quinta-feira, 12 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16080: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte II: Um "estado dentro do estado"...


Angola > c. 1972 > Eu, junto à barragem no Dundo, um lugar aprazível

Foto (e legenda): © José Manuel Matos Dinis (2016). Todos os direitos reservados.




1. As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) 

(José Manuel Matos Dinis)

Parte II: 
Um "estado dentro do estado" 





[ O  José Manuel Matos Dinis, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, nosso grã-tabanqueiro e adjunto do régulo da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales, depois do seu regresso a casa, a Cascais, em janeiro de 1972, vindo a Guiné, rumou até Angola, em maio de 1972, para ir  viver e trabalhar na Lunda, na melhor empresa angolana na época, a famosa  Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, com sede no Lundo,. Aqui aqui casou (por procuração), aqui viveu e trabalhou, aqui nasceu  o seu primeiro filho... Desafiámo-lo justamente  a falar da sua experiência angolana em meia dúzia de crónicas memorialísticas. Ele aceitou galhardamente  o desafio.]
.

Tenho quase a certeza de que a descrição sobre a actividade mineira  (*) deve ter sido improfícua, pois, para além de não ter correspondido à melhor descrição sobre uma lavaria clássica de "pans", e sobre as acções de remoção de terras e de cascalho que antecediam a limpeza da rocha-base em cada corte, e ainda sobre as necessárias protecções às copiosas chuvas que caíam no decurso de cada ano, pelo que o interessa de mais pormenores técnicos, que os há em muito mais vertentes, podem ter constituído uma forte motivação desmotivadora de futuras leituras nesta série. Nesse caso, façam o favor de apresentar reclamações ao nosso Comandante-mor Luís Graça, que eu agradeço o favor para entrar antecipadamente de férias.

Mas afinal, que negócio é esse dos diamantes? É um "fétiche", direi eu. De facto, os diamantes servem para muito pouca coisa, e os que servem, são os industriais, precisamente os de menor valor. Os outros, os que cintilam de brilhos e são usados como adornos, não prestam para nada. Mas valem muito dinheiro, são atributos de riqueza e de poder. Destas razões é que resulta o grande fascínio ou interesse pelos diamantes. 

Em Angola, a exploração terá começado na sequência das explorações congolesas, pois boa parte dos leitos dos rios correm na direcção daquela colónia portuguesa, e os mineiros da época devem ter admitido que facilmente haveria mais diamantes do lado ocidental.

Em 1912 Johnston e Mac Vey aumentaram as certezas sobra a existência de diamantes em Angola, após a descoberta de 7 gemas num riacho afluente do rio Tchiumbe. Foi fundada a PEMA, empresa de pesquisas que começou a laborar nesse ano sob impulso da empresa belga Forminière. 

Em 16 de Outubro de 1917, com recurso a capitais mistos de Portugal, Belgica, Estados Unidos da América, Grã-Bretanha e África do Sul nasceu a Diamang - Companhia dos Diamantes de Angola, que veio a tornar-se na empresa mais emblemática e contestada daquela colónia, que para além da actividade prosseguida na prospecção e exploração de diamantes, desenvolveu muitas outras ligadas à diferentes áreas de investigação, e a trabalhos tão diferentes quanto a agricultura e pecuária, assistência social médica e medicamentosa, e ainda veio a revelar-se de grande importância na concessão de empréstimos financeiros, quer ao Governo central, quer ao governo colonial ou provincial. 

Mas não ficou por aí, a Companhia construíu importantes infra-estruturas, de que se pode salientar duas barragens para consumo energético interno e para fornecimento da rede pública até vastas extensões para além da área de concessão; uma vasta rede de estradas em asfalto ou terra-batida; a construção de escolas, ou promoção de manifestações artísticas; e o financiamento, e por vezes com apoio técnico exclusivo ou em cooperação, de muitas outras iniciativas. A Companhia, por norma, também garantia a manutenção daquelas obras de carácter público e privado.

Esta a parte simpática da questão, porque também havia uma parte antipática sobre a influência da Diamang noutros sectores da vida pública e social da comunidade provincial. Refiro-me à repetida contestação sobre a isenção da generalidade dos impostos com que deixava de contribuir para o erário público. 

Além disso, por congeminações que fiz na época após a leitura de diversos relatórios do Banco de Angola, fiquei com a sensação de que os diamantes angolanos (os melhores da produção mundial) eram vendidos à Central Selling pelo preço médio praticado, o que a confirmar-se, terá redundado em grosso prejuízo para a nação, e em vantagem suplementar para o "trust" internacional que controlava o negócio. Nesta matéria, as diferenças qualitativas, de dimensão e cristalização eram muito importantes no estabelecimento de diferenças de preço sobre a unidade - o quilate.

Outro aspecto muito antipático residia na existência de uma polícia privada, e da permanência de companhias de "Voluntários", bem como pelo acolhimento de alguns militares catangueses, que para além de funções de segurança e do controle sobre o movimento das populações, dissuadia à penetração de outras pessoas que não estivessem relacionadas com a Empresa. Daí, dizer-se com desdém e crítica implícita, que a Diamang era um estado dentro do Estado.

O que era inegável, era a grande importância das receitas geradas na província com os negócios implicados em torno da Companhia, quer em fornecimentos directos, quer em fornecimentos indirectos, pois havia já mais de dois mil empregados europeus com níveis de vida e de poupanças invejáveis, bem como um considerável número de empregados autóctones com funções especializadas ​e ​o conjunto representava ​níveis de despesa familiar de certo modo importantes na economia da província. 

O valor patrimonial da Companhia era incomensurável e garantia importantes receitas para muitas empresas de representações comerciais (de origens nacionais e estrangeiras) em Angola. Portanto, não me parece razoável destacar uma ou outra faceta, quer para apoiar os privilégios de que a Empresa gozava, quer os níveis de exigência ou de denegrimento dos mesmos.

O ano de 1973 terá sido o primeiro em que a produção alcançou e ultrapassou os dois milhões de quilates, objectivo que exigiu muita aplicação e dedicação do conjunto dos empregados da área de produção, para que se potenciassem os meios com vista ao alcance daquele fim. 

Em 1974, segundo informação obtida na Net, a produção bateu o record de dois milhões e quatrocentos mil quilates, que resultaram da contratação de mais técnicos e abertura de turnos em algumas das explorações de maior nível absoluto de produção. 

O rendimento geral da actividade, se me for permitido fazer uma crítica, poderia ir ainda mais além, se tivesse havido bons níveis de formação de pessoal ao nível dos chefes de minas (e de lavarias, no caso das independentes), pois vieram a constatar-se perdas relevantes nas lavarias de meio-denso cujos encarregados estariam menos bem preparados ou sensibilizados. E havia empregados de excelente nível e dedicação para fazerem escola. 

Mas o negócio era tão rico, que a preocupação sobre a rentabilidade não podia ser assacada à incompetência e laxismo dos responsáveis, antes era apontada aos limites dos equipamentos de produção. A este propósito sobre a excelência dos modelos de produção, a contrário senso, sugiro que procurem na Net as imagens de Olivier Polet - "dans une mine de diamants en Angola". Parece corr
esponder à liberdade do absurdo, e os donos do negócio comprazerem-se com os lucros sem atenderem às inumanas condições de trabalho, nem à melhor rentabilidade dos meios, que não se comparam, nem de longe, ao que se praticava na Diamang.

(Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16055: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte I: de Cascais até à Portugália / Dundo...


(...) Em Janeiro de 1972 tinha saído da tropa, dava passeios e namorava pelo litoral de Cascais, onde outros casais nos faziam concorrência. Os meus amigos estavam na vida militar, acabavam os cursos, ou já tinham iniciado actividades profissionais. Já não era como antes, quando a malta se reunia como seita para a paródia, ou para entusiásticas futeboladas. Namorava com envolvimentos familiares, e tinha a obrigação de procurar definição de vida. Não queria trabalhar debaixo de um tecto, e por isso, ficava excluída uma preparação profissional que tinha iniciado antes da tropa.(...) 

7 comentários:

PILAO2511966 disse...

A barragem não é no Lundo, é no DUNDO.

Carlos Coutinho

Antº Rosinha disse...

"Outro aspecto muito antipático residia na existência de uma polícia privada, e da permanência de companhias de "Voluntários", bem como pelo acolhimento de alguns militares catangueses,"

JD, olha que os catangueses foram os militares do exército do Tchombé com quem o governo tinha uma aliança até que o mataram em Marrocos.

Olha que se aquela fronteira congolesa só do Dundo até Teixeira de Souza com mais de 400 quilómetros, sem aquela aliança, era complicado.

Claro que eram sapos que tínhamos que engolir, mas foram muito úteis, aliás o Catanga foi uma jogada separatista que os serviços de informação aproveitaram muitíssimo bem.

Ainda conheci alguma tropa dessa em Henrique de Carvalho na minha tropa em 1962.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Carlos Coutinho, troco quase sempre os nomes: Lunda/Dunda, Dundo/Lundo... Vê-se mesmo que só conheço Luanda e mal...

Já agora, aproveito para perguntar ao Zé Dinis como é que era a política de "integração" na empresa: se havia chefias "angolanas", quadros intermédios e superiores "angolanos", por exemplo ? Tenho ideia que havia algum tipo de "apartheid", do género "piscina só para europeus", para não dizer "brancos"... A discriminação racial é sempre social...

Kandando. Luis

JD disse...

Desejo bom dia aos distintos comentadores,
Ao Carlos Coutinho juro que daqui saíu a palavra DUNDO, que não capital de nada, apenas uma localidade onde a Diamang estabeleceu o centro administrativo. Terá sido da instabilidade do tempo que o D se abriu em L? Não foi, e o autor da façanha já veio a terreiro esclarecer o equívoco. Gostaria de saber se o Carlos Coutinho esteve naquela região, e nesse caso peço que seja leitor atento, e que indique eventuais correcções e/ou caminhos a seguir.
Quanto ao comentário do Rosinha só quero referir que os catangueses estavam lá, e que eram fidelíssimos ao seu comandante. Na época seriam um factor de persuasão a favor dos portugueses. Acho que mais tarde foram aliciados pelo MPLA.
A questão colocada pelo Luís Graça é professoral, e ele que tem interesse antropológico não perde um embate entre classes. Ora bem, seria estultícia minha dizer que não havia racismo. Explico: na Lunda havia muitos empregados que ali tinham chegado nos idos de 50, quando o ambiente estava longe da transformação que se dava em Angola em 72, quando ali cheguei. Havia críticas veladas sobre as senhoras que chegavam de férias (que eram de 3 em 3 anos) e apresentavam-se "remodeladas" pela evolução da moda europeia. Isto não é racismo, mas corresponde a um sentido de inveja transformado em crítica. O apartheid não havia de jure, mas de facto podia haver algumas manifestações isoladas. A frequência das piscinas não era vedada a pretos, mas a maioria não a quase totalidade, os rurais, não a frequentavam, pela mesma razão de que na metrópole era useiro o direito de admissão. A inclusão profissional também não existia, dependendo do conceito: os trabalhadores rurais ganhavam cerca de 400 escudos, os especialistas ganhavam entre 3000 e 5000 escudos, salários praticados no resto do território. Nesse tempo tomei conhecimento da contratação de novos chefes de minas pretos, naturalmente com alguma formação liceal ou técnica, e até de um engenheiro. Ainda sobre o racismo, durante o meu período final estive a viver no Fucaúma, a 20 km do grupo de Cassanguidi, e nos dias de cinema transportava dois ou três jovens trabalhadores que iam ver o filme na Casa do Pessoal. Tenho a certeza de que aquele ambiente abria-se à inclusão. Assim, a tua frase final ganha alguma relevância, mas devemos ter em conta que foi há 40 anos, e desde então quantas alterações aconteceram na metrópole? E que diferenças substantivas podemos dizer que havia entre as duas comunidades?
Abraços fraternos
JD

JD disse...

Esclarecimento:
Onde escrevi "...mas a maioria não a quase totalidade, os rurais"... deve excluir-se a quase totalidade. Porque uma parte dos especialistas habitavam nos "lupangos" junto dos brancos, e tinham filhos que estudavam e brincavam com os de ascedência europeia.
Quando referi a contratação de chefes de mina e de um engenheiro, pessoas que não cheguei a conhecer naquele espaço tão amplo, não posso afirmar, mas certamente seriam contratados com o mesmo nível de remuneração de outro qualquer.
Joguei algumas vezes à bola com pretos, que por falta de hábito, deixavam que eu brilhasse. Isso reflectia de facto a estratificação, até porque as aldeias ficavam na periferia dos "lupangos" onde moravam os europeus, por vezes à distância de alguns quilómetros. Dali, deslocavam-se quantos tivessem alguma actividade para a Companhia ou para os empregados.
JD

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Zé Dinis, pelo teu esforço de memória e honestidade intelectual na prestação da informação requerida: só temos a ganhar, todos, com esta partilha (franca) de dados sobre aspetos (importantes) do relacionamento entre diferentes estratos da população angolana, no dia a dia, nas empresas, nos serviços públicos, etc.

Tome-se então como referência os valores salariais (médios) que tu indicas para a generalidade dos pessoal da Diamang, exlcuindo obviamente os quadros técnicos e superiores e o pessoal dirigente.

Dizes tu: "A inclusão profissional também não existia, dependendo do conceito: os trabalhadores rurais ganhavam cerca de 400 escudos, os especialistas ganhavam entre 3000 e 5000 escudos, salários praticados no resto do território."

Convertidos para valores atuais (e considerando como equivalentes 1 escudo da metrópole e um 1 escudo de Angola, o que não era verdade...), temos;

400$00 = 92,42 €
3000$00 = 693,17 €
5000$00 = 1.155,28 €

Como em todas as épocas e sociedades, há um hiato entre o discurso dominante (a ideologia) e as práticas sociais. Angola e a Diamang não eram exceção. Mas não tiremos conclusões apressadas: estou a gostar de ler as tuas "crónicas" sobre essa "comissão civil" que passaste na Lunda... Essa tua experiência, essa "tua África" que perdeste e de que não fizeste o luto (como muitas centenas de portugueses que lá viviam), é de certo modo um contraponto ao que passaste na Guiné, num buraco chamado Bajocunda...

Bom fim de semana, e vai preparando a parte III... LG

Antº Rosinha disse...

JD, o mundo à parte da Diamang merece uma descrição bem mais completa.
Tanto no relacionamento entre pessoas, fossem estranhas ou lá de dentro, (quem está no convento é que sabe o que se passa lá dentro), como no policiamento.

Embora tu já tenhas apanhado Angola sem Salazar, (alguma bandalheira), mas tens que descrever como "andar na linha" e com respeitinho que talvez tarde voltará a existir aquele paraíso na terra dos quiocos, ganguelas e balubas e outros.

Racissmo? segregação? Gaiola dourada?

JD, aquilo era selecção de pessoal para cada missão, informações pessoais, tudo a que havia direito.

JD tens que explicar o que eram diamantes sem sangue, se não abro eu as goelas sobre o que se dizia cá fora.

Acabaram os sigilos.