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Queridos amigos,
Se dúvidas subsistissem sobre a grande importância dos depoimentos dos entrevistados, terá ficado esclarecido, com estas recensões, como é complexo esperar que se publique nos próximos anos uma história do PAIGC, há inúmeros pontos de encontro sob a génese do movimento de emancipação, múltiplas são as interpretações de eventos sucessivos, há silêncios inabaláveis, registos desaguados em autênticos labirintos.
Posso imaginar o pesadelo do trabalho com que os historiadores se irão confrontar para atinar com uma linha interpretativa largamente consensual… serão trabalhos de Hércules.
Um abraço do
Mário
O testemunho de Aristides Pereira* (6):
Rafael Barbosa, Silvino da Luz, Vítor Robalo e Elisée Turpin
Beja Santos
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Rafael Barbosa é uma personalidade que cabe perfeitamente num romance de John Le Carré, tal a riqueza da sua complexidade. Amado e odiado ao extremo, aquele que foi presidente do Comité Central do PAIGC e o herói sem reservas dos primeiros e decisivos recrutamentos para a luta armada, Barbosa soube cultivar o mito, deixou na bruma e no labirinto dos equívocos uma gama de atitudes que podem constituir a grandeza e a miséria do combatente que viveu à beira do vulcão o emaranhado das dúvidas e das certezas.
A entrevista que concedeu a Leopoldo Amado em Maio de 1995 é aliciante. Fala com autoridade dos diferentes movimentos para a independência que antecederam o PAIGC (PAI), com todos os nomes. Descreve as circunstâncias em que foi criado o PAI, como ele igualmente foi fundador do MLG, como surgiram as desavenças entre os dois movimentos, como ele aderiu sem tibiezas ao PAI e se tornou no mais estrénuo activista e recrutador. Conta a sua prisão em 1962. Enuncia os nomes de todos aqueles que enviou para a luta. Quando lhe perguntam o número de pessoas que enviou, ele responde com simplicidade: “Quase toda a malta que saiu aqui de Bissau fui eu que a mandei. E mesmo depois que saí da segunda prisão – já depois do célebre discurso que provocou o meu afastamento do cargo de presidente do Comité Central – mandei mais de 50 ex-presos, de um total de 93 que foram postos em liberdade”.
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Durante a entrevista, Barbosa revela-se indignado com o comportamento dos dirigentes do PAIGC para com ele. Diz não ter recebido nenhum dinheiro do Spínola, só materiais para a construção da sua casa que também não aceitou. Foi adepto da guerrilha urbana. Quando rebentaram bombas em Bissau, voltou a ser chamado à PIDE. Em todas as circunstâncias é peremptório, identifica-se sempre como militante do PAIGC. Especula sobre o que esteve por detrás da morte de Amílcar Cabral, não hesita na importância do conflito entre cabo-verdianos e guineenses e exonera qualquer responsabilidade pessoal no assassínio, mesmo quaisquer ligações com os executores do crime. É um documento espantoso, fica-se a perceber que o lutador não morreu no político esquecido e abandonado.
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O apenso documental é riquíssimo, comporta peças como os primeiros estatutos do PAIGC, a criação de um movimento de libertação da Guiné, os apontamentos datados de 17 de Janeiro de 1963, da autoria de Costa Pereira, chefe da delegação da PIDE em Bissau sobre a Guiné portuguesa e os territórios vizinhos, inclui igualmente cartas de Amílcar Cabral e na parte final temos o acervo das actas dos encontros ocorridos em Londres e Argel, a seguir ao 25 de Abril. Vale a pena dedicar alguma atenção a esta riqueza documental desde o início até ao termo da luta armada.
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Notas de CV:
(*) Vd. postes de:
20 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8141: Notas de leitura (230): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (1) (Mário Beja Santos)
28 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8176: Notas de leitura (234): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (2) (Mário Beja Santos)
3 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8209: Notas de leitura (235): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (3) (Mário Beja Santos)
17 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8286: Notas de leitura (239): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (4) (Mário Beja Santos)
20 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8304: Notas de leitura (240): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (5) (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 24 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8318: Notas de leitura (241): Porque Perdemos a Guerra, de Manuel Pereira Crespo (Mário Beja Santos)
1 comentário:
Um reparo ao Beja Santos... ou aos editores. A foto ilustrativa da referencia feita a Silvino da Luz, nao corresponde a pessoa em causa... A foto e sim do ate ha bem pouco tempo presidente do parlamento caboverdiano, o jurista Aristides Lima, hoje candidato as eleicoes presidenciais de Setembro proximo !Lima foi igualmente secretario geral (presidente ?) do PAICV...Cabo Verde !
Nelson Herbert
USA
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