quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21405: Historiografia da presença portuguesa em África (233): “Guiné, Alguns aspetos inéditos da atual situação da colónia”, por A. Loureiro da Fonseca; Sociedade de Geografia de Lisboa, 1915 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
Com a passagem dos anos, e no manuseio de papelada tão díspar sobre o que diferentes autores proclamam sobre a Guiné (e neste caso um pouco antes da I Guerra Mundial), vou-me convencendo que a comparação é um imperativo para se procurar alcançar a luminosidade certa para o palco histórico, naquela hora. O que ressalta na essência desta comunicação é que o oficial Loureiro da Fonseca fala de selvagens sem nenhum entrave na voz, nas boas contas da Guiné, nos números da exportação, e começou a sua comunicação dizendo que o povo tem todo o direito à verdade. Meditava nas convicções seguras de Loureiro da Fonseca enquanto lia os primeiros relatórios que a filial de Bolama do BNU enviava para Lisboa, são discursos distintos, são duas perspetivas da realidade. É preciso juntar todas estas vozes para saber na verdade o que era a Guiné daquele tempo, sem mistificações nem laudatórias. Recorde-se que exatamente naquele momento havia uma campanha de pacificação, e não há um só referência a toda a longa história de revoltas e insubmissões...

Um abraço do
Mário


A Guiné em números, um pouco antes da I Guerra Mundial

Beja Santos

Em 9 de Março de 1914, Alfredo Loureiro da Fonseca, antigo aluno da Escola Colonial, Primeiro-Tenente da Administração Naval e Vogal do Conselho Colonial, e que desempenhara funções na Administração da Guiné, profere na Sociedade de Geografia de Lisboa uma conferência intitulada “Guiné, alguns aspetos inéditos da atual situação da colónia”. Justifica-se perante o auditório de que tivera pouco tempo para preparar a sua comunicação, ainda por cima o Ministro das Colónias, Lisboa de Lima, tinha alistado recentemente a falar de Moçambique, mostrara à assistência estar bem preparado e conhecedor do que falava.

Optou, dada a escassez de tempo, pela análise de vários números. Considerava que o discurso colonial devia ser sem qualquer ambiguidade verdadeiro: “Se há assunto em que é necessário dizer-se ao público a verdade é em tudo o que se refere às nossas colónias, não acalentando ilusões nem lisonjeando vaidades, pois nada há mais perigoso de que vaidades e ilusões coletivas”. Apresenta a Guiné como a terceira colónia em dimensão, cerca de 40,5% da superfície de Portugal Continental. O policiamento é débil: “A Guiné habitada por tribos selvagens, onde o policiamento é feito por uma exígua guarnição militar – 15,5 homens por cada mil habitantes”. E lembra que na Metrópole cabe a cada administrador a média de 20 mil administrados civilizados e que na Guiné corresponde à média de 71 mil selvagens… Tomando como referência as receitas e despesas efetuadas em cada colónia desde 1900-1901 a 1910-1911, diz o orador que a Guiné bate recordes de progressos financeiros no período considerado. Mas há outros aspetos que o orador exalta como positivos. A Guiné, comparando os períodos de 1890 a cerca de 1910 no cômputo de todas as parcelas do império, batia o recorde no acréscimo anual médio de importações e exportações. O movimento comercial só mostrava depressões bruscas em períodos de guerra: 1891, desastre de Bissau, em 1895-1896, desastre da coluna Graça Falcão no Oio; e em 1908, com a guerra de Geba.

O orador moraliza quando fala de receitas e despesas. As receitas prendem-se sobretudo com o imposto de palhota, o imposto sobre o álcool e os direitos aduaneiros. Comenta acerca do álcool de Hamburgo que este é empregado como artigo de permuta com o gentio: “Não se me afigura muito para regozijar esta constatação, pois que assim se verifica ser a exploração de um vício dos indígenas a principal fonte de receita da colónia”. E debruçou-se seguidamente sobre as exportações, referindo que a mancarra estava a substituir desde 1909 a borracha como o principal produto de exportação, a mancarra revelava números prodigiosos, a exportação quadruplicara de 1903 a 1913. Mas não deixou de referir os impactos na agricultura de uma mancarra que dava sinais de uma quase monocultura, dizendo que a cada tonelada de mancarra corresponde um hectare de cultura, o aumento de superfície de produção estava a roubar interesse pelas culturas agrícolas que garantiam uma alimentação suficiente para os indígenas.

Concluiu com o apelo de que era necessário aumentar os investimentos e escolher funcionários com melhor qualidade. A seu tempo aqui se irá comparar a leitura destes números com outros olhares da realidade, será o caso dos relatórios anuais que a filial de Bolama envia para Lisboa, com apreciações por vezes cruas e pouco abonatórias tanto da classe política local como dos métodos da administração. Garanto-vos que haverá surpresas.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21385: Historiografia da presença portuguesa em África (232): "Madeira, Cabo Verde e Guiné", de João Augusto Martins; edição da Livraria de António Maria Pereira, 1891 (4) (Mário Beja Santos)

5 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Mesmo que este autor divirja dos relatórios do BNU, uma análise cuidada leva que tenhamos de concluir que as coisas não corriam bem e que, dia a dia, a revolta e o desagrado das populações avultava.

Enfim, os efeitos da acção civilizadora dos portugueses.
Pouco importa saber se as outras potências coloniais eram mais ou menos repressoras do que Portugal. O que interessa é que, mais tarde ou mais cedo, a revolta iria declarar-se. Como?
Ninguém podia prever, mas que há bruxas, lá isso há...

Um Ab.
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

Antonio J.P.Costa, de facto ninguém previa era que fossem precisamente os Caboverdeanos a tomar as rédeas do destino do fim do império.

Já tinham sido eles a grande ajuda para mantermos as diversas parcelas africanas que sobraram da partilha de África, e no fim foram eles a dizer a última palavra.

Já em Angola, também foi o MPLA, que Amílcar Cabral ajudou com outros mestiços a fundar, a ter a última palavra.

Os portugueses estivemos sempre durante 500 anos a contar com essa gente ultramarina, até mesmo nos ultimos 13 desses 500 anos.

Alguns deles acharam que estava na hora!

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

O que é que os cabo-verdeanos e o Amílcar têm a ver com a matéria do post?
Onde andava o MPLA nesta altura? E há 500 anos?
Relembro que estamos a tomar conhecimento de documentos antigos, verdadeiros e autênticos que descrevem a situação social e política da Guiné com rigor verdade numa data bastante recuada. Naquele tempo, era só ver e corrigir.

As considerações sobre a"acção civilizadora e heróica dos portugueses" já deram o que tinham a dar.
E a Casa dos Estudantes do Império onde fica no meio disto tudo?

Quero e exijo um post subordinado ao tema: "A CEI e a Acção Colonizadora de Portugal", mas com cabo-verdeanos, MPLA e tudo!

Um Ab.
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

A "Acção Colonizadora de Portugal" no caso concreto da Guiné Portuguesa, podemos resumi-la entre 1968 e 1973, em que Spínola foi tudo, desde comandante militar, Governador Geral, substitui-se aos Administradores que em geral, antes, eram caboverdeanos ou indianos, e com a guerra apagaram-se.

O resto dos 500 anos, Portugal não abandonou a Guiné, simplesmente delegou aos caboverdeanos (bormedjos) a tal Acção colonizadora e que fizessem dela o que quizessem, que Portugal apoiava com o envio de um Governador de 4 em 4 anos, mais uma missão geográfica periodicamente, mais uma missão veterinária ou médica...em que no fim escreviam um relatório que o Rei nunca lia, só o nosso Beja Santos é que tem paciência para isso.

Mas a presença na Guiné era tão activa e actuante, que embora sob a bandeira portuguesa, impuseram uma língua própria a que chamamos crioulo, que até na Casamance-Senegal (ex-Guiné)ainda hoje, pelo menos há vinte e tal anos era a lingua popular dominante, apesar do francês, lingua oficial.

Já o pai de Amilcar Cabral se queixava (lemos algures neste blog) da governação portugue

Mas o que tem esta conversa a ver com A. Loureiro da Fonseca, da Sociedade de Georafia de Lisboa, deste post?

Simplesmente, que esta gente ida de Lisboa em "turismo colonial", não se apercebiam quem na realidade "mandava naquilo" nem queriam saber, e tinham raiva a quem soubesse.

Vi "visitantes" desse género em Angola antes de rebentar a guerra em 1961.

Mandavam apenas uns bitaites!

E quem lá vivia, os "bormedjos" os mestiços, no caso da Guiné, os caboverdeanos, apercebiam-se na perfeição do vazio das ordens emanadas de Lisboa e da pouca noção que havia da realidade.

Daí essa gente ultramarina, ter tido a última palavra no fim do império.

Até internacionalmente, souberam ver a nossa incapacidade diplomática.

Até hoje, 2020, nos poderiam dar umas aulas, que bastante úteis nos seriam.

Cumprimentos

António J. P. Costa disse...

Conclusão: Abaixo os "bormedjos",os mestiços e, no caso da Guiné, os caboverdeanos,!...
ABAIXO! ABAIXO! ABAIXO!

Mas onde pára a CEI?

Vou já inscrever-me "numas aulas, que bastante úteis me serão".
Um Ab.
António J. P. Costa

PS: A culpa disto tudo é do Beja Santos, que anda a ler os relatórios enviados "por um Governador de 4 em 4 anos, mais uma missão geográfica periodicamente, mais uma missão veterinária ou médica" e "tem paciência (a mais) para isso".
Ora se ele fosse, mas era ler "O Cavaleiro Andante" é que fazia bem!