sábado, 1 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10745: Notas de leitura (434): "Amílcar Cabral Revolutionary leadership and people's war", por Patrick Chabal (1) (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 28 de Novembro de 2012:

Meus caros amigos,
Junto vos remeto uma recensão crítica dividida em duas partes do livro de Patrick Chabal, intitulado “Amílcar Cabral: revolutionary leadership and people's war”, Cambridge University Press, 1983, reeditado em 2003.
A obra, cujo conteúdo é bem conhecido, é uma das mais conhecidas biografias sobre o fundador do PAIGC, de que faz um retrato tão fiel quanto possível como homem e como líder político, muito embora não apresente grandes novidades.
É claro que o leitor tem de ficar de sobreaviso pois, a meu ver, trata-se do retrato de um marxista heterodoxo e pragmático que, por um lado, não obedece a cartilhas pré-concebidas e, por outro, um cabo-verdiano, de cultura portuguesa que, de algum modo, descobre e desenvolve a sua "africanidade" ao longo da vida, retrato feito por Chabal, cuja formação é igualmente marxista e que não esconde a sua simpatia pelas ideias e "praxis" de Cabral.
O livro assume particularmente importância pois divulga para o mundo de expressão anglófona, ou seja para um universo que não se restringe apenas aos luso-falantes, a figura e obra de Cabral.

Com os meus cordiais cumprimentos
Francisco Henriques da Silva
(ex-alf. mil- de infantaria da C.Caç 2402)


Amílcar Cabral – o líder revolucionário (1/2)

O especialista francês em temas da África lusófona, Patrick Chabal, do King’s College de Londres, publicou uma das biografias mais conhecidas e mais divulgadas de Amílcar Cabral, sobretudo nos meios académicos internacionais. A obra intitula-se “Amílcar Cabral: Revolutionary leadership and people’s war” (Cambridge University Press, Cambridge, 1983). Existe também uma reedição da mesma obra, mais recente, datada de 2003, e beneficiando de uma nova introdução.

Trata-se da biografia política do lendário e carismático fundador do PAIGC que se veio a transformar num dos líderes mais importantes do continente africano, sobretudo pelas suas ideias revolucionárias adaptadas pragmaticamente a um contexto específico de luta armada: a Guiné Portuguesa, depois da sua morte designada por Guiné-Bissau.

Cabral averba duas décadas de vida política activa visando conferir um sentido de unidade aos guineenses e conduzi-los a um êxito militar e político contra o Poder colonial português, cujo desfecho ele, todavia, não chegaria a testemunhar, visto ter sido assassinado meses antes da proclamação unilateral da independência e do posterior reconhecimento formal por Portugal desse acto.

No fundo, como se pode ler no livro de Patrick Chabal, Amílcar Cabral é um marxista convicto, mas heterodoxo, sem ideias ou esquemas mentais pré-concebidos, guiado por um instinto político apurado e em estreita ligação com o sentimento profundo das populações, sobretudo das populações rurais. Como salienta Chabal, estamos perante um pensador que “respeita os direitos humanos e cuja ambição consiste em estabelecer uma estrutura estatal que prosseguirá políticas socialistas sem recurso à opressão política” (v. p. 2). Estamos, pois, perante um revolucionário não espartilhado pelas orientações, chavões e frases feitas vindas de Moscovo ou de Pequim, que patenteava alguma flexibilidade e que analisou, com a devida minúcia, os factores políticos, económicos e sociais de um território como era a Guiné Portuguesa dos meados do século passado. Por outro lado, não só as suas qualidades de liderança política são objectivamente de salientar, mas igualmente os seus atributos de diplomata exímio, o que o tornava uma figura singular no grupo dos não-alinhados.

Em nosso entender, muitas das características descritas são reconhecíveis, outras porém sê-lo-ão menos, mas mister é reconhecer que morreu sem ter concretizado as suas aspirações mais profundas – neste caso concreto, a independência. Por outro lado, Cabral enfermava, a nosso ver, de dois pecados originais, descritos na obra, como pedras angulares do seu pensamento: a inquebrantável unidade Guiné-Cabo Verde e o seu conceito próprio do papel da pequena burguesia na luta revolucionária. O autor limita-se a referir-se, acriticamente, à unidade Guiné-Cabo Verde, dando-a como ponto assente da cartilha cabralina, sem embargo da obra ter sido publicada em 1983, 3 anos após o inevitável divórcio. Por outro lado, o papel da pequena burguesia (colonial, entenda-se) que para Cabral era dilemático - ou traía a causa revolucionária ou suicidava-se como classe - não merece qualquer comentário importante por parte de Patrick Chabal. Finalmente, afigura-se-nos que, logo no primeiro capítulo, ao referir-se ao domínio colonial na Guiné e em Cabo Verde (Colonial rule in Guinea and Cape Verde, pp. 16 a 28) o autor é demasiado sucinto e superficial, e muito embora aluda, não só nesse capítulo, mas ao longo da obra, inúmeras vezes, à colonização epidérmica da Guiné (passe a expressão), ou seja ao facto da Guiné não ser uma colónia na verdadeira acepção do termo, não se detém na análise rigorosa deste conceito, isto é como território que nunca foi verdadeiramente colonizado como tal, como o foram, por exemplo, Angola ou Cabo Verde. Ora este circunstancialismo de facto teve, a nosso ver, consequências muito importantes, não só para a luta armada, mas para a própria formação do Estado. Relativamente à respectiva formação cultural, intelectual e académica, Amílcar Cabral é um cabo-verdiano de cultura portuguesa. Chabal sublinha, a justo título, “o que emerge ...é que Amílcar Cabral era claramente um jovem cabo-verdiano” (p. 33)...”educado em Portugal e totalmente assimilado à história e à cultura portuguesas” (p. 168). O leit-motiv das suas preocupações não estavam, porém, em Portugal e nos problemas do regime de então, mas, sim, na libertação de África. É no decurso da sua estada em Lisboa que Cabral, como sublinha mais uma vez o autor, que “era realmente um cabo-verdiano, passou a considerar-se a si próprio como africano e a olhar para África como o seu lar” (p. 42).

É no seu trabalho no terreno, na Guiné, entenda-se, como engenheiro agrónomo que Cabral adquire conhecimentos sobre a vida no campo e a estrutura sócio-económica rural do país. O marxismo-leninismo passava para um segundo plano porquanto o fundador do PAIGC concentrava-se no conhecimento factual e na experiência concreta da vida no campo. Em 1959, sobretudo após o massacre no Pindjiguiti, compreende que a independência só poderia ser alcançada pela força e que teria de contar com a participação dos camponeses. Em 1962, a liderança do partido chega à conclusão de que a luta armada em larga escala tem de ser desencadeada logo que possível, o que leva o PAIGC à primeira acção de envergadura: a flagelação ao quartel de Tite, no Sul, em 23 de Janeiro de 1963, que assinala o início do conflito. Aliás, Cabral concluiu muito rapidamente que seria um erro crasso pensar que o proletariado urbano em Bissau, Bolama e Bafatá poderia revoltar-se com êxito contra as autoridades coloniais. Assim, a luta só se poderia desenvolver no campo, na mata, no interior do território e, independentemente, das experiências dos países ditos socialistas que indicavam outros caminhos, na Guiné, a opção teria de ser outra.

Todavia, o PAIGC defrontava-se com várias dificuldades: o estabelecimento das bases de retaguarda, o armamento e o apoio material por parte dos países amigos e o facto da maioria dos comandantes serem analfabetos (esta questão assumia uma relevância particular na medida em que a mensagem política a favor da mobilização nacionalista a ser passada para os aldeãos tinha de ser intelegível). As mensagens teriam de ser passadas de tabanca em tabanca, a fim de granjearem a confiança da população e estruturarem o apoio suficiente para dar início à luta armada. Cabral estava ciente da dificuldade desta tarefa, até porque o domínio colonial português foi relativamente inconsequente e sem grande peso para a vida dos camponeses da Guiné, não conduzindo a grandes disparidades regionais ou étnicas. Mais ainda, a “repressão não foi nem severa nem consistente” (cfr. p. 68 e também p. 72).

Uma pequena nota de roda-pé: é curioso notar que Amílcar Cabral não previu, nem terá compreendido muito bem, a adesão maciça dos balantas à causa nacionalista, o que como se sabe, teria consequências de vulto no período pós-independência e que ainda hoje se fazem sentir com acuidade.

(continua)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10740: Notas de leitura (433): "Elites Militares e a Guerra de África", por Manuel Godinho Rebocho (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10744: Memória dos lugares (200): Ponte do Saltinho no Rio Corubal: fotos do álbum do Arlindo Roda (ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) (Parte II)


Foto nº 211 > O Rio Corubal no seu esplendor, visto da Ponte do Saltinho


Foto nº 209 > Uma das mais belas "piscinas naturais" do mundo...


Foto nº 204 > Luís Graça (de costas) e Tony Levezinho



Foto nº 40 > Fur mil Arlindo Rocha, na margem direita do Corubal, nos rápidos do Saltinho



Foto nº 66 > O Arlindo Roda junto ao monumento da CCAÇ 2406 (1968/70)... Este foto foi tirada em meados de 1970, depois da substituição, em Bambadinca,  do BCAÇ 2852  /1968/70) pelo PART 2917 (1970/72)


Foto nº 201 > A imponente ponte do Saltinha (chamada ponte gen Craveiro Lopes)  vista da margem direita


Foto nº 203 > Ainda e sempre a ponte e o rio, que nos fascinavam...


Foto nº 209 > Um rio (ainda) selvagem... (até quando ?)


Foto nº 205 > Outra perspetiva da ponte...


Uma cena do "paraíso terrestre"... Feliz foto do Albano Costa, o "fotógrafo de Guifões", Saltinho, novembro de 2000


Fotos: © Arlindo Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


A. Segunda e última parte do álbum fotográfico do Arlindo Roda (ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), seleção de fotos dedicadas ao Rio Corubal e à ponte do Saltinho.(*)

________________

Nota do editor:

(*) Vd.  último poste da série > 30 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10741: Memória dos lugares (199): Ponte do Saltinho no Rio Corubal: fotos do álbum do Arlindo Roda (ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) (Parte I)

Guiné 63/74 - P10743: Do Ninho D'Águia até África (31): O Movimento Nacional Feminino em Mansoa (Tony Borié)

1. Trigésimo primeiro episódio, enviado em mensagem do dia 27 de Novembro de 2012, da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (31)

O Movimento Nacional Feminino em Mansoa

Todos sabíamos que era domingo em Mansoa, e ia haver “manga de ronco”, com o rancho um pouco melhorado, para mais trabalho do cabo do rancho, o bom do Arroz com Pão, que logo pela manhã, andava aflito a procurar voluntários para o descasque de batatas em particular, pois tinha havido missa pela manhã, e o padre tinha dito:
- Tenho o orgulho de dizer que está presente entre nós, Sua Excelência, o Senhor Segundo Comandante do Território e a Digníssima Senhora Presidente do Movimento Nacional Feminino, nesta província.

Isso era verdade, alguns militares já tinham reparado nessas personalidades, embora a maioria deles só tivesse olhos para as filhas do Libanês, que “inundavam” toda a igreja com o seu perfume exótico!

À tarde, próximo da igreja, num palanque feito a preceito, foto em baixo, e revestido com folhas de palmeiras e de outras árvores tropicais, onde estavam presentes, estas entidades, o comandante do comando a que o Cifra pertencia, e outros comandantes das forças de intervenção que estavam estacionadas no aquartelamento em Mansoa, mais o Régulo da vila, entre outros.


Desfilaram, primeiro, alguns militares, que foram voluntários, pois nesse momento tinham roupa lavada, onde ia o furriel miliciano, a fumar um cigarro feito à mão, e que, alguns diziam que se queria mostrar às filhas do “Libanês”, também tinham pedido ao Curvas, alto e refilão para desfilar com a sua medalha Cruz de Guerra, ao que ele perguntou se era uma ordem, e dizendo-lhe que não, ele respondeu:
- Só vou no desfile, com a minha medalha Cruz de Guerra, se for com as estrelas de General nos ombros, que é para vos mandar a todos para Portugal e acabar com esta merda de guerra. - Era assim, o homem, rude na linguagem, mas directo.


Em seguida desfilaram os “Homens Grandes”, das aldeias próximas da vila, alguns com cinco e seis mulheres, foto ao lado, com o Cifra, e quando passaram em frente à tribuna, olharam as entidades por segundos, desviando o seu olhar para as referidas mulheres, para que continuassem juntas, querendo mostrar às entidades presentes que as mesmas eram sua propriedade. Depois desfilou um rapaz africano, com um corpo de “campeão de pesos pesados”, foto em cima, quase nu, a soprar num corno, emitindo um ruído que obrigava a tapar os ouvidos, a seguir vem a multidão, que eram os curiosos, como por exemplo o Cifra, o Setúbal e o Curvas, alto e refilão, alguns naturais, uns descalços, e só com um farrapo a tapar-lhe os órgãos genitais, com algumas pulseiras de missanga nos braços e nas pernas, outros com uma vestimenta branca a cobrir-lhe todo o corpo, e com um gorro de lã na cabeça, algumas crianças, também descalças, algumas com o dedo na boca e o ranho no nariz, e mulheres com bebés amarrados com uma fita de pano nas costas. Também desfilaram alguns naturais que ajudavam os militares, servindo de guias tradutores, fotos em baixo, com o Cifra.


O Curvas, alto e refilão, primeiro dizia que queria ser general e mandar tudo para Portugal e acabar com a guerra, e agora não parava de dizer:
- Isto é tudo fachada! Estão aqui muitos guerrilheiros disfarçados, no meio de toda esta gente. Segurem-me, se não ainda vou buscar a G-3!

Todos nós sabíamos que só saíam bazófias da sua boca, mas adiante, vamos continuar, foram buscar o carro da Psico com a sua aparelhagem sonora, houve discurso a preceito, fotografias, e no final distribuição de lembranças, como por exemplo, lâminas para a barba, cigarros, aerogramas, isqueiros, uns santinhos com a imagem de Nossa Senhora de Fátima em cima de uma árvore e os pastorinhos de joelhos, com o terço na mão, muito tristes a olharem para ela, que alguns militares passaram a usar no capacete quando saíam em patrulha, e que o Mister Hóstia, gravura ao lado, se encarregou de distribuir, umas carteiras em plástico, com um buraquinho, para se aplicar um fio, e pendurar ao pescoço, para guardar os documentos de identificação para os naturais, com o escudo de Portugal, onde se lia, a letras douradas, “Território Português - Província da Guiné”.

Quase ao acabar toda esta cerimónia, uma das senhoras presentes, talvez porque o Cifra andasse por ali, talvez informada, ou única e simplesmente se recordasse da cara do Cifra, porque este, antes lhe tinha pedido um isqueiro para o Curvas, alto e refilão, que andava sempre a “pedir lume” a toda a gente, chama-o e entrega-lhe um embrulho com umas centenas de aerogramas, e alguns isqueiros, dizendo-lhe:
- Por favor leva isto, e distribui pelos militares no aquartelamento.

O Cifra, gravura à esquerda, com a ajuda do Setúbal e do Curvas, alto e refilão, trouxe o embrulho para o aquartelamento, e tal como a senhora lhe tinha pedido, começou a distribuir os aerogramas e os isqueiros a outros militares. Correndo o boato, no aquartelamento, que o Cifra tinha aerogramas do Movimento Nacional Feminino para distribuir, foi distribuindo, até não haver mais.

Quando se acabaram, ninguém acreditava que o Cifra não tinha mais, daí começou novamente o boato que o Cifra era o representante do Movimento Nacional Feminino, que tinha muitos aerogramas e isqueiros, mas que não queria distribuí-los.

Teve o comandante que interferir e colocar uma folha oficial, no refeitório, para todos lerem, em abono da verdade, que o Cifra não tinha mais aerogramas nem isqueiros.

Desses aerogramas, que eram de cor amarela, o Cifra não usou nenhum, só começou a usar aerogramas, quando vieram uns novos com uma cor de azul esbatido. Assim como com os isqueiros, pois o Cifra tinha um, que uma madrinha de guerra de Espanha, lhe tinha mandado com o emblema da ONU, que conservou até final da comissão.

Quando alguém interpelava o Cifra, a respeito dos aerogramas, e o Curvas, alto e refilão, estava presente, ele logo dizia:
- Filho da p....! És pobre e mal agradecido, ainda vais levar com este isqueiro no focinho, se voltas a insultar o Cifra!


Ao outro dia, o Cifra passa na altura em que desmanchavam o palanque e vê dezenas de santinhos pelo chão, pois possivelmente os tinham distribuído aos naturais, foto em cima, que não sabiam o que aquilo era, que o Cifra apanhou, juntou e, como se fosse um baralho de cartas, levou para o Mister Hóstia, que emocionado lhe disse:
- Já vejo que te estás a aproximar de Jesus Cristo, pois tanto tu, como o Setúbal e o Curvas, alto e refilão, já não têm alma, andam em pecado mortal há muito tempo!

(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados)  
____________

Nota de CV:

Vd. os últimos 10 postes da série de:

27 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10578: Do Ninho D'Águia até África (21): O Tabaco, para alguns (Tony Borié)

30 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10594: Do Ninho D'Águia até África (22): Uma história de amor em pleno conflito (Tony Borié)

3 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10611: Do Ninho D'Águia até África (23): O maldito dente (Tony Borié)

6 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10627: Do Ninho D'Águia até África (24): O nosso Cabo Reis (Tony Borié)

10 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10646: Do Ninho D'Águia até África (25): O comboio das seis e meia (Tony Borié)

13 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10661: Do Ninho D'Águia até África (26): Raízes de agricultor (Tony Borié)

17 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10683: Do Ninho D'Águia até África (27): O perfume exótico das filhas do Libanês (Tony Borié)

20 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10699: Do Ninho D'Águia até África (28): A avioneta do correio (Tony Borié)

24 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10716: Do Ninho D'Águia até África (29): Maldita matacanha (Tony Borié)
e
27 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10729: Do Ninho D'Águia até África (30): As lavadeiras (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10742: Parabéns a você (502): Carlos Schwarz (Pepito), dirigente da ONG AD e Ernestino Caniço, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Guiné, 1969/71)

____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10725: Parabéns a você (501): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil da CART 2412 (Guiné, 1968/70)

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10741: Memória dos lugares (199): Ponte do Saltinho no Rio Corubal: fotos do álbum do Arlindo Roda (ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) (Parte I)


Foto nº 202 - A > Aspeto do tabuleiro da ponte do Saltinho (batisada como ponte gen Craveiro Lopes), com militares da CCAÇ 12 em passeio (possivelmente no final do tempo das chuvas, no 3º ou 4º trimestre de 1969)


Foto nº 202 > Aspecto geral da ponte


Foto nº 5 > Aspeto geral da ponte, vista do lado do aquartelamento do Saltinho... Em primeiro plano, o Humberto Reis e o "Alfredo" (, ambos do 2º Gr Comb da CCAÇ 12, 1969/71... No canto superior esquerdo vêem-se os fios elétricos do sistema de iluminação da ponte


Foto nº 5 - A  > Eu, Luís Graça, de costas..


Foto nº 206 > O Tony Levezinho, ex-fur mil, at inf, 2º Gr Comb, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)


Foto nº 203 > Ponte do Saltinho, vista da margem direita... Em cima dos arcos, pessoal da CCAÇ 12.


Foto nº 19 > Fur mil ati inf Arlindo Roda, 3º Gr Comb, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)... Por detrás do Arlindo, nota-se um poste dos holofotes que iluminavam a ponte (, foto possivelmente tirada já em 1970, na época seca)


Foto nº 45 > Arlindo Roda

~
Foto nº 57 > Arlindo Roda, no início da ponte (margem direita)


Foto nº 57 - A > Pormenor da placa, em bronze, evocativa da visita do gen Craveiro Lopes, em 1955, aquando da construção da ponte. Em baixo, na base em cimento, O nº, pintado à mão da CART 1646, que estava no Xitole e devia ter um pelotão destacado na ponte do Saltinho.

Sobre a CART 1646:/BART 1904: (i) mobilizada pelo RAP2, partiu para a Guiné, em 11/1/67, e regressou 31/10/68; (ii) passou por Bissau, Fá Mandinga. Xitole, Fá Mandinga e Bissau; (iii) comandante: cap art Manuel José Meirinhos; (iv) o BART 1904 esteve esteve sediado em Bambadinca, sendo comandado pelo ten cor art Fernando da Silva Branco; restantes unidades de quadrícula: CART 1647 (Bissau, Quinhamel, Bissau, Binar, Bissau); e CART 1648 (Bissau, Nhacra, Binta, Bissau).


Guiné-Bissau > Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Novembro de 2000 > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. Era Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos...) o Capitão de Fragata Diogo de Melo e Alvim... Craveiro Lopes nasceu em 1894 e morreu 1964. Foi presidente da República entre 1951 e 1958 (substituído então pelo Almirante Américo Tomás). Foto do "turista" Albano Costa, nosso camarada, que lá passou em novembro de 2000.

Foto: © Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados


Foto nº  198 > Humberto Reis, fur mil op esp, 2º Gr Comb, CCAÇ 12

Guiné > Zona leste > Setor L5 (Galomaro) > Saltinho > Ponte > Pessoal da CCAÇ 12, passeia pela ponte depois de chegada, a "bom porto", de mais uma colunas logística (Bambadinca-Mansambo- Ponte dos Fulas - Xitole - Saltinho)... Passeio descontraído, sem armas... Alguns, inclusive, foram dar um mergulho nas águas límpidas do Rio Corubal...Vê-se que as fotos são de épocas diferentes, ou de estações diferentes, por causa do caudal do rio e das ervas na ponte: fim da época das chuvas (3º ou 4º trimestre de 1969) (5, 202, 203, 2006),  época seca, 1970 (as restantes)...

Fotos: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados


1. Mensagem, de ontem, do Paulo Santiago (*):

Luís:

Boas fotos. Foram tiradas em épocas diferentes. Assim, as 206 e 203,mostram um elevado caudal do rio que submerge a ponte submersível (passe a redundância). Corresponderão a uma data a seguir à época das chuvas.Também as ervas espontâneas,verdes em algumas fotos,secas noutras,denotam diferenças de estação.

A ponte tinha uns holofotes, notam-se na foto nº 19, a meio da viga que liga os dois últimos arcos e na foto nº 5 vê-se à esquerda os fios que alimentavam aquele dispositivo de iluminação.

Faziam-se patrulhamentos na margem esquerda,com frequência até ao rio Mabia, zona onde um Gr Comb comandado pelo Alf Mota, no último dia do Ramadão de 71, deu de caras com um grupo do PAIGC que vinha flagelar o quartel. O Mota ficou gravemente ferido.

Durante a minha permanência no Saltinho,  nunca houve ataques ao quartel,e a última flagelação ocorrera ainda na altura da presença de um pelotão do Xitole (66/67 ???).

Contabane pertencia a Aldeia Formosa, passei por lá uma vez numa operação com uma companhia independente (madeirense ou açoreana) que antecedeu a CCAÇ 18.

Um dia, já com o reordenamento meio construído, chegou uma info A2 (?) prevendo um ataque para essa noite. Não houve ataque, mas os obuses 14 de Aldeia meteram-me em respeito. Ao cair da noite,o meu grupo ocupou a vala do reordenamento e preparou o 82 B 10 [, canhão s/r, russo,]; e preparámo-nos para reagir. Havia uma carta de fogo com pontos a bater pela Artilharia, e o [cap] Clemente [, da CCAÇ 2701,] pediu para esses pontos serem batidos, só que eu não sabia. Aquelas "ameixas" de obus a caírem umas dezenas de metros à nossa frente impressionavam, e houve uns estilhaços (estilhações) que arrancaram chapas das casas já construídas.

Abraço, Paulo


2. Mensagem, de ontem, do António Levezinho

Amigos

Lamento mas não tenho qualquer contributo a dar a propósito daquele local. Afinal, íamos lá sempre num saltinho e com a preocupação da viagem de regresso na mente.

Um abraço,
Tony Levezinho


Guiné > Mapa da província (1961) > Escala 1/500 mil > Pormenor da zona leste (região de Bafatá) > Setores L1 (Bambadinca) e L5 (Galomaro), com os itinerários alternativos para se chegar ao Saltinho, no Rio Corubal: (i) Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho; (ii) Bambadinca (ou Bafatá) - Galomaro - Dulombi - Quirafo - Saltinho.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012)


3. Comentário de L.G.:

No 2º semestre de 1969, para se chegar a qualquer uma das unidades de quadrícula do Setor L1, a sul de Bambadinca (Mansambo, Xitole e Saltinho, embora esta já pertencesse ao sector de Galomaro, o L5) não havia nenhuma alternativa a não a ser a terrestre: a estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho, que terminava justamente na ponte do Saltinho, estando interdita a partir daí. (Tirando o helicóptero, claro...).

A estrada de Bambadinca (ou Bafatá) - Galomaro-Dulombi - Quirafo - Saltinho às vezes também ficava interdita, a partir da Galomaro e/ou Dulombi, devido às chuvas e à acção do PAIGC, pelo que as NT ali colocadas também dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca (o eixo Xime-Bambadinca-Bafatá  era a grande porta de entrada de toda a zona leste, do Xime até Buruntuma).

A própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969. O Op Belo Dia, a 4 de Agosto, já aqui sumariamente descrita, destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do Setor L1 com as suas unidades a sul Um mês e tal depois, ainda em época das chuvas, fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento. (**)

Por fim, a 14 de Novembro de 1969, a CCAÇ 12 efectuaria a última coluna logística para Xitole/Saltinho, integrada numa operação. Após o regresso, os Gr Comb das unidades em quadrícula na área, empenhados na segurança da estrada Mansambo-Xitole, executariam um patrulhamento ofensivo entre os Rios Timinco e Buba, não tendo sido detectados quaisquer vestígios IN (Op Corça Encarnada).

A partir dessa data (e até ao final da comissão, em março de 1971, para os quadros metropolitanos da CCAÇ 12), estas colunas de reabastecimento das NT em unidades de quadrícula, aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho, tomariam um carácter de quase rotina, passando a realizar-se periodicamente (duas vezes por mês, em média), e com viaturas civis, escoltadas por forças da CCAÇ 12

A segurança ao longo do itinerário, essa, continuava, no entanto, a movimentar seis Gr Comb das unidades em quadrícula de Mansambo, Xitole e Saltinho. Na prática, isto significava que o abastecimento das NT nestas três unidades implicava a mobilização de forças equivalentes a um batalhão (3 companhias). No tempo seco, o inferno, para além das minas, era o pó, o terrível pó que cobria tudo e todos...

O Saltinho, embora passasse a depender operacionalmente do Setor L5 (Galomaro), a partir da data em que as NT evacuaram Quirafo (, julho de 1969,s e não me engano), continuava no entanto ligada ao Setor L1 para efeitos logísticos, uma vez que a estrada Galomaro-Saltinho se mantinha parcialmente interdita desde o início das chuvas devido à actividade do IN na região. (**)

A respeito das "acessibilidades" do setor L5, diz o nosso camarada Luís Dias, ex-alf mil da CCAÇ 3491 (Dlombi, 1971/74)

(...) "O principal itinerário da companhia era a estrada Dulombi-Galomaro/Galomaro-Bafatá ou Bambadinca, em que se transitava com alguma facilidade (terra batida até ao cruzamento para Bafatá ou Bambadinca, porque depois já eram estradas alcatroadas), com excepção da época das chuvas em que a bolanha do Rio Fanharé (entre Dulombi e Galomaro) a tornava de difícil transposição. Os outros itinerários eram as estradas Dulombi-Jifim-Galanjo(A), difícil na época seca e impraticável na época das chuvas e Dulombi-Quirafo que era impraticável na época das chuvas e cheio de capim devido à sua pouca utilização na época seca (nunca foi utilizado após a emboscada efectuada no Quirafo contra elementos da CCAÇ 3490, em Abril de 1972)" (...).
_______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10739: Memória dos lugares (198): A ponte do Saltinho e o ninho da metralhadora Breda (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53, 1970/72 / Luís Graça, CCAÇ 12, 1969/71)

(**) Sobre as colunas logísticas até ao Xitole e Saltinho,  vd. postes de:

8 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7401: A minha CCAÇ 12 (10): O inferno das colunas logísticas Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho, na época das chuvas, 2º semestre de 1969 (Luís Graça)

28 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7354: A minha CCAÇ 12 (9): 18 de Setembro de 1969, uma GMC com 3 toneladas de arroz destruída por mina anticarro (Luís Graça)

7 de setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6948: A minha CCAÇ 12 (6): Agosto de 1969: As desventuras de Malan Mané e de Mamadu Indjai nas matas do Rio Biesse... (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P10740: Notas de leitura (433): "Elites Militares e a Guerra de África", por Manuel Godinho Rebocho (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Setembro de 2012:

Queridos amigos,
É preciso ler tudo, de fio a pavio, e reler cuidadosamente.
Temos aqui uma tese de doutoramento transformada num ajuste de contas com os oficiais do quadro permanente, incompetentes, fora do tempo, sem o sentido da liderança.
Fala-se na guerra de África mas as histórias fundamentais aqui descritas passaram-se na Guiné, sob a lente do doutor Rebocho.
Quem imagina que nas teses de doutoramento é totalmente impossível praticar assassinatos de caráter, então desiluda-se. O doutor Rebocho ensina que se chegou ao 25 de Abril, ao 28 de Setembro, ao 11 de Março e ao 25 de Novembro porque havia duas fações em disputa, irá ganhar a do quadro permanente.
Por favor, leiam este livro.

Um abraço do
Mário


A “milicianização” da guerra (2)

Beja Santos

A tese de doutoramento de Manuel Godinho Rebocho suscita a controvérsia. O título é “Elites Militares e a Guerra de África”. Os exemplos que vai buscar são predominantemente extraídos da Guiné e da sua vivência enquanto paraquedista, iremos ficar a saber os desaguisados que teve com vários oficiais. É impiedoso em referências a oficiais de carreira, de capitão para cima. Os cadetes da Escola Militar queriam era conforto, os milicianos que fizessem a guerra. A partir de 1970, formaram-se mais de 160 capitães milicianos por ano, situação que iria ter consequências quando os milicianos passaram a ingressar e a engrossar o quadro do complemento, a faísca virá de um decreto de 1973 que abrirá caminho para uma guerra de fações que irá desaguar no 25 de Abril. E num documento que devia ter probidade científica, o novel doutor dá como comprovado que houve lutas assanhadas entre os oficiais milicianos à volta de Spínola e os oficiais elitistas do quadro que apoiaram Costa Gomes. Não, isto não é para rir, vale a pena acompanhar o que escreve o doutor Rebocho, o que também dá pretexto para se rever a matéria do texto anterior.

Primeiro, os oficiais do quadro permanente foram fugindo do mato, ficaram acantonados nas sedes de batalhão (CCS) e na miríade de serviços relacionados com a gestão militar, não esquecendo o Estado-Maior que se revelou quase sempre incompetente ou fora das realidades. Foram os milicianos progressivamente que passaram a tomar conta das unidades de combate.

Segundo, vá de fazer a história da formação das elites militares, assim se irá concluir que nas campanhas de África do fim do século XIX começaram a brilhar os milicianos. O doutor Rebocho não concretiza nomes, mas pensamos tratar-se de Aires d’Ornelas, Mouzinho de Albuquerque e Teixeira Pinto. É evidente que muitos oficiais milicianos se distinguiram nas campanhas de África daquele tempo como mais tarde na Flandres. Mas fazer disto doutrina… O grande drama destas elites militares (quadro permanente, entenda-se) é que elas privilegiaram a formação científica/cultural e apoucaram a vocação e a experiência.

Terceiro, é bem verdade que na transição da década de 1950 para 1960 os altos comandos previram e propuseram reformas, aliás, na época até sopravam os ventos da NATO e já havia guerras de guerrilha para comparar, mas não houve reformas de fundo, o corpo de oficiais teve uma formação elitista, como estivesse a ser preparado para uma guerra convencional. Trata-se de gente saída predominantemente das classes médias, estavam centrados numa formação universitária, etc., etc.

Quarto, não há nada como ir buscar exemplos. Veja-se o BART 2865, foi-lhe atribuído o sector de Catió, em Fevereiro de 1969. Entre Fevereiro e Outubro de 1969 este batalhão formou 4 companhias, uma delas deslocou-se para o Norte da Guiné. Tinha adstritos vários pelotões e um dispositivo de quadrícula onde cabiam Catió, Cabedú, Cufar, Bedanda, Guileje, Gadamael Porto, Ganturé, Cacine e Cameconde, ou seja 9 unidades fisicamente separadas. O comando era, quase sempre exercido por oficiais de patente muito inferior à que seria normal. Contudo, o número de baixas foi reduzido e os atos de indisciplinas escassos. O que é que isto traduz? O factor humano era o elemento decisivo. O doutor Rebocho decidiu inquirir Canha da Silva, então capitão oriundo da Escola Militar que deu provas de liderança em empreendimentos essenciais como o reordenamento de Mato Farroba. Mas outros dois oficiais do quadro permanente que o novel doutor investigou revelaram ser oficiais que nunca o deviam ter sido. Um, Coutinho e Lima, esteve na Guiné de 1963 a 1965. Lê-se a documentação e o que é que salta à vista? 50 praças e sargentos desta companhia foram punidos, o que atesta a inapetência para o comando de Coutinho e Lima. A comissão do capitão Vasco Lourenço, está escrito textualmente, foi uma nódoa, o rancho miserável, as condições de alojamento péssimas, o armamento em mau estado de limpeza e conservação, e por aí adiante. Spínola encolerizou-se. Resultado: Vasco Lourenço não tinha aptidão para comandar. Lá para o fim da comissão, a companhia de Vasco Lourenço executou uma operação, “Última Vendetta”, durante a qual destruiu 44 moranças, 58 vacas, 15.700 kg de arroz, 1 porco, 60 molhos de capim, e por aí adiante.

Como este trabalho é científico, e o doutor Rebocho, por imperativos universitários, não pode abandonar a neutralidade, então escreve: “Operacional fui eu, em tropas de elite, durante 26 meses e nunca a minha companhia destruiu qualquer produto alimentar da população”. Será que Vasco Lourenço foi incompetente por mandar destruir alimentos destinados a apoiantes do PAIGC? E depois apanhamos uma injeção das tropas paraquedistas e elogios sem conta à unidade militar do doutor Rebocho, o BCP 12. E para demonstrar o quê, já que estamos a falar de elites: só se manda fazer a quem sabe, e os sargentos e praças paraquedistas eram uma matéria-prima de altíssima qualidade, vem até uma narrativa de uma operação em que participou o doutor Rebocho na área de Porto Gole onde se vê o desembaraço daquela tropa paraquedista. E como estamos a falar de um documento científico ficamos a saber que apareceu por lá o capitão miliciano paraquedista Henrique Morais da Silva Caldas, um homem que se relacionava muito mal com os sargentos e de quem ninguém gostava. O capitão Caldas acabou por aprender com a exemplaridade do doutor Rebocho que entretanto desatou a estudar e a fazer exames… O novo capitão, Costa Cordeiro, também foi outro osso duro de roer, mas acabou por baixar a grimpa, escreveu ao comandante de batalhão uma informação onde rezava: “O furriel Rebocho é um graduado aprumado, competente, disciplinado e disciplinador. Atualmente está a estudar, não descurando a sua valorização pessoal. Elemento muito válido e de prestígio na classe de sargentos, promete com mais experiência vir a tornar-se um opimo sargento".

Quinto, a partir de Março de 1973 as coisas complicaram-se na Guiné, a companhia do doutor Rebocho voltou ao Cantanhez e cedo se verificou que havia criatividade do lado da guerrilha e uma enorme apatia do Estado-Maior. Temos depois o relato da participação paraquedista em Guidage e depois em Gadamael Porto. E sentencia, sobre o que se passou em Guileje: “A posição de Coutinho e Lima não tem, nem pode ter a mínima justificação no campo militar. Compreende-se o seu estado de espírito, que terá motivado tão invulgar decisão, por quanto se nenhum outro oficial de carreira estava colocado a sul do rio Cacine, por que razão haveria ele de lá estar? Naturalmente que Coutinho e Lima não previu o desastre que a sua atitude iria provocar, desde logo não pode ser condenada no campo da moral”. Tudo o que se passou em Guileje, declara a sangue frio, é mais uma manifesta desarticulação do Estado-Maior.

Vejamos agora o comportamento das elites militares no pós-marcelismo. E se alguma dúvida houvesse que as teses de doutoramento andam pela rua da amargura bastava ler o que vem a seguir:

(Continua)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10727: Notas de leitura (432): "Elites Militares e a Guerra de África", por Manuel Godinho Rebocho (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10739: Memória dos lugares (198): A ponte do Saltinho e o ninho da metralhadora Breda (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53, 1970/72 / Luís Graça, CCAÇ 12, 1969/71)



Guiné > Zona leste > Setor L5 (Galomaro> Saltinho > 1972 > Pel Caç Nat 53 > Vista aérea da ponte e do Rio Corubal no Saltinho, antes da construção do reordenamento de Contabane, na margem esquerda (hoje, Sinchã Sambel).

Foto: © Paulo Santiago (2010). Todos os direitos reservados.[Editada por L.G.]


Fto nº 202 > Ponte do Saltinho... Militares da CCAÇ 12 que acabavam de chegar, em coluna logística, oriunda de Bambadinca... Presumo que a foto de seja do 3º ou 4º trimestre de 1969... Em primeiro plano, à esquerda, de costas, o Humberto Reis com 1º cabo, do seu 2º Gr Comb, o "Alfredo"... Mais à frente, à direita, também de costas, mas assinaldo com um círculo a vermelho, sou eu...Como se vê na foto, não havia na altura nem cavalos de frisa,. nem postos de sentinela, nem ninhos de metralhadora, nos topos da ponte...



Foto  > Arlindo Roda, fir mil da CCAÇ 12, fotigrafado, de no in´cio da ponte, do lado do Saltinho... Em primeiro plano, há duas inscrições que merecem ser descodificadas: dois números,  818, 1646... O primeiro deve um nº de identificação ou de inventário desta obra de arte; o segundo (, pintado à mão),
é mais provavelmente o nº da CART 1646 / BART 1904 (1967/68), que esteve no Xitole e Saltinho.

A lápide, em bronze, evoca a "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. Era Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos) o Capitão de Fragata Diogo de Melo e Alvim... Craveiro Lopes nasceu em 1894 e morreu 1964. Foi presidente da República entre 1951 e 1958 (substituído então pelo Almirante Américo Tomás).

Fotos: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Editada por L.G.]



Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1972 > Vista aérea do Rio Corubal, da ponte Craveiro Lopes , e 4 arcos (, construída em cimento armado e inaugurada em 1955), e do aquartelamento do Saltinho (na margem direita, instalações hoje transformadas em unidade hoteleira)... A montante da ponte, pode-se ver restos da "passagem submersível", em uso até 1955. Nesta foto de 1972 também é evidente a não existência,  nos topos, de quaisquer cavalos de friza ou postos de sentinela ou ninhos de metralhadora. Foto do nosso camarada Álvaro Basto, régulo da Tabanca Pequena (Matosinhos)

Foto: © Álvaro Basto (2007). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Paulo Santiago, com data de hoje:

Luís

A propósito do teu último comentário no poste P10730, anexo uma foto (está algures no blogue),  onde se vê nada existir na ponte [, a primeira foto acima publciada, neste poste]. Existiam apenas, na foto não se notam, dois cavalos de frisa, um em cada topo. Esta foto foi tirada antes de iniciada a construção do reordenamento na outra margem.

Ao fundo, à direita da ponte, está o abrigo do meu pelotão. Junto do abrigo, à sua esquerda, o ninho da Breda que ficava no enfiamento daquela obra de arte.

Abraço
P. Santiago.


2. Mensagem de L.G., enviada hoje ao Paulo Santigao, com conhecimento ao Humberto Reis e ao Tony Levezinho:

Paulo: Mando-te umas fotos do álbum do meu camarada Arlindo Roda, da CCAÇ 12.. São do Saltinho, e devem ter sido tiradas, as de mais baixa numeração (nº ) em meados de 1970, já no tempo do novo batalhão, o BART 2917... Há malta da CCS que foi connosco, o caso do fur mil enf Coelho (que vive hoje em Beja, e tinha a esposa em Bambadinca).

Não me parece que as fotos, que não trazem legenda, tenham sido todas tiradas na mesma altura... As da numeração mais alta (F1000200 e ss.) , parecm-me mais antigas (3º ou 4º trimestre de 1969)... A maior parte das vezes, as nossas colunas logísticas não iam s ao Saltinho, fazíamos a segurança até ao Xitole, e voltávamos... O Xitole depois encarregava-se de fazer chegar ao Saltinho os abastecimentos...

Eu apareço, de costas, numa ou duas fotos, na ponte (nº 202)... Aparentemente se não veem nem cavalos de frisa nem posto de sentinela nem "ninho" de metralhadora... Terá sido confusão minha ?

Provavelmente já existia o tal abrigo do teu pelotão, à direita, antes do início da ponte, e o tal da ninho da Breda, à esquerda do abrigo, que podia varrer todo o tabuleiro da ponte, em caso de ataque IN pela ponte... Deve ter sido ido que eu vi, na altura, emboar tu ainda estivesses lá...

Devo ter ido ao Saltinho ainda em 1969 (no tempo do BCAÇ 2852), e depois em meados de 1970 (no tempo do BART 2917)... Já não te posso garantir quantas vezes lá fui... Um das minhas idas está documentada, e na altura a ponte estava cheia de ervas, denotando pouco ou nenhum uso ...

Ofereço-te estas belíssimas fotos que vou publicar no blogue...Mando também para o Humberto e para o Tony, pode ser que eles se lembrem de mais pormenores... Fiz um aproveitamento da tua foto aérea da ponte...para veres melhor os pormenores... Tens também uma de 1972, do Álvaro Basto.

Queres fazer algum comentário para eu inserir no poste ?... A ponte não era iluminada à noite... Vocês iam para o lado de lá ? Era seguro ? Donde vinham os ataques ? Alguma vez foste de viatura até Contabane ? Ou mais longe, Mampatá ? Quando é que a estrada ficou interdita ?

O Arménio Estorninho ainda se lembra de ter feito uma "coluna auto de Aldeia Formosa-Saltinho-Aldeia Formosa, com passagem por Contabane, que encontrava-se incendiado e evacuado."... Isto, em agosto de 68, sendo a finalidade da coluna a entrega de "material sobressalente para viaturas auto" no Saltinho. Também nos diz que por volta 1970 a Ccaç.2701 estava aquartelada no Saltinho, sendo o Furriel Mec Auto o José Luís dos Reis.

Também o Zé Brás já comentou aqui que "a estrada Xitole-Aldeia Formosa cheguei a fazê-la sozinho com um condutor em jeep ainda em 67 e sem problemas"...

Em comentário ao mesmo poste, o P10730,  eu expliquei ao Arménio, no meu tempo (junho de 69/março de 1971) a estrada acabava na ponte do Saltinho, se não estou em erro... e que ainda timha "uma vaga ideia de lá no fim haver um ninho de metralhadores, montado para defesa da ponte e do aquartelamento do Saltinho"... Ou teria sido "miragem minha", interrogava-me eu ?

Nessa altura, o percurso até Quebo estava "interdito"... O mesmo aconteceu entre novembro de 1968 e agosto de 1969, em relação ao troço de estrada Mansambo-Xitole... Fomos nós, CCAÇ 12 e outras forças, que o (re)abrimos nessa altura... Foi uma época épica de colunas logísticas de Bambadinca para o Xitole e o Saltinho (que até então só podiam ser abastecidos via Galomaro).


Um abração. Luís
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 28 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10734: Memória dos lugares (197): Elvas, património mundial da humanidade - Forte de Nossa Senhora da Graça (ou Forte Lippe) - A barrilada (António José P. da Costa)

Guiné 63/74 - P10738: Agenda Cultural (239): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - História e Memória(s) - 1961-1974 (Carlos Cordeiro) (13): "Os Comandos em África", a proferir pelo Major-General Luciano Garcia Lopes, dia 30 de Novembro de 2012, pelas 17h30, no Anfiteatro C da Universidade dos Açores.

1. Mensagem com data de 28 de Novembro de 2012 do nosso camarada Carlos Cordeiro (ex-Fur Mil At Inf CIC - Angola - 1969-1971), actualmente Professor na Universidade dos Açores e coordenador do ciclo de conferências-debate "Os Açores e a Guerra do Ultramar História e Memória(s) - 1961 - 1974*:

Caríssimo Carlos,
Continuamos com o ciclo de conferências aqui na Universidade dos Açores.
Desta vez, será o Major-General Comando, Luciano Garcia Lopes (comandou a 15.ª CCMDS na Guiné) a intervir, precisamente sobre o papel das tropas Comando na Guerra do Ultramar.
A sessão terá lugar na próxima 6.ª feira (30), pelas 17H30, no pólo de Ponta Delgada da Universidade dos Açores (anfiteatro C).
Agradecia-te o favor de, se possível, a divulgares aí no blogue.

Um abraço amigo do
Carlos Cordeiro


Ciclo de conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974 História e memória(s)

No âmbito do ciclo de conferências-debate “Os Açores e a Guerra do Ultramar – 1961-1974: história e memória(s)”, Luciano Garcia Lopes, Major-General “Comando”, na reforma, – proferirá, no próximo dia 30 de Novembro (6.ª feira), a conferência “Os Comandos em África”.

Meio século passado sobre a formação dos primeiros grupos das tropas Comando, as comissões científica e organizadora do ciclo de conferências¬ debate decidiram integrar esta conferência no ciclo comemorativo do 50.º aniversário dos Comandos, que teve o seu momento alto com a abertura das comemorações nacionais, em 29 de Junho de 2012. No decorrer da sessão, antigos militares Comando que estiveram em campanha em Angola, Guiné e Moçambique prestarão breves depoimentos sobre as suas experiências na guerra do Ultramar.

O evento terá lugar no anfiteatro “C” do Pólo de Ponta Delgada da Universidade dos Açores, com início pelas 17H30, e estará aberto à participação de todas as pessoas interessadas.

Com início em Maio do ano transato, esta é a nona conferência do ciclo de conferências - debate “Os Açores e a Guerra do Ultramar – 1961¬ 1974: história e memória(s)”, uma organização do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores.



Breve nota biográfica do Major-General Luciano Garcia Lopes

O Major-General Luciano de Jesus Garcia Lopes nasceu na vila do Nordeste em 25 de Dezembro de 1942.

Ingressou na Academia Militar em 1960, onde concluiu a licenciatura em Ciências Militares na arma de infantaria.

Posteriormente obteve outras qualificações, nomeadamente, o Curso de Comandos, Curso de Promoção a Oficial Superior, Curso Superior de Comando e Direcção e Auditor do Curso de Defesa Nacional 92/93.

Desempenhou diversas funções, de que se destacam as mais importantes: Instrutor do Curso de Oficiais Milicianos/Curso de Sargentos Milicianos, Curso de Promoção a Capitães e Tirocínio na Escola Prática de Infantaria, cursos de comandos e operações especiais no Centro de Instrução de Operações Especiais, comandante de companhia, comandante da 1ª Divisão da PSP do Porto, 2º comandante do Regimento de Comandos, comandante do Regimento de Infantaria do Porto, sub-director do Instituto Militar dos Pupilos do Exército, comandante da Escola Superior Politécnica do Exército e comandante da Zona Militar dos Açores.

Cumpriu duas comissões de serviço no ex-ultramar português, uma na Guiné no comando da 15ª Companhia de Comandos e a outra em Moçambique na 5ª Companhia de Comandos de Moçambique.

Por limite de idade passou à situação de reserva em 2001 e de reforma em 2006. É detentor de numerosos louvores e foi agraciado com diversas condecorações, das quais se destacam: Medalha de Ouro de Serviços Distintos, Medalha de Prata de Serviços Distintos com Palma, Medalha de Serviços Distintos da PSP, Ordem da Liberdade, grau Cavaleiro e duas medalhas de Mérito Militar.
____________

Nota de CV:

(*) Vd. último poste da série de 26 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10077: Agenda Cultural (206): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - História e Memória(s) - 1961-1974 (Carlos Cordeiro) (12): Açorianos na Guerra do Ultramar: memórias no feminino

Vd. último poste da série de 28 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10733: Agenda cultural (238): Histórias da guerra colonial, com Jaime Froufe Andrade e Onofre Varela, no Centro Republicano e Democrático de Fânzeres, Gondomar, 30 de novembro, 6ª feira, 21h30 (Juvenal Amado / Sousa de Castro)