sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26375: Pensamento do dia (28): "A gente, afinal, só se ri do mal que não faz mal a ninguém, nem a nós nem aos outros"... (Luís Graça)


1. Comentário ao poste P26369 (*):


Bom, João, não se pode dizer que é "humor... negro", porque a expressão (pelo menos, até há pouco tempo) é ou era "politicamente incorreta"... nem muito menos "humor... branco", para mais na tua "nova terra prometida", os "United States of America" (USA)... Seríamos logo apodados de racistas ou supremacistas...

Mas se a sentinela do Enxalé viu, é porque viu. É pressuposto a sentinela ver tudo, para lá e para cá do arame farpado... 

Portanto, a "tua" história só pode ser verdadeira e de resto tu estavas lá, entre as testemunhas (não por teres visto o "ato em si", mas por teres ouvido contar a cena e observado depois a reação do enfermeiro)...

Na época (c. 1965/67) não havia drones, por isso os nossos postes de vigia, no Enxalé,  estavam acima das nossas cabeças bem como do arame farpado. 

Algumas sentinelas tinham alucinações à noite (em Bambadinca um básico viu uma manada de elefantes ao pé do arame farpado, no meu tempo)...Não terá sido o caso do teu sentinela, que, pelo que contas,  era "de olho vivo", não lhe escapava nada ..
Mas essa "cena",  digamos,  de tipo "porno bizarro", e que ajudou a matar o tédio da tua sentinela,  não é coisa assim tão invulgar como isso, na vastidão dos nossos campos ou ou nos exíguos espaços dos nossos apartamentos... 

O comportamento sexual do "homo sapiens sapiens" (que é, antes de mais, um "bicho", um animal, primata, territorial, social e sexualmente promíscuo)...e qualquer que seja o seu fenótipo, tem uma amplitude maior que o espectro do arco-íris, as paleta do pintor, ou a imaginação do contador de "estórias"...

As parafilias, incluindo as zoofilias, são um catálogo quase infindável... E a internet está cheia de vídeos de zoofilias (pornográficas), em que os pobres  animais são vítimas de exploração sexual... (Mas, também é verdade, nunca vi os respeitáveis e púdicos partidos dos animais indignarem-se publicamente contra contra esta e outras violações dos direitos dos animais.)

Mas, abreviando... Esta "cena" diz muito sobre o "teatro do absurdo" que era aquela p*ta de guerra, bem como sobre a "miséria" do nosso quotidiano, nos Enxalés da Guiné... 

De facto, o que é que um gajo podia fazer entre duas "saídas para o mato" ou duas "colunas logísticas" até à vilória mais próxima (para se ir abastecer) ?... Nada, não havia programas de tempos livres, distrações, centros comerciais, restaurantes, cinemas, e coisas dessas... 

Então como se matava o tempo durante dois anos ? (Ainda por cima só havia duas estações, intermináveis, a da chuva e a do tempo seco, e a noite começava cedo como o caraças!)...

O leque de escolhas do combatente era muito limitado: dormir (mal), comer (porcamente), beber (muito, havendo cerveja e uisque), "jogar à lerpa", dar uns chutos na bola, escavar mais o buraco, ler e escrever aerogramas, contar anedotas (parvas), ir a Bissá comprar vacas, apanhar um "esquentamento"  (por causa de uma "cambalhota) ou uma "bilharziose" (por um simples mergulho  no rio ou travessia de uma bolanha),  e pouco mais... (E o pouco mais podia ser, por exemplo, uma minazinha A/P ou A/C, ou uma "bailarina" ou uma roquetada...).

Alguns de nós estavam à beira da loucura: a sorte da tropa é que não havia psiquiatras, e os loucos já viviam enterrados nos seus manicómios (do Enxalé a Missirá, de Mansambo a Guileje, de Jumbembém a Gadamael, do Xime a Canquelifa, etc., sem esquecer o manicómio maior que era Bissau, onde estavam os loucos mais famosos...).

João, no Enxalé, hoje estaríamos todos agarrados aos telemóveis (como estão, dizem os "mentideros" das redes sociais, os desgraçados dos soldados norte-coreanos arrebanhados para a guerra da Ucrânia, a devorar, pobres diabos, filmes pornográficos e a "tocar pívias" entre duas barragens de artilharia...).

Felizmente, João, que hoje aquele tipo de guerra, a do nosso tempo,  de guerrilha e contra-guerrilha ("subversiva e contrassubversiva", diziam os nossos "man...jores"), do toca-e -foge- senão - eu-mato-te, não mais é possível, de um lado e do outro... 

O pobre do Amílcar Cabral, se tivesse nascido setenta anos mais tarde, não ganharia coisa nenhuma, apenas a fama de ter chegado tarde demais à Guiné... Ou nem o Spínola, para se poder cobrir de "honra e glória"...

A Guiné está cada vez mais desflorestada... E com os satélites, os drones, os robôs, a inteligência artificial, o laser, etc., não há mais "heróis do ultramar" nem muito menos "combatentes da liberdade da Pátria"... 

Além disso, João, no nosso tempo havia a 5ª Rep, o Café Bento, onde, de um lado e do outro, se propalavam as pequenas grandes mentiras daquela guerra... Hoje tens uma gigantesca 5ª Rep, à escala mundial, globalizada, a trabalhar para os multimultimilionários que são os donos disto tudo...

João, começo a ter saudades das piedosas mentirolas do Café Bento... E até desses grandes dois grandes atores de opereta que eram o Cabral e o Spinola...

Mas valha-nos, ao menos, o humor de caserna!... Da "nossa caserna"....Saibamos cultivá-lo até ao fim dos nossos dias, sinal de que os nossos neurónios ainda não estão em curto-circuito...

Obrigado, mano, por este pequena preciosidade, que te ocorreu quando ias a caminho do teu ginásio, lá no teu "bairro" de Queens, em Nova Iorque... Não és só tu a rir-te sozinho com "cenas caricatas" (e afinal tão humanas) como estas, a do "dono" da bezerrinha atrás do patife do "djubi" violador... (Quiçá de bisturi em punho, já que o homem era o "barbeiro-sangrador" da companhia: eis um detalhe picaresco com que podes enriquecer a próxima versão desta "estória"...).

Às vezes também me apanho, a mim próprio, a rir sozinho de cenas destas (caricatas, estúpidas, humanas, inofensivas, inocentes, pícaras, deliciosas): a gente, afinal, só se ri do mal que não faz mal a ninguém, nem a nós nem aos outros)...

O nosso "humor de caserna baseia-se assim no velho princípio do "Primum non nocere" da medicina hipocrática (em primeir... Trocando por miúdos, pode- se dizer mal, mas não fazer mal... Nos tempos de correm, de atropelos á liberdade, há muita gente a confundir maledicência com maleficência ...

 (**)

Luís Graça
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Notas do editor:

1 comentário:

Anónimo disse...

Caros amigos,

O autor do Poste fala de "cenas caricatas" (e afinal tão humanas) !

Na verdade, sao tao humanas que posso confirmar que, entre os povos criadores de gado como os fulas (aos quais eu pertenço com todo o orgulho) e agora os outros povos animistas também (balantas papeis, manjacos etc...) estas cenas sao normais ou normalizadas entre os mais jovens e sao toleradas com toda a humanidade possivel, necessaria e, até imprescindivel, em certas circunstancias, para os jovens que, tendo atingido a idade de casar ainda continuam solteiros e, muitas vezes, obrigados a passar a maior parte da sua vida atras dos ditos animais.

No meu caso e mais uma vez, como aconteceu com a ida a tropa, nao tive o privilégio e a sorte de poder experimentar, pois ainda era muito pequeno e logo logo fui obrigado a deixar a aldeia para continuar a escola no Ciclo e Liceu de Bafata, mas sabia que eram praticas correntes entre os pastores essas tentativas de satisfaçao sexual que, na verdade, nao passavam de isso mesmo, de pura curiosidade juvenil sendo que os tamanhos, a altura do animal e a natureza dos orgaos de uns e outros nao sao compativeis, pelo menos foi a minha constataçao pessoal.

Nao obstante, confirmo que, na altura, os rapazes mais velhos proibiam aos mais novos de se aproximarem das suas "predilectas", sendo que, na primeira e ultima vez que assisti a tal pratica ao vivo, o autor nao tinha sido bem sucedido pois a bezerra, por inexperiencia do autor ou outra razao qualquer, ao sentir a mao penetrante vagina dentro vazou encima do violador uma enxurrada de urina amarelada e quente que o deixou todo molhado e mal cheiroso, tendo ganhado ainda para o resto da vida a alcunha de "Banel" ou seja o nome da vaca que tentara penetrar.

Voltando ao presente Poste, acho que o Antonio Carvalho disse o essencial da narrativa e com toda a razao no seu comentario quanto aos sentimentos do Furriel Enfermeiro, relativamente a jovem bezera sua "predilecta". Sendo bem caricato, todavia acontece e é bem humano.

Cordialamente,

Cherno Baldé