segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21263: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (14): No "Chez Alice", as ostras da Lagoa de Óbidos




Lourinhã > Julho e Agosto de 2020 > "Chez Alice" e Restaurante "Atira-te ao Mar" > Ostras ao natural... (São da Lagoa de Óbidos).


Fotos (e legenda): © Alice Carneiro  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Depois destes meses todos (e já lá vão quase seis!)  de pandemia de COVID-19,  com as todas as medidas que nos impuseram "por mor da saúde pública" (confinamento, distanciamento social, máscara, higienização das mãos e das superfícies, etc.), e  agora em pleno agosto (o nosso outrora "querido mês de agosto"...), estamos todos a recordar coisas antigas e aprender coisas novas: por exemplo, fazer "férias cá dentro",  matar saudades dos entes queridos e dos amigos,  redescobrir os nossos sabores, as nossas comidinhas).

Os nossos vagomestres da Tabanca Grande não têm dado notícias. Mas, nós, por cá, na Tabanca da Lourinhã, continuamos a deixar algumas iguarias, junto ao tronco do nosso  poilão,   porque é preciso alimentar os nossos bons irãs...que nos protegem (a saúde mental). 

Como os nossos leitores já sabem, aqui  não comemos tudo o que cozinhamos, ou melhor, o que a "Chef" cozinha no "Chez Alice"... ou que partilhamos com outros amigos, como os "Duques do Cadaval", do Restaurante "Atira-te ao Mar", no Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã, e outros que nos visitam como o Zé Teixeira e família, do Padrão da Légua. Matosinhos,. e que passam também a ser membros de pleno direito desta tabanca moura.

Por acaso, o petisco  de hoje não dá partilhar. Esta semana são (ou foram) ostras. Ora  as ostras nunca sobram, ficam só as cascas (, que, trituradas, sõa boas para dar às galinhas, mas a gente não criação, cá na Tabanca ). Também não sabemos se os irãs gostam de ostras. Admitindo que não, mais sobram para nós.

O único "senão" da ostra é que dá trabalho a abrir.  É preciso um abre-ostras e o ato tem a sua arte & ciência.  O "Duque do Cadaval" é o mais perito de todos... A abrir (e  a comer) ostras, não há pai para ele... Depois é só só limãozinho (e gelo, para quem gosta de as comer mais fresquinhas)...

 
Em louvor das ostras da Lagoa de Óbidos

por Luís Graça


Não, não há ostras, na festa da Atalaia, Lourinhã.
Não sei porquê,  se é um festival de marisco... 
Os portugueses não gostam de ostras,
também não sei porquê.
Mas também não importa,
este ano não haverá festa da Atalaia, Lourinhã,
nem a do Seixal, Miragaia, Marteleira ou Ribamar.
Calaram-se os santos e as santas padroeiras.
Diz o povo etem razão:
"Quando Deus não quer, mudos estão os santos".

Mas, felizmente, há ostras.
Foi preciso o confinamento
para eu voltar a comer ostras.
Há muito tempo que as não comia,
e que saudades,  deus meu!

Os franceses, ou melhor, os parisienses, 

adoravam as nossas ostras.
E acompanhavam-nas com champanhe... 
E as melhores do mundo
eram les portugaises, diziam.

Crassostrea Angulata, dizem os biólogos marinhos.

Os refugiados europeus
que encontraram um Portugal um porto de abrigo
no meio da barbárie que foi a II Guerra Mundial,
adoravam a nossa ostra
e a nossa lagosta
e a nossa amêijoa,
the  small Portuguse female clams
with garlic and coriander,

vulgo amêijoa à Bulhão Pato. 

Até que veio a industrialização, 

a siderurgia nacional, 
as químicas do Barreiro, 
a ponte,
as lisnaves, 
os superpetroleiros,

e as tintas dos barcos,
o capitalismo sem rei nem roque,
e mataram o Tejo e o Sado
e as ostras do estuário do Tejo e do Sado...

Estupidamente,
como todas as mortes ecológicas por ação humana.

Só agora, lentamente,
estamos a recuperar a ostreicultura nacional, 
no Tejo, no Sado,
na ria de Aveiro,
na lagoa de Óbidos,
na ria Formosa, no rio Mira,
e por aí fora...
Temos condições excecionais
para esta fileira da atividade económica
ligada aos recursos marinhos.
Uma mina de ouro, dizem-nos.

Confesso:
aprendi a comer ostras em Bissau,
à beira do Geba,
no intervalo da guerra...
Ao natural, as ostras,
apenas com lima e piripiri.
Passei por Tavira
mas não me lembro das ostras que lá comi.
Se é que havia ostras, no último trimestre de 68,
na ria Formosa que servia de campo de tiro.
E, se as comi, eram amargas.
 
Se calhar, a maior parte de nós,
dos ex-combatentes,
aprendeu a comer ostras em Bissau...
Calhaus de ostras!...
Conglomerados!...
Com molho de lima e piripiri...
Passava-se um tarde
a matar a fome e a sede, 
à volta de uma travessa de ostras,
longe do Vietname,
que começava logo ali a partir de Nhacra.
A 20 pesos a travessa.
Não havia exercício mais anti-stressante
do que esse, de abrir e comer ostras,
nas esplanadas de Bissau,
à beira rio, com o cheiro a tarrafe,
e saudades do Tejo ou do Douro,
cada um tinha o seu rio de estimação.

Não, não  havia depuradoras,
mas nunca apanhei nenhuma diarreia.
Talvez por sorte.
Em Bambadinca, no rio Geba Estreito,
não havia ostras,
mas havia belíssimos lagostins
a 50 pesos, na tasca do Zé Maria Turra.
Entre duas saídas para o mato,
no intervalo da guerra.
Outro dos nossos exercícios anti-stressantes.

Hoje nem pensar comê-las, às ostras,
na Guiné-Bissau...
Já não há ostras em Bissau...
Há uma imensa cloaca a poluir a ria, o canal.
Talvez em Quinhamel, dizem-me...
E quando lá voltei, em 2008,
nem sequer o caldo de ostras provei,
com pena minha...
O famoso pitche-patche de ostras
da nossa querida Guiné-Bissau.

Depois do 25 de abril,
gostava de ir a Vigo,
comer ostras das rias Baixas.
Nunca fui a Vigo, antes do 25 de Abril.
Muito menos antes da tropa.
Seria logo considerado refratário.
Não tinha sequer passaporte,
Nem mo dariam,
Era um luxo só para alguns privilegiados.

Temos excelentes vinhos brancos,
a começar pelo Verde e os Espumantes,
para acompanhar as ostras ao natural...
São um manjar do pecado...
(Por que é que todas as coisas boas da vida
são pecado, meu deus ?)
Um sabor intenso, a maresia,
a sol, a sal, a azul,
como diria o meu poeta O'Neil
que tinha costela céltica...
Os portugueses são mais fálicos,
gostam mais de percebes...

O'Neil devia gostar de ostras,
que são femininas e delicadas como as amêijoas.

Temos uma gastronomia riquíssima
ligada aos frutos do mar,
de Norte a Sul do país...
Oxalá saibamos defender,
preservar e valorizar,
cada vez mais  este manjar dos deuses,
que são os crustáceos, os bivalves,
o peixe, as algas,
e todas as coisas boas que o mar nos dá...
O polvo, a navalheira,
a sapateira, a sardinha,
a cavala, a sarda, a raia,
outrora comida dos pobres da minha terra.
Mais as lapas e os ouriços e os burriés.

No céu não há disto,
os deuses e os heróis têm que vir cá baixo
comer estes petiscos...
Partindo do princípio
que têm baixo ventre 
e os mesmos baixos apetites dos humanos.

A sobrepesca, a apanha de alhas,
a pesca de arrasto, a poluição urbana e industrial,
as alterações climáticas,  o tráfego marítimo, 
a caça submarina, 
os adubos  e os pesticidas da agricultura intensiva
e muitos outros horrores
deram cabo de muita coisa boa,
ligada aos nossos sabores ancestrais
de quando éramos simples recoletores,
mariscadores, pescadores artesanais
e caçadores oportunísticos.
Ainda não éramos  os temíveis predadores de hoje.

Felizmente que há coisas 
que estão a recuperar, 
por exemplo, as ostras.
Há  ostras aqui ao lado,
da nossa bela lagoa de Óbidos,´
a maior de Portugal,
e que dá de comer
a mais de duas centenas de mariscadores.
Só é pena que a lagoa não vá banhar
as muralhas da bela vila das rainhas,
como no passado.
 
O sucesso da ostra nas nossas rias e lagoas
é um bom sinal:
são amigas do ambiente
e são capazes de filtrar 200 litros de água por dia...

Lourinhã, 15 de agosto 2020.
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Nota do editor:

7 comentários:

Anónimo disse...

Interessantes divagações , não menos sobre a ostra e suas apetitosas fotos.

Há que ter em conta um pequeno pormenor quanto aos refugiados da guerra e as fantásticas lagostas portuguesas .
As regras religiosas judaicas quanto a alimentação proibida incluem os mariscos.
Os brincalhões do costume dizem sempre:
Sendo eles judeus e o marisco tão caro.... é óbvio!

Mas, com brincadeira ou racismo,a verdade é que o marisco está incluído nestas regras dietético-religiosas.
Muito perderão os que as seguem pois lá “se vai” umas amêijoas com carne de porco à Alentejana!)

Um abraço do J.Belo

Anónimo disse...

As leituras “micro-analíticas” de textos não científicos nos seus intentos,antes descritivos ou poéticos,levam sempre a que se acabe por perder a mensagem que o autor procura comunicar.

Foi-me ensinado há muitos anos.
Só me veio à memória depois de ter escrito o comentário anterior.
Nunca é tarde para uma auto-crítica.

Um abraço ao autor.
J.Belo

Valdemar Silva disse...

Luís, com estas imagens das ostras na "Chez Alice" lembrei-me da estátua do Fídias com um cacho de uvas tão perfeito que as aves partiam os bicos a debica-las. Com estas ostras tive de descer as persianas não fora alguma gaivota de passagem embicar contra os vidros da janela.
Realmente, a rapaziada que passou por Bissau nunca se vai esquecer das travessas de ostras, com aquele delicioso molho picante. Por acaso, nos vários anos que acampei na Troia, doutros tempos, costumava-se ir às ostras para os lados da Carrasqueira que tinham o formato das de Bissau mas sem o lodo.

Ab. e saúde da boa.
Valdemar Queiroz

p.s. a Alice que gosta de cozinhar experimente um risotto de ostras.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado pelas críticas e sugestões...Zé, vistas as coisas lá da tua Tabanca da Lapónia, tens razão:

(i) o poeta, por vezes, tem de desligar o complicómetro, e não perder o fio à meada;

(ii) em todos grupos étnicos, culturas, religiões, etc., há tabus alimentares, e tenho que confirmar se houve um aumento do consumo do marisco em Lisboa & arredores, devido à presença dos refugiados na II Guerra Mundial...

(iii) viu rever o texto, com tempo e vagar...

Espero mais contributos dos nossos vagomestres. A "Chefe", que amanhã faz anos, já prometeu,ainda destes, fazer o pitch patche de ostras à moda da nossa Guiné... Ela adorou quando lá esteve em 2008---


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, já fiz uma primeira poda... Aquele abraço. Luís

antonio graça de abreu disse...

Muito bem, Luís, com o passar dos anos, a depurar a tua poesia!
Parabéns à Alice, pelos anos e pelo marido que tem.

António Graça de Abreu

José Viegas disse...

Aqui na minha Ria Formosa também tenho belas ostras que ás vezes me dedico a ir apanhá-las, só não as consigo comer cruas.
Saudades das da Guiné com o o molho de lima e piri-piri