segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5418: Tabanca Grande (194): Braima Djaura, Sold Cond Auto, CCAÇ 19, Guidaje, 1972/74, um sobrevivente



1. Mensagem que nos chegou, com data de 22 de Julho de 2009, através do e-mail de Ibrahimo Djaura
Caro Camarada Luis, já há vários meses que sou leitor assíduo deste Blogue, pelo que gostaria de me associar com as minhas histórias e fotos. Aliás já tinha enviado algumas fotos, mas não me parece [que tenham sido] aceites [ou recebidas].

Agradeço a sua sugestão por forma a poder ter acesso [a esse blogue] e publicar algumas histórias da minha companhia em Guidaje, CCaç 19, onde estive de 1972 a 1974.

Melhores cumprimentos, Djaura.

2. Embora com as azáfamas próprias do final do ano lectivo e início de férias, respondi-lhe telegraficamente no dia seguinte:


Camarada Djaura:

Serás bem vindo à nossa Tabanca Grande... Entra, acomoda-te, senta-te aqui ao pé dos teus camaradas, desde os mais velhinhos aos mais piras, e conta as tuas histórias, debaixo do nosso poilão..

Apresenta-te, manda por mail, para o nosso endereço, luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com, o(s) teu(s) texto(s) e fotos digitalizadas...

Diz quem és, onde vives, etc. Um Alfa Bravo (abraço).

3. Resposta,pronta, do Braima Djaura, nesse próprio dia, 23 de Julho:


Sou natural da Guiné, onde cumpri serviço militar. Antes fui preso dez dias pela PIDE-DGS, por não querer cumprir serviço militar em 1970. Lá fui então enviado para o CIM [ Centro de Instrução Militar], em Bolama, em 1971. Concluida Instrução Militar, fui enviado para CICA, para [tirar a especialidade de] condutor Auto Rodas. Fui colocado em Guidaje em Janeiro de 1972. [Fui transportado] no Navio Alfange. Ao chegar ao Cacheu, fomos escoltados por dois outros Navios do Destacamento de Fuzileiros aí estacionados.

Foi nesta altura que percebi, quando nos juntamos com outros Camaradas comandados pelo Capitão Caramona. Foi ele que nos informou que a nossa Companhia era a CCaç 19. Já no Porto de Binta, abrimos caixas de G3 e muniçoes, prontos para fazer os 21 Km até Guidage, zona considerada Inferno.

Assim começou tudo, não sei se muitos Camaradas sabem o que eu quero dizer, [com essa expressão], mas acho que sabem prefeitamente; Bom, mas o mais importante para já é poder aceder este Site, ou a esteS Sítio e a este Blogue, pois muito sinceramente adoro ver Camaradas que que falam da Guiné, e das Aldeias que muitos Naturais da Guiné, do pós-Guerra, desconhcem.

Muito sinceramente este Bloog serve para mim como uma Terapia diária desde que tomei conhecimento [da sua existência]. A história não pode nem deve morrer lá.

Junto a minhas fotos, e há mais para enviar, relativas à minha estada em Guidajee até junho de 1974.

Caro Luis e Camaradas, há muita história entre Binta, Cufeu, Ujeque e Guidaje, a 300 Metros da Fronteira com o Senegal, a 6 Km de Cumbamori uma Base importante de IN, até ao dia da operação "Resgate" em Maio de 1973.

Bem hajam todos e muita saúde já que estamos todos F... mas não nos deixaremos ser apanhados apesar de tudo. Alfa Bravo Romeu. Djaura.

3. Comentário do editor Luís Graça:

Camarada e, a partir de agora, amigo:

Não imaginas a alegria de encontrar um camarada como tu que, apesar das terríveis dificuldade por que passa a nossa Guiné (políticas, económicas, financeiras, sociais, sanitárias, etc.), ainda consegues acompanhar regularmente o nosso blogue e inclusive comentar os nossos postes.

Foi o teu comentário ao poste P5415, de ontem (*), que me veio alertar para a nossa troca de correspondência no verão passado. Há um lapso meu, de que tenho me penitenciar, pedindo-te desculpa em primeiro lugar. De facto, já devias ter sido formalmente apresentado à nossa Tabanca Grande (nossa, de todos nós, camaradas que fizeram juntos a guerra colonial da Guiné, enter 1963 e 1974). Cumpriste os requisitos todos, falta-te apenas contar, pelo menos, uma história de Guidaje, de preferência desse tempo terrível que foi a batalha de Guidaje em Maio de 1973... Sabemos como a tua CCAÇ 19 mas também outras unidades, dos très ramos das Forças Armadas Portugueses, sofreram nessa altura com a ofensiva do PAIGC. Temo aqui falado disso. Ficarei a aguardar, com muito interesse, o(s) teu(s) depoimento(s).

Vou, entretanto, publicar à parte o teu comovente e solidário comentário, em memória dos nossos camaradas guineenses (alguns dos quais tu conheceste e eu também - gente da CCAÇ 12 , da CCAÇ 21, e da 1ª CCmds Africana). miseravelmente mortos, sem direito a um julgamento decente, de acordo com as normas mais elementares do direito internacional, e à revelia do acordo de paz assinado entre o governo português e o PAIGC. Mas sobre isso ainda há muita coisa para esclarecer e denunciar: não para reparar o irreparável, mas por "dever de memória e justiça", para que nunca se voltem a repetir, nessa terra quente, verde e vermelha que nos é tão querida, cenas trágicas como essas, as das execuções sumárias dos teus, dos meus, dos nossos antigos camaradas entre 1975 e 1980... Escreve na volta do correio, e fala um pouco mais sobre ti... (O que puderes, quiseres e souberes contar...).

__________

Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 6 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5415: Os nossos camaradas guineenses (20): Homenagem aos Comandos africanos, fuzilados no pós-independência (Manuel Amaro Bernardo)

5 comentários:

Luís Graça disse...

Há muita gente convencida que os nossos camaradas guineenses, que serviram Portugal no TO da Guiné, eram "voluntários"... Mas não, eles eram do "recrutamento local"... Claro que havia voluntários, oriundos das milícias, etc.

Mas a maioria - e estou-me a referir aos militares da "nova força africana" que surgiu no tempo do Spínola (incluindo a minha CCAÇ 12) - era tão "voluntária" como nós...

O exemplo do Braima Djaura - que presumo seja fula ou mandinga, pelo nome (embora o apelido não me seja familiar) - é elucidativo: teve a PIDE/DGS à perna, esteve preso 10 dias e compelido a fazer o serviço militar...

Tratar os nossos camaradas como "mercenários" - haverá excepções - também me parece simplista, para não dizer grosseiro...

Em contrapartida, nunca entendi, por exemplo, o estatuto que tinham os meus soldados, que eram de 2ª classe (por não terem o exame da 4ª classe), com refelexos no pré... Os melhores passaram a soldados arvorados, cabos e depois furriéis (por exemplo, já na CCAÇ 21), mas não sei exactamente se por causas das "habilitações escolares", se por "mérito militar"...

Gostava de conhecer a legislação que enquadrava a selecção e o recrutamento militar dos guineenses... Alguém conhece ?

Luís Graça disse...

... Além disso, havia um problema sério para os "recrutadores militares": a idade dos "mancebos"...

Não havendo "registo civil", também ninguém tinha, pelo menos no interior da Guiné, "cédula pessoal"...

Na CCAÇ 12, em Contuboel, no início da instrução da "especialidade", fomos confrontados com esse problema (para além do facto de não falarem protuguês, não saberem onde ficava Portugal nem conhecerem a história nem a cultura dos "tugas"): tínhamos miúdos com 16/17 enquanto outros já eram "homens grandes", de idade indefinida...

No final da comissão, um terço foi ferido em combate, com mais ou menos gravidade... E os problemas de saúde começaram a vir ao de cima... Sei que muitos fizeram a guerra até ao fim... E desses, alguns, como o Abibo Jau, o Seidi, o Turé... foram encostado ao poilão e fuzilados...

Anónimo disse...

Luis Graça,
Penso que o Brauma Djaura ao se referir ao comentário de um anónimo, penso que é um comentário meu.

E como para mim vale mais a opinião de um guineense do que a minha, penso que lhe devo alguma satisfação. Fica para depois.

Sobre o recrutamento de africanos para o exercito, antes da guerra do ultramar, por experiência de várias recrutas que fiz como cabo milº e fur.milº em Angola, e penso que em todas as colónias, era complexo: Exactamente em 1961 os processos eram assim:

Brancos, mulatos e pretos assimilados, eram recrutados tal como cá, iam à inspecção como eu fui em 1958, incorporados na altura própria e eram designados praças "C", penso que "continental", caso não fossem para o CSM., como eu fui. No meu pelotão eramos quase metade naturais da metróplole outra metade de angolanos. ( alguns alinharam pelos MPLA's outros sim outros não, outros "nim").

E havia as praças I (indígenas), que não eram registados, nem sabiam a idade correta e eram recrutados (retirados) ao seio da família tribal, em geral não compreendiam português, nem tinham usado calçado, alguns nem roupa de tecido mas pele de caça, tudo o que se seguia pode ficar para outra altura.

Estes praças podiam chegar a 1º cabo I. Tinham aulas regimentais e havia umas particularidades, desde a farda até à alimentação diferentes das praças C.

Se havia algum traumatismo no recrutamento destes mancebos, havia talvez mais traumatismo no final do serviço militar destes, pois era difícilimo para eles o regresso às origens.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Luis

Se eu acrescentar que os nossos combatentes naturais da Guiné tinham dois estatutos - milícias e soldados nativos - nada venho dizer de novo.
Os milícias, que foram estruturados e enquadrados numa hierarquia chamada de 2ª. linha, eram sempre voluntários. Alguns milícias (com graduação ou sem graduação) foram incluidos em Companhias de Comandos. Foi o caso do João Bacar Jaló e alguns dos homens de Príame.
Por outro lado, os soldados nativos eram, como dizes, do recrutamento militar do território e, portanto, não voluntários. O que não quer dizer que não requeressem, a final, o prolongamento do serviço.
Lembro-me da chegada à Companhia de um dos soldados que estão na foto que encima o texto apresentativo do blogue. Andava sempre muito mal disposto. A pouco e pouco foi-se enquadrando.
A um soldado nativo ouvi a seguinte frase, dirigida a um milícia que reclamava: "Bô cala a boca. Bô é b'luntário!".
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

Luis

Se eu acrescentar que os nossos combatentes naturais da Guiné tinham dois estatutos - milícias e soldados nativos - nada venho dizer de novo.
Os milícias, que foram estruturados e enquadrados numa hierarquia chamada de 2ª. linha, eram sempre voluntários. Alguns milícias (com graduação ou sem graduação) foram incluidos em Companhias de Comandos. Foi o caso do João Bacar Jaló e alguns dos homens de Príame.
Por outro lado, os soldados nativos eram, como dizes, do recrutamento militar do território e, portanto, não voluntários. O que não quer dizer que não requeressem, a final, o prolongamento do serviço.
Lembro-me da chegada à Companhia de um dos soldados que estão na foto que encima o texto apresentativo do blogue. Andava sempre muito mal disposto. A pouco e pouco foi-se enquadrando.
A um soldado nativo ouvi a seguinte frase, dirigida a um milícia que reclamava: "Bô cala a boca. Bô é b'luntário!".
Alberto Branquinho