

Amigo Carlos
Espero que estejas já completamente restabelecido.
Envio-te mais um pouco de “Viagem…” que complementa a narrativa de uma situação vivida e não esquecida, mas com data certa perdida. Talvez o Jorge Picado ou algum outro possa ter memórias destas movimentações.
Como sempre, fica ao teu critério a análise e decisão do interesse que possa ter, para publicação.
Um grande abraço para ti e outro para todos os “Atabancados”, com votos verdadeiros de saúde e independência, neste sombrio e imprevisível 2011
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (38)
Teixeira Pinto – movimentações militares e dores de cabeça
Passados os momentos críticos e comunicado por rádio ao Comando o que se passara (Poste 7429), há que pôr rapidamente o mini GCOMB em marcha dentro do possível acelerada, numa tentativa que se veio a revelar vã, de intercepção do grupo armado. Ao mesmo tempo, o estar fora de zona martelava-me a cabeça fazendo-me pensar não tanto na eventual ”porrada” mas, isso sim, na situação perigosa em que ficaríamos se o Comando resolvesse bater zona ou o mais provável, enviar tropa para intercepção.
Assim resolvi que caminhássemos controlando o tempo, mas o mais rápido possível na noite, para NW em direcção à estrada que de certeza não seria batida, ao mesmo tempo que, quando solicitado, íamos informando o Comando da nossa posição (pelo mapa) como se estivéssemos a fazer o percurso para Sul, em direcção a Teixeira Pinto. Deste modo iria haver um ponto em que as trajectórias fictícia e real coincidiriam e aí… estaria safo e podíamos “passar a ser visíveis”!!
O Pessoal sente que o cutelo está no ar sobre o meu pescoço e segue a mínima instrução dada, confiando cegamente ! Maravilha de Rapazes! De pistola na mão continuo guiando a Rapaziada na noite , entretanto um pouco amainada de chuva, rumo ao ponto escolhido.
Estávamos nestas andanças e já muito próximos da estrada, quando se avistam “luzes andantes” encimadas por o que me pareceram focos intensos que rasgavam a noite, vindas na nossa direcção e se começa a ouvir barulho de motores. Continuávamos fora de zona pelo que, se detectados poderíamos ser considerados IN. As luzes continuam a sua aproximação acompanhadas, já em simultâneo, pelo ronco motorizado.
Encontramo-nos a umas poucas dezenas de metros da estrada, em terrenos com vegetação rasteira, com um pequeno grupo de cajueiros(?) a uns metros de nós. Corremos para eles e colamo-nos ao chão mascarando-nos o melhor possível, ficando estáticos. A chuva ajudava. Só por muito pouca sorte seríamos detectados. Minutos depois desfilam “Daimllers” e Unimogs pela fita da estrada, com os focos varrendo a escuridão e passando por nós sem se aperceberem da nossa presença, como fora previsível .
Perdidas de vista as luzes e antes que a coluna regressasse, continuou-se o avanço prudente até que achei que era hora de informar da nossa posição real e de informar do regresso à base.
Graças a Deus tudo tinha corrido bem até ali. Para a frente… logo se veria!
A pequena “bicha de pirilau” espaçada e mal armada, começa a entrar na povoação. De súbito e chamando-me, surge- me o Castro que me traz a G3 e cartucheiras e que começa a infiltrar Rapazes e armas na fila, sem que houvesse paragem e sem explicações desnecessárias. Era óbvio que algo se passava! Ao meter a Walther no coldre… não o encontro! Mais outra porra a resolver! A arma vai para o bolso interior do camuflado onde tantas vezes andara já!
Fiquei satisfeito com a atitude, com a camaradagem e apreço demonstrados pelo Pessoal. O andamento prossegue, agora já não de uma dúzia de “veraneantes” mas de um grupo fortemente armado, o que me iria “salvar” das eventuais consequências de ter saído naquelas (sem) condições, de que só eu era responsável. Tinha sido essa a intenção do Castro e do Pessoal, ao que sei. Como ele sabia por onde íamos passar… já não sei, nem ele recorda.
Passada a porta de armas e na parada, o Grupo forma e apresenta-se, à nossa maneira, ao Cap. Branco, que a reporta ao Comandante do CAOP, Cor Durão. Manga de pessoal era observador!
Com olhar penetrante e expressão cerrada perscruta o Grupo e encarando-me de frente, o que me fez ficar apreensivo e tenso, diz-me irritado,alto e bom som mais ou menos “com um grupo destes e assim armado, deixas escapar uma dúzia de gajos? Mereces é que te dê umas estaladas …”
Aguentei firme o olhar, a mão ferrou-se com força na G3 e enquanto um turbilhão de sentimentos se me passou num “flash”, ouço o Cap. Branco retorquir calmamente em minha defesa algo muito próximo de “…meu Comandante, se houver lugar a castigo, quem castiga os meus Homens sou eu…”!!
Ah, Homem de tomates este meu Capitão Branco!
Destroçada a formatura, dirijo-me ao Capitão e sem lhe contar o que se passara, digo-lhe…” na mesma situação, se fosse o Capitão a comandar teria de certeza feito o mesmo!” ao que anuiu e retorquiu que ficasse descansado. Achei uma prova de confiança. Era um Homem Militar batido, inteligente e esperto. Nunca me perguntou ou indagou rigorosamente nada! Ter-lhe-ia contado, sem qualquer problema, como tudo se passara.
Peço aos Rapazes para não se pronunciarem sobre o que se passou e recolho-me aos aposentos para descansar umas horas. Logo ao alvorecer teria que ir tentar encontrar o coldre da pistola, antes que qualquer elemento da população desse com ele e o fosse entregar ao Comando. Seria a estória do “gato escondido com o rabo de fora”! Julgava saber onde o encontrar e ao alvorecer dirijo-me numa viatura à zona dos cajueiros e… lá estava !
Toda esta estória que pôs o Quartel em polvorosa - despoletada por um grupo IN armado que afinal roubou gado e creio que raptou alguém em Teixeira Pinto ou nas proximidades (já não recordo) - teria acabado por ali, não fossem as bocas enviesadas do género “há gajos valentes…” , os olhares de soslaio… o sair de ao lado, no bar… enfim uma série de manifestações, umas reais outras talvez na minha interpretação, que a meu ver não abonavam alguns Especiais, mas que eu justificava por me terem visto regressar com um GRUPO fortemente armado que tinha evitado o confronto com uma mão cheia de “gajos” e claro, estávamos no seio de Tropa Especial! É verdade que estas atitudes criaram alguns atritos pessoais durante um ou dois dias, mas o mais difícil foi sentir a consciência tranquila e não poder esclarecer a verdade.
Os dias recomeçaram a passar com normalidade e sem mais conflitos, levando-nos a breve prazo para outras batalhas, travadas no meio do nada!
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 13 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7429: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (37): Teixeira Pinto - Erro que podia ter sido fatal
[...] A decisão está tomada, só disparo se for detectado ou se eles se dirigirem na direcção dos meus Rapazes. Resta aguardar. Preparado e estático, rezo para que não se ouça a Rapaziada desprevenida.
Continuam a aproximar-se ligeiros e em silencio… dez metros, cinco metros, um metro… estou em tensão, mas calmo e frio… começo a contá-los… vão-me passando pela frente quase me roçando, dezassete elementos com espaçamentos curtos - quinze metralhadoras visíveis, confirmados dois RPG e não um - que começam a virar à esquerda, só Deus sabe porque e vão desaparecendo na noite.
Estávamos safos, graças a Deus. Três ou quatro minutos se tanto que me pareceram uma eternidade, se tinham escoado. De imediato movimento-me e instruo o Pessoal, que de nada se tinha apercebido. Pelo “banana” AVP1 contacto o Comando, alertando para eventual flagelação e informando do observado.
O mote estava lançado… movimentações bélicas iriam acontecer… outra dor de cabeça ia começar !