Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 27 de outubro de 2016
Guné 63/74 - P16645: As nossas mulheres (14): Tive conhecimento, mas muito mais tarde, que boa gente vivia em Bissau ou tinha a mulher que vivia na cidade (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; lapidador de diamantes, reformado)
Guiné > Bissau > 1968 > Despedida: foto do Mário Gaspar tirada junto á estátua do cap Teixeira Pinto (ou "capitão-diabo", para os guineenses)
Foto: © Mário Gaspar (2016). Todos os direitos reservados
1. Mensagem, do 20 do corrente, de
Assunto - Se tive, familiares ?... Poucos foram aqueles que usufruíram de tal
Se tive porventura contactos com familiares meus ou de camaradas, no mato ou Bissau?
Enquanto camaradas morriam – e esses meus heróis caíam por toda a Guiné, e em Moçambique e Angola? E nós éramos calcados, amassados e esmiolados nos bocados e nas poças de sangue desses mesmos camaradas. Bissau era cidade. Mulheres, comida e local onde se vivia, existia VIDA.
Senti o corpo a arder, queimado e chamuscado de morte. Nunca tive receio dela. Fácil de compreender: vivia e estava casado com ela. Senti-o quando tive conhecimento ao regressar a Bissau, após gozar férias em Lisboa. Privilégio que poucos usufruíram… Pois regressava e dizem que os camaradas Pestana e Costa tinham falecido. Escrevi, nesse mesmo dia para aquela com quem me casei:
– Estou farto de Bissau, aqui só se fala em guerra!
Fui para Gadamael Porto, de avioneta. Pouco tempo depois estava nessa Operação fantasma “Revistar”. Não se falava de outra coisa na esplanada do Hotel Portugal… Em toda a Bissau… Depois foi o que foi. E eu cheio de guerra, inundado. Escutei o meu grito
Vinte e quatro horas, com um horário de 8 horas e 100% de aumento de tempo para efeitos de reforma ou aposentação. No mato o dia ultrapassava matematicamente – no nosso interior essas 24 horas – e quantos como eu (nem o direito a esse período de tempo, para a reforma e/ou aposentação) tínhamos essas 24 horas, para existir justiça, seriam 400% de aumento de tempo, estávamos 24 horas de Serviço, sem descanso semanal.
Tive conhecimento, mas muito mais tarde, que boa gente vivia em Bissau ou tinha a mulher que vivia na cidade. Neste último caso, vivia o casal em Bissau ou no interior.
Curiosamente só muito posteriormente, vim a saber existirem militares que viviam com esposa, em determinadas zonas da Guiné.
Como muito boa gente – conheço e desconheço a razão – não diz qual a elite militar que possuía esse prazer, melhor ser no interior de Comandos, Fuzileiros e Paraquedistas. Também naqueles que estavam colocados em Bissau – aí era indiferente o Posto.
Pois em Bissau ouvi disparos. De quem? Tropas Especiais aos tiros após jogo de futebol. Não é deles a culpa, outros os denominaram como tal. Estou à vontade para afirmá-lo, estive – fui obrigado (todos foram obrigados) a frequentar umas Provas para os Rangeres. Só tenho a dizer que bem me arrependi, bem pior era ser-se Atirador e especialista em minas e armadilhas.
Se tive familiares, também amigos, é bem verdade que sim… Por correspondência – carta ou aerograma – e com namoradas, com ejaculação. As palavras são mesmo escritas, em determinadas ocasiões tudo o que queremos e desejamos. Eram minhas as vaginas, suecas, brasileiras e portuguesas. Puxava-lhes pelos seios e íamos para a cama.
Mas a cama era dura. Depois aqueles mosquitos entravam por todos os buracos e mordiam. Os 4 paus que erguiam o mosquiteiro eram meus aios. Quando no “corredor da morte” – “corredor de Guilege” aguardávamos vindos da fronteira o PAIGC para abastecer a sua tropa, era de madrugada e dormia-se um sono com os pés dentro de um charco.
Os sonhos? Não sonhei mais. Cheiro de tiros, canhões e morteiros.
Tenho a impressão que teria passado razoavelmente de janeiro de 67 a outubro de 68 em Bissau. Apreciador de cerveja, camarão e ostras. Gostando de comer um pombo verde no Zé da Amura.
Até com piscina, tão apreciador de dar umas braçadas estilos livre, mariposa ou de bruços.
Talvez não tivesse ido a esse mundo do “Pilão”, perigoso demais para um habitante de Bissau. Mas estive lá e à noite… Decerto estava já mesmo “apanhado pelo clima”, não do de Bissau – doentio decerto – melhor que o mato.
Um abraço
Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor:
Último poste da série > 26 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15293: As nossas mulheres (13): Só se pode falar do passado porque o futuro começa amanhã (Juvenal Amado)
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