quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P5003: Controvérsias (36): A Justiça Militar e os presuntos implicados (João Seabra)

1. Uma peça (de antologia, de finíssimo humor...) que eu acabo de receber do ilustre jurista João Seabra, ex-Alf Mil da CCAV 8350, Piratas de Guileje (Guileje, 1972/74), e querido (como todos os demais) membro da nossa Tabanca Grande:

Caro Luís,

Recebi, há dias, um mail teu em que vinha anexo o actual RDM (*).

Andando para trás no blogue, encontrei uma sugestão tua para que eu e o Jorge Cabral, entre outros, nos pronunciássemos sobre as hipotéticas consequências criminais do constante numa narrativa do Amílcar Ventura (**).

Antes de mais, deixa-me dizer-te que tenho o Amílcar na conta de boa pessoa. Aliás, já foi muito simpático comigo, a propósito de uma correspondência tumultuária que manteve, há tempos, com um terceiro e que desencadeou, por iniciativa deste último, numa grande agitação em cavalariças e canis.

Todavia, aqui para nós, parece-me (podendo estar enganado) que a história dele é uma fantasia que terá descambado em convicção. Aliás não é a primeira, nem será a última, que aparece no blogue.

O menos que se poderá dizer é que o frete foi muito pouco produtivo. Porque não levou ele mais dois ou três bidons de gasóleo? Era para uma emergência?

De qualquer modo, o RDM dispõe sobre ilícitos disciplinares, e a matéria de que se trata é de natureza criminal e está contemplada no Código de Justiça Militar (CJM). Que eu saiba, ao CJM em vigor em 73-74 seguiu-se outro de 77, outro de 2003, e ainda outro mais recente.

Acontece que as minhas áreas de actuação profissional são as do direito fiscal e do direito das sociedades. Neste momento, por exemplo, estou muito atrapalhado porque tenho de opinar urgentemente sobre a vexatória questão da hipotética neutralidade fiscal da fusão inversa. Se calhar vou-lhe chamar reverse merger porque, como diria o Serafim Saudade, “o verdadeiro artista é o que fala estrangeiro”.

Do CJM ocorre-me – “entre as brumas da memória” – a curiosa figura do “presumido delinquente”, e pouco mais. E mesmo assim, porque – por vezes e com grande gáudio – ouço colegas espanhóis aludirem aos “presuntos implicados”.

Para tratar adequadamente a vertiginosa questão da sucessão de leis penais, e da qualificação da hipótese em causa, a pessoa indicada é, realmente, o Jorge Cabral. Mas seria um desperdício, porque o iria distrair das valiosas opiniões periciais que nos vai dando sobre matérias menos áridas.

No fundo seria preferível encerrar o assunto, como o fez, há muitos anos, um magistrado do Ministério Público, quando soube que tinha sido bem sucedido num concurso para a carreira diplomática.

Os impulsos processuais do Ministério Público, designam-se, no nosso jargão, por “promoções”.

Vai daí o nosso futuro diplomata, no primeiro processo que lhe chegou às mãos, exarou o seguinte:

Tendo decorrido o prazo,
e operado a prescrição
vão os autos para arquivo
- eis a minha promoção.


Aplicando o que antecede a mim próprio, diria que muito me preocupa a eventualidade de, involuntariamente, concorrer para envenenar o ambiente de um blogue fundado por um grupo de amigos e que vive, sobretudo, da inexcedível dedicação dos seus editores.

Assim sendo, vou fazer o possível para, de futuro, escrever apenas para arquivo ou para “presuntos interessados”. Se e quando tiver tempo, já se vê.

Abraço amigo do
João Seabra

P.S.: Uma observação (ou “nota”, como se diz agora) final. Fiz serviço militar na Guiné na condição de “compelido”. Mas, uma vez lá, a situação, para mim, era muito simples: de um lado estavam as nossas forças (às quais eu pertencia) e do outro o inimigo. Tudo o mais são subtilezas que estão fora do meu alcance.

[ Revisão / fixação de texto / bold, a cor: L.G.]

___________

Notas de L.G.:

(*) Dirigido ao Jorge Cabral e com conhecimento a outros juristas da nossa Tabanca Grande:

"Jorge: Aqui tens o novo RDM... Não sei se tens tempo e pachorra para o analisar, do ponto de vista daquilo que pode interessar ao nosso blogue e à nossa Tabanca Grande".

(**) Vd. poste de 24 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5002: O segredo de... (7): Amílcar Ventura: Ajudei o PAIGC por razões políticas e humanitárias

1 comentário:

Jose Marcelino Martins disse...

Caro João Seabra e, por extenção, aos nossos devotados editores e feis blogistas e leitores

Tomando as palavras do douto Sr Juiz e

TENDO DECORRIDO O PRAZO

e ao tempo passado desde o facto relatado

E OPERADO A PRESCRIÇÃO

e após fazermos uma boa reflecção

VÃO OS AUTOS PARA ARQUIVO

e propor que, de futuro se evite tratar de casos fracturante com levesa

- EIS A MINHA [NOSSA] PROMOÇÃO.

Criar, de novo, uma saudavel troca de experiencias e comentários

José Martins