Camarada Rosinha, já que se evocou aqui (mal, segundo as regras deste blogue...) os "chicos", que são igualmente filhos de Deus e nossos camaradas (e todas generalizações serão sempre abusivas, nesta como noutras matérias...), e já que tu próprio, sempre oportuno, foste buscar (ou reforçar) a questão das similitudes e das diferenças entre "tugas" de Angola e de Moçambique (ainda há dias estive com o Mia Couto, no aeroporto de Lisboa...), toma lá mais esta... Neste caso, esta "canção do Niassa":
Fado das Comparações
Que estranha forma de vida!
Que estranha comparação!
Vive-se em Lourenço Marques, (Bis)
Cá arrisca-se o coirão!
Vida boa, vida airada!
Boites, é só festança!
Lá não se fala em matança, (Bis)
Nem turras; há só borgadas.
Niassa, pura olvidança!
Guerra, como és ignorada!
Conversa que é evitada, (Bis)
P'los que vivem n'abastança!
Falar na nossa desdita
Fica mal e aborrece!
E como lembrar irrita, (Bis)
Toda a gente a desconhece!
Ao passar pela cidade,
Com tanta tranquilidade,
Deu-me para] comparar, (Bis)
Meninas com mini-saias!
Mandai-as p'ras nossas praias
P'ra manobra de atacar! (Bis)
Pipis com carros GT's, [Ou: Hippies com carros GT's]
Mandai-os para as Berliets,
Tirai-lhes as modas finas; (Bis)
Melenudos efeminados
Eram bem utilizados
P'ra fazer rebentar minas! (Bis)
Bem como essas tais meninas
Que, apesar de enfezadinhas,
Mas com ar da sua graça, (Bis)
Serviriam muito a jeito
Para acalmar a dor do peito [Ou: Para aliviar a dor do peito]
Cá da malta do Niassa. (Bis)
Mas não, só por pirraça,
Hão-de lá continuar!
E nós temos de lerpar, (Bis)
Invertem-se as posições,
E trocam-se as situações,
Continuamos a aguentar! (Bis)
Nós, sem sermos desejados,
Ficamos cá apanhados,
Aos urros, num desvario! (Bis)
Eles, os daqui naturais,
Gastando dinheiro aos pais,
Vão para o Matola Rio!
[Ou: Vão p'ra a puta que os pariu!]
Acabe-se com a tradição,
Entre-se em mobilização,
Utilize-se a manada! (Bis)
Dentro de poucas semanas,
Como quem come bananas,
Estará a Guerra acabada. (Bis)
Gentileza da página na Net do Joraga [José Rabaça Gaspar], que inseriu a gravação áudio, com a voz do João Paneque, na Rádio Metangula, em 1970 [Clicar aqui para ouvir]... Essa versão tinha a seguinte introdução:
"Este é um fado que compara algumas coisas que se passavam. Não é um fado para ofender, e era cantado em ambientes muito particulares e com público esclarecido! De resto, como todo o cancioneiro, sobressai sempre o aspecto humorístico com que todos os temas são abordados".
Que estranha forma de vida!
Que estranha comparação!
Vive-se em Lourenço Marques, (Bis)
Cá arrisca-se o coirão!
Vida boa, vida airada!
Boites, é só festança!
Lá não se fala em matança, (Bis)
Nem turras; há só borgadas.
Niassa, pura olvidança!
Guerra, como és ignorada!
Conversa que é evitada, (Bis)
P'los que vivem n'abastança!
Falar na nossa desdita
Fica mal e aborrece!
E como lembrar irrita, (Bis)
Toda a gente a desconhece!
Ao passar pela cidade,
Com tanta tranquilidade,
Deu-me para] comparar, (Bis)
Meninas com mini-saias!
Mandai-as p'ras nossas praias
P'ra manobra de atacar! (Bis)
Pipis com carros GT's, [Ou: Hippies com carros GT's]
Mandai-os para as Berliets,
Tirai-lhes as modas finas; (Bis)
Melenudos efeminados
Eram bem utilizados
P'ra fazer rebentar minas! (Bis)
Bem como essas tais meninas
Que, apesar de enfezadinhas,
Mas com ar da sua graça, (Bis)
Serviriam muito a jeito
Para acalmar a dor do peito [Ou: Para aliviar a dor do peito]
Cá da malta do Niassa. (Bis)
Mas não, só por pirraça,
Hão-de lá continuar!
E nós temos de lerpar, (Bis)
Invertem-se as posições,
E trocam-se as situações,
Continuamos a aguentar! (Bis)
Nós, sem sermos desejados,
Ficamos cá apanhados,
Aos urros, num desvario! (Bis)
Eles, os daqui naturais,
Gastando dinheiro aos pais,
Vão para o Matola Rio!
[Ou: Vão p'ra a puta que os pariu!]
Acabe-se com a tradição,
Entre-se em mobilização,
Utilize-se a manada! (Bis)
Dentro de poucas semanas,
Como quem come bananas,
Estará a Guerra acabada. (Bis)
Gentileza da página na Net do Joraga [José Rabaça Gaspar], que inseriu a gravação áudio, com a voz do João Paneque, na Rádio Metangula, em 1970 [Clicar aqui para ouvir]... Essa versão tinha a seguinte introdução:
"Este é um fado que compara algumas coisas que se passavam. Não é um fado para ofender, e era cantado em ambientes muito particulares e com público esclarecido! De resto, como todo o cancioneiro, sobressai sempre o aspecto humorístico com que todos os temas são abordados".
Fonte: Reproduzido de Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, I Série > 11 de maio de 2004 > 11 Maio 2004 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa (1)
2. Comentário de L.G.:
A música deste fado, do Cancioneiro do Niassa, é a do clássico fado Estranha forma de vida (Letra e música: Alfredo Duarte e Amália Rodrigues). No entantato, a segunda parte parece-me ser a do Embuçado , precisarei de tempo para confirmar.
Mas o que importa agora é a letra: sarcástica, parodia a privilegiada condição dos colonos moçambicanos e dos seus filhos e filhas, condição que, vista de Metangula, no lago Niassa, deveria uma das contradições daquela guerra, difíceis de (di)gerir: de facto, dificilmente se poderia convencer um soldado metropolitano que estava a defender o chão sagrado da Pátria, quando do inferno do Niassa se olhava para o bem-bom de Lourenço Marques...Em todo o caso, é bom não esquecer que houve moçambicanos, filhos de colonos brancos, que morreram em combate no TO da Guiné: caso do nosso camarada Mário Sasso, por exemplo.
Noutro registo, era o mesmo tipo de crítica que nós fazíamos na Guiné - nós, os operacionais, a carne para canhão - aos mais privilegiados, não os colons que praticamente não os havia, mas sim a rapaziada da guerra do ar condicionado, instalada no relativo conforto e na precária segurança de Bissau...
Mas o que importa agora é a letra: sarcástica, parodia a privilegiada condição dos colonos moçambicanos e dos seus filhos e filhas, condição que, vista de Metangula, no lago Niassa, deveria uma das contradições daquela guerra, difíceis de (di)gerir: de facto, dificilmente se poderia convencer um soldado metropolitano que estava a defender o chão sagrado da Pátria, quando do inferno do Niassa se olhava para o bem-bom de Lourenço Marques...Em todo o caso, é bom não esquecer que houve moçambicanos, filhos de colonos brancos, que morreram em combate no TO da Guiné: caso do nosso camarada Mário Sasso, por exemplo.
Noutro registo, era o mesmo tipo de crítica que nós fazíamos na Guiné - nós, os operacionais, a carne para canhão - aos mais privilegiados, não os colons que praticamente não os havia, mas sim a rapaziada da guerra do ar condicionado, instalada no relativo conforto e na precária segurança de Bissau...
Recorde-se que na Guiné não havia colonos brancos, a única empresa que se podia chamar colonialista era a Casa Gouveia, ligada à CUF - Companhia União Fabril, mas que ficou praticamente inactiva com o início da guerra, reduzida a muitos poucos entrepostos no mato (em Bambadinca, ainda havia um, no meu tempo, 1969/71).
Acrescente-se que o léxico do combatente de Moçambique e da Guiné tinha muitas coisas em comum: por ex., a palavra lerpar que era utilizada pelas nossas tropas, nos dois TO, com o mesmo sentido de perda: morrer, ser ferido, perder qualquer coisa (por ex., ao jogo da lerpa), apanhar uma 'porrada' (castigo), ser escalado, etc.
[Imagens acima: Cortesia da Wikipédia. A distância da capital, hoje Maputo, ao Niassa, é de 2800 km... Matola é hoje cidade e município, capital da província de Maputo. É também nome de rio que desagua na baía do Maputo.]
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Nota do editor:
Acrescente-se que o léxico do combatente de Moçambique e da Guiné tinha muitas coisas em comum: por ex., a palavra lerpar que era utilizada pelas nossas tropas, nos dois TO, com o mesmo sentido de perda: morrer, ser ferido, perder qualquer coisa (por ex., ao jogo da lerpa), apanhar uma 'porrada' (castigo), ser escalado, etc.
[Imagens acima: Cortesia da Wikipédia. A distância da capital, hoje Maputo, ao Niassa, é de 2800 km... Matola é hoje cidade e município, capital da província de Maputo. É também nome de rio que desagua na baía do Maputo.]
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Nota do editor: