segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21262: Notas de leitura (1298): A política económica e social na Guiné-Bissau, por Carlos Sangreman, Doutor em Estudos Africanos (1974-2016) (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Maio de 2017:

Queridos amigos,
O investigador Carlos Sangreman lança questões fulcrais no seu documento de trabalho onde esquematiza em escassas dezenas de páginas o que eram as políticas coloniais até 1974, como decorreram os planos de desenvolvimento até 1986, como se entrou na liberalização, os altos e baixos das diferentes governações e o que esteve em causa em três momentos nas políticas de recuperação. Há dados estruturantes que, segundo o autor, terão de ser sempre equacionados quando houver condições para uma política de arranque ao desenvolvimento que deu aos guineenses a confiança de que há um Estado a dialogar com uma nação: ultrapassar um fraco nível de instrução e qualificação da população; desarmar as demagogias étnicas, um dos maiores obstáculos à construção do país; programar e acompanhar a par e passo a execução de tais medidas, detetando oportunamente os estrangulamentos e as incompetências; encontrar uma fórmula de conciliação e concórdia entre as mais destacadas forças partidárias que se complementam a pôr termo à instabilidade, e deste modo assegurar o comportamento constitucional das forças armadas, deixando-as subordinadas ao poder político.

Um abraço do
Mário


A política económica e social na Guiné-Bissau (1974-2016) (2)

Beja Santos

O autor deste documento é Carlos Sangreman, doutor em Estudos Africanos, consultor internacional com missões em todos os PALOP. Logo no resumo, dá-nos conta do propósito essencial: “Que políticas económicas e sociais a Guiné-Bissau concebeu e executou ao longo de 42 anos? Que base colonial existia em 1974 que tenha sido um ponto de partida para a governação do PAIGC? Com governos e presidentes fortes e fracos, com uma imagem de instabilidade permanente, acusados de favorecer o tráfico de drogas para a Europa, mas com uma paz social relevante para uma região assolada por guerras civis, como se expressou a governação na escola de modelos económicos e sociais a partir de um ideário construído por Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Pedro Pires, Nino Vieira e outros?”.

No texto anterior fez-se referência ao período das políticas coloniais, até 1974 e apresentou-se um elenco de observações sobre os planos de desenvolvimento entre 1974 até 1986. Todos os anseios expressos nesta documentação culminam em fracassos, os défices acumulam-se, cada um dos ministérios faz gestão da sua área de competência desajustada às prioridades e às verbas disponíveis; o setor empresarial de Estado afunda-se, a dívida externa mais que duplica entre 1981 e 1985. Com resultados tão desastrosos, o governo decide-se substituir os planos a médio prazo por planos anuais, delega-se no PAIGC a sua aprovação. Entra-se numa fase de liberalização, é assim aprovado um programa de estabilização e ajustamento estrutural de 1987 a 1989, depois prolongado até 1993, com três componentes essenciais: alteração do papel de Estado, aumentando-se a iniciativa privada; fornecimento de infraestruturas básicas de apoio à produção e às exportações; definição de uma estratégia financeira para mobilizar os recursos externos necessários à estabilização e ao crescimento. No IV Congresso do PAIGC, realizado em Novembro de 1986, assume-se que o poder nacional deixara de ter capacidade para definir a política económica e social do desenvolvimento, passavam a ser os financiadores externos.

O autor detalha as tendências caóticas na governação em três períodos 1998-2003, 2005-2007 e 2012-2014. A primeira consideração vai para o conflito militar de 1998-1999 tudo agravou com a destruição de infraestruturas, baixa produção e a gravíssima queda da exportação. Só com o governo de Carlos Gomes Júnior em 2004-2005 se pode considerar haver uma primeira recuperação pós-conflito. A segunda consideração é que com a perda de influência do PAIGC a governação passou a depender do que o presidente quisesse. O período correspondente à presidência de Kumba Ialá foi um verdadeiro desastre, a confiança dos doadores internacionais e dos investidores estrangeiros com que se evaporou.

O que o Estado deixara de assegurar passou, ainda que tenuemente, a ser ocupado pela sociedade, cresceram as redes de solidariedade familiar, foi significativa a ação de muitas ONG na reconstrução de casas depois da guerra civil. Se é facto que a sociedade civil viera a conhecer expansão com a consagração do multipartidarismo, no dobrar do século a sociedade civil tinha um papel visível no combate à pobreza, no ensino, na saúde, no saneamento básico, na cultura.

Em Abril de 2012, quando os militares demitiram o governo, estavam-se a sentir os primeiros bons resultados depois de 1998, 1999, com o golpe militara acentuaram-se os problemas com o tráfico de drogas e com contratos, com privados nacionais e internacionais ou com países como a China, depredadores dos recursos naturais (sobretudo madeira e areias).

O autor também faz a leitura das políticas de recuperação, atende a três períodos: 2004-2005, 2008-2011 e 2014-2015. Assinale-se que no período de 2008-2011 se deu um crescimento do PIB acima dos 5% devido às exportações e à boa gestão das finanças públicas, avançaram as reformas estruturais, procedeu-se ao recenseamento biométrico dos funcionários públicos onde se identificaram 4 mil fantasmas, entre outros resultados positivos. A situação das condições de vida e de funções das forças armadas no ativo e reformadas mantinha-se deprimente: um reformado com o posto de capitão recebia 12 vezes menos que o posto seguinte e cerca de 97% dos ativos recebiam menos de 25 euros por mês.

Como observa o autor, na prática, com o golpe de Estado de Abril de 2012 só houve condições políticas para continuar o rumo prosseguido pela governação de Carlos Gomes Júnior depois as eleições de 2014. Tudo parecia encaminhar-se para uma normalização e um estuda de concórdia nacional. Mas em 2015 o presidente da República entrou em confronto com Domingos Simões Pereira, primeiro-ministro, eram diferentes conceções do exercício do poder, estava em causa a apropriação de recursos externos prometidos em Bruxelas pelos financiadores. Deste confronto houve a nomeação de quatro governos, mantinham-se de pé dois projetos, reconhecidos como credíveis pelos financiadores: Terra Ranka (o país arranca) e Sol na Iardi (o sol brilha). O presidente João Mário Ramos apresentou por iniciativa própria um outro documento em alternativa, elegendo a produção agrícola para a segurança alimentar como objetivo central, retomando uma lógica básica de política económica que se justifica pelo país não dispor de recursos de produção de bens alimentares. Mas não se avançou em direção nenhuma, a instabilidade política não deixou fazer mais.

Nas conclusões, o autor retoma a permanente falha no cumprimento nos programas pós-independência até 1998, realça as consequências da guerra civil, recorda a persistências dos problemas de governação em que os graus de liberdade de execução das políticas nacionais continuam na dependência do exterior, a todos os níveis; alega igualmente que todos estes programas e projetos de desenvolvimento esbarram com as dificuldades de execução. E procura diagnosticar tal incapacidade: “Apesar do número de técnicos ser hoje muito superior a 1974, de os jovens terem acesso a um volume de informação incomparavelmente maior via net, telemóveis e via televisão, não parece haver na sociedade política pública e gestionária privada guineense a residir no país quadros em número mínimo para assegurar o funcionamento das instituições que tem de aplicar as políticas definidas desde os ministérios ao simples posto de saúde. O que não é surpreendente dado o fraquíssimo nível de ensino desde o ensino básico ao superior e as taxas de abandono e de frequência em todos os níveis. E se nos anos iniciais da planificação entre 1974 e 1986 ainda havia expatriados em todos os ministérios, a partir das políticas de ajustamento de iniciativa do FMI e BM, a ideia que devem ser os nacionais a assumir esses postos deve ter levado à diminuição das verbas para ter esses profissionais, sem atender a que o sistema de ensino nacional não produzia nem produz quadros superiores e médios suficientes com qualidade quatro dezenas de anos depois da independência e que aqueles que estudam no exterior têm uma baixa motivação para voltar, concluída a sua formação".


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21245: Notas de leitura (1297): A política económica e social na Guiné-Bissau, por Carlos Sangreman, Doutor em Estudos Africanos (1974-2016) (1) (Mário Beja Santos)

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