segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16632: Notas de leitura (894): “Guerra e Paz, Portugal/Angola, 1961-1974”, pelo Brigadeiro-General Willem van der Waals; Casa das Letras, 2015 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se de um estudo muito bem documentado, a galeria dos protagonistas é servida com rigor e objetividade, o contexto da guerra angolana toma sempre em conta as outras frentes, no final da obra o autor diz que aquela guerra estava inextricavelmente ligada a conflitos não resolvidos nos outros territórios africanos. Fala-se da Guiné onde se sabia não seria possível para qualquer um dos lados uma vitória retumbante e a seu propósito escreve o autor: “A Guiné seria o teste crítico de resistência e de força de vontade das Forças Armadas e a razão principal para o colapso do governo em 1974”.
Outro autor por ele citado dirá mesmo que Caetano não podia ter aqui a sua batalha de Dien Bien Phu e prosseguir como se nada tivesse acontecido.

Um abraço do
Mário


Guerra e paz, Portugal/Angola, 1961-1974

Beja Santos

Não se trata propriamente de um olhar de um historiador estrangeiro, o Brigadeiro-General Willem van der Waals autor de “Guerra e Paz, Portugal/Angola, 1961-1974”, Casa das Letras, 2015, foi vice-cônsul da África do Sul em Luanda, entre Abril de 1970 e Dezembro de 1973. Conheceu na perfeição a UNITA e este seu livro tem por base a sua tese de doutoramento numa universidade sul-africana. Com o 25 de Abril de 1974, o autor, colocado na Namíbia, contactou a UNITA. Foi depois colocado no quartel-general sul-africano em Pretória, o dossiê Angola não mais o largou. E como ele bem diz, para se compreender totalmente a guerra civil Angolana, o envolvimento de África do Sul e a Angola de hoje é necessário compreender todos os acontecimentos luso-angolanos, sobretudo a partir de 1961.

O estudo de van der Waals aparece bem compartimentado, baseia-se numa tese de doutoramento, é multidisciplinar e tem ambições de enquadrar os múltiplos protagonistas desenvolvidos. Começa por nos dar o ambiente físico e humano e enquadramento histórico de Angola, a emergência do nacionalismo a partir da era de Salazar e o despontar de forças como o MPLA e a UPA. Recorda que o Acto Colonial previa uma maior dignificação do indígena e o fim do trabalho forçado, mas que nada se passou assim, como observa: “Um fazendeiro que requeria trabalhadores solicitava-os às autoridades governamentais, após o que se abordavam os líderes negros para preencherem a quota com gente das suas comunidades. Se não o faziam, a questão passava para a polícia, que realizava batidas arbitrárias arrebanhando homens até preencher a quota. Tais práticas laborais revoltantes tornaram-se no foco da atenção não só em Portugal mas também a nível internacional. Em 1947, o Capitão Henrique Calvão, na qualidade de Inspector-Chefe da Administração Colonial apresentou um relatório numa reunião secreta da Assembleia Nacional, alegando que a economia angolana explorava mão-de-obra negra barata comparando o trabalho do contratado ao da escravatura. Avisou o governo de que haveria uma catástrofe iminente caso as condições de trabalho não fossem rapidamente melhoradas”.

Temos seguidamente o ano crítico de 1961, correspondente ao início das sublevações, segue-se a luta revolucionária limitada entre os anos de 1962 a 1966 e a guerra prolongada entre os anos de 1967 a 1974. Não havendo qualquer surpresa na documentação apresentada, louva-se o autor pela capacidade de síntese na apresentação dos protagonistas e dos demais movimentos de libertação em colónias portuguesas. O mesmo se dirá da boa capacidade esquemática apresentada para os factos da luta revolucionária, inicialmente centrada na região Norte e posteriormente na frente do Leste. Fica-se com o entendimento dos altos e baixos na representação das três forças anticoloniais, as suas filosofias e até os seus aliados. Há muito que se sabe que o MPLA, no início de 1974, vivia precariamente e com destino aleatório. Em 18 de Abril de 1974, o comandante de esquadrão Manuel Muti rendeu-se às autoridades portuguesas, dando informações dentro das fileiras do MPLA, ficou-se a saber que havia duas fações distintas encabeçadas por Agostinho Neto e Daniel Chipenda. A figura-chave que leva à neutralização temporária da sublevação de Luana é Costa Gomes. Enquanto Comandante-Chefe de Angola, reformou a estrutura do comando e do controlo e assumiu o real comando das operações, africanizou as forças da ordem e colocou o General Bettencourt Rodrigues como Comandante da Zona Leste onde, em 1971, lançou uma ofensiva bem-sucedida. Van der Waals esmiúça com detalhe a evolução da FNLA/GRAE/ELNA, da UNITA e procura interpretar as razões do êxito temporário das forças portuguesas frente ao inimigo. E escreve: “Encarada isoladamente, a guerra em Angola redunda num excelente exemplo de luta contrarrevolucionária relativamente bem-sucedida. Em 1974, os movimentos de resistência que desafiavam a autoridade de Portugal em Angola encontravam-se exaustos e divididos. Do mesmo modo, o cansaço da guerra impregnara já a mentalidade portuguesa, muito em concreto no seio das Forças Armadas. Este sintoma, resultado de 13 anos de guerra, mostrava-se menos palpável em Angola mas viria, não obstante a determinar o seu destino. A guerra de Portugal e Angola, quando chegou ao fim, estava inextricavelmente ligada a conflitos não resolvidos nos outros territórios africanos e a tendências subterrâneas existentes na própria Metrópole”.

De leitura obrigatória para compreender a mais sangrenta sublevação contra o colonialismo na história de África a Sul do Sara.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16624: Notas de leitura (893): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (3) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Mais um bom trabalho que só pode ser feito pelo incansável Beja Santos.
Como se vê aqui, "esta guerra" teria muito pouco a ver com o que se passou na Guiné, a guerra em Angola era mais entre "eles", os turras sem aspas.
Mas há um relato na leitura de BS, que me diz respeito muito directamente, a mim e a centenas de colegas profissionais meus do tempo colonial de Angola e peço desculpa ao BS esta minha intromissão prolongada.
Os tais trabalhos escravos, os tais trabalhos forçados, ou, como resumo eu, os tais "contratados que comiam:
fuba podre,
peixe podre,
panos ruins,
cinquenta angolares
porrada se refilares"?

Assim cantava o atleta do Benfica Rui Mingas e escrevia o transmontano filho de fazendeiros de café, António Jacinto.

Leu BS:
“Um fazendeiro que requeria trabalhadores solicitava-os às autoridades governamentais, após o que se abordavam os líderes negros para preencherem a quota com gente das suas comunidades. Se não o faziam, a questão passava para a polícia, que realizava batidas arbitrárias arrebanhando homens até preencher a quota."
Ora, digo agora eu, não eram apenas os fazendeiros (do café do Norte que contratavam os bailundos do sul), também a Junta de Estradas e Geográficos e Serviços de Geologia e Minas, Pescas, etc. todos os que não eram indígenas, brancos ou pretos, usávamos esses trabalhadores forçados.
E não foram os bailundos, os que comiam peixe podre, que se revoltaram.
Antes pelo contrário, os bailundos (gente do Sul)também foram vítimas do terrorismo, ficaram do lado do "colon" contra os revoltosos de 1961 (UPA, movimento racista, separatista, e só depois anti-colonialista).
Outra afirmação "inocente" mas de uma intencionalidade tão sacana é aquela de que "a polícia arrebanhava".
Ora, dito desta maneira para quem não saiba o que era em 1961 ou no tempo de Henrique Galvão, anos 40, o interior de Angola, a autoridade era o Chefe de posto e dois ou três cipaios, em áreas superiores à maioria dos concelhos da metrópole, sem estradas, sem telefone, só o «morse» dos tambores.
Era essa a grande força policial, normalmente caboverdeanos, indianos, mestiços e também metropolitanos evidentemente, num isolamento tal, que forçosamente tinham que viver em harmonia total com as populações.
Era muito complicado colonizar. Talvez por isso a invenção daquelas "independências" à europeia totalmente impróprias para África naquele momento.
Claro que ainda hoje há no alentejo e em tràs-os-montes gente a apanhar azeitona e fruta e não ser pago, e mal alimentado, mas precisando de dinheiro, não era em Angola esse caso, em que a maioria nunca tinha tido dinheiro na mão, mas era-lhe pago 5$00/dia na mão, 5$00/dia na sua aldeia no fim do contrato.
E lá e até hoje na Holanda e na Alemanha, há gente a ser explorada e que precisa de dinheiro.
Temos que contar a história e as circunstâncias e deixarmo-nos de cinismos.
Por causa dos cinismos de "pacifistas" mal intencionados, é que os sudaneses e outros anglofonos africanos estão a ser retirados hoje da boca do túnel da mancha, quando podiam estar nas suas terras, vivendo melhor e sem ilusões.
É mentira que tenham sido os "trabalhadores forçados" "contratados" a revoltarem-se em 1961, em Angola, esses eram os chamados bailundos e esses estavam do lado "patrão branco".
Chamem-lhe ventos da história ou aquilo que queiram, mas não devemos permitir mentiras, e não ter complexos, antes pelo contrário, em nome dos que morreram, brancos e pretos, e que destes continuam a morrer estes 40 anos, em catadupa, devemos levantar a voz e não permitir cinismos.

Desculpa BS e continua sempre.