1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Camaradas,
A rotatividade de vidas apresenta-se
hoje como exíguas lembranças que a memória jamais olvidará. Num esboço feito a
realidades com as quais antes convivemos, restam somente exímias recordações e
um esmero caminhar por trilhos que, por enquanto, nos permite, num pausado
jornadear, trilhar veredas onde o nosso vagaroso andar passa ao lado de uma
“armadilha” que agora só se detona encaixada pelos anos que já vivemos.
Não choremos “sobre leite
derramado”, não, mas encaremos, com serenidade, um futuro no qual proliferam
quiméricos cenários que se curvam com o peso da idade. Todavia, a vida é isto e
não escamoteemos pressupostos casos idealistas que nos atiram contra uma parede
sem retorno.
Camaradas, estamos em 2025, sobra-me viajar nas “fileiras do tempo” e recordar os anos de 1973/1974, aquando da minha comissão militar no conflito da Guiné. Faço, neste texto, um recuo a uma época onde uma ida a Bafatá e lançar um olhar sobre o rio Geba me encantava, reconhecendo, porém, o perigo que viagem impunha.
Abraços, camaradas.
Bafatá,
cidade acolhedora
Um olhar sobre o Geba
Cativava-me uma viagem a Bafatá! E foram
muitas as jornadas àquela cidade guineense. Um olhar lançado sobre o rio Geba,
ao cimo da rua principal, deleitava espíritos de jovens militares que, no mato,
se deparavam com frequência a imensos problemas de índole diversa. A guerrilha,
sempre ativa, quebrava permanentemente a monotonia de tropas dispersas por toda
a região.
Uma ida a Bafatá simbolizava uma jornada à
faustosa urbe para militares entregues a um profundo isolamento. A
cidade debruçava-se sobre uma das margens do leito do rio Geba, um portentoso
curso de água que ao longo da guerra registou inúmeras histórias fatídicas.
Bafatá era uma boa anfitriã.
As minhas idas a Bafatá baseavam-se em
colunas de reabastecimentos. A estrada era asfaltada. A distância que separava
as duas localidades (Bafatá-Nova Lamego), rondavam, mais ou menos, os 35 kms,
julgo. Lembro-me de uma ocasião em que o major Óscar Castelo da Silva,
segundo-comandante do BART 6523, me pediu para o acompanhar a Bafatá. Tendo em
conta a distância e o ambiente de guerra que se vivia, disse-lhe que “preparava
o grupo e o meu major levava o jipe com o condutor”. Resposta: “Não, você
acompanha-me, armado, e iremos os três”.
E lá nos fizemos à estrada. Confesso que a
certa altura cheguei a ter receio da aventura. Havia quilómetros de mato denso.
Sabia que esse trajeto, todo em alcatrão, não oferecia problemas de maior.
Regressámos sem nada se registar.
Bafatá foi também um azimute traçado
quando um dia subi o rio Geba. Embarquei em Bissau e ancorei no Xime. As
ligações para Gabu, via aérea, complicaram-se. A guerrilha estava ao rubro.
Ganhava uma imponente dimensão. Impunha-se um maior cuidado. Esperei alguns
dias, comparecia nos Adidos (estrada que unia Bissau a Bissalanca) e a resposta
negativa mantinha-se. Aguardavam ordens, diziam-me. Numa manhã, já desolado com
a situação deparada, colocaram-me como hipótese o meu regresso ao Leste por via
fluvial. Disse prontamente que sim.
Nunca imaginei uma viagem tão atribulada.
A lancha da marinha – LDG – ia cheia que nem um ovo. Os negros, em grande
número, transportavam consigo vários apetrechos pessoais. Nem a galinha faltou
à chamada!
Ao chegarmos à zona da Ponta Varela, e com
o rio a estreitar as suas margens, o comandante da embarcação mandou-nos
deitar. “Nem uma cabeça a ver-se do exterior”, avisou. Os marinheiros, já
feitos à dita viagem, agarraram-se às metralhadoras e fez-se silêncio.
Prevaleceu, momentaneamente, o medo. O “cabo Bojador” foi ultrapassado e, desta
feita, o pessoal passou isento de eventuais novidades.
Disseram-me que a zona era extremamente
perigosa. Contava-se que aquela viagem já tinha conhecido contornos fatais
resultantes de ataques do PAIGC a partir das margens do rio.
Cais do Xime
A navegar já em águas fluviais mais
“calmas” ancorámos no cais do Xime. Seguiu-se a viagem numa Berliet que
cruzou Bambadinca, Bafatá e, finalmente, Gabu.
Bambadinca era também conhecida como a terra do tenente Jamanca, um negro de corpo franzino, estatura baixa e que comandava a CCAÇ 21. Recordo as suas virtualidades como guerrilheiro. Tive a oportunidade de com ele contactar e ouvir histórias em que o soneto da guerra agitava as curiosidades.
Abraços, camaradasJosé Saúde
Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
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