domingo, 6 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5413: Os nossos camaradas guineenses (18): A morte do Aliu Sanda Candé (Armandino Alves)


1. Em 22 de Novembro de 2009, recebemos mais um texto do nosso Camarada Armandino Alves, que foi 1.º Cabo Auxilitar de Enfermagem na CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68) e que passamos a transcrever:


Era obrigação da Tutela e do Exército Português

Camaradas,

Estou farto de ouvir falar dos fuzilamentos e que tal aconteceu, porque os nossos ex-combatentes guineenses colaboraram com as nossas tropas.

Isso é mera desculpa.

Eles foram mortos por causa dos eternos e ancestrais ódios tribais. Todos nós sabemos que há na Guiné etnias, que nem pintadas se podem ver umas às outras.

Analisem bem que grupos étnicos é que compunham o PAIGC e quais é que combatiam junto com as nossas tropas e, depois, retirem as devidas e correctas ilações.

Todos sabemos que tínhamos guias e batedores, que se prestavam a colaborar com as nossas tropas e que, muitas vezes, mais não faziam do que nos obrigarem a andar em círculos infrutíferos, sem nunca nos levarem sequer próximo dos objectivos.

Guias esses que nos eram fornecidos pelas populações, que, ainda por cima, nós pensávamos estar a defender.

Se o poder político tivesse sido passado para as mãos dos nossos ex-combatentes guineenses, fornecendo-lhes mais armas e demais meios, teriam acontecido exactamente os mesmos massacres, mas ao contrário, com os guerrilheiros do PAIGC. Eu não tenho dúvidas nesse aspecto.

Uma coisa é certa e que nós os portugueses, Patriotas e Isentos (politicamente falando), não podemos escamotear: Era obrigação da Tutela e do Exército Português oferecer uma hipótese de fuga a uma morte certa, a TODOS aqueles que foram chamados a prestar serviço militar OBRIGATÓRIO e juraram lealdade e fidelidade à bandeira nacional!

É claro que, como se adivinha, muitos desses homens negariam tal hipótese, por motivos diversos, mas aí o problema passava a ser unicamente deles e só deles.

Se,  nos anos 70, conseguimos encaixar, na Metrópole, umas centenas de milhar de “retornados” e lá nos aguentámos, qual era o problema em receber mais alguns milhares?

E, independentemente do que se passou, porque a culpa mudaria de área, continuando a falar para os ex-Combatentes,  Patriotas e Isentos, viveríamos bem mais tranquilos, sem remorsos nem cicatrizes na consciência.

Também começo a estar farto de ver gente que analisa levianamente esta problemática, apenas e só com um olho, unilateralmente, resumindo-se à triste e estúpida frase: “Eles eram uns assassinos”!

“Esquecem-se” muitos desses "unilaterais" que hoje “piam” muitas balelas de barriguinha cheia, por aí nas tascas e bordéis de esquina, contra os excessos desses ex-combatentes guineenses, que se hoje estão vivos e falam, falam... falam… à bravura e valentia desses Homens o devem!

Não nego que soube, por terceiros, de alguns excessos grotescos na guerra, praticados apenas por alguns, como por exemplo os célebres e macabros cortes de orelhas aos mortos e mais um ou outro triste e lamentável abuso, mas a questão que isto me levanta é: Então é a isto que se resume o nosso reconhecimento e gratidão, pela enorme voluntariedade e fidelidade que aqueles Homens devotaram aos portugueses?

Até parece que os excessos eram só cometidos por alguns guineenses das NT, então digo-vos que eu sei, e jamais esquecerei, de um exemplo, que a um desses mais dinâmicos e activos Homens, a quem os guerrilheiros do PAIGC não conseguiam “chegar” de outro modo, lhe mataram apenas por vingança, com requintes da pior malvadez, a primeira mulher e uma filha de tenra idade.

Disso poucos falam, nem lhes interessa, para defenderem as suas tendenciosas, fracas e suspeitas teses do contra e do “bota abaixismo”.

A verdade é que estes negros factos (os excessos), só aconteciam porque as hierarquias militares assim o consentiam (fechando olhos e tapando ouvidos). Não sei se existiu algum caso pontual, mas eu nunca ouvi, até aos meus dias de hoje, alguém dizer que fulano ou beltrano guineense das NT, recebeu uma ordem do género: Cortem as orelhas aos mortos!

Agora os portugueses vão voltando à Guiné ao serviço de ONGs e outras instâncias internacionais, não na qualidade de colonialistas, nem de povo opressor, mas com um único intuito que é ajudar aquele pobre e tão castigado povo.

Não branqueando os tristes acontecimentos do passado, vamos indo e vamos vendo a evolução do Progresso e da tão desejada Paz.

Um Abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Aux Enf CCAÇ 1589
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:



4 comentários:

Juvenal Amado disse...

A Independência de um País é sempre um parto díficil, não se me afigura agora nenhum país, que o acto não tenha trazido convulsões graves.
Na Europa ainda nem à dez anos aconteceram matanças, por motivos fronteiriços e de raça.
Na constam complexos de culpa, nas potências que os desencadearam.
Sabemos agora que houve um país que não assinava o tratado de Lisboa, se não fosse garantido que outro também membro não exigiria territórios que antes tinha ocupado.
Ainda não estamos em paz.
Não foi só com os Guinienses, Angolanos,Moçambicanos etc, mas falamos desses por mais próximo de nós eles terem estado.
A fronteiras que as potências coloniais deixaram são um factor de lutas e chacinas. A diferenças éctinas são outro factor de lutas rácicas que nos têm horrorizado.
No entanto a Guiné dói-nos mais, fomos ganhando e alimentando um complexo de culpa, porque muitos combateram ao lado de africanos e alguns foram fuzilados.
Entendemos que parte daquela terra também é nossa em termos metafóricos bem se vê.
A julgar pelos ajustes de contas mesmo entre militantes do PAGC, os fuzilamentos do guerreiros não nos deviam ter deixado admirados.
No entanto em função das disparidade de forças que havia entre a nossas tropas e o PAIGC, admiro-me mais ainda que a Independência não tenha sido seguida de uma guerra civil como aconteceu sempre que as potências se degladiavam.
Parece sim que os fuzilamentos, foram feitos de uma maneira em que se pretendeu decapitar uma força organizada, que possivelmente ainda marcou ou tentou marcar um espaço no xadrez politico e militar que emergiu após a saída das nossas tropas.
Na voragem sanguinária, muitos foram também mortos que a única e possivel culpa, foi o não terem lutado contra nós.
Em comentário anterior disse ser contra os fuzilamentos,aliás como injusto é quem é condenado sem julgamento e direito à defesa.
Mas aqueles tempos foram de brasa também cá. O poder mudava quase hora a hora. A politica fazia-se nas ruas muitas as vezes. Também nós estivemos à beira da guerra civil.
Houve ataques, mortes e formação de grupos paramilitares, que puseram a nossa joven democracia em perigo constante.
Não pretendo dar lições de história nem de cidadania a ninguém, são só duvidas que me assaltam.
Um abraço

Juvenal Amado

Anónimo disse...

Juvenal Amado, amigo Sacadura; Homem BOM é o que não dá lições de história nem de cidadania a ninguém e que é constantemente assaltado por dúvidas...
Os das "certezas absolutas, "sopradas" ou não", jamais evoluirão...e serão "os grandes mestres da razão", deixá-los ser... tal como o foram, por exemplo, os da santa inquisição.
Presente na morte de quem quer que tenha sido combatente e camarada, envio um abraço caloroso deste meu lindo Buarcos hoje, frio tristonho e chuvoso.
Vasco A.R. da Gama

Carvalho disse...

Caroa tabanqueiros:
Já um respeitável camarada nosso atribuíu à conflitualidade tribal uma grande parte ou mesmo toda a culpa pelos fuzilamentos. Tal não me parece porque, tanto quanto se sabe, foram assassinados militares ou mesmo civis das mais diferentes etnias mas com a comum circunstância de terem defendido a posição de Portugal.Há também quem quase desculpe a selvática sangria com o argumento de que, em circunstâncias opostas, os militares que estiveram do nosso lado fariam a mesma coisa. Bem, em absoluto, considero que isto é desconversar.É que ninguém sabe o que fariam. O que está aqui em causa é o que foi feito e foi mal feito.Mas há poucos anos, na fragmentação da ex-Jugoslávia, povos da EUROPA cometeram crimes do mesmo género. É verdade...e depois.

Um abraço para todos.

Colaço disse...

Carvalho concordo totalmente com o teu comentário, temos que comentar é os actos cometidos e discordar ou não, até ver somos livres de emitir opinião desde que não ofenda o outro lado e para isso por interpretação do português há o esclarecimento.
Já me aconteceu aqui no blogue ser contestado por tomar partido dos que estavam lá e não os dos ses.
Não alimentei a polémica ou controvérsia.
Um abraço Colaço.