1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Janeiro de 2016:
Queridos amigos,
Uma cidade que foi sede da Ordem dos Templários em
Portugal, sede da Ordem de Cristo, onde houve um Paço onde morou o Infante
D. Henrique, que aqui vinha administrar os seus bens, uma residência para D.
Manuel I, que queria acompanhar o embelezamento do Convento e o
acontecimento ímpar em que se tornou a Charola, por aqui andou Felipe II
agradecido e oferecendo um aqueduto impressionante, obra arquitetónica de
primeira classe, por aqui houve fábricas de tecidos e alvores industriais,
seguramente que tal cidade guarda preciosidades de toda a espécie, limito-me
nestas passeatas a captar detalhes de uma epiderme grácil, versátil, de tal
modo que não há viajante que não saia daqui impressionado.
São estes meus
olhares que com satisfação partilho convosco.
Um abraço do
Mário
A pele de Tomar (4)
Beja Santos
Tomar é um sério caso de estudo de entrelaçamento da ecologia humana com as suas manifestações urbanas. Há sinaléticas que correspondem à amenidade com que se vive e à boa respiração das ruas do seu casco histórico. Neófito quanto aos seus códigos, a primeira vez que aqui passei deu-me para pensar se tínhamos aqui uma delegação da obra do Padre Américo. Mas não, aqui há vitualhas, até mensagens de amor na montra, e agora é-me indiferente aprofundar a ligação entre este nome e comércios passados. É enternecedor e basta.
Logo à entrada da Corredoura se apercebe que há resquícios do gosto neomanuelino, e ainda bem, Tomar deve um dos seus ícones cimeiros a D. Manuel I que não descansou enquanto não pôs a Charola na magnificência que apreciamos, não há favor nenhum em chamar-lhe património da humanidade. Gosto desta porta, muito pela delicadeza, espero que em breve a repintem, pois bem merece.
Somos a primeira potência mundial em azulejos, bendita criatura que se lembrou deste lugar cândido do Nabão, ali a uma centena de metros, para o entronizar em tons azuis, a que estamos habituados, basta pensar em tão belas estações de caminho-de-ferro, como Santarém ou Aveiro. Enfim, e sem intuitos publicitários, há mais Corredoura com esta pele azul.
Mesmo em frente ao cineteatro temos algumas lembranças de uma dada vida cultural tomarense. Naquele tempo, o cinema, a conferência, a trupe teatral tinham um outro encanto, participava-se no evento num traje quase solene, era uma exigência social incrustada nos usos e costumes, esta imagem, hoje, só a título excecional é que podia apresentar uma assistência tão afiambrada, o consumo de massas tornou estes eventos meros produtos que se podem ver com pipocas e em mangas de camisa.
Esta porta de templo religioso cativa-me pela sobriedade e as proporções harmónicas. Paro aqui muitas vezes para olhar mais alto, ver a estátua da Virgem, não está facilmente ao alcance dos olhos, tenho para mim que o artista a inseriu para completar a perfeita harmonia. É como se fôssemos convidados a ficar prantados em oração, agradecendo a Deus e ao artista.
O que seria desta bela casa sem esta vegetação luxuriante, uma buganvília disciplinada, um supremo adorno e último toque de graciosidade? Não vale a pena especular, produto final é de uma requintada harmonia, há aqui um toque de sensibilidade de gostar da vida e do sítio onde se habita.
Digam o que disserem, estas molduras de pedra maravilham, seja qual for a estação do ano. Às vezes penso como esta cidade ficaria muito mais deslumbrante com toda esta pedra tratada. Porque nada impede o conforto interior, este é design feito pela história, convém não o macaquear. É pele da nossa identidade.
Esta invocação náutica não tem concorrentes em quaisquer outros estilos artísticos. Falando com os meus botões, e correndo o risco de tudo isto parecer prosápia, olho para o manuelino como uma imagem de marca, um rei poderoso, que considerava pôr e dispor de metade do terráqueo para navegar e comerciar, de tal majestade como a sua esfera armilar, só com este perfil é que o seu escol de artistas podiam gravar na pedra uma epopeia sem rival. É preciso subir ao alto de Tomar para contemplar esta pele dos Descobrimentos.
(Continua)
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Notas do editor
Poste anterior de 4 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16048: Os nossos seres, saberes e lazeres (152): A pele de Tomar (3) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 5 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16052: Os nossos seres, saberes e lazeres (153): O novo livro do nosso camarada Manuel Luís R. Sousa, "Onde a Cegonha Poisou - Contos Autobiográficos do meu Manuel", já está disponível (O autor)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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