1. O Rui Felício, que foi uma das vítimas do desastre do Cheche (ia na trágica jangada, tendo perdido 11 homens do seu pelotão em 6/2/1969) (*), é um dos históricos do nosso blogue.
Entrou para a Tabanca Grande em 12/2/2006 (a par do Paulo Raposo). Ex-afl mil, CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70), tem 35 referências. Advogado, é autor do blog Escrito e Lido 2010-2014, colabora no blog Encontro de Geraçóes do Bairro Norton de Matos . É um talentoso contador de histórias: tem pelo menos umas 10 na série "Estórias de Dulombi", que gostaríamos de poder retomar.
Natural de Coimbra, vive na Ericeira.
Rui Felício > Blog Escrito e Lido > quinta-feira, 28 de março de 2013 > Amola-tesouras
A minha memória , entre várias figuras que percorriam as ruas do Bairro, guarda ainda a imagem do amola-tesouras.
Com a boca deslizando numa gaita de beiços, primeiro num sentido e depois no contrário, percorria totalmente a escala musical, dela extraindo uma melodia estridente e inconfundível.
Era desta forma que anunciava a sua própria presença, chamando as donas de casa que tivessem facas e tesouras para afiar, panelas e tachos rotos para remendar, ou mesmo pratos rachados para lhes serem colocados “gatos”.
Dizia-se que a sua vinda previa chuva iminente. A profecia muitas vezes batia certo, apenas porque era no inverno que o amola-tesouras aparecia com maior frequência. Por causa dos consertos nos guarda-chuvas, que também fazia...
O seu principal instrumento de trabalho era constituído por uma roda feita de pedra de esmeril, que fazia rodar a grande velocidade, impulsionando um pedal acoplado à roda de bicicleta que àquela estava ligada por uma correia de transmissão em cabedal.
Fascinava-me observar o trabalho de afiar as facas e as tesouras. Da pedra de esmeril em contacto com o metal, soltava-se uma miríade de faíscas que me lembravam os fogos de artifício que eu tinha visto nas festas da Rainha Santa.
E, a tantos anos de distância, dou por mim a reflectir como os tempos mudaram de maneira tão acentuada.
Hoje em dia, os hábitos de consumo que nos foram sendo incutidos, tornam quase impensável mandar consertar utensílios e ferramentas do nosso quotidiano.
Se um guarda-chuva se estraga, deitamos fora e compramos outro na loja dos chineses. Se as lâminas da faca ou da tesoura embotaram, se o prato rachou, se o tacho furou, fazemos a mesma coisa.
Displicentes, apressados, nós próprios também quase descartáveis... (**)
Rui Felício
(Reproduzido com a devia vénia...)
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Notas do editor LG:
(*) Vd. poste de 7 de fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5778: Efemérides (45): O desastre do Cheche, visto por quem esteve lá e perdeu 11 homens do seu grupo de combate (Rui Felício, Alf Mil, CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)
(**) Último poste da série > 1 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26220: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (32): da "pubela"... ao vidrão, sem esquecer a "cesta-secção" e a "poubellication" (Luís Graça)
8 comentários:
O amola-tesouras do meu tempo era um galego que se dizia ter fugido da guerra civil espanhola.
A sua roda pode ser vista no museu da Lourinhã.
Era fascinante a maneira como se fazia anunciar na rua.
Ainda me lembro na aldeia dos meus tios ver pratos e alguidares com "gatos".
Por que é que estás imagens nos marcam para sempre? Em Coimbra, na Lourinhã, em Lisboa...
Em todo o país. Ainda hoje o amolador. Vindo do alenreja, passa por cá em Vila do Conde., umas 2 a 3 vezes por ano, e não tem mãos a medir.
Conheci esta figura desde tenra idade e afinal ainda está marcada esta figura com os contornos que o Felicio nos deliciou.
Felicio posso perguntar se nessa malfadado operação, conheceste os homens da ccac1790?
São todos do meu Batalhão 1933.
A ccac1790 perdeu 27 homens.
Era amigo e companheiro, entre outros, do Cap Aparício, alf Loureiro De Beli e o Gustavo pimenta entre outros com quem convivemos.
Abraço
Virgílio Teixeira
O Rui era da CCAÇ 2405, que pertencia ao BCAÇ 2852 (Bambadinca,m 1968/70), os "senhores da guerra" do Sector L1 o de a maior porrada e maior implantaçáo do PAIGC na Zona Leste, na altura. Batalhão a que estive adido entre julho de 1969 e maio/junho de 1970.
Mas só conheci pessoalmente o Rui Felício (tal como o Paulo Raposo e o Victor David, os três alferes da CCAÇ 2405) no I Encontro Nacional da Tabanca Grande, em 14 de outubro de 2006, na Quinta da Ameira (do Paulo Raposo, outro histórico do blogue).
O Rui, que também foi ao "charco", salvou-se felizmente. Tens a qui a sua versão dos acontecimentos:
7 de fevereiro de 2010 >Guiné 63/74 - P5778: Efemérides (45): O desastre do Cheche, visto por quem esteve lá e perdeu 11 homens do seu grupo de combate (Rui Felício, Alf Mil, CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)
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