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sábado, 4 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27285: Os nossos seres, saberes e lazeres (703): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (224): O espetacular balneário romano de São Pedro do Sul - 3 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Agosto de 2025:

Queridos amigos,
Não posso encobrir a deceção sentida, esta região do Vale de Vouga merecia pelo menos mais dois dias de permanência, mas hoje o viajante não pode sair espontaneamente de casa, corre o sério risco de não encontrar dormida a preços aceitáveis, isto para justificar que é forçoso desenhar a viagem, marcando antecipadamente os locais onde se fica. Mas como diz José Saramago, a viagem nunca acaba, haja saúde para aqui se voltar ao Vale do Vouga e aos seus enormíssimos encantos. Sinto-me feliz por talvez informar potenciais viandantes destas ruínas do Balneário Romano de S. Pedro do Sul, descobri que estivera aqui em 2018, ainda se procedia a esta grande intervenção ao monumento nacional, classificado em 1938. Dentro da nossa habitual polivalência, nós que somos peritos em transformar conventos em hospitais, conservatórias, tribunais e muito mais, deu-se vida ao Balneário Romano fazendo dele escola de instrução primária. Deixa-se ao leitor mais interessado a menção de dois sites com explicações arqueológicas e fotografias de grande beleza.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (224):
O espetacular balneário romano de São Pedro do Sul - 3


Mário Beja Santos

Prometo a mim próprio que hei de voltar em breve, este Vale do Vouga tem muito para contar, saio da região sem ter contemplado o Solar dos Malafaias, a Capela de S. Martinho do Banho, não fiz a ecopista do Vouga, desde a antiga linha de caminho de ferro e percorrer as suas admiráveis pontes, nem subir à Serra da Freita, não visitei aquelas aldeias que têm centenárias Capelas de S. Macário, enfim, a gente desenha itinerários, marca lugares para dormir e descobre, com profunda deceção, que se fez uma visita de médico (salvo seja).

Apostou-se numa visita guiada às ruínas do Balneário Romano e Piscina D. Afonso Henriques, visita de truz, pela categoria do guia, Dr. Nuno Cardoso, ele tomou rapidamente conta do grupo, falou-nos do Castro do Banho, das diferentes construções do Balneário, no século I d. C., nos últimos trabalhos de requalificação, bem como em expedições anteriores, a arqueologia deixou a descoberto: moedas, cerâmicas, fíbulas, lápides epigrafadas, canalizações, piscinas, pavimentos, alicerces, paredes, etc. Este local beneficiou do foral atribuído por D. Afonso Henriques à povoação do Banho (1152), foi assim que nasceu a designação “Piscina D. Afonso Henriques”, conjunto de edificações do século XII assentes em estruturas romanas pré-existentes, o primeiro rei de Portugal frequentou aqui os banhos, estabeleceu paço real na povoação do Banho. Há igualmente vestígios arquitetónicos do período de D. Dinis e dos primeiros reis da dinastia de Avis. D. Manuel I concedeu foral novo às já então chamadas Caldas de Lafões (1515) e abonou fundos para que se convertesse o velho edifício termal em Real Hospital das Caldas de Lafões.

O que aqui estou a escrever vem mencionado no folheto que me entregaram à entrada da visita, onde também se referem as sucessivas modificações do edifício onde até não faltou a intervenção do rei D. Luís, a rainha D. Amélia também aqui realizou tratamentos. Habituados como estamos à polivalência, o Balneário também serviu de instalações para a instrução primária e depósito de materiais.

No século XX fizeram-se escavações que revelaram espólio. Conseguiu-se financiamento comunitário para concretizar a vontade de fazer da área arqueológica do Balneário Romano um monumento vivo. A maior obra cultural e patrimonial da região foi inaugurada em agosto de 2019 e é monumento nacional desde 1938.

A entrada do Balneário onde se vê claramente a integração do novo na construção antiga. É bem interessante a adequada conjugação entre a porta nova e a porta romana. O leitor tem à sua disposição na internet um trabalho explicativo sobre a cronologia do edifício, intitulado As Termas Romanas de S. Pedro do Sul – Uma Proposta de Revisão Cronológica, https://ojs.letras.up.pt/index.php/Port/article/view/13473/12161.

Deste trabalho pode-se reter a atividade arqueológica a partir do achado de colunas romanas, a descoberta de uma grande piscina exterior e de um conjunto de estruturas que se estendiam até à Capela de S. Martinho. Os autores explicam os primeiros edifícios, os achados das escavações que ocorreram entre 2017 e 2019, as sucessivas épocas romanas em que decorreram as duas primeiras construções e as alterações ocorridas até ao século XX, foi aqui instalada a escola primária com cantina em 1931, e aqui funcionou até 1954. Também os autores se referem ao achado dos alicerces da igreja pré-românica, construída nos finais do século IX – início do século X, sobre as antigas construções romanas.

Resultou bem esta intervenção arqueológica do aproveitamento do que havia das velhas colunas
Piscina interior do edifício após a conclusão dos trabalhos de restauro
Inscrição romana
Uma belíssima porta medieval, vê-se ao fundo a piscina e ligações aquíferas
Pormenor da ligação a culminar na cabeça de um animal
Toda a cobertura é obra da intervenção recentemente efetuada
Outro ângulo da piscina
Vemos uma porta, mas também o traçado de uma outra que já lá esteve, todas aquelas perfurações na parede aludem a um compartimento que a recente intervenção fez desaparecer, suponho que tudo se encontraria em rápida degradação quando acabou a escola de instrução primária.
Aqui se pode ver a verdadeira altura do edifício
Marcas de balneário que sofreu profundas alterações, toda aquela azulejaria é bastante recente
Em jeito de despedida, sugere-se ao leitor que pesquise o sugestivo acervo de imagens do Balneário Romano, elaborado pelo investigador João Mendes Ribeiro https://www.archdaily.com.br/br/1019797/termas-romanas-de-sao-pedro-do-sul-joao-mendes-ribeiro
É muito bela esta imagem sobre o Rio Vouga. Enquanto se fazia a visita guiada, teve-se a informação que Katerina Kabakli daria um concerto de cravo bem temperado com música barroca nas instalações do Balneário, foi um final de tarde maravilhoso. Amanhã de manhã partiremos para um determinado ponto do sul da Galiza.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 27 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27260: Os nossos seres, saberes e lazeres (702): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (223): Primeiro a Lousã, segue-se São Pedro do Sul - 2 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27284: Parabéns a você (2422): Artur Conceição, ex-Soldado TRMS da CART 730 / BART 733 (Bironque, Bissorã, Jumbembem e Farim, 1965/67) e Inácio Silva, ex-1.º Cabo Apont Metralhadora da CART 2732 (Mansabá, 1970/72)

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Nota do editor

Último post da série de 3 de Setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27279: Parabéns a você (2421): Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF (Piche e Bissau, 1970/72)

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27283: Agenda cultural (904): Continuação da minha visita em 21 de setembro à exposição “Venham mais cinco, o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa, 1974-1975”. Para ver até 23 de Novembro de 2025, no Parque Tecnológico da Mutela, Almada (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2025:

Queridos amigos,
"Venham mais Cinco, O Olhar Estrangeiro Sobre a Revolução Portuguesa, 1974-1975", é uma exposição soberba como auxiliar da História, por nos trazer à memória eventos que acompanhámos na época, mais não seja pelos órgãos de comunicação social. Como se escreve na folha de sala, "De um dia para o outro aterraram em Lisboa fotógrafos das maiores agências internacionais, jovens e veteranos, que captaram imagens por todo o país, acompanhando a sucessão vertiginosa dos acontecimentos. Muitos vieram em missões de curta duração, outros instalaram-se vários meses para perceber e retratar o que se passava. Quase tudo era surpreendente para os estrangeiros: a situação política inédita num país europeu, o quotidiano dos portugueses, a forma como a política entrava na vida da população. Eram fotógrafos experientes. Tinham um olhar incisivo, procuravam imagens para as capas de revistas de maior tiragem, mas também revelavam empatia, encantamento e genuíno interesse antropológico. Durante cerca de um ano e meio fotografaram tudo e transmitiram ao mundo esse novo conceito: a revolução dos cravos. Após 50 anos, alguns arquivos desapareceram. Assim, em casos excecionais, quando não houve acesso a negativos nem a provas de papel, decidiu-se reproduzir fotografias publicadas em livros. À data de hoje é a única forma de partilhar imagens únicas, de um período decisivo da história e que nunca estiveram reunidas em Portugal."

Um abraço do
Mário



Continuação da minha visita em 21 de setembro à exposição “Venham mais cinco, o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa, 1974-1975”.

Exposição de visita obrigatória, ajusta-se à Educação para a Cidadania, oxalá que percorra o País todo

Mário Beja Santos

A exposição decorre no Parque Tecnológico da Mutela, em frente das ruínas da Lisnave, pode ser vista até 23 de novembro. Porquê Venham mais cinco? É o título de uma canção de José Afonso, inicialmente escolhida para ser tocada na Rádio Renascença na madrugada de 25 de abril de 1974, como senha do início do golpe militar. Mas, como esta canção estava proibida na rádio, a senha acabou por ser substituída por Grândola, Vila Morena. Através deste título, os organizadores prestam homenagem a José Afonso.

Na folha de sala o curador da exposição, Sérgio Tréfaut, recorda in memoriam Margarida Medeiros, pelo seu papel essencial neste levantamento único de imagens:
“Venham mais cinco foi uma ideia que surgiu no verão de 1993, quando Margarida Medeiros e Ana Soromenho propuseram que se fizesse uma grande exposição com as imagens dos fotógrafos estrangeiros que haviam retratado o processo revolucionário português. No ano seguinte seria comemorado o vigésimo aniversário do 25 de abril. Margarida e eu rumámos a Paris e mergulhámos nos arquivos das grandes agências internacionais, vasculhando milhares de provas de contacto.
Três décadas depois, a expedição abre as suas portas. Entre o início da nossa pesquisa, no outono de 1993, em Paris, e o seu recente desaparecimento, Margarida Medeiros tinha-se transformado numa das maiores especialistas de fotografia em Portugal, autora de livros de referência, curadora de exposições e responsável pela formação de várias gerações de estudantes. Esta exposição nasceu da nossa amizade.”


Na primeira visita pus o foco nos acontecimentos ligados ao 25 de abril e às primeiras transformações sociopolíticas e económicas ocorridas no país. Senti, no entanto, que ainda havia algumas imagens a captar, seguindo depois para os acontecimentos da Reforma Agrária, as eleições do 25 de abril, as independências e o retorno de muitos, e, finalmente, o 25 de novembro, com este evento diminuiu drasticamente o interesse do olhar estrangeiro sobre a Revolução portuguesa. Vamos, pois, a este punhado de imagens que tenho o maior prazer em partilhar convosco.

Começa-se pelas secções A Festa da Liberdade e Novas Formas de Poder
Henri Bureau, Getty Images, 1º de maio 1974, Lisboa
Guy Le Querrec, Magnum Photos, julho 1974, Lisboa
Guy Le Querrec, Magnum Photos, maio 1975, Beira Alta. Campanhas de Dinamização Cultural, Veterinários do MFA vacinam suínos

Imagens representativas da Reforma Agrária e as mudanças no Alentejo:
Vojta Dukát, 1975, Aljustrel
Sebastião Salgado, 1975, Aljustrel. Trabalhadores na sede do PCP
Sebastião Salgado, julho de 1975, Alentejo. Conversas entre trabalhadores agrícolas
Sebastião Salgado, outubro 1975, Alcácer do Sal. Ocupação de um latifúndio por trabalhadores agrícolas
Guy Le Querrec, Magnum Photos, 25 de abril 1975, Baleizão. Primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte
Jean-Paul Paireault, 1975, Beja. Comício do PCP, Álvaro Cunhal, secretário-geral do partido, ao centro

Imagens das independências:
Jean-Claude Francolon, setembro 1974, perto de Tete, Moçambique. Imagem da reconciliação tirada a pedido do fotógrafo
Sebastião Salgado, dezembro 1975, Angola. Hospital recebe soldados feridos da Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA) e civis atingidos durante a fuga
Alain Mingam, Getty Images, 11 de novembro de 1975, Luanda. Crianças-soldado durante um desfile no dia da independência
Alécio de Andrade, ADAGP, Verão de 1974, porto de Lisboa. Retornados chegam da Guiné-Bissau
Alain Keler, Agence Myop, setembro de 1975, Padrão dos Descobrimentos, Belém. Caixotes dos retornados
Sebastião Salgado, 1974, Fátima. Antigo combatente vem agradecer à Virgem Maria

Imagens de um país dividido:
Alain Mingam, Sipa Press, 12 de novembro de 1975, Lisboa. Deputados passam a noite no Palácio de São Bento, cercado pelos manifestantes
Sebastião Salgado, 7 de julho de 1975, Rio Maior. Primeiro grande ataque às sedes do PCP

Imagem do 25 de novembro:
Alain Mingam, Getty Images, 26 de novembro de 1975, Tancos. Paraquedistas rendem-se às forças vitoriosas

(Fotos editadas por CV)
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Notas do editor:

Vd. post de 26 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27258: Agenda cultural (902): "Venham Mais Cinco", o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa, 1974-1975, exposição fotográfica para ver até 23 de Novembro de 2025, no Parque Tecnológico da Mutela, Almada (Mário Beja Santos)

Último post da série de 30 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27270: Agenda cultural (903): Convite para a Conferência Círculo do Mar - "Dar Voz Às Guarnições" - Ultramar 1961-1974, dia 16 de Outubro de 2025, pelas 17 horas, a ter lugar na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, Lisboa (José Maria Monteiro, ex-Marinheiro Radiotelegrafista)

Guiné 61/74 - P27282: Memórias dos últimos soldados do império (8): os "últimos moicanos" - Parte V: afinal, foi apenas um capítulo da História de Portugal, que se encerrou, mas não definitivamente... E a comprová-lo está o nosso blogue ... que ainda (r)existe (Luís Graça)




Cartaz gerado, a partir de fotos e indicações nossas, por uma assitente de IA (ChatGPT). A imagem representa os últimos moicanos do nosso blogue...

As instruções foram estas: Posso juntar as fotos de rosto (sem niomes) dos editores e colaboradores do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (eles são 10 ) e pedir-te um favor ? Fazeres uma composição, em grupo, com eles vestidos de "índios moicanos" ou inseridos em "ambiente moicano"... Eles são, metaforicamente falando, os "últimos moicanos", os sobreviventes de um projeto, com mais de 20 anos, de partilha, na Net, de memórias e afetos entre antigos combatentes da guerra da Guiné (1961/74), que a lei da vida vai fazendo desaparecer. Felizmente estes ainda estão vivos.Vou mandar as fotos são 11. Mas já sei que tu só aceitas 10. O 11º (por sinal, o Jorge Araújo, "ranger", está a preparar-se para ir para o mato, numa operação à "Ponta do Inglês"!, pelo que náo aparece na imagem de grupo, uns sentados e outros de pé, à volta da fogueira.

Legenda (possível): 1= Virgínio Briote (oiu será o 4 ?)  | 2=João Martins | 3= Cherno Baldé | 4= Humberto Reis (ou será o 1) | 5=Patrício Ribeiro | 6= Luís Graça | 7 = Carlos Vinhal | 8 = Edurado Magalhães Ribeiro | 9 = Mário Beja Santos | 10 = Hélder Sousa | 11 = (omisso, Jorge Araújo)

Infografia: LG + ChatGTP (2025)


1. A metáfora do "último dos moicanos" é aplicável aos "último dos soldados do império" ? (*)

Sim e não... A expressão "o último dos moicanos" é usada como referência aos últimos sobreviventes ou resistentes de uma causa, de um povo, de uma era, etc.

Inspirada na obra literária de James Fenimore Cooper ("O Último dos Moicanos" que eu nunca li, data de 1826, quando muito posso ter a "história" nalguma banda desenhada na minha infància), o uso da metáfora evoca uma sensação de resistência solitária, de testemunho de um mundo desaparecido ou em vias de desaparecer... (E temos tantos exemplos de comunidades, organizações, causas, movimentos, etnias, povos, nações, etc., a começar por África, a quem podíamos chamar "os últimos moicanos")...

Penso que a expressão ficou no ouvido sobretudo de quem viu o filme, baseado naquela obra literária, e que adoptou o título homónimo, de 1992, "O último dos moicanos", do realizador norte-americano Michael Mann

O filme passou na RTP1. Não o vi. Aqui a sinopse: 

(...) "Uma história de amor sem fronteiras, uma recriação detalhada da turbulenta América colonial do século XVIII

Baseado no livro de James Finimore Cooper, 'O Último dos Moicanos',  é uma história de amor sem fronteiras, uma recriação detalhada da turbulenta América colonial e uma saga excitante sobre a guerra entre ingleses e franceses, no século XVIII, por um pedaço do solo americano. Hawkeye é um homem criado por índios e que luta por justiça e pelos princípios moicanos. Cora Munro é filha de um oficial britânico. Eles apaixonam-se e juntos enfrentam a ira do cruel e vingativo Magua."(...)


Ao aplicar esta metáfora (que é mais uma expressão de humor de caserna do que uma "verdade histórica"...), o Abílio Magro & Companhia (**), os últimos militares portugueses a deixar Bissau em setembro e outubro de 1974, bem podiam descrevem-se a si próprios como os últimos estafetas de uma corrida de 500 anos, os remanescentes de um poder (colonial) que acabava de passar à História.

Sem o dramatismo da saída dos americanos de Saigáo, eles eram os últimos representantes de um exército que "passava a bola", o poder, aos "novos senhores da guerra", o PAIGC... Sem derrota militar, acrescente-se!"... 

O que os tugas disseram aos discípulos de Amílcar Cabral, foi: "Agora mostrem o que valem"!... (É evidente, sabemo-lo, hoje: infelizmente, o PAIGC não tinha gente nem condições para fazer o país que o líder histórico sonhava.)

É claro que a expressão também carrega um misto de melancolia, nostalgia, saudade... (A Guiné, as suas paisagems, as suas gentes, mais do que a guerra, ficaria nas nossas boas memórias, e temos lá voltado em "turismo de saudade", os "tugas" são desconcertantes, são sentimentais, são solidários...).

Objetivamente falando, o Abílio Magro & Companhia foram também as derradeiras testemunhas de um "capítulo da História de Portugal" (como se a História tivesse capítulos, com princípio, meio e fim...).

Capítulo que não se encerrava definitivamente. Afinal, a Guiné-Bissau é um país que quer (e que precisa de) continuar a manter relações, agora menos assimétricas, com Portugal: é cá que vêm tratar-se no SNS (e infelizmente também morrer) os antigos dirigente ou combatenets  do PAIGC (como o Luís Cabral, em 2009, o Aristides Perereira, em 2011, o Duke Djassy, em 2025,. só para citar alguns que me ocorrem de momnetp), é cá que muitos doentes vêm fazer hemodiálise, é cá que os muitos dos seus futuros médicos, engenheiros, professores,  advogados, etc., estudam, é cá que muitos guineenses vivem e trabalham, etc.

Para além do facto histórico (a saída dos últimos militares portugueses, que de resto já lá voltaram, mas agora em "missões de paz" da ONU...) a expressão traduz sobretudo um estado de espírito.

Para alguns, sim, poderá ter sido um sentimento de abandono e de desilusão. Foi, por certo, mais para os nossos camaradas guineenses, a que fora prometida uma paz honrosa... e que optaram por ficar na sua terra (em rigor, não tinham alternativa, Portugal não era a sua casa).

Nunca tendo sido uma colónia de povoameno, a Guiné não desperta, por parte dos "civis" que lá nasceram, viveram ou trabalharam o mesmo sentimento de "saudosismo" que experimentam os "retornados" de Angola e Moçambique...ainda hoje.

Acredito que houvesse, nessa época, uma atmosfera ambivalente, em Bissau, de nervosismo, ansiedade e alívio, capaz de gerar sentimentos contraditóriso: afinal, os "tugas" estavam desejosos de regressar a casa e em Lisboa os jovens gritavam "nem mais um soldado para as colónias"... Estupidamente ? 

Não é que houvesse um clima de hostilidade contra os "tugas", nesses últimos dias de setembro e princípios de outubro...

Nada disto é racional: quem está com um pé para ser chamado para a a tropa e a guerra (como eram os estudantes da época), e quem já lá estava, escutando com ansiedade para as notícias de Lisboa e olhando com nervosismo para o relógio e o calendário (náo havia televisão em Bissau...),   só queria é que a maldita guerra acabasse...para poder tratar da sua vidinha... 

Aconteceu em Lisboa, em 1974, como acontece hoje em Kiev, em Moscovo, em Tele Avive, em Gaza...

"Nem mais um soldado para as colónias!"... Slogan que irritava solementye os desgraçados dos "últimos moicanos"....Afinal, alguns desses jovens, que ainda não tinham ido à tropa nem muito conmhecido a realidade das colónias, a militar (alguns, a maioria eram simpatisdanets)  na extrema-esquerda (e nomeadamente maoísta) viriam a ter, anos depois, boas carreias políticas, diplomáticas, académicas, empresariais,. etc. 

A verdade é que a liquidação do império (os seus cacos) sobrou para os "últimos moicanos", o Abílio Magro & Companhia...

Em suma, a expressão "último dos moicanos" ou "últimos moicanos" do Império, em setembro e outubro de 1974, em Bissau, significa a representação simbólica do fim do ciclo imperial português, mas também o início de um ciclo de esperança para os dois povos...

Os portugueses gostam de construir pontes, e não de as deitar abaixo. A prova disso é o nosso blogue: antigos combatentes da Guiné mantém, há mais de 20 "luas", esta ponte com a Guiné as suas gentes... Mas a expressão os "últimos moicanos" tambéms e aplica a nós, editores,colaboradores permanentes, aitores, comentadores, leitores...Não sei  se a geração dos nossos filhos vai querer (e sobretudo poder) manter estes laços afetivos, ou mesmo é dizer, manter aberto este ponte de diálogo, comunicação, partilha, interação...

PS -  O editor LG tinha deixado o seguinte comentário no poste P15618 (e que mantém, após ter lido ou relido o poste do Albano Mendes de Matos, P27278):  

(...) Há algo de pungente na tua descrição, tão singela, ingénua e ao mesmo tempo tão realista e quase cinematográfica dos últimos dias de Bissau... São pinceladas, são apontamentos, são "flashes", são pequenos detalhes de uma atmosfera, única, a da véspera de se partir, definitivamente, para casa e deixar atrás a tralha da História, e as ruínas de uma guerra, que vai, contudo, continuar a arder em lume brando...

Acho que, quem como tu, foi um dos últimos guerreiros do império, mesmo tendo sido um honestíssimo e patriótico amanuense, não mais poderia esquecer esses últimos dias, essas últimas horas...

O teu "prisioneiro da ilha das Galinhas" é um "boneco" bem apanhado!... Estou a imaginar a cara de desagrado, nojo, confusão e impotência dos nossos "maiores" (em geral, majores, tenentes coroneis e um ou outro coronel) ao tropeçar, à portas do QG, com o teu "moicanho"... 

Mas todos foram, "chefes e índios", tristes figurantes do filme em que os "tugas" sairam de cena... daquela parte de África aonde justamente tinham sido os primeiros, dos europeus, a chegar, em meados do séc. XV!...

Obrigado, mano Magro, por mais este delicioso naco de prosa!..

(Revisão / fixaçáo de texto, título: LG)
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(**) Vd. postes de:


Guiné 61/74 - P27281: Tabanca da Diáspora Lusófona (36): O meu "Labor Day" (1 de setembro) e um "party" luso-esloveno-americano (João Crisóstomo, Queens, Nova Iorque)

 


Foto nº 1 > Nova Iorque > Queens > 1 de setembro de 2025, "Labor Day" > Ser solidário (1): O João e a Vilma


 
Foto nº 2  > Nova Iorque > Queens > 1 de setembro de 2025, "Labor Day" > Ser solidário (2)


Foto nº 3 > Nova Iorque > Queens > 1 de setembro de 2025, "Labor Day" > Ser solidário (3)



Foto nº 4 > Nova Iorque > Queens > Setembro de 2025 > Party luso-esloveno-americano (1)


Foto nº 5 > Nova Iorque > Queens > Setembro de 2025 > Party luso-esloveno-americano (2)


Foto nº 6 > Nova Iorque > Queens > Setembro de 2025 > Party luso-esloveno-americano (3)


Foto nº 7 > Nova Iorque > Queens > Setembro de 2025 > Party luso-esloveno-americano (4)

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem do João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona:

Data - terça, 16/09, 01:08
Assunto - Sinal de vida


Caro Luis Graça,

Envio-te meia dúzia de fotos de dois eventos recentes. Com franqueza receio que este tipo de notícias e fotos nem sejam pertinentes para o blogue; pois pode dar uma impressão errada, tanto mais que recentemente, (aliás há bastante tempo já) nem tudo têm sido rosas. 

Mas, um dia de cada vez, vamos fazendo o melhor que se pode, incluindo tentar partilhar e viver com os "nossos próximos” mais próximos… Mas… faz o que bem entenderes.
A verdade é que estes “parties” nos ajudam muito a nós mesmos. De certa maneira os maiores beneficiados somos nós.

As primeiras 3 fotos são dum “party" no dia 1 de Setembro (o correspondente ao 1º de Maio em Portugal): uma espécie de “ snack” às 16.00 pm  com salada de fruta, um grande bolo, e outros variados, refrigerantes etc. Foi a melhor maneira que encontrei para dar um pouco de vida e alegria a alguns dos séniores (e alguns familiares que os visitavam nesse dia) que moram num “assisted living building” (**) na nossa rua (otos nºs 1, 2 e 3),

As outras fotos são dum “party de "parabéns e boas-vindas” a dois jovens amigos da Eslovénia ( que conhecíamos de anteriores visitas a Nova Iorque) e que agora vieram trabalhar e viver nos Estados Unidos (Fotos nºs 4, 5, 6, e 7)) 

 Este foi um evento mais “abrangente”, meio português, meio esloveno … como podes verificar pelas cores dominantes: na mesa maior, comprida, as cores são verde e vermelho (foto nº 5), assim como no muro contrário, na foto em que eu e a Vilma estamos com os dois “homenageados” (foto nº 6) ( e até parecemos dois anões… o que não nos atrapalha, pois logo de pequeno , talvez para que eu não tivesse preconceitos de ser pequeno, me folham pondo na cuca que os homens não se medem aos palmos…). 

Já na mesa contra o muro oposto, as cores são as da bandeira eslovena (Foto nº 5). Nessa mesa podes ver dois tachos grandes: um tacho de caldeirada de bacalhau e um tacho de arroz de marisco, ambos um sucesso . Mas como na Eslovénia o forte mesmo é a carne, houve uma travessa de “Ribs” (porco) e duas travessas de galinha : uma de galinha assada e outra de galinha picante com muito alho. E ratatouille,  salada russa, que eles aqui teimam em chamar "salada francesa”, e salada de batata à eslovena; e salada de alface, que para surpreza minha a Vilma , que faz sempre uma salada fabulosa, desta vez teimou que fosse mesmo bem simples, até o tomate e cebola foram apresentados separados… Ela lá sabe das suas razões…

O vinho branco era o nosso vinho verde. O vinho tinto e champanhe, que foram oferta dum dos convidados , era esloveno. Pelo que me diziam e pelas canções eslovenas que de repente todos ( excepto eu…) se puseram a cantar ( berrando) e parecia não acabarem mais, eu deduzo que valeu a pena!

(Revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 13 de julho de 2025 _ Guiné 61/74 - P27011: Tabanca da Diáspora Lusófona (35): O meu "Four of July", aniversário da grande Nação Americana, em que os cachorros quentes ("hot dogs") e hambúrgeres grelhad
os da tradição foram substituídos pelo nosso bom bacalhau (João Crisóstomo, Nova Iorque)

(**) O que é um "Assisted Living Building" em Nova Iorque?

Resposta com a ajuda do assistente de IA / Gemini:

Um "assisted living building" (ou "assisted living residence") em Nova Iorque é uma unidade habitacional para pessoas idosas ou com deficiência que necessitam de algum apoio nas atividades diárias, mas que não precisam do nível de cuidados médicos intensivos de um lar de idosos (nursing home). Portanto, não se confunde com o nosso "centro de dia para idosos"  ou "lar de terceira idade"

As principais características incluem:

(i) Habitação: os residentes vivem nos seus próprios apartamentos ou quartos privados dentro de um complexo com áreas comuns.

(ii) Cuidados 24 horas: oferecem supervisão e assistência contínua, incluindo pessoal disponível a qualquer hora para emergências.

(iii) Serviços incluídos: geralmente, os serviços abrangem > Assistência Pessoal: ajuda com a higiene pessoal (banho, vestir), mobilidade e outras atividades da vida diária; | Gestão de Medicação: apoio na toma correta dos medicamentos; | Refeições: fornecimento de refeições diárias, geralmente em refeitórios comuns; | Limpeza e Manutenção: serviços de limpeza do alojamento e tratamento de roupas; | Atividades Sociais e Recreativas: programas para promover o convívio, o bem-estar físico e mental.

(iv) Regulação: no Estado de Nova Iorque, estas residências são licenciadas e reguladas pelo Departamento de Saúde do Estado (New York State Department of Health) para garantir a segurança e a qualidade dos cuidados. O objetivo é proporcionar um ambiente que se assemelhe a uma casa, promovendo a dignidade, autonomia e independência dos residentes.

(***) O "Labor Day", equivalente ao nosso 1º de Maio , "Dia do Trabalhador", é feriado federal nos EUA. Celebra-se na primeira segunda-feira ("monday") de setembro: (i) homenageia a luta dos trabalhadores americanos por melhores condições de vida e de trabalhao; e (ii) e marca o fim não oficial do verão.

A data é comemorada com desfiles, piqueniques e eventos ao ar livre, sendo uma oportunidade de descanso e lazer para as famílias.

O " Labor Day" surgiu no século XIX como resultado da luta do movimento operário em prol de melhores condições de trabalho e redução da jornada de trabalho

O final do século XIX ,nos EUA; foi um período de intensa industrialização, marcado por longas jornadas de trabalho (frequentemente de 12 horas diárias, sete dias por semana), baixos salários e condições de trabalho insalubres e perigosas (acidentes de trabalho, doenças profissionais...). Coemnaçaram a ganhar força os sindicatos, com orgamização de greves e manifestações.

É nesse cenário que que surge a ideia do "Labor Day"...A primeira celebração do Labor Day ocorreu em 5 de setembro de 1882, em Nova York, organizada pela Central Labor Union (CLU). Milhares de trabalhadores marcharam da Prefeitura até a Union Square, em um evento que combinou um desfile com um piquenique para as famílias dos trabalhadores.

O Estado do Oregon foi o primeiro a aprovar uma lei para reconhecer o feriado em 1887. Tornou-se feriado federal, de àmbito nacional, em 1894, após a greve de Pullman, que trouxe as condições de trabalho para a luz da ribalta. Foi dos mais dramáticos conflitos sociolaborais da história americana:

A greve, que começou como um protesto contra cortes salariais e a alta dos preços das rendas de casa. numa cidade-empresa controlada pela Pullman Palace Car Company. Espalhou-se rapidamemnte por todo o país, aralisando os transportes ferroviário.

A resposta do governo federal não se fez esperar e foi dura, com o envio de tropas para reprimir a greve. Houve mortes. P Presidente Grover Cleveland acabou por assinou a legislação que estabelecia o Labor Day como um feriado nacional legal, em 28 de junho de 1894. Mas at+e essa dat Até 1894, mais da metade dos Estados já havia adotado a data.

No essencial, o "Labor Day" celebra as conquistas históricas do movimento operário (a jornada de trabalho de oito horas, salários mais justos, saúde e segurança do trabalho, direito à organização sindical).

Na cultura da América, simboliza também omo o fim, não oficial, do verão. Sendo um fim de semana com ponte (o feriado é sempre à segunda), é uma oportunidade para uma última viagem de verão, churrascos, piqueniques e eventos ao ar livre. As escolas e universidades geralmente iniciam seu ano letivo após o Labor Day.
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A escolha de da primeira segunda feira de setembro para o Labor Day nos EUA foi, em parte, uma tentativa de distanciar o feriado das conotações socialistas e anarquistas do 1º de maio, Dia Internacional dos Trabalhadores. O 1º de maio tem suas raízes na revolta de Haymarket, ocorrida em Chicago em 1886, e está associado a uma tradição mais politizada e de protesto do movimento operário internacional. 


(Pesquisa, condensação, revisão / fixação de texto: LG)

Guiné 61/74 - P27280: Manuscrito(s) (Luís Graça) (274): Vindimas, ainda são o que eram ? - Em Candoz, sim, no essencial - II (e última) Parte

 

Foto nº 19 > Quinta de Candoz > Vindimas >  11 e 19 de setembro de 2025 > Uvas da casta Trajadura
(para saber algo mais sobre as castas brancas do vinho verde, ver aqui este sítio)... Candoz pertence à subregião de Amarante, em que predominamo Pedernã / Arinto, Azal, Avesso e Trajadura...

Foto nº 20 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 e 19 de setembro de 2025 > Videira (jovem) carregada de uvas da casta Pedernã  (ou Arinto).


Foto nº 21 > Quinta de Candoz > Vindimas 11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Azal (original das b-subregiões de Amarante, Basto, Baião e Sousa)

Foto nº 22 > Quinta de Candoz > Vindimas >  11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Avesso  (típica sa subregião de Baiáo, aqui ao lado,a 500 metros, em passando a linha do camainho de ferro do Douro).


Foto nº 23 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Alvarinho (típica da subregião de Monção e Melgaço)


Foto nº 24 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Loureiro (cultivada principalmente na zona norte-litoral da Região Demarcada dos Vinhos Verdes: subregiões de Lima, Cávado, Ave)


Foto nº 25 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Loureiro:  é pela folha que se conhece a casta... Loureiro e das demais. (Eu ainda tenho que ver a etiqueta, que o nosso "engenheiro" fixa nas videiras é para os vindimadores não se fazerem a devida seleção...)


Foto nº 26 > Quinta de Candoz > Vindimas 11 e 19 de setembro de 2025 > Um luxo de uvas, que foi para a Aveleda, em Penafiel...Impecáveis, sem um bago podre ou seco... Deram 13,8 graus de álcool provável... Não adianta: a Alveleda só paga melhor até 11,5º...  Mas ajudamos a empresa a ser talvez a melhor da Região Demarcada dos Vinhos Verdes. Devíamos ter pelo menos direito ukm "like", na página do Facebook da Aveleda, somos uma das formiguinhas que trabalham para eles...


Foto nº 27 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 de setembro de 2025 > Os jovens tiram férias para vir às nossas vindimas...Claro, eles são o futuro. E estão-nos a dar cartas, aos mais velhos... Sempre foi assim em Candoz: as gerações, e já são oito, desde 1820,  cada geração traz o seu "valor acrescentado", a sua marca de inovação, o seu paradigma de mudança...

Foto nº 28 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > Está na hora do almoço...

Foto nº 29 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > Apesar do trator, há muito trabalho braçal... E sobretudo muito boa interajuda, cumplicidade, boa disposição... É isso que é a magia das vindimas nas terras do Zé do Telhado... (O fantasma dele ainda vagueia por aqui à noite,)

Foto nº 30 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > Uma pausa para retemperar forças e beber a "bejeca"... (Super Bock, no Norte, passe a publicidade; cada "tribo" tem direito à sua idiossincrasia; só eu é que sou plural: tanto bebo do branco como do tinto, da Sagres ou da Superbock...

Foto nº 31 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Já têm sido, nas vindimas, muito mais à mesa... Desta vez só foram 18, pelos pratos que eu contei... A uma sexta feira, dia útil da semana, nem todos os "citadinos" podem comparecer à chamada...ou simplesmente fazer o gosto ao dedo... Eu, por  exemplo, não cortei um cacho  de uvas (minto, cortei alguns)... O meu papel foi o do fotógrafo, que é mais confortável. Mas alguém tem de se "sacrificar" e deixar registos para a posteridade, escrever as histórias,  as memórias, os afetos...


Foto nº 32 > Quinta de Candoz > Vindimas 11 e 19 de setembro de 2025 > O tacho desta vez foram... "tripas à moda do Porto"...A "chef" Alice esteve á frente do departamento dos "Comes & Bebes" durante as vindimas....Comida apropriada para os trabalhadores da vinha... Um prato tripeiro (e patriótico) por excelências... Oxalá, Enxalé, Inshallah, a gente apanhasse disto no "rancho" na Guiné... Tínhamos ganho a guerra, naqueles anos, só a comer esparguete com cavala, ou bianda com bianda... e a beber "água de Lisboa" (quer dizer, do Beato)...

Foto nº  33 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >   No fim do dia está toda a gente cansada que nem dá tempo para dar um mergulho na piscina...

Fotos (e legendas): © Luís Graça 2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Muitos de nós aprendemos a apreciar o vinho verde (branco) só na Guiné...Muitas das marcas de referência, que ainda hoje existem e têm sucesso no mercado  (interno e externa), dos vinhos verdes, foi lá que as conhecemos: Aveleda, Casal Garcia, Gatão, Gazela, Lagosta, Três Marias, Campelo, Casal Mendes, incluindo o "príncipe dos alvarinhos", que era então o "Palácio da Brejoeira". Poucos bebiam "Mateus Rosé"... (Passe a publicidade!...). Também se bebia Dão. A TAP fazia uma boa promoção do Mateus e do Dão.  Não me lembro de ver Verde a bordo avião da TAP, quando fui e vim de férias (ainda não tinha o prestígio que tem hoje à mesa dos apreciadores)...

Eu sempre desconfiei que a Região Demarcada dos Vinhos Verdes (numa época em que ainda  se produzia 90% de tinto e 10% de branco) tinha que ir à minha terra, ao Oeste  (Lourinhã, Torres Vedras, Bombarral, Cadaval...) buscar um "reforço" de vinho leve (ainda não se falava em vinho leve): eram brancos com baixo teor alcoólico que, levados em camiões-cisterna,  abasteciam os armazéns do Norte... 

A Lourinhã, por exemplo, sempre produziu ao  longo dos últimos dois séculos bons vinhos para "queimar" (produzir aguardente vínica para o vinho do Porto...). E não é por acaso que, com toda a justiça, é Região Demarcada da Aguardente Vínica da Lourinhã. 

Lê-se no sítio da  Aguardente DOC  Lourinhá: (...) "As vinhas cultivadas nesta região têm a predominância de castas brancas. Pela sua exposição e solos permitem que as suas uvas deem uma vinificação de baixo teor alcoólico e elevada acidez, obtendo-se a partir desse vinho destilado uma aguardente de grande qualidade. Devido a esta qualidade excecional, esta aguardente foi utilizada pelos produtores do vinho do porto há cerca de duzentos e dez anos" (...)

Ora quem fazia "vinho do Porto", também fazia "vinho verde"... Era só preciso haver "mercado", dizem os economistas... (Aliás, ainda hoje é assim: quem náo tem uvas, compra aos espanhóis...).

Ainda me lembro de ter feito uma reportagem, para o jornal "Alvorada",  sobre a Adega Cooperativa da Lourinhã, em 1966, em plena azáfama das vindimas... Cito de cor, mas naquele tempo, eles deviam receber umas 7 mil toneladas de uvas... O vinho aqui era abundante e barato. De tal modo que arrancaram as vinhas todas, com o fim do mercado de África. (Todas, é um exagero: ainda há as suficientes, de castas rigorosamente definidas, que dão excecionais aguardentes, produzidas e envelhecidas na Adega Cooperativa da Lourinhã e na Quinta do Rol, os únicos dois produtores do mundo desta Aguardente DOC Lourinhá, que estão fartos de ganhar prémios.).

A África Portuguesa (Angola, Moçambique, Guiné), com centenas de milhares de consumidores, entre civis e militares,  eram um grande mercado cativo para os nossos vinhos.

O vinho era um bem de consumo identitário para os portugueses, nascidos num país em que o vinho marcava presença à mesa e no altar (!), uma fonte, além disso, de sociabilidade e de ligação à terra de origem. Claro que as empresas  exportadoras tinham aqui uma oportunidade de ouro.

Misturados, loteados, gaseificados,  e com rótulo de verde, geladinhos, estes vinhos de lote passavam muito bem por "vinho verde", a 4 mil, 8 mil, 12 mil quilómetros de distância... 

Os oficiais e sargentos do quadro permanente, e os milicianos tinham patacão, os colonos de África ainda mais, e a sede era terrível naquele clima medonho... 

Por falta de literacia (como diríamos hoje)  nesta matéria, o  consumidor de vinhos  em África (militar ou colono) não questionava a origem do produto nem a qualidade:  o paladar fresco e gaseificado convencia qualquer um, num clima como aquele, tropical... E, depois, o frio e o gás escondem os defeitos de qualquer vinho. Em qualquer parte dou mundo.

Estas práticas, ilegais,  que o laxismo e a incompetência dos organismos públicos de regulação e fiscalização do sector deixavam passar, cá  e lá, na metrópole e no ultramar, acabaram por trazer muito  má fama ao vinho verde branco: durante anos, será associado a vinho “fraco” ou “de segunda”... Para não dizer a martelo".

"Bons tempos", o do vinho branco verde de 2ª, para o branco de 2ª!... A guerra sempre trouxe, em toda a parte, a corrupção económica... O Estado Novo não foi exceção..., embora o cinismo dos seus saudosistas insista na narrativa do regime impoluto e austero como o do seu  chefe, sempre trancado no Palácio de Belém, longe das tentações e frivolidades do mundo.

Só muito mais tarde comecei a perceber a diferença entre um "vinho branco leve" da Estremadura, de 8/9 graus, gaseificado,  e um nobre "vinho branco verde", DOC... 

Eu sabia lá, camaradas e amigos, com que castas se fazia este vinho único no mundo!... Os segredos do cultivo da vinha,  do enxerto e da poda à "poda verde", sem esquecer a prevenção e o tratamento do míldio, do oídio, do "black rot" (ou "podridão negra"), até à apanha das uvas e da sua vinificação... 

Ainda hoje não sei, confesso... Vou aprendendo alguma coisa com os "trabalhadores da vinha", na Quinta de Candoz... Para vergonha minha, nem podar sei... Preguiça mental: em 50 anos tinha obrigação de saber...

De facto, poucos de nós, os lisboetas, os do Sul, conheciam a Região Demarcada dos Vinhos Verdes (que já existia desde finais da monarquia, em  1908, de resto  uma das mais  antigas da Europa). 

Mas foi preciso esperar por uma nova geração de produtores que profissionalizou o "negócio", por uma autêntica revolução de tecnologias mas também de mentalidades, sem esquecer o aparecimento de uma competente e talentosa  geração de jovens enólogos, mas também o papel fundamental da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV), na regulação e fiscalização do setor, etc .... 

Hoje fazer vinho é uma arte e uma ciência.. E, claro, um negócio. No nosso caso, também é paixão, utopia,  devoção, amor, resiliência, experimentação, gozo... 
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 29 de setembro de 2025> Guiné 61/74 - P27266: Manuscrito(s) (Luís Graça) (273): Vindimas, ainda são o que eram ? - Em Candoz, sim, no essencial - Parte I