sexta-feira, 20 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8304: Notas de leitura (240): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Abril de 2011:

Queridos amigos,
Deambulação pelas quase 1000 páginas do testemunho, entrevistas e apenso documental à volta de Aristides Pereira está prestes a findar.
O livro de é de leitura obrigatória. Não descodifica os grandes enigmas porque os protagonistas teimam no silêncio e na dissimulação das respostas, quando interpretam os acontecimentos mais relevantes.
Dos intelectuais aos militares, parece que ninguém via um conflito insanável em torno de uma equação sobre a unidade de Guiné e Cabo Verde que foi criação exclusiva de Amílcar Cabral. Mas abre importantes pistas de trabalho que os historiadores de amanhã não poderão de descurar.

Um abraço do
Mário


O testemunho de Aristides Pereira (5):
Gérard Challaind, Idrissa Sow, Manecas, Oscar Oramas e Osvaldo Silva

Beja Santos

Gérard Challaiand foi um dos primeiros estudiosos ocidentais a interessar-se pela problemática das lutas de libertação africanas. Nos anos 60 chamou a atenção do público europeu para o que se estava a passar na Guiné. O seu depoimento é muito elucidativo, de acordo com a entrevista que lhe fez Iva Cabral, a filha de Amílcar. Começa por enquadrar historicamente as lutas de libertação a partir da II Guerra Mundial e observa os sistemas coloniais inglês, português e francês. Paris irá ser um farol para todos aqueles que lutam pela emancipação do jogo colonial e recorda o presidente do Senado de França, Gaston Monnerville, um africano. Igualmente Senghor aqui publicou a sua poesia em louvor de negritude. A ONU começara a dedicar atenção às lutas de libertação no final dos anos 50 quando o mapa das nações já era bem distinto daquele que levou à sua fundação. O PAIGC surpreendeu a opinião pública mundial pela personalidade de Amílcar Cabral, tido inquestionavelmente como um dirigente excepcional: pela sua capacidade de passar da ideia ao acto, pela estratégia de sensibilização das populações camponesas, dando-lhes confiança, misturando a guerrilha com a organização civil e depois a sua capacidade de diplomata. A sua projecção internacional tornou-se notória no discurso que ele pronunciou na conferência da Tricontinental. Para Challaiand, Cabral esteve sempre a altura de todos os desafios: pela surpresa de 1963, quando em escassos meses implantou a guerrilha em zonas estratégicas; quando soube ultrapassar o impasse militar anunciando a proclamação da independência, deixando Lisboa sem um só trunfo na arena internacional.

Indrissa Sow desempenhou funções militares durante a luta de libertação e veio mais tarde a ser embaixador da Guiné-Bissau em Conacri. Guineense, assistiu na juventude em Bissau à simpatia dos ideais nacionalistas, pôde presenciar o regresso dos militantes desterrados e os outros que terão sido aliciados pela PIDE. Nesta entrevista parece ser importante reter o que ele nos diz sobre os autores morais do assassínio de Cabral: o que me lembro é que quando o Momo (um dos assassinos) chegou a Conacri fizeram-se reuniões na Escola-Piloto e na cantina, onde Cabral apresentou Momo a todos nós. O Momo começou com conversas contra a unidade. Com essas conversas, as tensões foram aumentando em Conacri. Depois fui como comandante de bi-grupo para Beli e quando regressei senti que a tensão tinha aumentado. Falei com a Ana Maria Cabral sobre essas tensões em Conacri. Já não nos tratávamos como irmãos, cada um parecia querer apenas desembaraçar-se e viver a sua vida”.

Manuel dos Santos (Manecas) fala detalhadamente da sua vida de combatente, das relações entre cabo-verdianos e guineenses e comenta tanto o significado do 25 de Abril como as negociações de Londres que levaram à independência da Guiné. Sem hesitar, atribui a revolução do 25 de Abril aos guineenses, terá mesmo dito a Durão Barroso que ainda há uma dívida que os portugueses não pagaram à Guiné que é a dívida de eles terem o regime democrático: “Nós fomos os grandes actores do 25 de Abril, é sintomático o facto de todos os grandes comandantes do 25 de Abril terem passado por aqui”. Quanto às negociações que levaram à paz ele refere igualmente que elas não podiam falhar, argumentando assim: “Sabe porquê? Porque Portugal não tinha nenhuma capacidade de continuar a guerra, sobretudo aqui na Guiné. Nós tínhamos tirado ao Exército português a capacidade de continuar a guerra. Tenho algumas fotografias feitas na estrada de Farim, aquando dos primeiros contactos com a tropa portuguesa, a 2 de Junho de 1974. Os nossos soldados e os soldados portugueses já estavam a beber juntos. A partir daí, já não havia guerra que fosse possível”.

Oscar Oramas, antigo embaixador de Cuba em Conacri e que foi o primeiro estrangeiro a chegar ao pé de Amílcar Cabral depois do seu assassinato escreve uma carta a Aristides Pereira onde confirma todos os eventos que tiveram lugar após o assassinato do líder. Logo que soube que Aristides Pereira fora raptado contactou Sékou Touré e solicitou-se ao embaixador soviético que se fosse em perseguição das embarcações usadas pelos conspiradores no rapto do futuro secretário-geral do PAIGC. Oramas assistiu ao encontro entre Sékou Touré e os assassinos de Cabral. E escreve: “Eles confessam que tiveram uma discussão com Amílcar e que este não quis escutá-los, que teria havido violência e depois soaram os disparos. Eles quiseram evidenciar que existiam grandes contradições no seio do partido, que os guineenses estavam a ser preteridos e que havia um grande monopólio dos cabo-verdianos na direcção do PAIGC”.

E temos por último Osvaldo Lopes Viera, o operacional que preparou o bombardeamento de Guileje. Fala assim de Osvaldo Vieira: “Foi nos primeiros anos da luta um grande comandante. Mas a partir do momento em que se alcoolizou, passou a cometer muitos erros que deram lugar a frequentes críticas por parte de Cabral. Essas críticas, mal recebidas, foram transformando o Osvaldo num revoltado, com predisposição para entrar em pequenos complôs ou emprestar o seu nome para fomentar um clima de contestação a Cabral”. E refere-se assim a Nino: “No aspecto operacional era muito activo. Nunca entrámos em intimidades. Eu tinha a consciência de que havia entre os guineenses questionamentos quanto ao exercício do poder no pós-independência… O Nino tinha uma muito grande experiência da guerra, um conhecimento perfeito do teatro das operações e do inimigo. Gozava de muita autoridade junto dos combatentes”.

Protagonista de Guileje, conta assim a sua participação nas operações decisivas para a retirada das forças portuguesas: “Guileje era o quartel mais bem fortificado do sul. Cabral demonstrara a importância do quartel como peça mestra de um dispositivo que pretendia reconquistar o controlo da fronteira sul: “Se este quartel cai, todo o resto à volta também cai”. Cabral deu instruções no sentido de serem postos meios à minha disposição. Não dispondo de mapa da região, lancei mão de vários métodos para determinação dos dados de tiro. Procurei determinar as coordenadas geográficas das posições de fogo a partir da medição da altura do sol reflectido numa superfície de mercúrio a fazer de espelho. O método que acabou por funcionar foi o de levantamento topográfico, ligando posições distantes do quartel entre 4 a 12 quilómetros, de acordo com o alcance das peças que iríamos utilizar. Feito o levantamento topográfico, procedemos a vários flagelamentos, com vista a provocar a resposta do inimigo e podermos assim determinar o azimute do quartel. Atacávamos em noites de lua nova, quando se podia detectar com maior precisão o clarão da artilharia inimiga. Depois, era só pôr os dados no papel e resolver um problema simples de geometria. Igual trabalho foi efectuado relativamente a Gadamael e Quebo”. Depois relata o cerco e o uso da artilharia. Mais adiante, depõe com elevada coragem sobre as tensões surdas que minavam as relações entre cabo-verdianos e guineenses.

Esta ronda pelas entrevistas irá terminar ouvindo Rafael Barbosa e Silvino da Luz. Seguir-se-á uma curta viagem sobre o apenso documental, que é de uma enorme riqueza.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8286: Notas de leitura (239): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (4) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Diz o Aristides Pereira:

“Guileje era o quartel mais bem fortificado do sul. Cabral demonstrara a importância do quartel como peça mestra de um dispositivo que pretendia reconquistar o controlo da fronteira sul: “Se este quartel cai, todo o resto à volta também cai”.

Ai, Guileje! Ai, portugueses a fugir de Guileje!

E tudo à volta não caiu.

Nenhuma polémica. Apenas os factos.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Aquilo que mais detesto é a desonestidade intelectual.
Quando descreve a forma de cálculo de tiro e respectivo levantamento topográfico,não consigo perceber a técnica,mas enfim..o azimute era quase sempre correcto, só que na artilharia isso por si só não chega.Por isso falhavam,felizmente, quase sempre.Já chamar aos nossos artilheiros idiotas --- essa ..não.com que então faziam fogo em noites de lua nova ? para localização mais fácil.. nós também viamos mais facilmente...ora sabendo que a velocidade da luz é de 3000000 km/s e a do som 340 m/s. bastava cronometrar o tempo entre o momento em que se via a luz do disparo e o som do disparo e multiplicar por 340 e eureka aí estava a distãncia a que estavam a fazer fogo..era só pegar na carta topográfica e o resto era simples de calcular.Em gadamael, que me lembre, apenas nos flageram uma vez durante a noite.Não repetiram a graça, porque...bem.. deixo à imaginação dos camarigos.
Em 72 foram roubadas pelas BRs cartas topográficas nos serviços cartográficos do exército e posteriormente entregues aos movimentos de libertação.
Foi a partir dessa altura que a artilharia do paigc começou a funcionar melhor e também era manobrada por oficiais cubanos, mesmo assim... felizmente para nós..eram uns "pixotes".
No ataque a Guilege a artilharia foi manobrada por cubanos.
As flagelações a Gadamael eram feitas durante o dia nomeadamente ao amanhecer e à tarde.

C.Martins (ex-artilheiro em Gadamael)

Anónimo disse...

PS
Geometria?...sim..mais concretamente trignometria..mas não é assim tão fácil.Nós tinhamos tabelas já previamente calculadas..mas enfim..como eramos burros.
É facil para quem não está muito preocupado em acertar no alvo
Já agora gostava de saber como é que punha as peças em posição.Tinha goniómetro ou era
a "olho".
Desconfio que... bem devia perceber tanto de artilharia.. como eu a pilotar o Fiat G91.

C.Martins