
Queridos amigos,
Em 1975, a apreensão do livro deu brado, discutiu-se calorosamente a liberdade de expressão. 40 anos depois, Barão da Cunha reformula a estrutura da obra, adiciona-lhe depoimentos, aclara conversas, introduz novos testemunhos.
Sugiro que estejam atentos ao que refere sobre a Guiné, obteve do dirigente máximo da PIDE em Bissau, Fragoso Allas, um depoimento onde este procura esclarecer o teor da conversa entre Senghor e Spínola. Fica indiciado que em Julho de 1973, no exato momento em que o PAIGC vivia uma euforia político-militar, Costa Gomes sugere-lhe uma intervenção junto de Nino Vieira, e Spínola terá comentado: "Agora? É tarde".
Uma longa viagem nas memórias de um coronel da cavalaria que recorda com imensa saudade o ideal de camaradagem e o espírito de corpo instilados na corporação, nos longínquos anos da década de 1950.
Um abraço do
Mário
Radiografia Militar, por Manuel Barão da Cunha
Beja Santos


Procura entender os movimentos sinuosos e ziguezagueantes do MFA, fala-nos demoradamente sobre Otelo, as divisões nas Forças Armadas, recolhe depoimentos, esboça o perfil de certos políticos, chega ao 11 de Março, continua a pensar, como outros, que foi uma armadilha montada pelo KGB; o seu livro apreendido deu-lhe matéria para discretear sobre a liberdade de informação, regressa ao passado para nos dar impressões sobre os cursos do Instituto de Altos Estudos Militares e não esconde um certo desprezo pelos oficiais do Estado-Maior, e de novo voltamos à formação militar, à intrusão da Legião Portuguesa e da Brigada Naval na esfera militar.
E assim chegamos à descolonização, aqui disparam críticas em diferentes direções, denuncia alguns dos erros maiores do colonialismo e enumera situações que dão conta da precipitação da saída de Angola, é nesse contexto que igualmente volta ao passado para nos descrever o seu desempenho e dos seus homens na Operação Viriato, dando-nos igualmente um quadro da impossibilidade de se defender o Estado da Índia, uma situação politicamente desastrada que os militares nunca esqueceram.
Segue-se a narrativa da sua comissão na Guiné, no regulado da Pachana, em primeiro lugar, vêm ao de cima novos desencantos com o comportamento da hierarquia; e por último assenta a sua lente sobre a guerra em Moçambique.
Assim chegámos ao depois e onde se interpretam o curso da guerra, o que se podia ter feito para evitar calamidades de parte a parte. Barão da Cunha colhe o depoimento do Inspetor-Adjunto Fragoso Allas, o dirigente máximo da PIDE na Guiné levado por Spínola. Fragoso Allas dá-nos a sua versão sobre os encontros de Spínola com as autoridades senegalesas, tem todo o interesse ouvir o que ele diz:
“O General Spínola, eu e o Embaixador João Nunes Barata, então alferes miliciano e seu secretário, fomos duas vezes a Cap Sikiring, no Senegal.
A primeira reunião, em 27 de Abril de 1972, foi com o Ministro da Informação do Senegal. Foi uma reunião preparatória com vista ao futuro encontro com o Presidente Senghor.
O ministro referiu: “(…) O facto do Senegal ter bastantes afinidades com Portugal e existirem na cultura senegalesa vincados casos de lusitanidade (…) ao povo guineense competia decidir o seu destino, mas também pensava que a Guiné deveria manter os seus laços de afinidade com Portugal, como o Senegal mantivera com a França (…)”.
A segunda vez, em 18 de Maio de 1972, foi com o próprio Presidente Senghor, na mesma localidade. O encontro iniciou-se cerca das 9h30. Após os preliminares, Senghor referiu-se em termos elogiosos à política em curso na Guiné e deu a entender que preferia ter-nos como vizinhos do que a Sekou Touré e que, entre africanos, o facto de nos conseguirmos sentar à mesma mesa para dirimir pontos de vista opostos, era meio caminho andado para a sua resolução. O resto viria depois, no espaço de um decénio, provavelmente.
Pareceu-me que ele (Senghor) estava convencido que Marcello Caetano era influenciado por militares no sentido de a guerra continuar. Manifestou “o desejo do Senegal ajudar Portugal a resolver o seu problema ultramarino, servindo de intermediário na busca de uma solução”.
O General Spínola referiu que “uma forma regionalista de inspiração federativa seria, a seu ver, talvez a que melhor correspondia às exigências do presente, ocupando o lugar de esquemas políticos rígidos que não servem os interesses de Portugal nem os do povo africano da Guiné”. E que “a solução do problema ultramarino português reside numa política de africanização nos moldes já definidos, preparando as populações para participarem a todos os níveis na administração da sua terra”.
E o diálogo prossegue, Spínola e Senghor parecem sintonizar-se. Senghor admite que haja a necessidade de um período de autonomia interna de, pelo menos 10 anos. Mais adiante, no seu depoimento, Fragoso Allas mostra-se reticente a que tenha havido uma terceira reunião, como alguns investigadores sugerem. Nunca enviara a Spínola, então em férias no Luso, qualquer mensagem dizendo que Amílcar Cabral estava na disposição de ir a Bissau, tal mensagem foi de Alpoim Calvão. Mais adiante, Fragoso Allas refere o seu encontro em 8 de Julho de 1973 com o General Costa Gomes, em Bissau. Costa Gomes ter-lhe-á dito que o Governo central estava disposto a contactar o PAIGC, pelo que queria saber se ele tinha contactos válidos de cúpula. Allas respondeu que, após a morte de Amílcar Cabral não tinha. Mas poderia contactar Nino Vieira, embora levasse tempo. E adianta: “Sabíamos que grande parte dos guerrilheiros já não queria combater e que queriam apresentar-se mediante condições, sendo este o único trunfo que tínhamos, levando em consideração que a ONU já havia decido reconhecer o PAIGC como único representante da Guiné… Costa Gomes disse-me para fazer o que pudesse… No primeiro despacho que tive com o governador, referi-lhe a conversa, mas ele limitou-se a comentar: “Agora? É tarde”.
O livro prossegue com nova diversidade de depoimentos. É uma longa viagem de memórias, parece que o Coronel Barão da Cunha quer que cada um de nós tire ilações em função do manancial de dados que nos oferece.
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Nota do editor
Último poste da série de 30 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15425: Notas de leitura (781): A "Guiné do Cabo Verde" (1578-1684), por José da Silva Horta, Fundação Calouste Gulbenkian, 2011 (Mário Beja Santos)
1 comentário:
É muito importante que todos nós, ex-militares, que fizemos as "guerras de África", tenhamos oportunidade de deixar, escrito, o nosso testemunho sobre os acontecimentos de que fomos, pelo menos, atores e/ou figurantes. Outra coisa, bem diferentes, são as nossas opiniões, como cidadãos e portugueses, sobre a nossa história contemporãnea: o Estado Novo, a guerra, a descolonização, o 25 de abril, o 25 de novembro, a descolonização, a integração europeia, a moeda única, etc.
Ninguém, nesta matéria, tem "privilégios", soldados do contingente geral, pessoal do quadro, milicianos...A liberdade de expressão não é um privilégio, é um direito fundamental... (Privilégio, do latim "privilegiu(m) (lei individual, excecional, regalia...).
Saibamos sempre defendê-la... Acho que a nossa geração, mais do que ninguém sabe dar o devido valor à liberdade...
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