1. Mensagem de José Manuel M. Dinis*, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679,
Bajocunda, 1970/71, com data de 5 de Dezembro de 2009:
Carlos, meu Caro,
Quem toca muitos instrumentos e adiciona uma pitada de preguiça no seu dia-a-dia, deixa para trás a História da Companhia. Do facto peço desculpa, mas não prometo emendar-me.
Depois desta explicação anuncio o envio de novo episódio anexo, coisa que não me deu muito trabalho, na medida em que o extaí da "História da Unidade", um apontamento dos factos que marcaram a nossa vida na Guiné.
Manda subir o pano se fazes o favor.
Situação geral durante o mês de Outubro de 1970Por JMMD
Durante o mês de Outubro o IN manifestou-se por três vezes na área do Sub-sector com três acções de iniciativa própria:
- Flagelação ao Aquartelamento de Bajocunda em 16OUT70
- Flagelação ao Destacamento e tabanca de Copá em 26OUT70
- Flagelação à tabanca e estacionamento de Tabassi em 30OUT70
Em todas estas acções o IN retirou com bastantas baixas, abandonando no terreno diverso material, especialmente na flagelação de Tabassi em que deixou no terreno 4 mortos e 1 ferido em estado grave, que veio mais tarde a falecer.
A actividade da Companhia também se manteve bastante intensa, efectuando-se vários patrulhamentos e emboscadas nocturnas.
O Pel Mil 269 continua estacionado em AMEDALAI, em protecção à tabanca.
Ao longo do mês são referidos vinte e sete patrulhamentos, seis dos quais pelo pessoal de Copá e um pelo Pel Mil estacionado em Amedalai, que colaborou em outras duas destas acções.
Refere ainda a História da Unidade que, no dia 22OUT70 o 9. º Pel Art executou 106 tiros de obus 10,5 em fogo de retaliação contra alguns acampamentos IN sitos em território senegalês.
Relativamente às acções inimigas acima identificadas, escreve-se o seguinte:Em 16OUT70: cerca das 02H05, 01 grupo IN de efectivo estimado em cerca de 100 elementos instalou-se e flagelou com Morteiro 82 mm, Canhão S/R B-10, LGF RPG-2 e armas ligeiras durante 35 minutos o Aquartelamento e tabanca de Bajocunda, na direcção NNE, do lado de MADINA QUETO, a cerca de 300, e 50 metros do arame farpado, dispositivo em L, junto do campo de aviação.
O fogo das armas pesadas IN (Mort 82 mm, Canhão S/RB-10 e LGF RPG-2) caíu a maior parte na tabanca e dentro do Aquartelamento. O fogo IN que se verificou estar bastante bem regulado não causou qualquer tipo de baixa às NT, mas causou dois mortos (01 mulher idosa e 01 criança de 1 ano) e três feridos graves à população. O fogo IN devido à sua boa regulação causou ainda alguns estragos materiais tanto na tabanca como no Aquartelamento: 15 moranças da população destruidas e queimadas e uma parte da cobertura do edificio das Transmissões e Messe de Oficiais destruídas, uma parede da Sala do Soldado e a base de cimento do poste da bandeira danificadas, e alguns fios da instalação eléctrica e telefónica rebentados.
As NT reagiram prontamente pelo fogo provocando a retirada desordenada do IN.
O 9. º Pel Art bateu toda a Z.A. e de retirada IN e o 8.º Pel Art, em Pirada, em acção conjugada com aquele, apoiou com fogo muito certeiro BAJOCUNDA, a pedido desta, que pelos meios rádio regulou o mesmo.
Entretanto 01 GCOMB quando cessou o fogo de artilharia, saíu procurando envolver o IN pelo lado Norte ou pelo menos interceptar-lhe a retirada, não o conseguindo porém.
No reconhecimento efectuado pelas NT de madrugada verificou-se que o IN utilizara 02 MORT 82 mm, 02 Canhões S/R B-10, 14 LGF RPG-2 e número não estimado de armas ligeiras.
Os morteiros e canhões S/R estavam colocados aproximadamente a cerca de 300 metros do arame farpado que serve de vedação ao estacionamento, no extremo norte da pista de aviação, sem que o local onde estiveram colocados denotasse quaisquer trabalhos de organização de terreno, estando apenas cobertos das vistas por arbustos e capim alto.
As armas ligeiras e alguns LGF RPG-2 haviam-nas colocado a cerca de 50 metros do arame, ao longo da pista.
Dos vestígios deixados no local de instalação IN e pela colocação do fogo das NT no mesmo, confirma-se a retirada desordenada do IN com algumas baixas e que abandonou no terreno algum material.
Em 26OUT70, pelas 20H15, 01 Grupo IN, de efectivo estimado, entre 50 a 60 elementos instalou-se e flagelou com Morteiro 82, LGF RPG-2 e armas ligeiras durante 20 minutos o Destacamento e tabanca de Copá na direcção Oeste-Leste do lado de Bajocunda a cerca de 100 e 150 metros do arame farpado, estrada de Bajocunda dum lado e outro, dispositivo em linha. Enquanto 01 Grupo IN fazia fogo sobre o Destacamento, outro Grupo IN tentou juntar vacas da população de Copá para levá-las para o Senegal conseguindo porém apenas levar uma, devido à nossa pronta reacção.
O fogo das armas pesadas IN caíu algum dentro da vedação de arame farpado do Destacamento e embora mal ajustado causou às NT 01 ferido grave (soldado milícia) que foi evacuado para HM 241 e à população 01 ferido ligeiro. O IN causou ainda alguns estragos materiais queimando 03 moranças da tabanca com todos os seus haveres.
As NT reagiram prontamente pelo fogo provocando a retirada desordenada do IN. O 19.º Pel Art em Canquelifá apoiou com fogo muito certeiro Copá. Entretanto uma força do Destacamento, comandada pelo Fur Mil Barbosa, com 18 elementos, quando cessou o fogo de artilharia, saíu procurando cortar a retirada ao IN pelo lado norte, não o conseguindo porém.
No reconhecimento efectuado pelas NT verificou-se que o IN se aproximara por POPOGE, CUNTIM COPÁ e retirara em sentido inverso. Pelos vestígios deixados no local de instalação IN, presume-se que este utilizara 01 Morteiro 82, e 07 LGF RPG-2 sem no entanto efectuar quaisquer trabalhos de organização do terreno. Destes vestígios e pela colocação do fogo das NT levando prováveis baixas e abandonando no local 01 granada de LGF RPG-2 e 02 carregadores de espingarda automática Kalashnicov.
Em 30OUT70, cerca das 23H45 01 Grupo In de efectivo estimado em cerca de 50/60 elementos, instalou-se e flagelou com LGF RPG-2 e RPG-7 e armas ligeiras, durante 30 minutos a tabanca de TABASSI, na direcção norte, a cerca de 70/80 metros do arame farpado, dispositivo em L.
O fogo das armas pesadas IN caíu a maior parte em frente dos abrigos 5, 6 e na tabanca, tendo logo o primeiro rebentamento de RPG-2 atingido o abrigo 6 onde se encontravam 04 elementos das NT ferindo dois deles gravemente.
O fogo IN não causou qualquer tipo de baixas à população mas provocou o incêndio de 02 moranças da mesma.
As NT reagiram prontamente pelo fogo provocando a retirada desordenada do IN e causando-lhes bastantes baixas, 05 das quais (04 mortos e 01 ferido) foram abandonados na ZA pelo IN.
O 9.º Pel Art bateu toda a ZA e de retirada IN, e o 8.º Pel Art em Pirada, em acção conjugada com aquele, apoiou com fogo muito certeiro TABASSI a pedido desta, que pelos meios rádio regulou o mesmo. Houve um excepcional controle da situação e reacção imediata ao fogo IN por parte de todo o pessoal em protecção e reforço à tabanca, devido em parte à acção preponderante do comandante do GCOMB que fazia a protecção à tabanca, que soube localizar logo de início o local de instalação IN e bateu com fogo muito certeiro de Morteiro 60 mm toda essa zona, ao mesmo tempo que regulava por meios rádio o fogo de apoio da artilharia. A sua acção foi secundada por todo o pessoal do seu Pelotão que reagiu prontamente, destacando-se pelo seu sangue frio, espirito combativo e valentia o Soldado ORLANDO FERDINANDO ANDRADE que apesar de ter sido ferido gravemente, logo no início da flagelação, ainda conseguiu arranjar forças para se deslocar até ao seu LGF 8,9 cm disparando-o uma vez e fazendo ainda depois, fogo de G-3, continuando sempre a encorajar os seus camaradas para prosseguirem a luta até que a dor e a gravidade dos ferimentos recebidos o obrigaram a desfalecer por completo.
Entretanto uma força da Companhia, quando cessou o fogo de artilharia saíu de Bajocunda tentando cortar a retirada IN e socorrer os feridos. Verificou-se que o IN se havia aproximado por um trilho entre o R.COLONDINTO e o R.TENQUINÃ e retirara em sentido inverso. No local de instalação IN não foi encontrado qualquer trabalho de organização de terreno. O IN tinha atiradores instalados entre 70/80 metros do arame farpado, havendo cerca de 06 LGF RPG-2 e 02 LGF RPG-7. Devido ao nosso fogo de reacção ter sido bastante ajustado o IN retirou com bastantes baixas, havendo a prová-lo 04 mortos confirmados, abandonados pelo IN no terreno e 01 ferido grave; além de bastantes vestígios de sangue e de corpos arrastados.
Segue-se uma descrição do material abandonado pelo IN.
Meu comentário:Apesar da actividade operacional descrita, que pode corresponder à realidade, verifica-se que, só por isso, o IN não desarmou das suas investidas. Na verdade os nossos patrulhamentos de combate não passavam de passeios na mata. Nunca usámos um sistema de informações que nos desse as posições do IN e nos permitisse surpreendê-los, mesmo em território estrangeiro. Isto quer dizer, que na guerra que praticámos, nunca usámos da iniciativa. A excepção foram aqueles tiros de artilharia para o outro lado,com consequências previsíveis em civis. Um absurdo de quem comandava e coordenava as acções militares.
Quanto à descrição da História da Unidade, parece revelar algum desconhecimento do terreno por parte de quem a fez, no ripanço da Secretaria, mas com a obrigação de dar conta de operações, ataques e identificação de meios usados, caminhos de aproximação e retirada, dispositivos de ataque, e o mais que se possa ler, justificando salários chorudos para a época, fazendo afirmações sem correspondência com a verdade, por exemplo, que em Tabassi o IN atacou num dispositivo em L (presumo que um ataque em L reflete duas frentes unidas que formam um ângulo mais ou menos recto), e que a distância para o arame era de 70 metros, quando a orla da mata densa estaria a uns 20 metros do arame, e o pessoal a uns 10 metros, do lado interior.
Também no ataque a Bajocunda é referido um dispositivo suicida. Em L, com o fogo orientado de NNE, as armas pesadas a 300 metros e as ligeiras a 50. Se o dispositivo era em L, teria que haver duas direcções de fogo para não se sobreporem. Poderiam umas armas estar a norte, e as outras a leste, mas a descrição não é minimamente militar, e revela que não foram ao local da instalação IN. Escreveram o que ouviram dizer ou inventaram, mas sem preocupação de rigor. No entanto, se L se refere a dispositivo em linha, já bate melhor. Por curiosidade, nos dias em que se registaram ataques IN, não são referidos patrulhamentos. Continuo a pensar que, sem fiscalização, quer à gestão material, quer à gestão da actividade operacional, estivémos a gastar recursos públicos e humanos para uma derrota anunciada.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 3 de Novembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5202: História da CCAÇ 2679 (29): Um dia no calendário da Guiné (José Manuel M. Dinis)