segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21398: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (8): os meus livros de bolso, da RTP, oferecidos pelo MNF, em 25/1/1973, deixei-os a alguns guerrilheiros do PAIGC, em 17/7/1974... E comigo trouxe "farrapos" da nossa bandeira, e ainda os guardo, como símbolo do nosso sofrimento e coragem



Uma amostra da Biblioteca Básica Verbo - Livros RTP, uma coleção de livros de bolso, num total de 100 títulos, de autores portugueses e estrangeiros, traduzidos, lançada em 1970, pela Editorial Verbo, em colaboração com a RTP... Foi um tremendo sucesso editorial, com 15 milhões de cópias vendidas ou oferecidas... Uma boa parte foi oferecida, por intermédio do Movimento Nacional Feminino, aos militares destacados nos TO de Angola, Guiné e Moçambique. O último título publicado, o nº 100, em outubro de 1972, foi "Os Lusíadas". O primeiro tinha sido  a novela "Maria Moisés", de Camilo Castelo Branco (230 mil exemplares), O preço de capa de cada livro era de 15 escudos (, equivalente hoje a menos de 4 euros).

Fonte: Imagem adaptada, com a devida vénia do sítio joaocouto-espinho.com

 


Carlos Barros, Esposende

1. Mais uma pequena história do Carlos Barros, enviada por mensagem de 19 do corrente, às 17h49, ainda a propósito da visita da presidente do Movimento Nacional Feminino  a Nova Sintra,  em 1973:

Estimado amigo.
 
A memória está ainda um pouco fresca, embora desgastada pelo tempo. É importante documentar, com testemunhos, fotografias, registos escritos e outras fontes que serão importantes para construir um pouco da história da Guerra Colonial, concretamente, no nosso caso, da Guiné.

No dia 25 de janeiro de 1973, Nova Sintra recebeu caixotes de livros, da RTP,  oferecidos pelo MNF [, Movimento Nacional Feminino] e no fim da comissão, na entrega do destacamento [, em 17 de julho de 1974,]  ofereci os meus a alguns guerrilheiros do PAIGC. 

Não sabia  se seriam lidos ou poderiam ir  parar à "fogueira"... Uma coisa é certa, eles receberam essas "obras literárias" e eu, pessoalmente, não tencionava trazê-las para a então Metrópole.

Jantamos e jogamos às cartas com o "Inimigo" e notei entre os guerrilheiros que não existia ódio nem rancor e foi uma convivência pacífica.. 

No dia seguinte, numa sessão solene do arrear da bandeira, com a 2ª Cart presente, meus companheiros,  mais os  guerrilheiros do PAIGC,  abandonamos Nova Sintra, a caminho de Tite. E, mais tarde, para o cais do Enxudé a caminho de Bissau, com as LDG  a transportar, via  rio Geba, o imenso material e os militares,  rumo  a Bissalanca. para, finalmente, nos libertarmos de uma Guerra que nunca desejámos.

Um pormenor: fui receber a bandeira de Portugal, já em mau estado,  embrulhei-a e rasguei subrepticiamente, umas pontas e ainda possuo esses"farrapos" como recordação. Uns "farrapos" que são bocados do nosso sofrimento e coragem nessas terras guineenses

No dia 23 de janeiro de 1963 o PAIGC fizera uma ataque ao Quartel de Tite, dando-se o início  da guerra na Guiné e as NT sofreram um morto e um ferido e o PAIGC 8 mortos confirmados e outros feridos graves. 

Penso que era objetivo do PAIGC atacar a prisão de Tite para libertar guerrilheiros presos. Estive em Tite uns meses e depois o meu pelotão foi destacado para Gampará, outro inferno da Guerra....

Fico-me por aqui, neste dia chuvoso que me inspirou para a escrita.

Bom fim de semana
Carlos Barros

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de setembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21371: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (7): os craques da bola...

5 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Já me referi noutro post à distribuição dos livros desta colecção "através" do MNF.
Independentemente da qualidade das obras, algumas das quais eram mesmo boas, parece-me que 8 livros por militar era uma espécie de esvaziar o armazém (por falta de compra no mercado) e não propriamente uma prenda.
Por outro lado, não tenho dúvidas de que, se o MNF não tivesse existido, a distribuição poderia ser feita pela estrutura militar. Pelo atraso com que se processou, em alguns casos, os livros devem ter ido por "via marítima" e sem o cuidado de que chegassem antes do Natal.
Foi uma pequena falta de cuidado ou mesmo uma insensibilidade, não o MNF que talvez até estivesse atento a estes pequenos nadas.

Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

SE era prenda do "Pai Natal", a encomenda para Nova Sintra chegou tarde, um mês depois, em 25 de janeiro de 1973... A RTP, no elogia que faz ao sucesso deste iniciativa, parece esquecer-se do trabalho do MNF que, só por si, deve ter ajudado a distribuir uma boa parte dos 15 milhões de exemplares da coleção...

Mas ainda bem que chegaram!... LG

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Num Post anterior que fazia referencia aos livros oferecidos pelo MNF a tropa dos diferentes aquartelamentos da Guiné entre 1973/74, perguntei, ha dias, ao Manuel Pereira (ex-Alf. Miliciano da CCAC 3547 - Os Repteis de Contuboel) que, em representaçao do Batalhao, teria acompanhado a Presidente deste movimento aos aquartelamentos da fronteira inclusive Fajonquito, se recordava dos livros (que designei de livros "brancos") que tinham trazido na comitiva e que seriam depois abandonados no quartel apos a independencia e que, sem saber o que fazer com eles, acabamos por oferecé-los aos revendedores locais de tabaco moido para servirem de embrulho aos consumidores do mesmo.

Infelizmente, nem ele nem o Augusto Cortes (ex-Furriel da CCAC 3549-Deixos Poisar)se recordavam de ter visto os tais livros que, afinal, sao os mesmos que aparecem na imagem da presente publicaçao como sendo da ediçao RTP. A unica coisa que tinham em memoria (dizem eles) teriam sido os ricos copos de Wiskeys e outros tomados nesse dia.

Também, posso garantir que os livros "brancos" ofertados ao aquartelamento de Fajonquito pelo MNF, continuaram "virgens" de leitura e foram abandonados nos caixotes de lixo ou nos locais onde tinham sido depositados e foram reciclados pela populaçao para outros fins que nao de leitura.



Com um abraço amigo

Cherno Baldé

Fernando Ribeiro disse...

Tanto quanto me recordo, às tropas estacionadas em Angola os livros RTP não chegaram, nem pela mão do MNF nem por outra mão qualquer. Não chegaram os livros RTP, mas chegaram outros livros, que ninguém lia. O pessoal só lia "A Bola" e a fotonovela "Simplesmente Maria".

Quando o meu batalhão chegou a Zemba, no norte de Angola, em 1972, encontrou na "messe de oficiais" do aquartelamento um armário fechado à chave, chave esta que ninguém sabia onde estava. Ao fim de algumas semanas, a chave acabou por aparecer, desencantada por alguém não sei onde. Abriu-se o armário. Continha dezenas e dezenas de livros, que uma folha de papel que lá estava dizia terem sido oferecidos pela Fundação Gulbenkian.

A biblioteca continha um conjunto de livros de grande qualidade, de entre os quais destaco alguns livros de Fernando Pessoa e seus heterónimos, Eça de Queirós (vários), Camilo Castelo Branco (vários), Júlio Dinis (dois ou três), o "Só" de António Nobre, a obra completa (ou quase) de José Rodrigues Miguéis, etc. etc.

Os oficiais milicianos do batalhão olharam com fastio para aqueles livros todos. Um deles terá comentado: «Não têm figuras nem nada!»

Os militares de carreira, por seu lado, só se interessaram por um livro, exclamando:

- Olha aqui "Os Guerrilheiros" de Jean Lartéguy! Este é o único livro dele que ainda não li. Vou lê-lo já!

E pronto. O armário só não voltou a ficar fechado à chave porque eu afirmei estar interessado em ler alguns dos livros existentes naquela pequena biblioteca. Uma das pouquíssimas fotografias minhas, que eu trouxe de Angola, mostra-me a ler um livro. Ninguém mais leu o que quer que fosse da pequena biblioteca que tinha sido oferecida pela Gulbenkian.


Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano da C.Caç.3535/B.Caç.3880, Angola 1972-74

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Nada justificava que prenda do "Pai Natal"não chegasse a horas. A RTP, no elogio que faz ao sucesso (qual sucesso(?)) excedeu-se. O "trabalho" do MNF, pouco deve ter ajudado a distribuir uma boa parte dos 15 milhões de exemplares da colecção... O MNF não produziu os livros e não os transportou. Limitou-se e pôr um grande carimbo quadrado na contra-capa. O que é pobre. É um facto incontroverso a desproporção entre a edição e a procura dos leitores.

Mas ainda bem que chegaram!
Sim, assim, alguns de nós tivemos algo para ler

É natural que os livros "brancos" ofertados ao aquartelamento de Fajonquito (ou outros quartéis) pelo MNF, continuaram "virgens" de leitura e foram abandonados nos caixotes de lixo ou nos locais onde tinham sido depositados e foram reciclados pela população para outros fins que não de leitura.
Foram entregues a quem não sabia ou quase não sabia ler e eram livros produzidos por escritores metropolitanos e estrangeiros, que nada diziam à população da Guiné, simpatizante ou não do PAIGC.
Alguns terão ficado abandonados nos quartéis "após a independência e que, sem saber o que fazer com eles, acabamos por oferecé-los aos revendedores locais de tabaco moído para servirem de embrulho aos consumidores do mesmo".
Acho que isso é absolutamente natural...
Nada de que nos devamos envergonhar ou condenar.

Um Ab.
António J. P. Costa