o general a resistir até ao limite à formação de «Flechas», o que só veio a acontecer por determinação de Lisboa e já no final do seu mandato.

No final da guerra, os três teatros de operações apresentavam realidades distintas, embora em todos eles fosse generalizada a utilização de forças de recrutamento local. Na Guiné prevalecia um quadro com tendência a evoluir para um conflito opondo um exército africano semelhante ao português às forças do PAIGC, portanto com nítidos contornos de conflito civil, em que a componente de forças armadas europeias seria utilizada como reserva. Em Moçambique, apesar das resistências, houve uma evolução lenta mas consistente de unidades africanas, que em 1973 tinham um papel de principal força de combate na zona de Tete, asseguravam a estabilidade na zona do Niassa e funcionavam como força supletiva na zona de Cabo Delgado. Não tinham contudo, nenhum papel político, a não ser aquele que o engenheiro Jorge Jardim para elas estabelecesse. Os GEP seriam a sua força de manobra.

Finalmente em Angola, as forças africanas foram particularmente importantes no Leste, onde se conjugaram com as forças especiais das forças armadas, comandos, paraquedistas e com as forças sul-africanas. Sem elas, em especial sem os «Flechas» e alguns GE, as forças portuguesas não teriam conseguido os sucessos operacionais que obtiveram nessa frente. Em comum, os três teatros de operações, apresentavam uma realidade onde o avanço das forças de guerrilheiros dos movimentos de libertação deparava com a oposição de dezenas de milhares de «militares locais» acionados pelas autoridades coloniais. Em 1974, quando ocorreu o 25 de Abril, a tendência da africanização das forças ia no sentido de transformar a guerra colonial em três conflitos internos nos três teatros de operações.

(Continua)

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10445: Em busca de... (205): Manuel Moreira de Castro encontrou o camarada Santos, do BENG 447, ao fim de 44 anos

1. Mensagem da nossa amiga Arminda Castro, filha do nosso camarada Manuel Moreira de Castro (ex-Soldado da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835, Bula, BinarMansoa, Bissorã e Mansabá, 1968/69), com data de 25 de Setembro de 2012: 

Sr. Carlos Vinhal,
No passado dia 09 de Agosto fiz um apelo no blogue (P10244*) para tentar descobrir um camarada amigo do meu pai, o Santos, quero agora informá-lo que o desejo dele foi concretizado no dia 02 de Setembro, pois com muita determinação tudo se consegue!

Consegui convencê-lo a ir comigo ao Santuário de Sta. Alexandrina em Balazar, e ai perguntamos a uma lojista informações sobre esse senhor, que logo nos indicou uma pessoa com essas características e então resolvemos tentar ver se seria a mesma pessoa. E sim!! Era quem o meu pai procurava.

No início como seria de esperar o tal senhor estava muito reticente pois não se lembrava do meu pai, mas aos poucos foi-se recordando e ficou muito contente pelo agradecimento do meu pai. Trocaram vários acontecimentos daquela época e por fim um forte abraço que ficará para sempre na memória de cada um.

Foi muito gratificante para mim, ver o meu pai feliz, pois era um desejo que ele tinha já há muito tempo, de reencontrá-lo e poder agradecer aquele gesto demonstrado naquele dia.

Despeço-me, mas não sem antes agradecer ao Sr. Carlos Vinhal, pela sua prontificação em tentar ajudar-me a encontrar o amigo do meu pai, dando-me assim o contacto do seu amigo Lima Ferreira.
O meu sincero obrigado.

Cumprimentos,
Arminda Castro


2. Recordemos então pretensão desta nossa miga:

[...] Fevereiro de 1968, chega a Bula e nessa altura, como era habitual, os que já lá estavam por vezes faziam perguntas aos novatos ”periquitos” e num desses convívios houve um camarada que lhe perguntou de que localidade ele era, e ele respondeu que era de uma freguesia do concelho de Santo Tirso (Covelas), e esse camarada de apelido Santos, também disse que era de relativamente perto ou seja da freguesia de Balazar, concelho de Vila do Conde.
Num certo dia, estando o meu pai pronto para ir almoçar, esse senhor de apelido Santos antecipa-se e traz para o meu pai uma enorme posta de bacalhau com grão-de-bico e batatas cozidas e diz-lhe:
- Isto é para ti!



Meu pai (na foto à esquerda) ficou surpreendido, e que ainda hoje não sabe como ele conseguiu, mas desse dia ele nunca mais se esqueceu. Entretanto passados 15 dias o meu pai foi destacado para outro sítio, Binar, durante mais um mês, a seguir para Bissorã na companhia de intervenção mais 15 dias, depois Mansoa, Cutia e Mansabá, e ao fim de sensivelmente 14 meses regressou a Bissau com destino a Nova Lamego, perdendo assim o contacto com ele.

Este senhor do qual o meu pai apenas sabe o apelido, na altura andava com uma máquina da Engenharia, talvez andasse a trabalhar em alguma estrada ou construção de algo.


Ele gostaria muito de saber o paradeiro dele, sei que é muito difícil talvez até quase impossível mas eu quero tentar descobrir este senhor, para isso peço a sua ajuda. Será possível saber as companhias de Engenharia que estavam destacadas nessa altura? Ele já lá estava algum tempo (Bula)
.[...]
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10244: Em busca de... (198): O nosso camarada Manuel Castro Moreira, ex-Soldado da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835, procura camaradas da CCAÇ 2316 e do BENG 447

Vd. último poste da série de 20 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10410: Em busca de... (204): Camaradas do 15.º Pel Art.ª (Guileje, 1972/73) (Luís Paiva)

Guiné 63/74 - P10444: Blogpoesia (303): Madrinha de guerra (Ricardo Almeida, o poeta da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71)


1. Do nosso grã tabanqueiro e poeta Ricardo Almeida, [ ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71]

Madrinha de guerra
 

Ao regressar de Lamel,
de mais uma noite por lá passada,
fui à tabanca e comprei mel

para fazer a limonada.

Depois para espairecer
lembrei-me em escrever
alguns aerogramas,
fazendo expresso pedido
aos carteiros dessas terras
para onde foram expedidos,

E penso fintar a Pide,
com este título expedito:

à primeira moça que encontrar
o desconhecido,
um coração triste no mato,
o desiludido.

Não sei quantos passariam
porque só um mereceu resposta,
duma moça de Tondela,
mui guapa e muito bela,
que me escreve regularmente
como madrinha de guerra.

E aquela prosa tão bela
foi comida e foi bebida
p'ra alimentar minha vida
que considerava perdida
daquela moça singela.

Os dias iam passando
e agora mais dolorosos,
entre o tempo que medeia
a chegada dos aerogramas.

E assim ia pensando
ter alguém por companhia
que mesmo na sua ausência
vislumbrava sua aparência.
De lindos e nobres sentimentos
que ela me incutia,
e nalguns ásperos momentos
recorria à sua leitura.

E, desafiando o destino,
eu voltei a ser menino
nos braços daquela moça,
dando-me o aconchego então perdido,
o seu amor e o seu carinho
que o meu coração ainda preserva!

Agora era uma luta tremenda
que travava em três frentes,
sem tiros nem emboscadas,
de outras noites passadas
à espera dos aerogramas.
E a sua presença constante
com aquele sorriso sincero
saindo para o corredor
para limpar lágrimas de dor
porque eu, vê-la chorar,
não quero.

Mas outra batalha me espera,
e penso que mais prolongada
que todas as outras que encerro,
é não saber distinguir
e não saber definir
o seu amor verdadeiro.

Ao dizer isto uma lágrima
vem afagar o meu rosto
por tanta saudade sentir
daquela madrinha de guerra.

Iniciado no HM241 em Bissau
e concluido no sanatório do Caramulo.
Como hoje me encontro vivo, exponho os meus sentimentos à época neles passados.

Com um grande abraço fraternal
Marques de Almeida

______________

Nota do editor:

Último poste da série > 25 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10433: Blogpoesia (302): Viva Portugal: poema de Felismina Mealha (ou Costa); voz de Fernando Reis Costa

Guiné 63/74 - P10443: Tabanca Grande (362): Vasco Pires, ex-Alf Mil, CMDT do 23.º Pel Art.ª (Gadamael, 1970/72)

Gadamael Porto nos finais do ano de 1971.  
Foto © do Cor Morais da Silva, com a devida vénia.

 
1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires* (ex-Alf Mil, CMDT do 23.º Pel Art.ª, Gadamael, 1970/72), com data de 21 de Setembro de 2012:

Caro Luís Graça,
Em primeiro lugar, saudo mais uma vez, você e toda sua equipe de editores, pelo modo sereno como moderam, (uso moderar, no sentido de "moderar um grupo"), matéria tão delicada cheia de emoções extremadas, como a do blog.

Como disse, fiquei mui honrado com os seus convites para integrar essa "Grande Tabanca", disse também em e-mail anterior, que atualmente estou no interior do Brasil, e os meus pertences estão em São Paulo, alguns deles empacotados; inclusive, já pedi a um parente para tentar localizar as minha fotos da Guiné, embora não saiba qual o estado de conservação se encontram atualmente, assim que tiver esses documentos solicitarei o meu ingresso formal.

Tendo feito já algumas intervenções, me acho na obrigação de mandar uma foto atual, usada para o documento mais recente que tirei, fica a seu critério publicá-la ou não.

Cordiais saudações
Vasco Pires


2. Vamos recordar o que nos disse o nosso camarada e tertuliano Vasco Pires, em Fevereiro deste ano no Poste 9461, respondendo ao convite de Luís Graça para fazer parte da Tabanca Grande:

Prezado Luís Graça: 
Fico muito grato pela cordial acolhida, bem como pelo convite. 
Sou um desses milhões da multicentenária diáspora Lusitana.  Em 1972 saí de Portugal, e por aí ando até esta data. 

Há talvez um ano, tive o primeiro contacto com o blog; quero te parabenizar como a toda a equipe pelo extraordinário trabalho, bem como pelo alto nível da edição do blog, em assuntos tão polémicos e carregados de emoção, com décadas de distância. 

Cordiais saudações 
Vasco Pires


3. Comentário de CV:

Caro camarada Vasco Pires
Bem-vindo à tertúlia, da qual já fazes, praticamente, parte desde o princípio deste ano.
Publicada que está a tua foto recente, podias dar mais pormenores da tua vida militar, a começar por Mafra, passando por Vendas Novas e acabando em Gadamael. Podes dar-nos as datas mais importantes do teu trajecto, e com vaga, falar das tuas memórias e experiências.
Matéria não falta, tenhas tu alguma disponibilidade para nos enviar os teus textos e fotos, se as recuperares, para que passem a constar do espólio do nosso Blogue. Julgo que sabes que não é possível a publicação de postes directamente pela tertúlia, pelo que tudo que tenha por destino o Blogue deverá ser enviado para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com, e para um dos co-editores, o Eduardo Magalhães ou eu (Carlos Vinhal), cujos endereços encontrarás no lado esquerdo da nossa página.

Recebe um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores, e os votos de que a tua vida pela América do Sul, mais propriamente no Brasil, corra pelo melhor.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
____________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de

8 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9461: Camaradas da diáspora (10): Vasco Pires, ex-comandante do 23º Pel Art (Gadamael, 1970/72): saiu de Portugal em 1972

10 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9469: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (51): Dois amigos, Paulo Santiago, aguedense, e Vasco Pires, anadiense​, reencontra​m-se, no blogue, ao fim de 50 anos!

29 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9829: Tabanca Grande: oito anos a blogar (16): Parabéns (Vasco Pires, no interior do Brasil; ex-cmdt do 23º Pel Art, Gadamael, 1970/72)
e
17 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9918: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (53): Acácio Conde, ex-combatente em Angola, encontra no nosso Blogue os amigos Manuel Reis, Paulo Santiago e Vasco Pires

Vd. último poste da série de 17 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10396: Tabanca Grande (361): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)