quinta-feira, 26 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8330: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (12): Tão sinceras e tão ingénuas as minhas cartas de madrinha de guerra, entre os meus 15 e 19 anos (Felismina Costa)

1. Comentário, ao poste P8295, assinado pela nossa amiga, alentejana e poetisa, ex-madrinha de guerra, Felismina Costa,  que vamos ter o grato prazer de conhecer pessoalmente em Monte Real, no nosso próximo encontro, a 4 de Junho:

Boa-noite, Luís Graça!

Escusado será dizer que o assunto me toca profundamente, ao ponto de me sentir emocionada.


Vivi intensamente aquele tempo!

Fui madrinha de guerra, desde os meus 15 aos 19 anos, muito jovem, muito preocupada, muito sincera.

Era meu apanágio o incentivar a força, a coragem, com o amor à Pátria, com o dever de "defender o que era nosso", com o agradecimento pelo vosso esforço em nome de todos nós.

Ignorante de tantas realidades, mas acreditando na vossa coragem, na vossa valentia, orgulhosa de todos vós.

Hoje, tenho comigo, as cartas que escrevi ao meu afilhado Joaquim, entre 66/68,  e que comprovam isso mesmo, que acabo de dizer. É um prazer ouvi-lo dizer que as minhas cartas foram uma ajuda preciosa naquele tempo difícil, tão preciosa que as decorou, que fixou datas e o texto, que fala delas de uma forma, como que realmente tenham sido uma ajuda importante, para a superação de dias difíceis.

Tão ingénuas e tão sinceras,  as minhas cartas de madrinha de guerra, compenetrada no seu papel, que ignorava saber cumprir.

Contudo, reconheço a minha profunda ligação a esse tempo, a esse acontecimento, que marcou a nossa Juventude de uma forma drástica, matando e mutilando tantos dos nossos Jovens, apesar dos testemunhos de muitos de vós, serem de amor àquelas terras e aquelas gentes, "vitimas igualmente da mesma tragédia",  e que me apraz registar.

Foi realmente um tempo de esperar ansiosa a chegada do correio, um tempo de acreditar, de ter esperança, de saber que chegaram bem.

Continuo,  como então, agradecendo a Deus os que voltaram sãos e salvos, e triste, muito triste, pelos que não conseguiram voltar como partiram.

Sei, que nenhum voltou como foi...moralmente...era impossível ser assim, mas os que regressaram bem, tiveram uma experiência, que os tornou "maiores, mais fortes, mais homens".

Reafirmo o que sempre disse: sinto por todos um carinho especial, como se todos fossem meus irmãos. Acompanhei o sofrimento das mães e pais, que ficaram esperando os seus meninos voltarem, longe ainda de saber quão profundo é o sofrimento de uma mãe perante tal situação.

Escreveram-se e cantaram-se no tempo canções de amor e valentia, como por exemplo uma que começava assim, mas que não recordo autor e intérprete:


(...) Vais para longe,  meu amor,
Deixas de estar a meu lado,
Partes com fé e ardor,
Sabes lá o que é temor,
És Português e soldado (...)

Enquanto os mais letrados se manifestavam com as suas músicas de intervenção, rebelando-se contra os referidos acontecimentos e não só...

Cada geração tem as suas recordações, cada um o seu caminho a percorrer.

Os grandes feitos não são intemporais, e regra geral, são conseguidos à custa de grandes sofrimentos.

Para todos o meu abraço fraterno.
Felismina Costa  (**)
 ___________

Notas de L.G.:

(*) Será uma criação da fadista Ada de Castro (n. 1937, Lisboa) ? (Ver aqui no sítio do Museu do Fado a sua biografia)


A letra, dos anos 60,  poderia ser esta:

Vais pra longe, meu amor,
deixas de estar a meu lado,
partes com ar sonhador,
sabes lá o que é temor,
és português e soldado.

Mas se eu fico só, rezando,
podes ter uma certeza,
não importa estar chorando,
estou com firmeza,

pensando  que também sou portuguesa.

Adeus [palavras ilegíveis],
são saudades são iguais,
água do mar imenso
que me leva o meu amor,
voltarás, eu bem o sei.


Sempre assim tenho pensado,
pelo que sonhei,
pelo muito que rezei,
hás de voltar para meu lado,
quando o barco [palavra ilegível].

Fonte: Blogue Santos da Casa > Novembro 15, 2004 > Vais para longe, meu amor" (Com a devida vénia... Revisão / fixação de texto: L.G.)

(**) Último poste da série > 26 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8329: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (11): Como fui parar à Guiné (Maria Dulcinea)

2 comentários:

Anónimo disse...

A letra da canção é realmente essa, que eu entoava no espaço livre onde vivia, como se a cantando pudesse ajudar de alguma forma...

Era realmente a Ada de Castro que a cantava!

A palavra elegível é
"regressar" e já agora apresento esse último verso completo:

(...Quando o barco regressar
Lá estarei eu nesse dia
Lá estarei para te abraçar
e novamente a chorar
Mas desta vez de alegria...)

Obrigada Prof. Luís Graça!

Um abraço da

Felismina Costa

José Marcelino Martins disse...

Nós, os Portugueses, temos o "vício" de guardar quase tudo (nem que seja um parafuso), porque ainda pode vir a ser preciso.

Fico realmente surpreendido pelo espólio pessoal de muitos de nós que, passados estes anos, se torna espólio colectivo, porque, atraves dele, se pode fazer a HISTÒRIA deste povo.

Se se publicam livros sobre os mais variados temos e, muitas vezes e na minha, sem interesse geral, porque se mantêm no "fundo dos baús"? Onde estão os editores portugueses que, parece, ignoram ou desconecem, esta informação que retrata um periodo da nossa vida?

Eu não tenho nada, de correspondência antiga. Na altura eu e a minha noiva optamos, talvêz numa actitude defensiva, destruir toda a correspondência após a sua leitura. São opções.

Dentro deste tipo de literatura existe um, sobe corresposndência entre noivos - Morto por te ver, de Cesário Costa - que, apesar de ter estado em Angola, fala de alguem que esteve na Guiné; eu próprio.

Mas o especial motivo deste comment, é sugerir que essa correspondência saia das gavetas escuras, e saia, em forma de livro, não para os escaparates das livrarias, mas para aleitura de quem viveu ou que se interessa por esta fase portuguesa.

Parabens querida Felismina. Além de ir ter o prazer de a conhecer "ao vivo e a cores" daqui a oito dias, gostaria imenso de a ver, num local devidamente preparado para o efeito, e ouvi-la falar do lançamento destaqs cartas, em livro.

Até sábado!