1. Comentário do Victor Alfaiate, com data de 11 de Dezembro, ao poste P5444 (*):
Desculpa Luís, mas como disse ontem, e só tenho uma palavra, a minha participação no Blogue terminou. Como disse, saio antes de ter entrado. Não quero polémicas, quero manter-me sossegado.
Bom Natal e novo ano de 2010 próspero para todos.
Um abraço,
Victor Alfaiate
PS - Já agora e a talhe de foice, e para acabar de vez com qualquer ideia que ainda subsista de que algo me move contra os elementos da Força Aérea, agradeço-te que, se possível publiques o útimo mail que te enviei em 20 de Novembro.
2. Mensagem, de 20 de Novembro de 2009, do Victor Alfaiate (ex- Fur Mil, CCAV 8350, Guileje, 1972//3):
Olá, Luís
Cheguei ontem de Portugal, onde por motivos profissionais tive que me deslocar, e ao analisar o meu correio electrónico, deparei-me com o teu mail de 9 de Novembro (*) e sinceramente fico um pouco estupefacto pela tempestade que se parece ter criado sobre uma simples opinião pessoal sobre a actuação da Força Aérea no apoio a Guileje, isto porque ou eu não sei ler ou vocês vêem lá coisas que eu não escrevi.
Como já referi por mais de uma vez nunca foi minha intenção ofender (???) o Sr. Tenente Pessoa ou O Sr. Tenente Martins de Matos ou quem quer que seja. Aliás, não personalizei qualquer crítica à actuação dos referidos Srs. Oficiais, limitando-me a comentar a actuação da Força Aérea de uma forma global, e não a dos seus elementos em particular.
Não procuro culpados, nem faço peditórios, poderei ser um pouco bruto na maneira de me expressar, mas sou Ribatejano e no Ribatejo um toiro é um toiro e pega-se pelos cornos, não se pega um animal com chavelhos ou chifres, não sou de dourar a pílula para ser tomada mais facilmente, se tem que se tomar toma-se independentemente da côr que tiver, e o Blogue não pode, no meu entender, ser uma espécie de cultura indiana onde existam vacas sagradas que tem que permanecer intocáveis.
Conheci o Sr. Tenente Pessoa numa situação muito adversa para ele, fui talvez a última pessoa a falar com ele antes do seu avião ter sido abatido. Depois disso e enquanto não foi recuperado [vd. foto, à esquerda], não mais abandonei o Posto de Rádio, mantendo-me em escuta permanente com mais dois operadores de rádio durante cerca de 18 horas. Estava ao lado da maca em que se encontrava quando no heliporto de Guileje disse ao seu Comandante Sr. Tenente Coronel Brito que o avião não respondia as manobras e ele decidira ejectar-se. (Tenho fotografias desse dia em Guileje).
Reafirmo mais uma vez que nada me move contra qualquer elemento da Força Aérea, limitando-me a constatar que alguém, quem não sei, não tomou as medidas que se impunham no apoio a Guileje e à sua guarnição, isso é indesmentivel.
Porque:
- É ou não verdade que o Sr. General Spínola nos havia prometido apoio aéreo e evacuações?
- É ou não verdade que os aviões não levantaram de Bissau quando foi pedido apoio aéreo no decorrer da emboscada de 18 de Maio?
- É ou não verdade que o Cabo Rabaço faleceu na enfermaria de Guileje 4 horas depois de ter sido pedida a necessária evacuação que não foi efectuada?
- É ou não verdade que na tarde de 21 de Maio dois Srs. Pilotos que se deslocaram a Guileje, quando viram o estado em que tudo se encontrava comentaram um para o outro " É pá isto afinal era a sério" ?
- É ou não verdade que nessa mesma tarde, como não tinhamos transmissões nos foi prometida a realização de vôos de reconhecimento que posteriormente não foram efectuados.
- É ou não verdade que com a Força Aérea a sobrevoar Guileje, o PAIGC continuava a flagelar-nos ao mesmo tempo?
São factos indesmentíveis, que me levaram a fazer os comentários que fiz, e que mantenho, sobre a actuação da Força Aérea no seu global, não personalizando nem particularizando de modo nenhum a acção dos seus elementos. Se se sentem ofendidos nada mais me resta fazer que apresentar-lhes as minhas dersculpas, mas é a minha opinião e dela não abdico.
É evidente que estou convicto de que se alguém, quem não sei, tivesse ordenado ao Sr. Tenente Pessoa e à Srª. Enfª. Para-quedista Giselda que se metessem num Helicóptero e ao Sr. Tenente Martins de Matos que pegasse no Heli-Canhão para lhes fazer protecção e fossem a Guileje efectuar as evacuações, eles certamente teriam ido. O problema é que ninguém deu essa ordem, antes pelo contrário tê-la-ão proibido, e o Cabo Rabaço faleceu sem assistência.
Não posso, agora sim personalizando, deixar de perguntar:
- O que pensaria o Sr. Tenente Pessoa, se quando o seu avião foi abatido, nada tivesse sido feito para o proteger e recuperar? Se o deixassem abandonado à sua sorte? Possivelmente pensaria o mesmo que eu penso, mas do lado contrário.
Posto isto e para acabar em difinitivo com a discórdia, esquece os mails que trocámos, não publiques nada. Por mim o assunto está encerrado, não penso de modo nenhum participar em mais discussões, aliás tenho-me mantido calado todos estes anos e era como deveria ter continuado, lendo o que outros vão escrevendo, concordando ou não, sorrindo por vezes, emocionando-me por outras, mas é assim a vida, só é pena não se poder passar uma esponja sobre o que se passou naquela altura, mas tal é impossível.
Por último não posso deixar de te fazer um reparo, lamento que quando publicaste o mail do Sr. Tenente Martins de Matos, esse sim ofensivo para quem sofreu Guileje e mais propriamente o seu Comandante Sr. Major Coutinho e Lima, não tenhas tido o cuidado de previamente teres dado conhecimento do seu teor, aos que já faziam parte da Tabanca, os meus camaradas (Sr. Major Coutinho e Lima; Sr. Alferes Reis; Sr. Alferes Seabra e o meu amigo - TRRRAN - Zé Carvalho)
Um abraço
Victor Alfaiate
[ Revisão / fixação de texto / bold / título: L.G.]
3. Comentário de L.G.:
Meu caro Victor:
Foi ingenuidade minha pensar que os meus camaradas da Guiné já tinham chegado à idade da Sabedoria, da Paz e da Tolerância, sendo capazes de se sentar à volta do poilão da Tabanca Grande, tabaquear o caso (da guerra), tomar um trago de cachaça (ou um simples uísque com uma pedrinha de gelo e água de Perrier), contar as suas histórias, piscar o olho às travessuras do destino, abrir-se aos outros (que nunca ouviram falar da guerra) num sorriso amarelo mas ternurento, dar um abraço ao inimigo de ontem, minimizar as diferenças (sociais, económicas, políticas, ideológicas, etc.) que hoje ainda os podem separar, gozar estes belos dias de outono que temos pela frente, escrever as nossas memórias, partilhá-las com os demais camaradas, amigos e familiares, etc.
Mas, não, a guerra ainda acabou, para eles, para mim, para nós, sobretudo dentro das nossas almas inquietas. De facto, ainda não fizemos o luto das nossas perdas nem a contabilidade do nosso deve-e-haver... Se calhar, nenhum de nós ainda conseguir fazer as pazes consigo próprio...
Tenho pena, e fico triste, meu caro Victor, para mais num dia em que foi a enterrar ma minha terra um amigo meu, por quem tinha muita ternura, o Luís Venâncio Rei, médico, natural do Seixal, Lourinhã, e eu nem sequer pude estar com ele, na hora do adeus derradeiro, nessa hora em que o coveiro (por sinal, a coveira!) te lança um pazada de terra por cima do teu caixão, como quem te diz: Memento homo quia pulvis es et in pulverem reverteris (Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó te hás-de tornar)...
A última palavra que ele me disse, há dias, no Hospital Pulido Valente, quando o fui visitar e vim de lá com a morte na alma, devastado, acabrunhado com a força brutal da doença e do sofrimento de um amigo, foi:
- Luisinho - tratava-me sempre por Luisinho, com ternura, sem qualquer laivo de paternalismo - só tenho pena de já poder levar a minha filha, de braço dado, até ao altar! (A belíssima e amorosa Zé, a filha dele e da minha amiga Benedita, tinha casamento marcado para esse fim-de-semana!)...
O Luís Rei, mais velho do que eu uns cinco ou seis anos, não sei se fez tropa, acho que não. E se fez, não foi parar ao Utramar, contrariamente aos cerca de 40 seixalenses da sua/nossa geração... Contudo, a sua morte, embora anunciada, foi para mim como um murro no estômago, foi como se tivesse perdido um amigo e camarada da Guiné, há 40 anos atrás, quando eu tinha os meus verdes vinte anos!
Victor, desculpa-me esta fraqueza emocional, mas hoje é um mau dia para te dizer quanto lamento a tua decisão de "sair mesmo ainda de entrar na nossa Tabanca Grande"... Noutras circunstâncias, faria tudo para te demover dessa intenção e lutaria pela tua permanências... Preferes a morte social, o exílio, a separação... Não contesto o teu direito... Deixa-me, ao menos, desejar que o teu auto-sacrifício não seja em vão... Vou dormir, estou exausto... Até sempre, amigo Luís Rei, até sempre camarada Victor Alfaiate... Luís Graça
________________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 11 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5444: Dossiê Guileje / Gadamael (17): Depois do que ouvimos da boca do Sr. Cor Pára Durão, tudo o que vier a ser dito, soa a elogio (Victor Alfaiate)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
6 comentários:
com o devido respeito pelo falecido, queria aqui deixar expressas as palavras do sr cor rafael durão :
vocês são uns cobardes, uns ratos...mereciam que vos arrancasse a cabeça ...a pontapé entre outros impropérios próprios da politica do estado novo e poderio dos oficiais (alguns) sobre os soldados, mas que, ao contrário de Paton...não pediu desculpa.
jose carvalho
ex fur mil op esp
guileje/gadamael.
ps
quando lá chegou berrou-me para me ir fardar convenientemente (naquele já inferno de gadamael) e me apresentar devidamente uniformizado .(eu não tinha tempo de ir ao casão, e portanto "pisguei-me")
abraço.
Para o Luis Alfaiate:
Continua a participar, não só a ler o que os outros escrevem. Continua a escrever. O teu comentário faz-me mudar de atitude, eu que até agora só tenho lido o que os outros escrevem. Isto é, em breve vou "inscrever-me" na tabanca e assumir a minha identidade. Conheci Guileje em 1967 e 1968. Estive em Mejo que já não "existia" quando tu estiveste em Guileje. Para nós, para todos nós, que participamos naquela guerra, a guerra não acabou. Só acaba com a morte de cada um, mas continua para os que continuam vivos.
Um abraço e um bom ano.
Alguém escreveu que, QUEM VAI PARA A GUERRA NUNCA REGRESSA DELA:
A nossa vivência no blogue é bem espelho destas palavras.
A visão diferente de cada um, sobre o rumo e acontecimentos que nos marcaram, tem sido variada e nem sempre pacífica.
Quem viveu os acontecimentos com a agravidade do que passou em Guileje, terá sempre uma palavra a dizer e não se deve auto silenciar.
Para mais penso que será sempre libertador desenliar as nossas memórias, já de certo modo longiquas.
Guiléje será sempre um nome que virá assombrar a memória colectiva dos que passaram pela Guiné.
Note-se que até o Alfaiate escrever sobre os acontecimentos, parecia que o assunto tinha ficado mais ao menos discutido.
Mas novos testemunhos aparecem, a discussão se reacende prova, que ainda haverá muito a dizer sobre este e muitos factos.
Bem, eu comecei este comentário, para pedir ao Alfaiate que reconsider a sua intenção de abandono do blogue e torno extencivo a todos, que por alguma razão o fizeram ou pensam fazer.
E POR QUÊ?
PORQUE FAZEM FALTA.
A História será possivelmente escrita já sem a presença física dos intervinientes, vamos facilitar a vida a quem o fizer comos nossos testemunhos.
Um abraço
Juvenal Amado
Sacadura escreveu...
O Victor Alfaiate não se deve auto silenciar,mas quando há uma sapateada organizada a sinfonia cala-se.
Peço desculpa aos amantes do Rock, numa festa do aniversário da câmara de Loures,foram convidados para actuar o grupo de violas campaniças de Castro Verde, eu castrense desloquei-me para ouvir e apreciar a melodia daqueles instrumentos tocados pelos antigos mestres.
Tudo organizado com o tempo de actuação, só que no palco num patamar superior actuava simultaneamente um grupo de rock,resultado a melodia das violas campaniças era pura e simplesmente abafada,os nossos amigos alentejanos acabaram por diminuir o seu tempo de actuação e meter a viola no saco.
Ao Victor aconteceu-lhe algo parecido.
Um abraço Colaço.
Vou escrever sabendo o que quero, mas sem saber como o fazer.
Quer o Juvenal quer o Colaço deram um cheirinho à situação, mas nem sempre quem faz mais ruído tem razão como nem sempre quem se retira (não utilizo o termo esconde) está correcto.
O vitor Alfaiate, que não conhecço tem a sua versão da história, vivida no local. Os profissionais da FAP têm igualmente as suas versões e provalvelmente até estão registadas nas suas cadernetas, mas qualquer uma delas é a verdade absoluta? Ninguém pode pôr em dúvida uma decisão tomada com base numa interpretação do que foi entendido na altura? Temos o direito de criar ou continuar a alimentar ódios de estimação como os que existiam entre as forças especiais?
De nada serviu termos avançado na idade se o conhecimento e a tolerância não nos tornou mais lúcidos e compreensivos independentemente agora das divisas ou galões.
Abandonar o blog só por discordar não. Calar-se só por não ser aceite por alguns ainda menos.
Quem se assume aqui como detentor da verdade e inquestionável?
Já que todos disseram o que lhes ía na alma, entendi por bem dizer também o que ía na minha, espero que nenhum saia deste espaço e nenhum se cale, mas saibamos todos discordar em sintonia sobre tudo o que nos uniu.
Para o Luis a minha última palavra, tiveste um final de mês terrível e uma entrada no novo nada boa, esperemos que no Natal já tudo esteja a sarar.
Um abraço para todos,
BS
Belarmino ao ouvir uma discussão entre dois contundentes, o que fala grita mais alto normalmente não tem a razão do lado dele.
Tenho feito esta análise pessoal e como dizia um nosso ex-primeiro ministro raramente me engano.
Um abraço Colaço.
Enviar um comentário