sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5448: Viva o Porto - Futebol Clube, breve estória de Torcato Mendonça

1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69), com data de hoje, 11 de Dezembro de 2009:

Camarada Vinhal

Li e brincando comentei o "escrito" do Alberto Branquinho**. Mas fiquei a matutar. Depois voltei a sair, regresso, jantar e blogue. Li o comentário do Vasco da Gama e o teu. Os pensamentos breves e o matutar desta tarde, trouxeram-me agora ao presente um velho escrito. Onde andará o amontoado de letras... busca e zás. É sobre um antigo militar do meu grupo.

Faz dele o que entenderes camarada... faz dele o que entenderes... mas a nossa geração... fica para depois.

Gostei de ver a alegria da Tabanca de Matosinhos e da festa do Manuel Maia. Força!

Um abraço para ti e para todos os que directa ou indirectamente sofreram naquela guerra estúpida. De ambos lados, logicamente

Abração;
Torcato


VIVA O PORTO – FUTEBOL CLUBE!

Sentado confortavelmente no palanque da sentinela, o olhar a vaguear pela mata ali perto ou, quem sabe, a ir para o local muito longe dali onde estava a acção, por ele ora relatada: o confronto entre o seu Futebol Clube do Porto e algum dos seus mais directos adversários.

Parece-me valer a pena contar esta breve “estória”, como um conto de menino.
Talvez o efeito terrível do isolamento, da brutalidade da guerra. De tudo.

Assim:

Era uma vez um soldado que foi mobilizado para a Guiné. Antes foi à inspecção e deram-no como apto para todo o serviço militar. A Pátria precisava de todos os jovens. Tinha três frentes onde se combatia e outros lugares, por esse mundo fora, onde era necessário a tropa estar. Assim se mantinha una a Pátria do Minho a Timor.

Passado tempo, pouco, foi chamado, entrou num quartel e fez a recruta. Mais tarde foi mobilizado e tirou a especialidade de atirador de artilharia. Foi nesta altura que nos conhecemos. Confesso que não notei qualquer quebra no militar, física ou psicológica. Estava eu preparado para tal avaliação? Claro que não. Na parte física talvez e a mais não era obrigado. Lembro-me das dificuldades de um militar, a tirar também a especialidade, em fazer certos exercícios. Má coordenação motora ou, mais simplesmente, não brincara em criança. Tirou a especialidade e na Guiné foi excelente combatente.

Este, que agora invoco passou desapercebido. Fez a especialidade e foi para a Guiné também. Mas não devia ter ido.

Na primeira operação, com contacto com o IN, o comportamento não foi o melhor. Teve uma primeira conversa com o Furriel e, posteriormente na conversa entre os três concluímos estar, por agora, tudo bem. O medo vai e vem… talvez fosse isso. Só que não era bem isso. Noutras acções ele foi-se indo abaixo psicologicamente. Ainda falei ao médico do Batalhão sobre o estado de saúde daquele militar. Creio mesmo que ele lá foi. Tudo ficou na mesma. Foi regredindo, digamos mesmo que, cada vez mais, estávamos em presença de uma criança. Haviam militares em quebra o que, nas condições em que vivíamos era natural. Ele era diferente e teríamos que ser nós a resolver o problema. Antes deviam ter constatado o estado psicológico do homem. Nunca tal foi feito. Depois devia ter sido devidamente tratado. Não foi assim. Só se algo de grave acontecesse. Mas a bestialidade de certa gente, dita responsável, a mais não chegava.

Passou assim aquele militar à condição de não operacional. Fazia sentinelas diurnas, outros serviços de apoio ao grupo, nas nossas ausências mantinha os abrigos funcionais, os nossos pertences acautelados e era tratado com respeito e amizade por todos. Não tenho a certeza, creio que aprendeu a ler e escrever, tirando a 3.ª ou 4.ª classe.

O que mais gostava, era saltar para o palanque da sentinela e fazer relatos de futebol. Tudo bem. Aí estava ele a relatar as vitórias do seu Porto. Os nomes dos jogadores das várias equipas, estavam correctos. Passava de um campo a outro, voltava rapidamente para relatar mais um golo do Porto. Grandes vitórias. No intervalo havia cantoria. Assim se foi passando a comissão de um homem/criança de excelente trato. Havia camaradas que o conheciam na vida civil. Era mais fácil assim para ele e para nós. Eu entregava-lhe as minhas “coisas”. Ele tomava-as religiosamente a seu cuidado. De quando em vez, vinha junto a mim falar de vários assuntos, por vezes pedia para lhe pagar uma Fanta, outras na brincadeira, puxava-me as barbas. Barbichas… paga uma Fanta…paga?

Passou à disponibilidade e certamente foi esquecido, como tantos, por quem o mandou um dia defender uma terra que não era dele.

Penitencio-me, por nunca ter procurado saber dele e de outros… um dia… um dia!
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5435: Os nossos regressos (19): Dia 4 de Dezembro de 1969, já lá vão 40 anos (Torcato Mendonça)

(**) Vd. poste de hoje > Guiné 63/74 - P5445: Contraponto (Alberto Branquinho) (3): Fugas... na hora da morte

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois é, Torcato, esse fugiu para... a infância, quando e onde não havia guerra.

Um abraço do
Alberto Branquinho