quarta-feira, 31 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20024: Historiografia da presença portuguesa em África (170): “Monjur, o Gabú e a sua História”, por Jorge Vellez Caroço; Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1948 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Dir-se-á que este livro de Jorge Vellez Caroço é um ensaio eivado de generosidade e patriotismo, bem procura, mediante o que se sabia de antropologia, etnografia e etnologia, dissecar e sumarizar os conhecimentos sobre a História antiga de África, ainda hoje numa completa neblina, fala de um Gabú cuja geografia e evolução histórica está hoje melhor clarificada por Carlos Lopes, como já se referiu anteriormente. E quanto à destituição de Monjur, há hoje outros olhares e é por isso que seguidamente iremos fazer referência a um trabalho dedicado ao regulado do Gabú entre 1910 e 1930, do investigador Eduardo Costa Dias, um outro modo de iluminar a cena e de compreender o poder Fula e a sua aliança com a potência colonial.

Um abraço do
Mário


Monjur, o Gabú e a sua História, por Jorge Vellez Caroço (2)

Beja Santos

Em 1948, o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa publicava o trabalho “Monjur, o Gabú e a sua História” por Jorge Vellez Caroço. Jorge Vellez Caroço, filho de Jorge Frederico de Vellez Caroço, Governador da Guiné entre 1921 e 1926, fora diretor de um departamento ligado aos assuntos indígenas, o seu nome aparece num conjunto de relatórios que tiveram a ver com um incidente de uma aeronave francesa que se teria despenhado em chão Felupe, nos anos 1930, esta vasta documentação, bem curiosa por sinal, está a ser estudada pela investigadora Lúcia Bayan, razão pela qual aqui não se faz referência ao seu conteúdo. Diga-se em abono da verdade que o título da obra não corresponde completamente ao conteúdo. Em 1933, no exercício das suas funções, Jorge Vellez Caroço conduziu um inquérito sobre o estado da política indígena na circunscrição civil do Gabú, mexeu em muitos papéis, fez muitas consultas, ouviu populações e consultou mesmo autoridades da África Ocidental Francesa.

Já aqui se fez referência às considerações do autor sobre a Pré-História e a História antiga de África, impérios e reinos, igualmente se falou do Futa-Djalon, do Firdu e Gabú, chegou a hora de falar das diferentes ocupações da região. Primeiro, os Mandingas, que se dispersaram pelo oeste, fala-se da lenda da ocupação Mandinga e também como eram escolhidos e como governaram os régulos Mandingas do Gabú e de novo o autor nos lembra as convulsões no centro originário das etnias que constituem o grupo sudanês, a intensidade da corrente migratória no período dos Almorávidas e durante a ação despótica dos imperadores do Mali, em que os Mandingas e os Soninqués, Bambarás e Fulas se fixaram no terreno. Convém aqui exprimir que mesmo à luz dos conhecimentos atuais ainda se mantém completamente difuso o período de chegada e fixação das famílias Mandingas que se estabeleceram no Gabú. Há referências às famílias de apelido Mané e Sané e as diferentes localidades que fundaram e ocuparam. O Futa-Djalon foi habitado pelos Fulas, sempre instados a pagar impostos aos Mandingas, a prazo criaram-se as condições para lutas sangrentas entre os Fulas do Futa e os Mandingas, são acontecimentos que irão ter lugar entre os fins do século XVIII e a segunda metade do século XIX. Seguiu-se um período de grandes guerras que tiveram o seu epicentro em Béré-Colon, Nhampáio, Cam-Salá e Columbai, o autor descreve com bastante detalhe a tomada de Béré-Colon, os Mandingas regressaram porque os Fulas pouco se demoraram, esta batalha marca o início da queda do poder Mandinga do Gabú. Estes reagem e atacam os Fulas em Nhampáio, segue-se um período de contendas sem vencedor claro. Até que os Fulas convergem um grande exército para conquistar Cam-Salá, que era protegida por uma série de trincheiras e fortes paliçadas, os Mandingas resistiram até à exaustão e depois suicidaram-se quando verificaram não ter mais resistência para combater.

Começara o domínio dos Fulas entre o Gabú e o Forreá. Em capítulo à parte, o autor explana os termos da ocupação Fula, fala de Mamadu Paté, do seu filho Bacar Demba, da guerra entre Fulas e Djolas (Beafadas), depois de Bacar Guidali e de outras figuras de régulos responsáveis pela ocupação definitiva do Gabú. Não esquece de mencionar os Futa-Fulas, então concentrados no território do Boé, quando este território dependia do regulado de Labé. E chegamos finalmente à figura de Monjur, filho de Bacar Guidali. Monjur torna-se uma figura dileta das autoridades portuguesas, o seu nome está indelevelmente ligado aos trabalhos de retificação da fronteira, era governador o Comandante Oliveira Muzanty. Nome prestigiado é confirmado como nome indiscutível para suceder ao régulo Selu, tanto o comandante da circunscrição como o governador da colónia o confirmaram no lugar. Reina durante doze anos, rodeado do maior prestígio, estimado pelo seu povo, a população do Gabú aumentou, é um período sem perturbações e agitações políticas. O régulo cumpre as suas obrigações para com o governo, paga os impostos e participa em todas as operações de pacificação. E depois, veio a contestação, as calúnias, as insídias: que Monjur não tinha direitos para ascender a régulo, argumentação sem pés nem cabeça, mas a contestação alargou-se, Monjur teve que ceder e repartir poder.

É nesta questão que o autor levanta uma questão candente, mais tarde reacesa durante a luta de libertação: o critério da independência das raças. É assunto incómodo para a colonização portuguesa. A era da pacificação, após as operações de Teixeira Pinto, tivera ressonância no Gabú. A independência das raças foi uma pura invenção das autoridades administrativas face à avalanche de pretendentes a chefados, isto quando era política assente a condenação da independência das raças. Em 1927, Monjur é arbitrariamente destituído do seu cargo e deportado para o Corubal, não chegou a partir porque entretanto morreu. Este critério da independência determinou uma transformação radical na organização política do Gabú, desapareceram os chefes de território e deu-se lugar aos chefes de raças, acarretou o êxodo de milhares de indígenas para o território francês. O autor avalia negativamente o comportamento das autoridades administrativas para com o Monjur e a sua obra; anos mais tarde, em 1932, Ponces de Carvalho, então Director dos Assuntos Indígenas explica ao governador que tal política não tinha qualquer sentido, devia-se voltar à situação anterior. E Jorge Vellez Caroço passa em revista o território do regulado do Gabú, a sua origem, os seus chefes e a lista interminável de sucessões. Lista igualmente as guerras de pacificação da Guiné em que Monjur cooperou ao lado de Graça Falcão, Judice Biker, Calvet de Magalhães e Jorge Vellez Caroço. O seu funeral foi um acontecimento memorável, acorreram às cerimónias milhares de indígenas da Guiné Portuguesa, da Guiné Francesa e da Gâmbia, formaram-se alas de indígenas de Gabú-Sara até ao Ôco, numa extensão de três quilómetros, e o corpo de Monjur foi passado de mão em mão até à sua derradeira morada.


E a obra de Vellez Caroço termina assim:
“Foi Monjur um grande régulo, que bem soube administrar e dirigir o seu povo e como se diz entre os indígenas – nunca em chão português houve ou poderá haver um chefe que igualá-lo possa em valor, grandeza e prestígio.
E, se assim não fora – como refere o Administrador Francisco Artur Mendes – não lhe teria sido possível uma unidade política, que ameaçou por mais de uma vez romper-se ruidosamente através do seu longo governo.
Como merecida e justa homenagem a Monjur, podia construir-se um mausoléu modesto, mas decente, no lugar onde hoje existe o seu túmulo pobre, entregue apenas ao cuidado dos seus descendentes; e sobre a lápide que o encimar, inscreverem-se os seus serviços e as palavras e os louvores que bem traduzam o reconhecimento da Mãe Pátria agradecida”.

A Comissão Executiva que aprovou a publicação do livro dizendo, no entanto, que quanto ao conteúdo e às conclusões, eram inteiramente alheios. “É exclusivamente a opinião do autor, em que de modo algum nos envolvemos”.

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20008: Historiografia da presença portuguesa em África (168): “Monjur, o Gabú e a sua História”, por Jorge Vellez Caroço; Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1948 (1) (Mário Beja Santos)

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