1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 14 de Outubro de 2012:
Meus caros amigos,
Esta é a segunda parte da minha recensão relativa ao livro "Guerra de África - Guiné - 1963-74" do coronel Fernando Policarpo.
Com o meus cordiais e amigos cumprimentos
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alf. Mil. de Infantaria C.CAÇ. 2402)
Guerra de África - Guiné - uma radiografia do conflito (2/2)
Francisco Henriques da Silva
Em 1968, com a saída de Schulz e o advento de Spínola, entra-se numa nova fase da luta que comporta um novo conceito estratégico da parte portuguesa. No que concerne o PAIGC, por um lado, este dispõe, agora, de armamento melhor e mais sofisticado (a introdução de foguetões de 122 mm, os mísseis terra-ar “Strella”, o morteiro de 120, etc.) as suas acções são cada vez mais ousadas e estendem-se na prática à quase totalidade do território e, por outro lado, no plano político-diplomático, desenvolve um conjunto de intensas actividades, em que se destacam a avalização do PAIGC por parte dos demais países africanos como único movimento de libertação representativo do território, uma audiência no Vaticano concedida pelo Papa e, finalmente, a proclamação unilateral da independência com o reconhecimento formal por parte da ONU e da maioria dos países ali representados.
Do lado português, Spínola, constata que se encontra numa “situação completamente degradada” (p. 77). Acossado em 3 frentes (Norte, Sul e Leste) reconhece que a guerra não pode ser vencida militarmente no terreno, mas que têm de se conquistar as populações. Elabora então o conceito “Por uma Guiné melhor” que visa subtrair os guineenses ao controlo do PAIGC participando aqueles activamente na defesa dos seus interesses e no desenvolvimento da sua terra. Não obstante, António de Spínola, não descura, antes pelo contrário, os aspectos operacionais e implementa uma orientação pró-activa (ofensiva), em que as “áreas controladas pelo PAIGC passaram a ser objectivo primordial do Comando-Chefe” (p. 81). Finalmente, começa a ser delineada uma estratégia negocial, intra muros e extra muros, tendo em vista, no primeiro caso, cativar populações e guerrilheiros para a causa portuguesa e, no segundo, trazer o PAIGC à mesa das negociações através de terceiros (Senegal). Esta estratégia negocial nuns casos falha redondamente (é o incidente da morte de 3 majores, um alferes e outros acompanhantes que iam negociar com guerrilheiros no chão manjaco, em Abril, de 1970) e, noutros, é inconclusiva (negociações secretas com o presidente senegalês, Léopold Senghor, no Sul do Senegal), até por falta de cobertura política de Lisboa e, por conseguinte, falha igualmente.
A fim de debilitar a capacidade operacional do PAIGC e de lhe cortar a principal base de apoio externa (a Guiné-Conakry), o Comandante “Alpoim Calvão propôs a Spínola a realização de uma operação para derrubar Sékou Touré “ (p. 95). Spínola tenta, mas falha, uma invasão da Guiné-Conakry, na célebre operação “Mar Verde”, com o objectivo de levar a cabo um golpe de Estado, visando alterar de raiz o regime político daquele país e destruindo as bases da “retaguarda político-logística” do PAIGC, bem como, a respectiva cúpula dirigente. O fiasco foi completo. Efectivamente, como refere Fernando Policarpo, “...a operação “Mar Vede” redundou num enorme fracasso, na medida em que os seus principais objectivos não foram atingidos” (p. 99). O resultado desta malograda operação, como não podia deixar de ser, afectou a credibilidade do governador e comandante-chefe: “deixou o general Spínola bastante fragilizado tanto na frente interna, como na frente externa” (p. 100) e obrigou-o a alterações estratégicas, até porque não dispunha de “luz verde” para prosseguir a titubeante via negocial.
Entretanto, a guerra prosseguia o seu curso, dispondo o PAIGC de mais e melhor armamento e de maior combatividade no terreno. Quando Portugal perde a supremacia aérea, pela introdução dos mísseis terra-ar no teatro de guerra. Esta parece entrar então num “point of no return” e o PAIGC passa a dispor de um trunfo fundamental. Como refere – e bem - o autor, “a perda do domínio aéreo assustou as tropas portuguesas. A partir de agora deixaram de contar com ele durante as operações decisivas. Ciente dessa desorientação, o PAIGC desencadeou fortíssimos ataques contra os aquartelamentos de Guilege, Guidage no Norte e Gadamael no Sul. Desses ataques destacaremos Guilege, que acabou por ter sido abandonado sem preparação. Os outros dois foram mantidos a custo.” (p. 134).
Dois factos fundamentais são realçados o “inesperado assassinato de Amílcar Cabral” (p. 131), cuja autoria material é conhecida, todavia desconhece-se a respectiva autoria moral e a proclamação unilateral da independência (24 de Setembro de 1973). Com alguma prudência, o autor opina.: “não nos parece polémico concluir que, no caso concreto do T.O. da Guiné, a Revolução ocorrida em Portugal, no dia 25 de Abril, foi providencial pois, tendo em conta a progressiva degradação da situação militar, era previsível o colapso do Exército português num período relativamente curto, que poderia oscilar entre seis meses a um ano.” (p. 135).
Do relato do coronel Fernando Policarpo, três pontos merecem referência especial, antes do mais, a criação tardia (1963) de uma mera “Secção de Acção Psicológica, na Repartição de Informações do Estado-maior do Exército, que se revelou insuficiente” ( p. 59), ou seja os altos mandos militares parece não se haverem consciencializado plenamente das características de uma guerra subversiva e, nesse contexto, da importância da criação de um Serviço Nacional de Acção Psicológica que “contudo nunca foi criado” (p.60), mesmo com a evolução do conflito. Em segundo lugar, são de realçar as notórias deficiências na “intelligence”, bem patentes na operação “Mar Verde”, na introdução dos mísseis Strella, etc.
Finalmente, F. Policarpo comete um erro, considerando que os mandingas, a maior etnia constituíam a principal base de apoio e recrutamento do PAIGC. "Foram eles que lançaram a rebelião” (p. 67). Muito embora os mandingas tenham desempenhado um papel relevante na guerrilha, está historicamente comprovado que o grosso da tropa combatente era formada pelos balantas que constituem, de facto, a maior etnia da Guiné-Bissau (cc. de 30% da população total, contra 13% de mandingas – a 4ª etnia do país).
O livro encontra-se profusamente ilustrado com dezenas de fotografias da época e com uma interessante série de quadros explicativos que versam determinados temas específicos abordados genericamente no corpo do texto principal: uns biográficos, maioria (Honório Barreto, Teixeira Pinto, Marcelo Caetano, Amílcar Cabral, “Nino” Vieira, Spínola, Raul Folques, Luís Cabral) outros temáticos (Carta da ONU, Casa Gouveia, Clima e Doenças, Massacre de Pidjiguiti, PAIGC, ONU na Guiné, Berço do MFA).
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10537: Notas de leitura (418): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (1) (Francisco Henriques da Silva)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Discordo e sei que assim não foi: A operação Mar Verde não tinha como parte final, provocar um golpe de Estado, mas também se possível. Por isso se aceitaram as colaborações dos adversários de Sekou Turé. Falar em fiasco, quando se invade um país estrangeiro e se trazem os prisioneiros portugueses é ofender as tropas portuguesas que o fizeram.
Quanto à morte do Amilcar Cabral, parece-me e está aqui bem explícito que afinal o Senhor sabe mais do que todos os que têm falado sobre o assunto. Se sabe está na altura de o dizer. De qualquer fora acho que o escreve merece leitura atenta, embora esteja um pouco a redondar apenas para uma sua opinião.Veríssimo Ferreira, FUR-MIL CCAÇ 1422 Agosto 1965/ABRIL 1967
Repito o meu comentário, colocado na primeira parte desta recensão, mais a minha não concordância com o "prevísível colapso das Forças Armadas Portuguesas dentro de seis meses ou um ano".(pag. 135)
Não ia haver colapso nenhum, infelizmente a guerra ainda podia durar mais uns anos. O problema era político, a solução do conflito era política, como a História veio a comprovar.
antonio graça de abreu disse...
No essencial, este trabalho do coronel Fernando Policarpo parece-me uma radiografia bem tirada. Com pequenos desfoques, naturais, ninguém é perfeito.
Mas também, como todos sabemos, as pequenas mentiras históricas transformam-se frequentemente em grandes
mentiras, e depois em "verdades".
A tese da derrota militar da Forças Armadas portuguesas na Guiné é uma delas.
Leio, no último capitulo desta obra, pag. 134,
intitulado "A Perda da Supremacia
Aérea":
Pós Strela, "A perda do domínio aéreo assustou as tropas portuguesas. A partir de agora, deixaram de poder contar com ele durante as operações decisivas."
(...)"os caças voltaram aos céus. Mas voavam a altitudes superiores a 10 mil metros, perdendo a capacidade de escolher alvos."
Nas páginas 50 e 51, deste livro, leio esta descrição da pena do mesmo coronel Fernando Policarpo:
"Numa das suas últimas missões, a
operação Neve Gelada, realizada no início de Abril de 1974, Raul Folques,agora major e comandante do Batalhão (de Comandos Africanos), confronta-se de novo com a necessidade de socorrer um aquartelamento cercado ("?", o ponto de interrogação é meu AGA) pelo PAIGC, em Canquelifá, no norte do território, perto da fronteira senegalesa, há cinco dias flagelado por uma bateria de seis morteiros 120.
O batalhão (de Comandos Africanos) parte de Bissau em três lanchas e desembarca no porto fluvial do Xime, ao fim de cinco horas de viagem, seguindo depois em nove viaturas militares e quinze civis (camionetas) num percurso de mais de 24 horas. A última etapa é feita a pé. Depois de uma longa marcha nocturna, as suas tropas chegam ao lugar da operação, conseguindo neutralizar o grupo atacante e capturar três morteiros. Os combates prolongam-se por toda a tarde, provocando 26 mortos(incluindo dois instrutores cubanos) e numerosos feridos entre a forças do PAIGC, sofrendo o batalhão de comandos três mortos, seis feridos graves e catorze ligeiros.
A Força Aérea é chamada a intervir com os pequenos aviões FIAT de ataque ao solo, dotados de grande mobilidade e vários helicópteros para a evacuação de feridos, apoiados por um hélicanhão."
E as NT haviam "perdido a supremacia aérea"...
Não se sabe bem a favor de quem.
Talvez a favor dos MIGS do PAIGC.
Esta minha pequena observação em quase nada invalida o valor deste trabalho.
Abraço,
António Graça de Abreu
Terça-feira, Outubro 16, 2012 2:45:00 p.m.
O historiador AGA é esperto na defesa do seu ponto de vista, que defende com teimosia, de que Portugal, militarmente, não perdeu a guerra (que não estava perdida, mas perdeu-a por abandono da luta, como um boxeur que sai do rinque). Não refere, porém, as causas, o que me parece mais interessante, as razões condutoras ao golpe de Abril, e como já aqui sublinhou, à "vergonhosa descolonização". Se, quanto à primeira parte meramente conceptual não há nada a provar, apenas a constatação, já, quanto à segunda, poderia dar o seu contributo. Não pela resposta simples de que a solução teria que ser política, que também não foi, apesar de muito se ter propalado nesse sentido, até porque não era a solução do programa do MFA, mas correspondeu a um desenrascanço dos militares face ao controle do poder por um grupo deles com vinculos ideológicos bem definidos, que uma parte das forças políticas estimulou, porque vinham das áreas de subrevivência na clandestinidade que perfilhavam aquela ideologia - a descolonização, como forma de libertação da exploração desenfreada. Digamos, que os partidos foram "a voz do dono", sem cuidaram de tantos e tão diferentes problemas que ainda condicionam as novas nações.
Assim, cumpre desvendar o mistério de sabermos até quando, no seu entender, poderíamos aguentar a guerra, e em que medida, em que termos, com que considerações, se deveria ter envidado por soluções políticas.
Sem dúvida que hoje não podemos interpretar hipóteses para a época, mas podemos exercitar o raciocínio sobre iniciativas, condicionantes e projecções, que não aconteceram e poderiam ter determinado outras soluções mais civilizadas e mais justas para os povos envolvidos.
JD
... para uma melhor apreciação sobre a perspectiva da «Guerra de África - Guiné, 1963-1974», objecto dos vossos postais 10537 e 10541 e que foi publicada em 2006 por Fernando Policarpo (coronel de infantaria deficiente das FA's, licenciado «em História pela FLL/UL», recorde-se que aquele autor, nascido em 03Jul51, em 1973-74 era alferes miliciano comandante de um pelotão no BCac4514, tendo actuado - [sic] -, «na Frente Leste (Sector de Nova Lamego), na Frente Norte (Guidaje e Cuntima), e na Frente Sul (ataque maciço ao Cantanhez, desencadeado em 1973, especialmente na Região de Cadique-Cafine-Jemberém, entre os Rios Cumbijã e Cacine), onde foi gravemente ferido em Combate».
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Sobre mandingas e balantas é óbvio que quem estava ao nosso lado eram os fulas e futa-fulas. Como exemplo concreto a última recruta que foi ministrada no CIM, no início de 1974, era composta por duas companhias, uma só de Fulas e Futa-fulas a outra era composta por várias etnias, balantas, papeis, manjacos, bijagós, etc. Penso que é esclarecedor a constituição das duas companhias de instrução.
João silva CIM 1974
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