1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março de 2024:
Queridos amigos,
O conteúdo informativo deste Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde alterou-se profundamente. Da consulta que tenho vindo a efetuar ao Boletim desde 1850, a chamada Costa da Guiné só merece citações pelas taxas alfandegárias e nomeações, é quase um zero político. Mas na viragem de 1853 para 1854 são nítidas as mudanças. Honório Pereira Barreto escreve constantemente relatórios ao Governado Geral, saem-lhe as verdades como punhos: quem nomeia a partir de Lisboa envia o rebotalho das prisões e os quadros administrativos mais incompetentes; está constantemente a fazer sugestões e o Governador Geral aceita-as, sem exceção, louva-o publicamente. A verdade é que caminhamos para um mundo novo onde há escravos libertos, já se fala abertamente no respeito que merecem os autóctones, na administração da Justiça o Juiz dos Grumetes é uma pessoa respeitada. O termo da escravatura leva à reorganização do território, intensificam-se os negócios no Geba e no Corubal, surge um novo ordenamento administrativo e militar, assuntos que iremos versar no próximo texto.
Um abraço do
Mário
Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1853 a 1854) (4)
Mário Beja Santos
Dando continuidade aos últimos acontecimentos de 1853, o Boletim Official dá a infausta notícia do falecimento de D. Maria da Glória, publica-se na íntegra a ata do conselho de Estado, D. Fernando II é regente até à maioridade de D. Pedro, o futuro D. Pedro V. Mas há ainda acontecimentos desse ano que merecem algum destaque. É o caso de uma portaria publicada no dia 30 de dezembro, onde se diz o seguinte:
“Tendo representado o Diretor do Hospital Militar da Praça de S. José de Bissau sobre os graves inconvenientes que resultam de estar os miseráveis doentes expostos ao terrível incómodo que causam naquele clima os mosquitos, por não terem as camas o resguardo necessário para evitar a entrada de tais insectos: o Governador Geral, tendo observado por si próprio aquela verdade, e ouvido os queixumes do doente; e não podendo deixar de ser sensível ao aumento dos sofrimentos, que eles com vivas cores descreveram: determina que para o Hospital Militar da Praça de S. José de Bissau sejam compradas até doze camas de ferro com a armação necessária, a fim de terem de ter as cortinas que se usam naquela Praça, para evitar a entrada de mosquitos dentro daquelas camas.”
Em abril desse ano também ficamos a saber que o Capitão de Artilharia Victor Jorge, Comandante do Forte de S. Belchior, percebendo apenas a gratificação de cinco mil reis mensais, além do soldo da sua patente, não está, por isso, habilitado para todas as despesas a que é obrigado, já que pelo isolamento em que se acha naquele ponto tem de pagar muito caros os géneros comestíveis para seu alimento, já pelo dispêndio que faz com um continuado expediente, já finalmente pelos brindes que frequentemente se vê obrigado a fazer aos régulos vizinhos do Forte, segundo é isso e costume, para manter as boas relações com os respetivos povos, como exige a proteção que convém dar ao comércio de Bissau com os mesmos gentios: o Governador Geral desejando livrar dos apuros em que se acha o sobredito Comandante do Forte de S. Belchior, e considerando por outro lado a urgente conveniência do serviço público: ordena, que do primeiro do próximo mês de abril em diante, seja abonada ao mesmo Capitão Victor Jorge, e enquanto se conservar naquele comando, a gratificação de dez mil reis mensais. E ficamos igualmente a saber que se encontravam em grande vexame os oficiais do Batalhão de Artilharia de Linha destacados na Praça de S. José de Bissau, não tinham habitação militar para os acolher, eram obrigados a alugar casa na povoação que não lhes custava menos de oito patacas francesas por mês, fora igualmente deliberado aumentar-lhes o abono.
Perguntará o leitor qual é a verdadeira substância e que entendimento se pode extrair de toda esta informação constante no Boletim Official. Primeiro, como me parece já verificado, o noticiário sobre a Guiné é francamente residual até 1854, a partir daí dar-se-á uma reorganização administrativa e militar que é o primeiro esboço da ocupação efetiva. Segundo, vão começar a aparecer os relatórios e as tomadas de posição do Comendador e Governador Honório Pereira Barreto, a Guiné começa a ganhar forma territorial, Barreto expede com causa e fundamento para o Governador Geral a situação real, a desorganização, um efetivo militar que se revela pernicioso e incapaz de se fazer respeitar. Terceiro, o Boletim Official vai ressaltar os problemas económicos, citará comerciantes, até agora a importância da Guiné (ou Costa da Guiné) estava focada nas alfândegas, nos impostos, nas nomeações. A partir de agora a Guiné é mais qualquer coisa, como a leitura do Boletim Official patenteia.
Em março de 1854, o Brigadeiro Governador Geral Fortunato José Barreiros louva Honório Pereira Barreto nos seguintes termos:
“Tendo o Comendador Honório Pereira Barreto, desde que tomou posse do Governo interino da Guiné Portuguesa entre Dezembro de 1853 e Fevereiro de 1854 desempenhado as funções daquele cargo com o maior desvelo, assiduidade, e distinção, fazendo justiça com imparcialidade, dando seguimento a vários negócios que achou sem andamento, adotando muitas providências de reconhecida utilidade, e enviando um relatório do estado daquela colónia propondo uma série de medidas que manifestam a sua capacidade política e administrativa: o Governador Geral, comprazendo-se de ver em todos estes actos realizados as esperanças que tinha, quando o nomeou para o sobredito lugar, manda louvar o mesmo Comendador, pelos importantes serviços que acaba de prestar à Guiné Portuguesa.”
Na sequência deste louvor temos outra referência no mesmo Boletim Official a Barreto. Este informara o Governador Geral da absoluta impossibilidade de se fazer a cobertura dos tectos das casas de Bissau com telha de pau ou de barro, só que muitos dos habitantes são pobríssimos, não podem pagar a telha, o que os força a abandonar as suas casas ou vendê-las ao desbarato, só a primeira e segunda ruas da povoação são constituídas por edifícios mais sólidos, pelo que o Governador Geral determina que somente se ponha a execução do uso de tais telhas nas referidas duas primeiras ruas. Mas não fiquemos por aqui quanto a referências a Barreto, este informara o Governador Geral de ter suspendido Manuel Tavares d’Almeida, Diretor Interino da Alfândega de Bissau, por faltar à repartição com grave prejuízo do comércio, sem que tivesse dado parte do doente; por não ter dado resposta satisfatória às diversas intimações que lhe foram feitas, pretextando moléstia, apesar de ser visto a passear fora de casa, o Governador Geral confirmava o castigo aplicado por Barreto.
Em 15 de maio publica-se uma portaria que nos alarga a compreensão das mudanças que se estão a operar na Senegâmbia Portuguesa, novamente uma comunicação de Barreto para o Governador Geral relativa à conveniência de acabar com o abusivo procedimento de alguns indivíduos da povoação de S. José de Bissau, os quais retém como escravos homens e mulheres livres, habitantes dos terrenos circunvizinhos à Praça, a queixa chegara a Barreto através do Juíz dos Grumetes de Bandim e o régulo de Atim; tal retenção estava expressamente proibida pelas leis pátrias; o Governador Geral conformava-se com a opinião de Barreto e ordenava que este devia tornar público e exigir cumprimento que era absolutamente proibido fazer apreensão de qualquer indivíduo dos povos da Guiné a não ser dos legítimos escravos, havidos por compra ou por doação comprovada, Barreto devia intimar todas as pessoas que atualmente conservassem retidos indivíduos livres para que imediatamente fosse postos em liberdade.
E exara um parágrafo que é merecedor de muita atenção:
“Se algum dos habitantes das Possessões portuguesas em Guiné tiver motivo de queixa contra qualquer dos habitantes livres dos ditos povos circunvizinhos, por furtos, roubo, ou outro crime por ele praticado, fará a sua representação ao Governador da Guiné Portuguesa, para que este, depois de proceder às competentes averiguações, julgando a queixa bem fundada, exija do régulo respectivo a competente reparação. Quando os régulos efectuarem a entrega de algum culpado, com os artigos roubados, será o criminoso punido legalmente, mediante um processo sumário, e quando tenham de satisfazer por meio de trabalho a importância do roubo, será este previamente avaliado, e o criminoso compelido a indemnizar o dono dos objectos roubados. O Governador da Guiné dará conhecimentos destas disposições aos régulos".
Em Abril, o Chefe do Estado-Maior, Francisco Maria Barreiro Arrobas confirma no Governo interino o Comendador Honório Pereira Barreto, e deixa escapar o muito apreço que tem por ele, o Governador Geral: “Manda Sua Excelência declarar ao referido Senhor Comendador a firme convicção em que está de que neste novo período do seu governo da Guiné continuará a dar provas da probidade, do zelo e da inteligência com que sempre tem desempenhado as referidas funções.”
Como o leitor pode comprovar, algo mudou na importância da Guiné no contexto das relações com Cabo Verde, avizinha-se o fim da escravatura e as explorações agrícolas parecem ser a mais promissora alternativa.
Um dos aliciantes que encontro na leitura do Boletim Official do Governo de Cabo Verde é a variedade informativa, encontramos folhetins, poemas dedicados a Sua Excelência o Governador, comunicações de Estado como o falecimento de D. Maria II em 19 de novembro de1853, durante um parto, seguiu-se o beija-mão à rainha falecida, depois o beija-mão a Sua Majestade El-Rei Fernando II e novo beija-mão ao futuro D. Pedro V. Neste caso temos publicidade a farinhas restauradoras da saúde e das forças, e fala-se na Revalenta Arabica expedita ao Ministério do Palácio Imperial da Rússia.
Vista antiga de Cacheu
Estátua de Honório Pereira Barreto na Bissau colonial
Vila da Praia
(continua)
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Notas do editor:
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Último post da série de 20 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25543: Notas de leitura (1693): "Quando os Cravos Vermelhos Cruzaram o Geba", por Tony Tcheka (nome literário de António Soares Lopes Júnior); Editorial Novembro, 2022 (1) (Mário Beja Santos)
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