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segunda-feira, 9 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18829: Notas de leitura (1082): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (8) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
O padre Henrique Pinto Rema descreve o período turbulento que acompanhou a independência da Guiné-Bissau, a fúria nacionalizadora levou à degradação das instituições missionárias e ao desperdício desses missionários ativos na ação educativa e sanitária.
Segue-se um relato pormenorizado do reerguer destas atividades, relato que finda com a descrição do trabalho das missões até 1981.
A história destes franciscanos que aqui chegaram em 1955 já veio contada aqui no blogue, em recensão de outra obra. Fica a confirmação de que o trabalho de Pinto Rema continua a ser inultrapassável e bem merecia continuidade até ao nosso tempo.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (8)

Beja Santos

Estamos chegados à investigação quanto ao trabalho das missões católicas na República da Guiné-Bissau, derradeiro capítulo do indispensável livro “História das Missões Católicas na Guiné”, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, 1982. O autor recorda como sempre foi limitado o domínio português na Guiné e recorda a existência de feitorias comerciais sempre transformadas em fortalezas, praças ou presídios. O território ocupado na chamada Senegâmbia foi reduzidíssimo. O capitão de Marinha Ernesto J. D. C. e Vasconcelos em As Colónias Portuguesas, Lisboa, 1903, refere a superfície da Guiné em 11.384 quilómetros quadrados. Lopes de Lima avaliava em 1844 a superfície da Guiné em 16 a 18 milhas quadradas e a sua população em 2500 livres ou libertos (incluindo a tropa) e 2000 escravos. Em 1891, o Capitão Viriato Zeferino Passalagua, Secretário-Geral interino, ao entregar o governo da Guiné a Luís Augusto de Vasconcelos e Sá, disse em discurso público:  
“Tem esta colónia seis pontos definitivamente ocupados: a ilha de Bolama, as praças de Bissau, Cacheu e Buba e os presídios de Farim e Geba. A área da província da Guiné é grande; porém, a esfera de acção do nosso domínio e especialmente da nossa autoridade é limitada aos pontos por nós ocupados, que, na nossa área são quase nada em relação à da província”.

Pinto Rema refere os primórdios do nacionalismo, o aparecimento do MING e depois o PAIGC, realça as greves de 6/7/8 de Março de 1956, em que houve agressão dos marítimos e estivadores à força policial, a polícia prendeu cinco cabecilhas grevistas e levou-os para a esquadra. O Governador Melo e Alvim veio pessoalmente à esquadra libertar os cinco presos. Os polícias sentiram-se vexados. Seguiram-se dois dias de greve e protesto. Serão os mesmos grevistas que em Março de 1956 irão desencadear novo protesto em 3 de Agosto de 1959. Pinto Rema descreve o chamado massacre do Pidjiquiti detalhando que os insubordinados dispõem de remos, barras de ferro, pedras e arpões. No primeiro recontro, os dois chefes da polícia serão selvaticamente agredidos, depois de terem disparado para o ar. Na continuação das tensões, a polícia perdeu o autodomínio e começou a atirar a matar. Havia 13 a 15 mortos espalhados no cais do Pidjiquiti mais os cadáveres de marítimos e estivadores arrastados pelas águas do Geba, estes dados foram fornecidos ao autor pelo guarda Francisco Valoura, mais tarde funcionário colonial. Acendera-se o rastilho para futuras contestações. Segue-se o ataque a S. Domingos em 21 de Julho de 1961 e depois as destruições em Suzana e Varela.

Finda a descrição sobre a luta armada, chegamos ao 26 de Abril em Bissau. A 1 de Maio de 1974 chega à Prefeitura Apostólica da Guiné um extenso telegrama onde se diz em dado momento: “A Santa Sé acompanha atentamente o evoluir da situação para ponderar quais as novas indicações que possam eventualmente vir a ser dadas para a vida da Igreja nesse território". O diretor do trissemanário A Voz da Guiné, padre Cruz Amaral, foi substituído por um militar marxista e no jornal os portugueses começaram a ser postos em cheque. Inicia-se a debandada. O êxodo atingiu proporções tais que no dia da declaração da independência por Portugal, 10 de Setembro de 1974, havia em toda a Guiné menos de 100 civis brancos. As Irmãs Franciscanas Hospitaleiras que trabalhavam no Hospital Central de Bissau foram forçadas a abandonar o seu mister acusadas essencialmente pelas suas exigências com o pessoal menor, foram acusadas de prepotência por quererem correção, presença nos serviço e trabalho. Em finais de Setembro, o padre Lino Bicari, filiado no PAIGC e com credências de Luís Cabral, expõe aos missionários a linha do PAIGC em matéria de religião e ensino. A liberdade religiosa seria salvaguardada mas as escolas passariam a ser património nacional, a escola passaria a ser absolutamente laica. Progressivamente, a vida das missões entrou num descalabro e subiram de tom as acusações anónimas. O Prefeito Apostólico é prevenido por um missionário de Catió que seria expulso por ter colaborado com a PIDE/DGS. Monsenhor Amândio Neto entende não dever estar presente na hora da transmissão de poderes, então prevista para o dia 12 de Setembro, marcou passagem de avião para 9. O Núncio Apostólico escreveu-lhe: “Esta é a hora menos oportuna para Vossa Reverência se ausentar”. Os missionários vivem solidários com o Prefeito Apostólico e este em 10 de Setembro envia um telegrama ao presidente Luís Cabral saudando no momento histórico, saudação que abraçava todo o pessoal missionário e o povo cristão, augurando futuro glorioso, pacífico e progressivo para a República da Guiné-Bissau.

Após o golpe de Estado de 14 de Novembro, Nino Vieira deu sinais claros que pretendia que as Missões Católicas estendessem a sua ação educativa nas escolas e levassem a sua ação sanitárias aos hospitais.

A nova diocese de Bissau é criada em Março de 1977 pela Bula Rerum Catholicaram. O autor é minucioso a descrever a dinâmica apostólica na diocese de Bissau, o novo bispo sai prontamente em visita às missões. Pinto Rema descreve o trabalho do Movimento de Grupos de Jovens, do Centro Artístico Juvenil e Seminário de Bissau e faz um relato minucioso do diálogo ecuménico travado com protestantes e muçulmanos.

No termo do seu trabalho, Pinto Rema analisa as missões atuantes em 1981. Depois de 960 páginas despede-se assim: “As últimas centenas de páginas foram escritas por quem viveu de muito perto os acontecimentos que relata mas só minimamente interferiu neles. Pôde, assim, ser o mais possível imparcial. Abriu um leque bastante vasto de perspectivas para a visão de conjunto surgir mais nítida. Teme, porém, que tenha escondido a floresta para mostrar a árvore. Eu ficaria muito satisfeito se este meu trabalho despertasse a curiosidade de verdadeiros historiadores para uma pesquisa do fenómeno religioso na actual República da Guiné-Bissau, a partir do ponto de vista católico”.
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Nota do editor:

Postes anteriores de:

21 de maio de 2018 Guiné 61/74 - P18659: Notas de leitura (1068): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (1) (Mário Beja Santos)

28 de maio de 2018 Guiné 61/74 - P18688: Notas de leitura (1070): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (2) (Mário Beja Santos)

4 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18707: Notas de leitura (1072): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (3) (Mário Beja Santos)

11 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)

18 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)
e
25 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18776: Notas de leitura (1078): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (6) (Mário Beja Santos)
e
2 de julho de 2018 Guiné 61/74 - P18800: Notas de leitura (1080): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 6 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18816: Notas de leitura (1081): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (42) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Impõe-se uma explicação para o número inusitado de recensões que tenho dedicado à obra incontornável do padre Henrique Pinto Rema referente à história das missões católicas na Guiné. Nunca se poderá entender a menorização do catolicismo na Guiné, quando é fenómeno de grande importância em Cabo Verde, sem conhecer as vicissitudes dos obstáculos à missionação, nomeadamente entre os seculos XVI e XIX. O autor, padre franciscano, nunca descura o abandono a que estes missionários estavam votados, a falta de apoio dos próprios comerciantes brancos, a sua incapacidade para um trabalho de evangelização no interior, e confrontados com populações islamizadas e totalmente reticentes à mudança de fé. Do século XIX para o século XX abriu-se uma nesga de esperança, quando foi criado o Colégio das Missões de Cernache de Bonjardim veio uma caterva de alunos guineenses e de boas famílias, o marquês de Sá da Bandeira queria missionário de boas famílias...

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (5)

Beja Santos

Dando continuidade às recensões que se têm vindo a apresentar sobre uma obra incontornável da missionação na Guiné, História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982, apresenta-se uma nótula de alguns dos aspetos mais relevantes anteriormente focados, centrando a nossa atenção no período compreendido entre o liberalismo e a I República. Recorde-se que os primeiros sacerdotes que pisaram a terra firme da Costa da Guiné pertenciam ao Clero Secular. Vieram depois padres franciscanos, seguiram-se dominicanos e freires da Ordem de Cristo. A Guiné dependia da Diocese de Cabo Verde, os bispos enviavam visitadores aos cristãos de S. Domingos e no rio Grande. André Álvares de Almada sintetizou numa frase lapidar o trabalho missionário dos visitadores: “Nenhum fruto resultou de tal visitação”.

Vieram depois Missionários Carmelitas e teve alguma projeção uma missão dos Jesuítas na Guiné e na Serra Leoa, entre 1605 a 1617. E como foi referido anteriormente, impôs-se pela duração e devoção a missão dos Franciscanos que abarcou quase dois séculos, entre 1635 a 1834.

Henrique Pinto Rema destaca as denúncias de mau comportamento de muitos clérigos, nomeadamente na fase que precede a extinção dos conventos: por mancebia, bebedeiras, tráfico de escravos. Os sacerdotes missionários, sobretudo na última vintena do século XVIII e primeira vintena do século XIX, foram rareando sucessivamente, até à sua completa extinção.

As novas correntes filosóficas do positivismo, do iluminismo e do racionalismo contribuíram para dissolver o primitivo fervor missionário das ordens religiosas. Na fase final do século XVIII havia sacerdotes em Ziguinchor, Bissau, Geba e Farim. Estavam ali párocos que pertenciam ao Clero Secular. Contudo, estes não seriam da melhor qualidade, o autor observa que o bispo de Cabo Verde reservava para as igrejas da Guiné o que possuía de menos qualificado, não se trata de uma intuição sua, consta, preto no branco no que escreveu Cristiano Sena Barcelos e Honório Pereira Barreto, entre outros. Se o liberalismo detestava os frades, não deixava porém de compreender a força do sentimento religioso, ao serviço da civilização, o mesmo é dizer ao serviço da política. É neste sentido que apoia e promove a evangelização. Houve alterações dignas de nota com a separação da Guiné de Cabo Verde, em 1879, ir-se-á assistir a uma centralização administrativa em Bolama numa época em que estão repertoriados vários centros cristãos: Bolama, Buba, Bissau, Geba, Cacheu, Farim, Ziguinchor e Bolor. É um período em que trabalham na Guiné simultaneamente padres de cor oriundos de Cabo Verde e da Guiné, padres metropolitanos educados no Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim e padres da Arquidiocese de Goa.

As leis republicanas, adotadas logo em 1910, desferem um rude golpe nas instituições missionárias. Atenda-se que já com o liberalismo as ordens religiosas tinham sido perfeitamente afetadas. Sem os frades capuchos metropolitanos, a Diocese de Cabo Verde teve de contentar-se com o seu clero nativo, pouco e mal preparado para obviar de alguma maneira às necessidades espirituais.

Na Guiné, há desordem política, juntavam-se os mal representantes da igreja, e assim a ação missionária ficou reduzida a três freguesias: Bissau, Cacheu e o presídio de Farim. A Praça de S. José de Bissau, com a sua velha freguesia de Nossa Senhora da Candelária, não deixou nunca de possuir lugar de culto desde a segunda metade do século XVII. A capela ruiu em 1840, construiu-se uma igrejinha dentro da fortaleza da Amura, aqui se executaram os serviços religiosos até Dezembro de 1950, quando foi inaugurada a Catedral de Bissau. Possuem-se inúmeros relatos de derrocada de tempos religiosos, eram engolidos por incêndios, degradados pela inclemência do clima, construídos com materiais de péssima qualidade. Sobre a Igreja de Cacheu escreveu Honório Pereira Barreto no seu documento fundamental, a memória da Senegâmbia: “No fim da povoação, próxima da outra porta que fica fronteira à fortaleza, existe uma coisa a que dão o nome de igreja. Imagine-se uma casa muito ordinária, cujas paredes ameaçam ruína, coberta de palha, com dois pequenos campanários, cujo provável destino era para sinos, porém que não os tem. Pegada a esta igreja, existe uma casinhola do mesmo tipo, servindo de sacristia, em frente da qual está o único sino, aguentado por uma estaca, atravessada por dois galhos de árvore…”. Em 1848, é o próprio Honório Barreto que se arma em mestre-de-obras.

Em 1849, a Igreja de Ziguinchor tinha caído, a Igreja de Farim fora reduzida a cinzas por um incêndio. Henrique Pinto Rema elenca os diferentes trabalhos que foram desenvolvidos nas paróquias para dignificar os templos religiosos (Buba, Ziguinchor, Geba, Farim, Cacheu, Bissau e Bolama).

Em torno de Bolama, o autor destaca o desempenho extraordinário de uma figura proeminente da cultura guineense e Vigário Geral da Guiné, o Cónego Marcelino Marques de Barros. Mas toda a atividade missionária se revela em permanência um terreno espinhoso em que tudo é precário e contingente. O Vigário Geral, Padre Tertuliano Ramo, figura de destaque da vida missionária de Cabo Verde e Guiné até ao período do Estado Novo escreveu ao Secretário-Geral da província da Guiné: “Ninguém deixa de reconhecer que os párocos na Guiné vivem em situação económica aflitiva; desprestigiados, reduzidos em número, sem incentivo de espécie alguma, a parcimónia com que lhes são remunerados os seus serviços desola e não dá ânimo e perseguir na árdua e penosa tarefa da evangelização".

No entanto, a vida religiosa parecia dar sinais de crescimento, um dos exemplos foi a chegada das irmãs franciscanas que passaram a trabalhar no hospital de Bolama.

Assim chegámos aos primeiros 20 anos da República. Os republicanos prosseguiram a animosidade dos liberais, assistiu-se à expulsão das ordens religiosas, ao encerramento do Colégio das Missões e à perseguição ao clero. A já de si triste situação religiosa da Guiné agravou-se. Mas o acalento e a devoção missionárias pareciam não arrefecer. Continuou-se a pensar criar missões católicas junto dos Balantas, Manjacos e Brames. O Estado Novo procurará dinamizar o trabalho missionário. É o que veremos no próximo texto, a propósito da segunda Missão franciscana da Guiné Portuguesa (1932-1973).

(Continua)

Fotografia adquirida na Feira da Ladra em 27 de Agosto de 2016, tem a seguinte legenda: “Teixeira Pinto, 2 de Fevereiro de 1961. Construiu-se esta ponte para depois fazer por ela passar o rio e a estrada. Porém, o plano foi alterado depois dela construída ou por falta de verba ou porque o rio não se deixou vencer. E a ponte lá está”. Conhecia já esta história quando estava a preparar o meu livro “Mulher Grande”, em 2008, a mulher de um funcionário colonial que viveu anos antes em Teixeira Pinto referiu-me que era um dos passeios bizarros de que dispunham, ir ver a ponte inacabada, segundo ela passeava-se despreocupadamente um lagarto naquele charco permanente. Nunca ninguém decifrou o mistério desta ponte inacabada.
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Notas do editor

Poste anterior de 11 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 15 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18743: Notas de leitura (1075): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (39) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18776: Notas de leitura (1078): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (6) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Caminhamos para o termo desta resenha sobre a atividade missionária na Guiné, até à independência. Não conheço obra mais completa que a do padre Henrique Pinto Rema. Fico recetivo a toda e qualquer ajuda que me possam dar relativamente à islamização da região, o seu quadro evolutivo e a orgânica atual na Guiné-Bissau do trabalho do padre Pinto Rema resulta claro que uma parte substancial do insucesso missionário decorreu da inexistência de uma colonização efetiva que desse suporte àquele grupo minoritário de religiosos sempre confrontado com a inclemência do clima, o desconhecimento das línguas nativas, os muitos casos de hostilidade à missionação e o profundo isolamento a que eram votados os missionários.
Recordo que na Guiné do período da luta armada aventava-se que a religião católica se situasse entre os 3 a 5%. Esta percentagem, como é de todos sabido, tem vindo a crescer significativamente, há hoje muita tolerância religiosa na Guiné e respeito mútuo. Se assim não fosse, não teria havido aquele poderoso movimento em prol da paz, no tempo do conflito de 1998-1999, em que todos os credos religiosos apoiaram o movimento cívico-político para o fim da guerra e a reconciliação nacional.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (6)

Beja Santos

Em “História das Missões Católicas na Guiné”, Editorial Franciscana, Braga, 1982, o padre Henrique Pinto Rema oferece-nos uma visão integrada não só das missões franciscanas mas como de toda a missionação durante o período colonial. Como se referiu anteriormente, o período do liberalismo e da I República foram extremamente nefastos para a obra missionária. No capítulo “A segunda missão franciscana da Guiné Portuguesa”, tendo como balizas 1932 a 1973, o investigador analisa a missão franciscana no Vicariato Geral da Guiné, entre 1932 e 1940, refere o papel dos franciscanos na missão decorrente do Acordo Missionário (1941-1955). Deixaremos para o próximo e último texto a atividade franciscana na Prefeitura Apostólica, entre 1955 e 1973.

As “missões laicas” criadas em 1913 pela República, não deram os resultados esperados e não substituíram efetivamente as “missões religiosas”. Estas conseguiram sobreviver à primeira tempestade republicana e obtiveram um reconhecimento legal em 1919. O bispo de Cabo Verde levou às autoridades civis o problema da missionação da Guiné. Mas só no tempo do ministro João Belo, em 1926, se regulamentará a atividade missionária. A segunda missão franciscana chega à Guiné em Fevereiro de 1932. Serão mais tarde chamados, já em 1947, os missionários do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras, de Milão. A Santa Sé elevará, em 1955, a missão à categoria de Prefeitura Apostólica. E em Maio desse ano chegarão os primeiros franciscanos italianos da província de Santo António de Veneza. E com a independência, depois de 1974 será criada a diocese da Guiné-Bissau.

Temos, pois em análise, os franciscanos no Vicariato Geral da Guiné, ao longo da década de 1930. O autor recorda que em 1929 havia somente um missionário na Guiné, a situação religiosa na região piorara de dia para dia, o Vigário-Geral foi morto em Bolama pouco antes do 28 de Maio de 1926. Tomam-se diligências ao nível mais alto: o Núncio Apostólico insiste com o provincial dos franciscanos para um reforço missionário na Guiné. Eugénio Pacelli, futuro Papa Pio XII, escreve em 1930 ao superior da ordem dos frades menores: “A Santa Sé considera improrrogável a necessidade de missionários na Guiné”. Em 1930, o Padre João Augusto de Sousa, do clero do Funchal, chegou à paróquia de S. José de Bolama. Em 1931, o cónego António Miranda de Magalhães, das missões ultramarinas, encarrega-se da paróquia de Bolama e assumirá pouco depois o cargo de Vigário-Geral. A presença missionária é verificável em Bolama, Bissau, Cacheu e Geba/Bafatá. Vale a pena destacar um trecho da Provisão de D. José Alves de Martins, bispo de Cabo Verde e da Guiné Portuguesa, com data de Outubro de 1926: “Mercê talvez do seu clima, do espírito belicoso das suas tribos, da influência islamática há séculos exercida entre eles, a verdade é que não conseguirá nunca radicar-se a influência cristã de um modo decisivo, nem antes do século XIX, quando a acção missionária era quase exclusivamente exercida pelas ordens religiosas, nem depois da grande crise religiosa que se deu em Portugal na primeira metade do século XIX, quando tal acção ficou a cargo do clero formado no Seminário Diocesano de Cabo Verde e dos missionários formados no antigo colégio das missões ultramarinas (…) resolvemos nós, de acordo com o excelentíssimo governador daquela colónia dotá-la com três missões centrais em Bolama, Cacheu, Bafatá ou Gabu”.
Segue-se o reconhecimento das dificuldades, acabaram por só ser criadas duas missões centrais em Bolama e Cacheu, sem prejuízo de haver paróquias missionárias em Bissau, Geba e Buba. E define-se o essencial do programa da ação missionária: o ensino obrigatório da doutrina cristã; o cumprimento das instruções pastorais; o ensino da língua portuguesa.

Temos assim cinco missionários franciscanos chegados a Bolama em 1932. Em Agosto desse ano, o padre Pedro Araújo escreve ao Núncio Apostólico, envia-lhe um estudo religioso geral da colónia, e não ilude as realidades: “Se cristão mesmo há nesta colónia eles são-no apenas pelo batismo” e identifica duas coisas que seriamente embaraçam o missionário: a heterogeneidade das tribos, cada qual com a sua língua, os seus costumes e características étnicas, o que impossibilita ao missionário de contactar todas as raças; e o imperativo do plano missionário franciscano passar pela fundação de uma missão central em meio indígena, seria aqui que se abriria uma escola de professor-catequistas. A missão central ficará sediada em Bula. Por essa época chegarão à Guiné algumas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas. O governador Carvalho Viegas irá manifestar-se muito crítico quanto à escolha da missão central em Bula, preferia o território dos Felupes.

O padre Pinto Rema lembra qual o dispositivo missionário na Guiné nessa década de 1930: 2 padres do clero diocesano, 2 padres das missões ultramarinas, 9 padres franciscanos, dois irmãos franciscanos e 14 irmãs da Congregação dos Franciscanos Hospitaleiros Portugueses.

O estado geral dos edifícios religiosos deixa muito a desejar. A igreja de Geba estava em ruínas, mas havia fé na população nativa, ofereceram pedras, madeira e demais material para a construção de uma nova igreja, que ficou concluída em 1934. É neste contexto de reedificações que é lançado o projeto de uma igreja na cidade de Bissau, a catedral será inaugurada em 1950.

Em 1940, o Vicariato-Geral da Guiné ficou independente da diocese de Cabo Verde, nomeou-se em 1941 o primeiro prefeito apostólico. E dá-se então uma nova organização das missões da Guiné. O autor refere as publicações periódicas correspondentes ao período em análise, algumas de curtíssima duração e até só de uma edição: Boletim Oficial, Pró Guiné, o Comércio da Guiné, 5 de Outubro, o Arauto. Aparece um número apreciável de estabelecimentos, o autor dá destaque ao colégio católico de Bissau e refere um projeto que se tornou emblemático na Guiné: o Asilo de Bor.

No próximo texto, derradeiro desta série, passa-se em revista a atividade franciscana na Prefeitura Apostólica, entre 1955 e 1973.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 18 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 22 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18766: Notas de leitura (1077): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (40) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18800: Notas de leitura (1080): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (7) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
Chegámos à penúltima etapa, a atividade missionária entre 1955 e 1973.
Em 1955, a Missão da Guiné Portuguesa foi elevada à categoria de Prefeitura Apostólica. É um período de construções e de intensificação da ação educativa e existencial. Em 1961, começa o refluxo missionário com a chegada de contingentes militares que ocupam instalações de muitas missões, e muitos missionários, por insegurança, abandonam lugares. Como observa o Padre Pinto Rema, a atividade missionária foi apanhada entre dois fogos, e dá o exemplo do Padre António Grillo, da Missão de Bambadinca, que ainda é recordado pelos muçulmanos e animistas de Bambadinca, Samba Silate e Nhabijões.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (7)

Beja Santos

Prevíamos ser este o texto derradeiro da necessariamente longa recensão à incontornável obra “História das Missões Católicas da Guiné”, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, 1982. Não será assim, haverá ainda um texto sobre as missões católicas na República da Guiné-Bissau.

O período ora em análise compreende 1955 até 1973. Temos agora os franciscanos na Prefeitura Apostólica. Com efeito, em 1955, a chamada Missão da Guiné Portuguesa foi elevada à categoria de Prefeitura Apostólica. D. Martinho Carvalhosa, franciscano português, é confirmado como Prefeito Apostólico. O gesto da Santa Sé coroava o esforço missionário dos últimos 15 anos. O autor descreve assim D. Martinho:  
“Sempre insatisfeito com os outros, ele está em toda a parte a dar palavra de ordem aos seus padres e religiosos e aos seus professores-catequistas. Como construtor de igrejas, de capelas, de residências missionárias e de escolas, os gerentes das casas fornecedoras de materiais, os administrativos da Guiné e os encarregados das obras estão-lhe constantemente no pensamento para lhes regatear preços e pedir descontos especiais em ajudas. Ele próprio empenha, em meados de 1954, ao Banco Nacional Ultramarino, o seu vencimento de 500 contos, depois de ter obtido autorização da Santa Sé e do seu conselho missionário”.

E segue-se ume esclarecimento importante:  
“Monsenhor Carvalhosa está a par dos movimentos subversivos, ainda subterrâneos, em 1955. Acompanhá-los-á de perto e com ansiedade, até à sua manifestação violenta na madrugada de 21 de Julho de 1961, no ataque a S. Domingos. Ele previu o que representavam as greves dos estivadores no cais do Pidjiquiti nos dias 6, 7 e 8 de Março de 1956 e os recontros então havidos com as forças da ordem, as organizadas debandadas para território estrangeiro (aliás sempre notadas pelo Superior da Missão de Bula em 1956 na sua área), a existência de certos grupos de orientação política e rácica e a rebelião do Sul contra os impostos”.

Monsenhor Carvalhosa regressa à metrópole em Setembro de 1962, sucede-lhe o Padre João Ferreira, que chega a Bissau no ano seguinte. Por razões de saúde, retira-se em 1965. Nas ausências dos Prefeitos Apostólicos tomou quase sempre conta do expediente da Circunscrição Missionária da Guiné o Padre Amândio Neto, franciscano português que chegara a Bolama em 1941.

Pois bem, os franciscanos da Província de Santo António de Veneza chegam a Bissau em 1955, logo entre eles D. Settimio Ferrazzetta, que irá ter um papel da maior importância na tentativa de reconciliação entre as partes em litígio no dramático período do conflito político-militar no fim do século. Até ao ano de 1969 a única congregação feminina que exerceu atividade na Guiné foi a das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição. Em 1969, a Prefeitura pediu ao governo da Guiné a entrada de mais uma congregação irmãs religiosas estrangeiras, as Missionárias Franciscanas do Coração Imaculado de Maria, com sede em Roma.

Um apontamento sobre a ação educativa. Em Julho de 1954, Monsenhor Carvalhosa escrevia: “Na Guiné é absolutamente certo que a diferença entre o indígena das nossas escolas e os assimilados é nula ou simplesmente mínima”. Um acontecimento político acabou por contribuir para a melhoria da ação educativa na esfera missionária. O Governador Melo e Alvim chega à Guiné no início de Janeiro de 1954 e logo se lançou nos preparativos da viagem do Presidente da República General Craveiro Lopes, que ocorreu em Agosto de 1955. Apareceu dinheiro e as obras começaram a sair dos alicerces. Escreveu então o Prefeito Apostólico: “Foi possível que durante 18 meses, em construções, movimento escolar, assistência e meios culturais as missões católicas avançassem 10 anos”. Mas as dificuldades eram inúmeras, como escreve Pinto Rema:  
“O pessoal docente era formado nas escolas das Missões de Bula e Bafatá. Os rapazes dali saídos não eram muitos nem possuidores de grande bagagem cultural. No entanto, tal pessoal docente era único capaz de se sujeitar a todos os ambientes e a trabalhar nas piores condições. A ausência de escolas de adaptação no Leste da província da Guiné explica-se pela extensão enorme daquela área, servida unicamente pelas missões de Bafatá e Bambadinca e sem meios de transportes capazes para a tal constante fiscalização, sempre necessária”.
Na ação assistencial, ganha relevo o histórico que o investigador apresenta acerca da leprosaria de Cumura.

Bastante interesse tem também o conjunto de notas que o autor intitula “As Missões da Guiné na conjuntura da guerrilha”. As instalações das missões vão sendo sacrificadas com a chegada de contingentes militares. Logo a Missão de Mansoa foi a primeira a ser sacrificada com entrega ao Exército do pavilhão acabado de construir, em Maio de 1961. O Governador Peixoto Correia pediu à Prefeitura, em Junho de 1961, a cedência de duas salas, do refeitório e dos sanitários da missão de Bula. Foi ocupada a escola missionária de Mansabá e também a Missão de Suzana foi ocupada em Outubro de 1961. Nesse mesmo mês, o comandante militar pede à Prefeitura o edifício das Missões de Catió e depois Teixeira Pinto, Bambadinca, Ingoré e Xitole. Tudo muda em Bissau com o êxodo provocado pela guerra e o autor descreve detalhadamente o funcionamento das missões neste período crítico. Dar-se-ão conflitos entre missionários e as Forças Armadas. Veja-se o exemplo da Missão de Bambadinca que atingiu diretamente um missionário altamente prestigiado e que trabalhava na área populosa de Samba Silate e Nhabijões. Vindo de férias em Abril de 1962, o Padre António Grillo vê-se entre dois fogos, guerrilheiros do PAIGC e Forças Armadas, os grupos comandados por Domingos Ramos já estão ativos. O Padre Grillo vê-se envolvido, é preso em Fevereiro de 1963 e recambiado para Itália. A Missão de Bambadinca é ocupada pelo Exército que nunca mais a abandonou. Pinto Rema explica que o mal funcionamento das escolas no mato é fenómeno anterior à chegada da guerrilha, mas o período de subversão a partir de 1962 alterou tudo. Falando ainda de Bambadinca, diz o autor que as escolas da Ponta do Inglês, Ponta Luís Dias, Finete e Santa Helena não abriram em Outono desse ano por falta de frequência dos alunos e por causa da intranquilidade da área. A guerrilha iria afetar profundamente a atividade missionária em todo o território, incluindo Bissau e os Bijagós.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 25 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18776: Notas de leitura (1078): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (6) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18790: Notas de leitura (1079): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (41) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22872: Notas de leitura (1405): "Descobrimento Primeiro da Guiné", por Diogo Gomes; Edições Colibri, Junho de 2002 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
A todos os títulos, a quem se interessa por este período da alvorada dos Descobrimentos Portugueses e do início da presença portuguesa na Guiné, é de recomendar esta obra que tem dois peritos com nome feito, Aires Nascimento e Henrique Pinto Rema, este sobejamente conhecido no blogue, pois fez-se largas referências ao seu incontornável livro sobre a História das missões católicas na Guiné. Diogo Gomes de Sintra, parece dado assente, narrou a Martim Behaim este espantoso relato, em tantos pontos coincidente com a descrição do projeto henriquino feito por Zurara. É uma narrativa com cunho muito próprio, fala-se das Canárias, Madeira e Açores, da Gâmbia, de Cantor, de Tombucutu e do Rio Geba. E parece também historicamente seguro que depois do massacre de Nuno Tristão e companheiros, o Infante D. Henrique e mais tarde o Infante D. Fernando e depois D. Afonso V curaram de usar uma política de diálogo e cooperação com as populações africanas. Com resultados assinaláveis, como se sabe, passou a prosperar o tráfico negreiro.

Um abraço do
Mário



Descobrimento Primeiro da Guiné, por Diogo Gomes de Sintra

Beja Santos

Diogo Gomes de Sintra faz obrigatoriamente parte da relação da literatura de viagens em torno da costa da Guiné, da Senegâmbia, entre outras paragens, já que na sua narrativa refere as ilhas da Madeira, dos Açores e das Canárias e mesmo o descobrimento do arquipélago de Cabo Verde. A edição crítica de Aires A. Nascimento e a introdução histórica de Henrique Pinto Rema enriquecem esta publicação a cargo da Edições Colibri, junho de 2002. Atenda-se ao que se escreve na contracapa: “Diogo Gomes de Sintra, almoxarife desta vila, é um dos homens da casa do Infante D. Henrique, por ele enviado em expedições de descobrimento. É o único navegador desse círculo a legar-nos apontamentos de memórias das navegações. A razão das suas notas envolve relações com Martin Behaim (da Boémia). Não tem sido pacífica a atribuição da autoria do texto que Diogo Gomes escreveu para o alemão e que nos ficou em testemunho do célebre Manuscrito Valentim Fernandes. (…) A nova edição, atendo-se aos critérios filológicos mais estritos, recupera na sua espontaneidade de testemunho escrito em latim para um estrangeiro, revelando particularidades menos atendidas anteriormente. Paralelo à Crónica da Guiné de Zurara, o texto de Diogo Gomes preserva o testemunho e as reações de um homem que tomou parte na aventura dos mares ocidentais”.

Oiçamos Pinto Rema:
“Estamos perante um dos primeiros textos dos Descobrimentos Portugueses. Mais tardio que a Crónica da Guiné de Zurara, e certamente sem a dimensão dela, constitui uma fonte histórica ímpar, pois nele a experiência conta mais do que o purismo da língua latina ou do que a retórica de gabinete. Enunciado o seu relato em primeira pessoa, Diogo Gomes de Sintra entrega-se na espontaneidade de quem não precisa de elaborar construções discursivas para deixar entender como vibra com a sua própria experiência”. Mais adiante, e sempre a propósito da autoria do texto, já que se cruzam os nomes de Diogo Gomes com Martim Behaim e Valentim Fernandes, observa ainda Pinto Rema: “Aduzem alguns autores que apenas Martim Behaim, e não Diogo Gomes, teria formação para escrever um texto em latim. Não parece que ao germânico se possam atribuir qualidades que faltassem ao sintrense”. Pinto Rema não tem quaisquer dúvidas de que a autoria da obra é de Diogo Gomes de Sintra, abonando a seu favor a expressão em primeira pessoa, os lusismos, impossíveis para autores estrangeiros, e a maneira como o autor se refere em eventos em que participou, para já não falar nas ligações ao Infante D. Henrique e a interpretação que faz das razões que levaram o Infante aos Descobrimentos. Ele foi testemunha ocular, reteve pormenores de iniludível valor: as trocas entre negros e portugueses na feitoria de Arguim; ouro proveniente de Tombucutu por troca; no Rio Grande ele próprio comprou seda, algodão, dentes de elefante e malagueta; no rio Gâmbia andou à procura de ouro em troca de tecidos e atingiu Cantor, que lhe deu informações sobre as caravanas de ouro. Exprime com clareza as razões que presidiam à ação do Infante, as comerciais, a procura de estabelecer relações com o Preste João, o estabelecimento de feitorias e a possibilidade de evangelização, ou seja, corrobora o que escreveu Zurara.

Passando ao conteúdo: ele principia pela conquista de Ceuta em 1415; refere as explorações marítimas de reconhecimento além do Cabo Bojador, e assim se chega à região da Costa da Guiné. Vale a pena dar de novo a palavra ao Padre Henrique Pinto Rema:
“Ao atual território da República da Guiné-Bissau, segundo a opinião geralmente aceite até há cinquenta anos, chega, em 1446, o navegador Nuno Tristão, que por segunda vez é mandado à Costa da Guiné. Os Sereres e os Barbacins receberam os cristãos com setas envenenadas, mataram-nos a todos e fizeram a caravela em pedaços. Anos depois, segundo recorda o autor, o rei Nomimans, isto é, o mansa (rei) de Nomi, presenteou Diogo Gomes com uma âncora da caravela destruída. O navegador gaba-se de ter sido o primeiro cristão que firmou com aqueles africanos um tratado de paz.
Segunda outra opinião, só em 1456 terá sido atingido o território da atual Guiné-Bissau. Nomeiam-se os mareantes italianos (ao serviço do Infante D. Henrique) Luís de Cadamosto, Antonioto Usodimare e escudeiros do Príncipe, em três caravelas, e Diogo Gomes, João Gonçalves Ribeiro e Nuno Fernandes da Baía, em outras três caravelas. Cumpriam ordens do Infante de avançar o máximo para o Sul. Diogo Gomes menciona o rio de S. Domingos, hoje com o nome de rio Cacheu, e o rio Fancaso ou Rio Grande, hoje com o nome de Rio Geba.
O relato de Diogo Gomes testemunha as tentativas de encontro pacífico dos portugueses com outras raças e religiões”
.

O padre Rema lembra ainda que esta obra se insere numa série de textos que se completam e explicam mutuamente: a Crónica dos Feitos da Guiné, de Zurara, Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra, o Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, o Itinerarium, de Jerónimo Munzer e a miscelânea do Códice Valentim Fernandes.

O texto de Diogo Gomes de Sintra é do estilo narrativa, abre com o plano henriquino e as viagens do seu tempo; usa um estilo muito pessoal, diz Ptolomeu se enganou acerca da divisão do mundo, os navegadores descobriram que era tudo diferente, havia terra habitada por negros e “então grande multidão de gente que custa a acreditar; a parte meridional está coberta de árvores e de frutos, ainda que os frutos sejam de natureza fora do comum e as árvores sejam de tal grossura e tão altas que não dá para crer. Sem mentir digo que vi uma grande parte do mundo, mas nunca vi coisa semelhante a esta”; refere as viagens de Nuno Tristão, como se navegou diretamente até Cabo Verde (ponto continental de África), até à região dos Sereres, onde foram trucidados; descreve a viagem em que chegaram à Guiné, passaram o rio de S. Domingos e o rio Grande, aqui se parou, “E não passámos além por causa das correntes de mar. E quando veio a maré vazante aconteceu-nos o mesmo que antes e assim tivemos que regressar aonde tínhamos saído. Tomámos terra num lugar perto da praia. Fomos ali e descobrimos uma terra espaçosa cheia de feno. Naquele campo, vimos mais de cinco mil miongas (espécie de antílopes) como se diz na língua dos negros, são animais um pouco maiores que veados. Ali vimos saírem de um pequeno rio, coberto de árvores, cinco elefantes. Descobrimos na praia do mar muitas tocas de crocodilos. E regressámos às naus”; seguem-se outros relatos, que envolvem a Gâmbia, Cantor, Tombucutu, Arguim; fala do eterno Infante D. Henrique e das expedições armadas ao tempo de D. Afonso V, com idas às Canárias, Açores e Madeira. Um relato deslumbrante, mais um documento precioso para estudar a alvorada da presença portuguesa na Costa da Guiné.

Costa da África e da Guiné até à ilha de São Tomé (Fernão Vaz Dourado, 1571) (ANTT, Lisboa).
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22861: Notas de leitura (1404): Joaquim Costa, "Memórias de guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina. Guiné: 1972/74", Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp. - Parte I: "E tudo isto, a guerra, para quê ? Não sei"...

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21485: (In)citações (171): Frei Henrique Pinto Rema, OFM, hoje com 94 anos, Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique (2018), autor da "História das Missões Católicas na Guiné" (1982) (João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, Nova Iorque)


Portugal > Presidência da República > Palácio de Belém > 9 de outiubro de 2018 > Frei Henrique Pinto Rema, OFM,  foi condecorado pelo Presidente da República Portuguesa com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique. “Em nome de Portugal, o seu Presidente agradece ao P. Rema o contributo precioso e longo que vem dando ao Povo Português com o seu intenso labor literário, através deste gesto simbólico”.

Dele escreve Frei Frei Armindo Carvalho, Ministro Provincial da Ordem dos Frades Menores (OFM), vulgo Franciscanos (que teve pelo menos 7 capelães militares no TO da Guiné, entre 1961 e 1974):


(...) Membro da Academia de [História], vem sendo solicitado para conferências e estudos de história. Com agrado geral, e sempre com uma “pitadinha” de bom humor, as suas palestras prendem o público e encantam. Colaborador em várias publicações, salienta-se em particular nos seus conhecimentos sobre a vida e obra de Santo António de Lisboa, particularmente condensadas em “Obras Completas de Santo António de Lisboa”, em 2 Volumes, da sua autoria.

Rema é referência obrigatória em Portugal e Europa para falar de Santo António. Possuidor de uma memória muito feliz, é encantador ouvi-lo conversar sobre assuntos relacionados à cultura e a História. É ele o cronista oficial da Província Portuguesa da Ordem Franciscana, retendo uns milhares de páginas escritas sobre os frades de Portugal e suas vidas." (...)


Fonte: OFM Portugal (com a devida vénia...)

1. Mensagem de João Crisóstomo,  régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, na sequência do Poste P21425 (*)


Date: quinta, 8/10/2020 à(s) 15:46
Subject: De Nova Iorque
 

 Caro Luís Graça,

Vejo com muita satisfação, o grande  número de publicações e trabalhos   sobre assuntos relacionados com a Guiné, para os quais  a sua apresentação no blog  tem contribuído para deixarem de ser  "luz debaixo de alqueire" . 

Neste contexto, sem saber avaliar a sua  importância (ou não)  mas como está relacionado com a Guiné,  lembrei-meu de te enviar o que segue, pois talvez tu ou o Beja Santos ou alguém dentre os muitos que têm escrito sobre a Guiné, possa aproveitar a informação  e fazer mais alguma investigação  se houver interesse para isso.

Neste caso trata-se de um padre franciscano e, como muito apropriadamente mencionaste, o nosso blogue é laico. Mas o facto de ele ser padre não quer dizer que os seus trabalhos não possam servir como fontes de informação.  

Tratam-se de alguns trabalhos de  Frei Henrique Pinto Rema,  de quem tenho ouvido falar. O que sabia dele era pouco, excepto que esteve na Guiné e que -  vai  fazer  amanhã dois anos ( 9 de outubro de 2018)  -   foi condecorado pelo Presidente da República  com o Colar da Cruz de Cristo e Comenda da Ordem do Infante D. Henrique.

 O intuito da minha aproximação era tentar obter alguma informação  sobre os capelães militares fanciscanos  ( num total de sete ) que me mencionaste   há dias, no Post 21425, de 6 de Outubro.

 Não foi desta vez que consegui esses resultados, mas isso só quer dizer que terei de continuar. Quando uma porta se fecha, entra-se pela janela… o importante é não  desistir. 

Não consegui agora directamente o que procurava, que a sua idade (94 anos, feitos há dias , a 23 de Setembro) leva-o agora a pensar duas vezes antes de aceitar novos envolvimentos. Mas recebeu o meu pedido com a maior boa vontade e vim a saber de alguns envolvimentos seus com a Guiné.

Alguns tópicos do seu vastíssimo currículo:

(i) Foi  Secretário da Prefeitura Apostólica  de 1965 a 1974 [e portanto estava lá  durante os dois anos  que eu  estive na Guiné ( 1965/ 1967); mas  na altura, recentemente saido do seminário,  o que eu queria era voltar são e salvo a Portugal e  nunca contactei com  ninguém];  

(ii) Lecionou várias disciplinas no Liceu Honório Barreto de Bissau e publicou artigos no  Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, de 1968 a 1974. 

(iii) Publicou uma "História das Missões Católicas da Guiné",  primeiro no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa  e depois na Editorial Franciscana de Braga, em 1982 , com 994 pp.; (**)

(iv) Participou  no Colóquio Histórico de Bissau em Dezembro  de 1997 com duas comunicações: Encontro da cultura cristã portuguesa com a cultura africana da Guiné; e Aculturação e Inculturação na gesta dos descobrimentos portugueses…

(v)  É o autor das "Obras Completas de Santo António", 2 volumes, Porto, Lello Editores, 1987, 2136 pp. (Coleção: Tesouros da Literatura e da Historia);

Bom, é tudo o que sei, mas como disse, se alguém quiser investigar…aqui estão as fontes ou as pistas; talvez os seus trabalhos possam ser informativos…  (***)

João Crisóstomo

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(**) Vd. poste de 9 de julho de  2018 > Guiné 61/74 - P18829: Notas de leitura (1082): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (8) (Mário Beja Santos)(**) 

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
O apanhado de notas que se segue tem a ver com um período de definhamento da missionação na costa da Guiné. No essencial, nos reinados de D. João V e de D. José I a história missionário-portuguesa teve o seu ponto alto não em África mas no Brasil. As obras aqui citadas dão conta, e sem nenhum sofisma, que os missionários eram de muito má qualidade e tentados pelo comércio. Como se pagava mal aos militares, ninguém queria ir para estas praças, fora buscar cadastrados. Quando lemos o documento extraordinário de Honório Pereira Barreto com a sua memória da Senegâmbia, num outro período atribulado do século XIX, compreendemos o seu pesar quando refere a péssima qualidade da gente que arriba à costa da Guiné para administrar, praticar justiça, comandar tropas e até falar das coisas de Deus.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (4)

Beja Santos

Na sequência de recensões que se tem vindo a apresentar sobre uma obra incontornável da missionação na Guiné, História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982, procura-se uma síntese do período que compreende o absolutismo até ao liberalismo.

Recorde-se que no reinado de D. João V e depois da figura determinante de D. Frei Vitoriano Portuense foi nomeado bispo de Cabo Verde D. Frei José de Santa Maria de Jesus, sagrado bispo de Cabo Verde em 1721. Veio acompanhado de dois clérigos, o Dr. Manuel Leitão e António Henriques Leitão, ambos estiveram na Guiné como “visitadores”. O bispo foi à Guiné em 1732, em Farim sobreveio-lhe grave enfermidade nos olhos que o deixou cego.

O autor descreve o martirológico dos franciscanos na Guiné, do século XVII para o século XVIII bem como enumera as baixas devidas ao clima pestífero. Em comentário à ação dos missionários franciscanos desta época, o historiador José Christiano de Senna Barcelos, em Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, Volume I, escreve: “Estabelecidas as sedes das missões em Cacheu e em Bissau, delas (os prelados de Cabo Verde) destacavam arrojados padres missionários para o Norte e para o Sul, penetrando pelo sertão até às tribos mais indomáveis; com a cruz ao peito, esse símbolo da paz, avançavam tranquilos”. E escreve mais adiante: “Foi com a cruz que conquistámos toda a Guiné, e fio à sombra dela que edificámos igrejas em Ziguinchor, Farim, Geba, Rio Nuno, Pongo, Gâmbia e Serra Leoa; que se construíram fortalezas e que se permitiu a navegação fluvial. Com a cruz edificámos e avançámos a passos gigantes para o sertão; Com a espada temos demolido e retirado, com os mesmos passos, para a beira-mar. É a diferença”.

Quanto à decadência da missão franciscana, escreveu Francisco Roque Sotomaior, em 1753, um documento endereçado ao governo de Lisboa:
“Ultimamente, não posso deixar em silêncio ser também causa de muitas perturbações nesta ilha a licenciosa vida de alguns padres missionários, que, fiados no hábito de S. Francisco, fazem dele escudo para continuar o exercício de mercadores tratantes, sem cuidar na sua obrigação, além de buscar motivos para amotinar o gentio”.

António Vaz de Araújo assina em 2 de Novembro de 1778 na “Relação das Praças que Sua Majestade tem na Costa da Guiné” as de Cacheu, Farim, Ziguinchor, Bissau e Geba, não há qualquer referência à Serra Leoa e à Gâmbia. É que se a Senegâmbia Portuguesa avançasse para as fronteiras que foram negociadas com os franceses. A fiarmo-nos nos dados, em 1819, povoavam os estabelecimentos portugueses da costa da Guiné um total de 4419 pessoas, e entre elas havia três eclesiásticos em Cacheu e um em Ziguinchor.

Dir-se-á que houve uma tentativa de ressurgimentos das missões na Guiné no final da década de 1820, mas sem sequência. As Ordens Religiosas em Portugal estavam moribundas. Aguardavam o golpe de misericórdia que lhes deu o liberalismo em 1834.

Apreciando a decadência das missões no final do século XVIII, o franciscano padre António Joaquim Dinis escreve: “As ordens religiosas em Portugal que, durante séculos deram provas de grande fervor, de trabalho heroico na construção do nosso Império, de dedicação a Deus e à pátria, cansaram, entraram em decadência franca nos finais do século XVIII. Primeiro, reduzidos, depois totalmente suspendidos, foi golpe mortal, vibrado na assistência religiosa e na missionação das nossas possessões ultramarinas. Direi mais: fizeram falta à manutenção da vida social e política do Ultramar".

Estamos agora no liberalismo e escreve Henrique Pinto Rema:
“Enquanto na metrópole os conventos regurgitavam de pessoal, as desmanteladas casas que os franciscanos mantinha, por exemplo, na diocese de Cabo Verde, eram ocupadas por uns tantos, poucos, indesejáveis e aventureiros, propensos à bebedeira e à violência, mais dedicados ao comércio do que ao doutrinamento do povo. Mutatis mutandis, idêntico fenómeno se passava com os civis europeus chegados a essas bandas: ou eram negreiros, com o seu vil e lucrativo comércio, ou eram cadastrados, como aqueles que em 1805 o comandante da capitania de Bissau, Manuel Pinto de Gouveia, trouxe do limoeiro e das cadeias de Cabo Verde com o fim de guarnecer a praça. O pernicioso clima e o pagamento atrasado dos soldos, que sempre foram mais baixos que em outras províncias, não convidam homens honestos e trabalhadores”.

Por esta altura, a ação missionária na Guiné estava reduzida a três freguesias: Bissau, Cacheu e o presídio de Farim. Confiados a três sacerdotes de cor. Na terra firme da Costa da Guiné possuíamos as praças de Bissau e Cacheu, sedes de conselho, compreendendo o primeiro o presídio de Geba, o Ponto de Fá e a Ilha de Bolama; O de Cacheu estendia a sua influência pelos presídios de Farim, Ziguinchor e Bolor. Pertenciam ainda à Coroa Portuguesa comprados por Honório Pereira Barreto o Ilhéu do Rei, chamado Nova Peniche, mesmo em frente de Bissau, e o porto de Gonzo, no interior do rio Casamansa. Estas praças, presídios, pontas e ilhas teriam de três a quatro mil habitantes entre brancos, pretos livres e escravos, segundo Christiano Senna Barcelos.

Com a Convenção Luso-francesa de 15 de Maio de 1886 perdemos Ziguinchor mas a província da Guiné terá crescido de 11 mil para 36 mil quilómetros quadrados. Estava lançado o desafio da ocupação do território, como prescrevia a Conferência de Berlim. Em 1891, só tínhamos seis pontos definitivamente ocupados: a Ilha de Bolama, as praças de Bissau, Cacheu e Buba e os presídios de Farim e de Geba. Tudo vai mudar radicalmente no final do século, mas será necessário esperar que o Capitão Teixeira Pinto para que se registe formalmente a aceitação da soberania portuguesa. É neste contexto que a missionação vai conhecer avanços e recuos e que o seu estatuto ficará mais aclarado com o Estado Novo.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 4 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18707: Notas de leitura (1072): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18722: Notas de leitura (1073): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (38) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18707: Notas de leitura (1072): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Prossegue a súmula dos principais eventos da missionação portuguesa na Guiné, graças a essa obra ímpar que ainda se pode adquirir, está longe de esgotada.
Com a Restauração, redobraram-se os esforços no envio de missões a partir da Missão de Cabo Verde e Guiné. Recorde-se que ninguém usava uma expressão inequívoca para falar da região. Todos se procuravam entender a ela se referindo como a Costa da Guiné, território que ia desde o Sul do Senegal até à Serra Leoa. O ponto de chegada era Cacheu, mas em Guinala, no Rio Grande de Buba, já havia igreja e a expressão cristãos de Geba era bem conhecida a tal ponto que quando estes cristãos foram transferidos para Farim constituíam a maioria daquela pequena cristandade.
Quem se interessar por esta vertente da história missionária tem ao seu dispor um relato extraordinário que é o livro de Frei André de Faro, uma autêntica peregrinação com cunho acentuadamente religioso, e a edição de 1974 de Avelino Teixeira da Mota sobre as duas viagens de D. Frei Vitoriano Portuense.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (3)

Beja Santos

Continuamos a sintetizar os aspetos fundamentais de um livro ímpar sobre a presença missionária portuguesa num território outrora designado por Senegâmbia, Costa da Guiné, rios de Guiné de Cabo Verde, entre outros crismas: “História das Missões Católicas na Guiné”, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982.

Chegados à Restauração, o fundador da Casa de Bragança procurou estimular a presença de religiosos portugueses onde outrora se implantara uma crescente missionação espanhola. Em 1656, ano da morte de D. João IV, deliberou-se enviar para a Missão de Cabo Verde e Guiné oito franciscanos capuchos que se tinham oferecido. Os Capuchos chegam a Santiago em 1657, tendo dois deles partido para a Guiné em 1660. Escreve Frei André de Faro que eles foram os primeiros que edificaram hospícios do Orago da Piedade na povoação de Cacheu, um dos capuchos foi para o reino do Banhuns e outro para o reino dos Cassangas: “Andando sempre pregando por todas as povoações e rios da Guiné, passando a Serra Leoa e dela voltando até toda a costa da Guiné, gastando muitos anos neste ministério, vendo-se tantas vezes tão perto da morte”. Ambos deixaram memórias escritas, documentos de enorme valia para o estudo desta missionação.

Em Março de 1663 teve lugar a segunda leva missionária que seria contada ao pormenor por Frei André de Faro, um dos seus protagonistas. É consenso dos historiadores que se trata de um extraordinário relato de aventuras, ardoroso, com o sabor de uma peregrinação africana sem paralelo. Os Capuchos chegam a Cacheu em Março desse ano. Frei André parte para o Rio de Nuno, no mês seguinte, “porque quem delibera a servir a Deus salta dificuldades, atropela dúvidas e vence impossíveis. E como a covardia nunca foi vista nem ouvida, tomei alento”. Em Junho, depois de uma passagem por Bissau, encaminha-se para a Serra Leoa. Escreve em Tombá: “Quantos sacerdotes andam ociosos no reino de Portugal, onde neste largo campo puderam fazer grandes serviços a Deus e acudir a tantas almas necessitadas de remédio. Alguns sacerdotes arriscam muito a sua salvação, entregando-se no vício na preguiça”. Entusiasmado, procede a conversões, a despeito da hostilidade dos ingleses, bastante presentes na região. Os nativos, regra-geral, recusam abandonar os seus chinas (ídolos) e não aceitam a conversão. Em Maio de 1664 entra no Rio Grande de Buba. No Rio Grande, em Guinala, havia já igreja, de palha e paredes de barro. Regressa a Bissau e parte para Cacheu, onde havia um capucho no Hospício da Piedade. Pensa ir converter no reino dos “Balantes”, mas adoece, regressa a Portugal, e faleceu em Beja em 1678.

A missão franciscana começa a empurrar por volta de 1670. Em Cacheu foi onde houve praticamente a primeira cristandade. Havia aqui muita gente devota de Nossa Senhora do Vencimento. Farim, a segunda povoação portuguesa na Guiné naquele tempo, formara-se com os moradores de Geba. Os cristãos de Geba, mudados para Farim, eram às vezes em maior número que os da povoação de Cacheu. Em Farim foi construída uma igreja em honra de Nossa Senhora da Conceição, reduzida a cinzas num pavoroso incêndio, em 1701.

Bissau possuía comerciantes brancos, no princípio do século XVII, e sobre o lugar escreve Francisco Lemos Coelho, nascido em Bolola: “O porto de Bissau é o melhor para viverem os brancos de todos quanto há naquelas partes; a terra mui sadia e mui lavada dos ventos, mui abastadiça de mantimentos e carne”.

É neste contexto que surge uma outra figura ímpar da missionação, o bispo D. Frei Vitoriano Portuense. Se a fundação do hospício de Bissau data de 1683/1684, o bispo ajudou à edificação da primeira igreja de Bissau, em 1690. Henrique Pinto Rema vai registando os marcos de cristandade no Rio Grande de Buba (que chegou a ter mais importância e feitoria do que Cacheu), e a Cristandade do Rio Nuno e a da Serra Leoa. Mais à frente, passa em revista as visitas pastorais de D. Frei Vitoriano Portuense, que já era uma distintíssima personalidade na evangelização de Cabo Verde. D. Frei Vitoriano deslocou-se por duas vezes à Costa da Guiné.

Acerca de primeira visita existem dois preciosos relatos. Assina o primeiro o próprio protagonista, depois de regressar a Santiago, em Julho de 1694; o segundo é da responsabilidade de um familiar de D. Frei Vitoriano, António Rodrigues da Costa. Em 1974, Avelino Teixeira da Mota publicou as viagens deste bispo à Guiné e a cristianização dos reis de Bissau. É outro documento ímpar, o acervo informativo. É graças à documentação destas viagens que sabemos da conversão do rei Becampolo Có, assunto que levou à troca de correspondência entre este rei guineense e o rei português. O bispo visitou Geba, Cacheu, Farim e Bolor. A primeira viagem foi um êxito, a segunda um longo rol de dissabores. Sobre este prelado escreve Senna Barcelos, uma das maiores autoridades no estudo das comissões portuguesas: “Se ainda hoje contamos a Guiné nos nossos domínios de além-mar, essa glória cabe tão-somente ao bispo D. Frei Vitoriano, o qual consumiu os melhores dias da sua vida naquele mortífero clima, convertendo ao cristianismo milhares de gentios, não só com o fim de lhes purificar a alma, mas também como meio de dilatar as nossas conquistas. Esse bispo seguiu ainda as nobres tradições dos frades missionários que por lá foram desde 1604, muitos dos quais por ali faleceram, não pelas setas envenenadas dos gentios, mas por culpa do governo, que não lhes dava o necessário."

Estamos numa nova fase de refluxo e vai entrar em cena o clero regular, a segunda vaga missionária franciscana ainda está longe.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 28 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18688: Notas de leitura (1070): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 1 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18700: Notas de leitura (1071): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (37) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18659: Notas de leitura (1068): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
O trabalho deste franciscano é o mais importante sobre a história da missionação na Guiné. Não é uma história risonha, iremos detetando obstáculos logo entre o século XV e XVI, os missionários encontravam muçulmanos indefetíveis, vinham impreparados para resistir àquele clima mortífero, a presença do colonizador era diminuta e o traficante de escravos de modo algum se podia relacionar bem com esses missionários que pretendiam batizar os nativos.
Teremos que ir forçosamente por partes, a trama é naturalmente complexa e enorme, estou seguro que quem se interessa pelo tema encontrará neste relato um investigador dotado de uma enorme capacidade de surpreender.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (1)

Beja Santos

Em 1982, a Editorial Franciscana, Braga, dava à estampa aquele que é mais importante documento histórico sobre a missionação católica na Guiné, do século XV ao século XX. O padre franciscano Henrique Pinto Rema conheceu perfeitamente a Guiné e começou a publicar o produto da sua investigação no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, ainda na década de 1960, continuou as suas investigações nos anos seguintes e a obra publicada em Braga é seguramente o documento mais abalizado para o conhecimento da missionação católica.

O livro abre com a evangelização da Guiné entre 1434 e 1533. Explica pormenorizadamente o projeto henriquino e como este deu um passo decisivo com a ultrapassagem do Cabo Bojador em 1434. O Infante D. Henrique fez acautelar o seu projeto através da chancela de Roma. Assim, pela Bula Romanus Pontifex (8 de Janeiro de 1454), Nicolau V confiou ao Infante a conquista, ocupação e apropriação de todas as terras, portos, ilhas, mares, desde os cabos Bojador e Não até à Guiné, com poder de legislar e impor tributos e penas, invadir, conquistar e ocupar terras de mouros e pagãos, edificar mosteiros e igrejas com privilégio de padroado. A Bula Inter Cetera, de Calisto III, datada de 13 de Março de 1456, insiste na entrega à Ordem de Cristo da “espiritualidade nas ilhas, vilas, portos, terras e lugares desde os cabos de Bojador e Não até por toda a Guiné”. A Bula Dum Fidei Constantium, de Leão X (7 de Junho de 1514) em que se reserva ao rei de Portugal e dos Algarves todas as igrejas e benefícios eclesiásticos, desde os cabos Bojador e Não até aos índios, ficando sujeitos à jurisdição canónica do Vigário e Santa Maria de Tomar.

Analisando o problema da escravatura, Pinto Rema recorda que o Batismo era a primeira porta que se abria para obter o estatuto de negro forro. São muitas as referências nas Crónicas onde encontramos menções aos pretos forros. Está perfeitamente documentado que os missionários, designadamente a partir do século XVIII estiveram na vanguarda da batalha contra a escravatura. Todo este processo está perfeitamente documentado, e assim chegamos ao Marquês de Sá da Bandeira que em Dezembro de 1836 por decreto pôs termo ao tráfico de negros em todas as possessões portuguesas. Em 3 de Novembro de 1856 foi abolido completamente o trabalho forçado dos escravos; em 1876, a abolição da escravatura era um facto assente.

Entremos agora propriamente na missionação da Guiné. Religiosamente, a Guiné estava muçulmanizada ao Norte, pelo contacto com os mercadores do rei de Túnis, e era cada vez mais idólatra à medida que se avança para o Sul. Esta idolatria aparece ricamente documentada nos depoimentos, entre outros, de Valentim Fernandes, Jerónimo Münzer, Luís de Cadamosto.

Havia falta de religiosos por causa da extensão do território bem como pela extrema pobreza dos habitantes, é assim que observa Pio II em Outubro de 1462. Em Dezembro desse ano, o franciscano Frei Afonso de Bolando foi nomeado prefeito da missão da Guiné, com direito de “escolher quaisquer religiosos e pessoas para tal necessárias”. Mas só chegou à costa Ocidental africana muito depois, na década de 1470. O autor comenta que a escolha não terá sido a mais correta numa altura em que havia já um profundo diferendo entre as coroas portuguesa e castelhana quanto à natureza da missionação. Nesta época, já os portugueses tinham atingido o fundo da Serra Leoa e encontrado as ilhas do arquipélago de Cabo Verde. Os territórios desde os cabos Bojador e Não até ao Sul da Serra Leoa formavam a “província da Guiné”.

O autor resume a missão à Guiné com a chegada dos franciscanos e que se revelou ineficaz por diferentes razões: clima mortífero, o isolamento em que viviam os missionários, as dificuldades sentidas como inultrapassáveis criadas pelos prosélitos do islamismo, a dificuldade de penetrar em terras selvagens e inóspitas. Por motivos idênticos se tornaram ineficazes as expedições dos missionários dominicanos a Benim e ao Senegal em 1487 e 1488 respetivamente.

Uma carta de D. João III a Clemente VII, datada de 20 de Maio de 1532, pedia-se a elevação da diocese do Funchal a sede metropolitana. Ficar-lhe-iam sufragâneas as dioceses dos Açores, Cabo Verde e Guiné, S. Tomé (Costa da Mina e Congo) e Goa. Esta petição real foi deferida. A criação do bispado em Santiago que iniciou uma nova era na missionação do arquipélago de Cabo Verde e Guiné.

O primeiro testemunho da criação de uma igreja em território onde de facto havia presença portuguesa foi a igreja de ilha de Goreia, hoje Senegal. Cerca de 1456, Diogo Gomes consegue chegar à fala com o poderoso rei Nominans, chefe do país de Barbara, ao Norte da embocadura do rio Gâmbia. Este escreveu ao Infante D. Henrique para pedir um sacerdote e que se batizasse toda a gente. Desconhece-se o êxito evangelizador junto deste rei.

O rei Bemoim, da região de Jaloph, entre os rios Senegal e Gâmbia, manifestou interesse em ser batizado, veio até Lisboa onde foi batizado com pompa e circunstância tendo como padrinhos a família real, regressou ao seu reino numa armada comandada por Pêro Vaz da Cunha, pretendia-se construir uma fortaleza na foz do rio Senegal. Por razões não explicadas, tudo acabou por terminar mal, Pêro Vaz da Cunha matou D. João Bemoim à punhalada, a explicação que deu a D. João II foi de que havia suspeita de traição, o rei reprovou-o, a fortaleza não se construiu.

Desde a primeira hora que se conhece a expressão “grumetes” da Guiné, eram os naturais que a partir do momento em que eram batizados se consideravam brancos. Este conceito terá um grande peso na figura do grumete e na história da precária missionação que aconteceu na Senegâmbia e depois na Guiné Portuguesa.

Em jeito, de conclusão foram magros os frutos de evangelização colhidos na Guiné durante o primeiro século, depois de 1434, quando Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador, até 1533, ano da criação da diocese de Cabo Verde e Guiné. Por razões facilmente explicáveis, a evangelização em Cabo Verde foi um sucesso total. E dentro dos limites do atual território da Guiné-Bissau nada de especial se construiu. Henrique Pinto Rema vai analisar seguidamente as primeiras missões da costa da Guiné, entre 1533 e 1640.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18649: Notas de leitura (1067): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (35) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23359: Notas de leitura (1456): Os Jesuítas na Senegâmbia, os personagens de um insucesso (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Não foi por acaso que a título excecional se detalhou no blogue a "História das missões católicas da Guiné", pelo Padre Henrique Pinto Rema. Bom seria que dispuséssemos de vários contraditórios: o que era efetivamente a presença do islamismo naquelas paragens quando ali arribámos em meados do século XV; é facto que há relatos, e muito esclarecedores, das práticas animistas naquilo que se convencionou chamar a Grande Senegâmbia, a antropologia, a etnologia e a etnografia têm efetuado importantes trabalhos sobre práticas animistas quer no continente guineense quer na área arquipelágica. Já o padre Pinto Rema na sua obra incontornável acima referida dava conta dos inúmeros escolhos que se punham à atividade missionária, o clima, a hostilidade dos traficantes de escravos e outros mercadores, a ignorância das línguas nativas, a solidão. Tudo dificultava a construção de igrejas e a catequização. O diálogo religioso com a comunidade islâmica era impossível, vivia-se em intolerância; e a perseguição aos ídolos revelava-se totalmente ineficaz. Os franciscanos foram os mais persistentes, os jesuítas vieram cheios de entusiasmo, morreram quase todos. Um deles, o padre Manuel Álvares, deixou-nos um documento sobre esse território que era conhecido como a Etiópia Menor que, estranhamente, nunca passou de manuscrito. Coisas da cultura ou da incúria cultural.

Um abraço do
Mário



Os Jesuítas na Senegâmbia, os personagens de um insucesso

Beja Santos

Fez-se referência no blogue, e de modo exaustivo, à obra fundamental de ação missionária na Guiné, “História das missões católicas da Guiné”, pelo Padre Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, 1982. O padre Pinto Rema referiu-se à presença dos jesuítas, convirá dela dar mais algum detalhe. Uma das figuras fundamentais é o padre Manuel Álvares. Convém não confundir o missionário com o gramático. Sobre a obra do gramático, recomenda-se a leitura do artigo “A época e a obra de Manuel Álvares”, por Rui Nepomuceno, Revista Islenha, n.º 45, dezembro de 2009. Era também jesuíta e ficou especialmente conhecido pelo seu trabalho modelar como gramático. Este padre Manuel Álvares de que vamos falar foi estudado por Manuel Pereira Gonçalves, ele apresentou uma comunicação intitulada “Atividade e obra do padre Manuel Álvares nos rios da Guiné (século XVII), alguns apontamentos”, no Congresso Internacional de História, Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas, consta das Atas, volume I, Cristandade Portuguesa até ao século XV, Evangelização Interna, Ilhas Atlânticas, África Ocidental, Universidade Católica, 1993.

Manuel Álvares chegou à ilha de Santiago em 1607 e pouco depois partiu para o continente africano para ajudar o padre Baltazar Barreira, que aqui missionava desde 1605. Álvares de Bissau seguiu para Quínara e depois para a Serra Leoa, ia ao encontro do padre Baltazar Barreira que aqui andava em catequização. O autor deste trabalho enfatiza as principais razões do insucesso deste trabalho de missionação: o clima é devastador, os missionários morrem como tordos, dois logo em 1604, mais dois em 1607 e mais dois em 1608. Quando chegam para missionar já os Mandingas ensinavam o Corão. Acresce que os jesuítas não conheciam as línguas nativas. O bispo em Cabo Verde insistia em mandar visitadores, tentava-se assim estimular a missionação, mas eram visitas inúteis. Para além da região muçulmana, os missionários defrontavam-se com o animismo e o seu cortejo de idolatrias. Como no passado, e até no presente, o africano animista explica o sucesso ou insucesso da sua vida e das suas atividades pela proteção do Irã. E havia uma outra condicionante bem terrível: o isolamento. A vida religiosa só se compreende quando vivida em comunidade, mesmo os Trapistas vivem em comunidade e com regras. Ora estes religiosos, sacerdotes e irmãos auxiliares, iam na disposição de construir igrejas e sentiam que naquele deserto humano não havia ninguém com quem pudessem manter um diálogo. Numa tentativa de ultrapassar esta situação, o padre Baltazar Barreira pediu ao seu superior Provincial que enviasse para a Missão da Serra Leoa pelo menos dois sacerdotes que dessem continuidade ao seu trabalho.

Nove dias após a chegada a Santiago, o padre Manuel Álvares acompanhado pelo Irmão Pedro Fernandes parte para o Rio Grande. Mais tarde, assistiu ao batismo da irmã e do irmão do rei D. Filipe de Leão, rei da Serra Leoa. Baltazar Barreira considerou que foi o casamento católico do irmão que moveu a irmã a receber o batismo. Como havia o receio de que vivendo no meio de pagãos podia perder a fé, a irmã do rei teve de abandonar o local onde vivia. Quem estiver interessado em estudar esta matéria com mais profundidade, recomenda-se a Monumenta Missionária Africana, Padre António Brásio, volume IV, a partir da página 621. Os jesuítas enviaram quinze sacerdotes ao todo, quase todos morreram. Ainda se exerceu missionação no Cacheu, que tinha uma igreja com clero diocesano e religioso e uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Natividade. Eram muito poucos os templos no território do que é hoje a Guiné, Santa Cruz no Rio Grande teve uma igreja dedicada a Nossa Senhora, durante bastante tempo houve um clérigo que lá ia dizer missa.

Um dos mistérios da histografia missionária e dos estudos do colonialismo é nunca a obra deste padre ter passado do manuscrito, Ethiopia Menor e Descripção Geographica da Provincia da Sérra Leõa, é considerado um trabalho de referência, incompreensivelmente não está acessível ao público. O padre Manuel Álvares discreteia sobre muitos assuntos, um deles tem a ver com o catecismo, seguramente que o preparou para a sua ação missionária. Tem aspetos curiosos, vale a pena citá-los:
“Os céus, apesar de incorruptos, imperfeitos, eternos, independentes, não foram feitos por si mesmos. Receberam de alguém o seu ser. É a primeira causa criadora. Também as estrelas, os planetas e todas as coisas deste mundo tiveram a sua primeira causa criadora. Nada há que não tenha um princípio e que não remonte a sua existência à primeira causa”. Mais adiante:
“O homem atingirá o dom da imortalidade por raro privilégio de Deus, ainda que não o possamos atingir pela própria natureza. A imortalidade do homem só é pela Providência Divina, é Deus que o encaminha para o fim sobrenatural; e ao homem não é dado o prémio nem o castigo antes de morrer”.

Porque não se salva o gentio a quem não foi anunciada a mensagem evangélica? O padre Manuel Álvares é da opinião que se tiverem vivido segundo a lei natural serão salvos. E porquê? Desde que tenham adorado quem os criou; tenham falado verdade, não tenham cobiçado o alheio; tenham guardado respeito pelo alheio; não tenham prejudicado em nada o que é dos outros; tenham usado com fidelidade aquilo que lhes pertence; tenham sido fiéis a todos os princípios, mesmo os matrimoniais.

O padre Manuel Álvares morreu em 1617. No século XVII, é possível que um ou outro sacerdote jesuíta tenha, em viagem esporádica, passado por aquelas paragens da África Ocidental, mas não há memória de outra presença efetiva e continuada. Anos mais tarde, em julho de 1642, os jesuítas deixam definitivamente a missão e os últimos sacerdotes rumam em direção a Lisboa.

Vale a pena seguidamente acompanhar a ação missionária do padre Baltasar Barreira, que teve uma atividade significativa em Cabo Verde, na Guiné e na Serra Leoa.

Ritual fúnebre na Senegâmbia, final do século XVII, imagem retirada de: https://www.researchgate.net/figure/FIGURA-2-Missionario-capuchinho-queima-casa-de-idolos-na-Africa-Centro-Ocidental-decada_fig2_304710892.
Missionário capuchinho queima casa de ídolos na África Centro-Ocidental, década de 1740, imagem retirada de: https://www.researchgate.net/figure/FIGURA-2-Missionario-capuchinho-queima-casa-de-idolos-na-Africa-Centro-Ocidental-decada_fig2_304710892.
Escultura da extremidade superior de sono em bronze com representação de duas pessoas montadas, acompanhantes e provavelmente um cão, imagem retirada de: https://revistas.ufrj.br/index.php/abeafrica/article/viewFile/19406/12989.

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23346: Notas de leitura (1455): "Era Uma Vez na Tropa, Rescaldos da guerra em desfile de memórias", por Ireneu de Sousa Mac; Europa Editora, 2022 (Mário Beja Santos)