Queridos amigos,
Bem vistas as coisas, este museu organizado no que foi o Palácio Alvor tem um impressionante património que justificaria um conjunto de visitas e dezenas de textos e ilustrações em conformidade com a vastidão das coleções. Tudo começou com a extinção dos conventos, juntaram-se as peças provenientes do espólio da rainha Carlota Joaquina vendido em hasta pública, como consequência da derrota miguelista, há as peças adquiridas com as verbas oferecidas pelos reis D. Fernando II e D. Luís, também as peças adquiridas pela Academia de Belas-Artes, peças adquiridas em leilões, peças provenientes de vários legados; depois da implantação da República, uma nova leva de peças provenientes dos palácios reais, bem como das sés e palácio episcoais, peças depositadas (caso das 1500 esculturas da coleção Vilhena), doações relevantes como as feitas por Calouste Gulbenkian. É impressionante o acervo de arte religiosa, da pintura portuguesa, recorde-se Frei Carlos, os mestres flamengos, Hans Holbein, Lucas Cranach, Dürer, Bosch, Velásquez... E grande escultura, desde o Torso de Apolo, a peça mais antiga do museu, passando por Rodin, alfaias religiosas, a Custódia de Belém, a Baixela Germain, mobiliário ímpar, como o hindoportuguês, os trabalhos escultóricos de Benim, loiça Ming, os biombos Namban. Enfim, comprometo-me a voltar.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (217):
Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 2
Mário Beja Santos
Que o leitor me desculpe, finda uma pausa lancei-me ao trabalho, voltei à escadaria principal, gosto muito destas linhas dinâmicas que nos levam até à escultura religiosa, é a partir daqui que vou a deambular sem preocupações de roteiro quanto às escolas europeias, nada de catalogar cronologicamente o que vai do pré-românico ao oitocentismo, ainda tive o impulso de parar diante dos painéis de São Vicente que há quem garanta a pés juntos que foram pintados por Nuno Gonçalves, embora não haja nenhuma certeza documental.
O meu amigo José Luís Porfírio, que dirigiu esta casa e que dela foi conservador dedicadíssimo, escreveu com a chancela da Editorial Verbo, em 1977, no belo livro dedicado a este museu nacional:
“Se quiséssemos ser polémicos, poderíamos dizer que a pintura portuguesa começa e acaba aqui, nestas seis tábuas com cerca de 60 figuras, num tipo de expressão que, salvo duas ou três aproximações com tábuas da mesma época, desapareceu da pintura feita em Portugal sem deixar grandes vestígios, assim como pouco se conhece em Portugal ou no resto da Europa que possa servir de preparação ou de introdução a esta pintura. Não, evidentemente que se não se possa estabelecer analogias com o Sul da Espanha, ou com a composição das tapeçarias borgonhesas; não, também, que na pintura portuguesa do século seguinte se não possa detetar uma linha de atenção ao concreto, muito especialmente no retrato, que possa aqui ter origem. No entanto, esta pintura, se acaba alguma coisa, não sabemos o que acaba, e não foi, certamente, o princípio de coisa nenhuma; trata-se, antes de mais, de uma das numerosas sendas perdidas na arte europeia do século XV, experiência sem seguimento, ainda que cheia de possibilidades, tal como aconteceu noutros centros marginais ou marginalizados da cultura europeia da época. Descobertas em 1882, cerca de quatro séculos depois de pintadas e quase outro tanto de esquecidas, estas seis tábuas viriam a transformar-se no caso, ou na questão, da história da arte portuguesa. Têm estas seis tábuas praticamente mais literatura escrita sobre elas do que toda a restante pintura portuguesa junta”.
Vou passar adiante deste mistério dos painéis de São Vicente, vamos então ver outras obras de inquestionável valor.
A imponente escadaria da entrada principal que permite ao visitante ir direto à escultura medieval, tendo à esquerda uma pintura icónica, o Ecce Homo.
Danaide (A Fonte), por Auguste Rodin e Pierre, o seu ajudante, 1893. Esta deusa aquática, de uma tradição literária e figurativa que remonta à própria Grécia, ao mesmo tempo emerge e regressa ao seu reino do incerto e da mudança constante, reino que também é o da relatividade e não o da certeza sacral. Com Rodin está acabando um grande ciclo da escultura. Este regresso ao material anuncia de certo modo os monólitos do século XX.
Pormenor do tríptico das Tentações de Santo Antão, Jheronimus Bosch, c. 1500. É, porventura, o mais procurado quadro de autor não português (neste caso, um tríptico) tanto por visitantes nacionais como estrangeiros. Toda a pintura de Bosch foi produzida numa obscura cidadezinha da Flandres, acaba por se apresentar como o último grande inventário da Idade Média. Inventário de conhecimentos, de imagens, de espetáculos, de espetáculos e procissões de rua, inventário de medos passeando-se, reunindo-se, dispersando-se como as ideias confusas do espírito, no espaço poderosamente unificado das três tábuas. Mesmo que os contemplemos até à exaustão, fica-nos uma inquietante certeza: o sonho, a imaginação, o inconsciente, são também uma realidade.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 9 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27103: Os nossos seres, saberes e lazeres (695): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (216): Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 1 (Mário Beja Santos)