1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 7 de Dezembro de 2009:
Carlos Vinhal
Junto vai um texto sobre morte e vida ou sobre vida e morte sobre tempos que estavam pela... "hora da morte".
Um abraço bem vivo do
Alberto Branquinho
C O N T R A P O N T O (3)
FUGAS…
Antes de chegar à Guiné, eu era eterno. Morte? Não havia (para mim). Ela estava longe… no tempo e no espaço.
Mesmo o suicídio do rapaz, que se pendurou do ferro mais alto do beliche durante um fim-de-semana algum tempo antes do nosso embarque, não aproximou de mim a ideia da morte. Deu, até, para aprender uma coisa – que o suicida, antes de executar o acto contra si mesmo, descalça ou, pelo menos, desaperta as botas.
Na Guiné, não demorou muito tempo a concluir que… não regressaria. E um homem, quando atinge o ponto que julga ser de não retorno, começava a baloiçar entre dois comportamentos: ou provocar o embrutecimento, a caminho da autodestruição (não, não pelo suicídio!) ou, quando a realidade espremia os miolos, causando angústias, insónias, irritações - a afogar-se em relaxantes, calmantes e outros. Era nessa altura que se começava o dia a beber duas “bazucas” em jejum. (Mesmo quentes, quando o frigorífico a petróleo estava avariado)
Não havia carta da família, por mais próxima que fosse, nem madrinhas de guerra que, por escrito, pudessem ajudar. Os mais fracos (e conhecedores…) movimentavam-se para irem à consulta de psiquiatria, em Bissau.
A saída era, muitas vezes, a dedicação a um macaco, a um periquito, a um cão. Assumiam-se atitudes extravagantes e bizarras, habitualmente nos cortes do cabelo, da barba e bigodes muito “criativos”.
Havia, também, quem, nas horas vagas, passeasse, cuidadosamente, latas de conserva puxadas por um fio, de modo a que não caíssem as “pedrinhas” que tinham colocado lá dentro.
Ou quem, em noite de insónia, agravada pelas picadas e zumbidos dos mosquitos, tentasse matá-los com rajadas de G-3.
Ou quem, no início das chuvas e debaixo de chuva, saísse de noite, de lanterna eléctrica na mão esquerda e vassoura na direita, matando os sapos e rãs que, num ápice, surgiam de não-sei-onde às centenas, num coaxar infernal, como um coro maluco e desafinado de tenores, barítonos e contraltos.
Coisas… Coisas que ainda hoje se recordam, com a diferença de que, agora, nos fazem sorrir (embora sentindo, ainda, um grão de angústia lá bem no fundo, bem fundo da alma).
Alberto Branquinho
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5247: Ser solidário (44): A propósito do Dia dos Veteranos em Stoughton - Estados Unidos da América (Alberto Branquinho)
Vd. último poste da série de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4612: Contraponto (Alberto Branquinho) (2): Não vale a pena chorar
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Amigo Branquinho. -Alberto Branquinho
Comigo não, era imortal. Tinha um medo do caraças mas dizia:és imortal e fazia menos xixi. O raio do medo liberta o conteúdo da bexiga...e é aborrecido um tipo antes ou já de saída para o mato e com a pila na mão. Dizia és imortal e passava. Via-a várias vezes. Algumas quase tão próximo que não falamos por pouco. Se tinha tempo, enchia os pulmões de ar e expelia zzzzuuuuu e ela, a dita lá desaparecia. Mesmo depois, já civil, encontrei, a dita, mais que uma vez...mas agora nada digo. Sabes Camarada é que me parece já não ser imortal...medo não tenho e, se mais xixi faço é da idade.
Um abraço e boa saúde do, Torcato
Camaradas,
Grande texto, excelente comentário sobre a "parca".
Na Guiné também eu era imortal; hoje, julgo que o fio que separa a vida da morte é tão ténue, tão débil, tão subtil que mais vale nada dizer.
Para o Branquinho e o Torcato os meus respeitos,
Vasco A. R. da Gama
Caro Alberto Branquinho
Hoje deixaste-me particularmente triste. Com os teus exemplos de atitudes bizarras, fizeste com que me lembrasse de um camarada, que já não pertence ao nosso mundo, que não aguentou a tensão permanente com que se vivia no mato. Qual era o passatempo dele? Comprar uns quantos daqueles pacotes pequenos de bolacha Maria, pô-los lado a lado em cima do balcão da messe, e rebentar com eles a murro. Fazia isso quase todos os dias.
Estava eu de férias na Metrópole quando ele veio evacuado para Lisboa, onde morava por sinal, julgo que para psiquiatria. Mais tarde soube que morrera.
Vinhal
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