

O nosso Camarada Rui Silva enviou-nos notícias da festa anual da sua Companhia:






Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
A BAZUKA EM RAJADA
Esta história tem os seguintes considerandos iniciais.
A sua lembrança é motivada pelo comentário do Alberto Branquinho à minha história anterior, em que ele sublinha que a sua insistência em negar-se a “falar de si ou do seu umbigo” tem como alvo “aqueles que falam/escrevem só e sempre sobre o seu próprio umbigo”. Acho que o compreendo!
Por outro lado tive sempre a tentação de reagir a um artigo publicado no P2264, que é uma espécie de carta escrita pelo Luís Graça a um seu amigo (o Tony Levezinho) transformando-o em interlocutor imaginário daquilo que observou durante uma estadia em Bissau quando, durante algum tempo, esteve “desenfiado” do “Vietnam”.
Para além de considerar essa carta muito interessante, pelo seu conteúdo, pelos pressupostos, até por referir algumas situações ou episódios que eu, ao tempo, “vivia” cá na chamada “Metrópole”, e também para além de retratar, com bastante azedume, aliás, alguma da “fauna” de Bissau, há lá um aspecto que eu próprio testemunhei mais tarde, provando que, nesse capítulo, pouco ou nada se alterou entre o “tempo” do Luís e o meu “tempo”.
Refiro-me ao facto “as tropas especiais” normalmente se “pavonearem” por Bissau, nos períodos em que por lá andavam. Mas, em termos de “exageros de actividade operacional”, também havia, e muito, quem gostasse de contar as suas histórias, as suas aventuras, os seus actos inigualáveis de heroísmo, sempre mais, maiores e mais ousados que o do “contador” antecedente.
Sempre tive alguma dificuldade em entender porque deveriam ser “heróis” aqueles que tinham (têm) como mérito o “saberem matar muito, destruir muito”, em detrimento daqueles que “salvaram, construíram, ajudaram, muito ou pouco”. Certamente será um problema meu, que passará com o tempo, ou então, não!
Foi então a junção destas duas lembranças, “os que falavam de si” e os que exageravam até à náusea, que me fez recordar este pequeno episódio.
Num daqueles dias em que a paciência estava esgotada, vá lá agora lembrar-me porquê, em que não havia paciência para aturar as fanfarronices, as idiotices desbocadas, o exacerbamento do ego de alguns daqueles elementos da “fauna” de Bissau, estando no bar de Sargentos de Santa Luzia, depois do almoço, deixei-me estar na roda de “heróis” que contavam as suas façanhas.
Como disse, a paciência não era muita e depois de ouvir três ou quatro episódios em que haviam sempre emboscadas com, invariavelmente, dois bigrupos (não sei porquê, mas isto dos dois bigrupos era infalível, parecia o Juca Chaves a parodiar o Gary Cooper), em que os personagens “contadores da história” acabavam por ser o elemento decisivo para a resolução do problema e em que em resultado da sua acção os elementos do IN caíam que nem tordos, a fazer lembrar os filmes de “faroeste” com os índios a serem dizimados às dúzias, não me contive e disse que também tinha uma história parecida para contar.
Tendo em conta a minha atitude normalmente reservada, ficaram admirados que tivesse alguma coisa a revelar, mas dispuseram-se a ouvir.
Então eu disse que também se tinha passado comigo uma situação semelhante às que eles tinham estado a contar, que tinha ocorrido numa coluna em que vinha inserido, pouco depois do k3 (era sempre bom referir estes locais de respeito), a qual caiu numa emboscada medonha, eram pelo menos dois bigrupos, talvez até três, e em que a rapaziada ficou tão surpreendida que saltámos dos “unimogs” e alguns até abandonaram os seus equipamentos.
Os “gajos” estavam em cima da gente, a coisa estava feia e eu, que até nem era nada dado a actos de heroísmo, nem sei o que me passou pela cabeça, saltei do chão, agarrei na bazuca que tinha ficado em cima da viatura, coloquei-a junto à cintura, enfrentei os gajos fazendo a “menina” cantar… rá tá tá tá tá tá tá tá, rá tá tá tá tá tá tá tá,. Com esta minha intervenção os tipos assustaram-se, a nossa malta ganhou ânimo e conseguimos abortar a emboscada com poucos feridos e causando inúmeras baixas ao IN.
Propuseram-me um louvor e colocaram-me na “Escuta”. Era por isso que agora eu estava lá.
Como calculam, após alguns breves instantes de perplexidade e de estupefacção (não se esqueçam que isto se passa no Bar, após o almoço…) um dos ouvintes diz: “é pá, mas a bazuca não dispara em rajada!”
Aí eu disse: Ai não? E porquê? Na minha história dispara, sim senhor! Então vocês podem contar as histórias como querem, com as invenções que entendem, e eu não posso? Pois estão enganados, na minha história há uma bazuca que dispara em rajada e vai ficar sempre assim, porque essa é a minha verdade, vocês fiquem com as vossas! Passem bem!
Após esta saída de cena, houve desmobilização geral. Alguns ainda pretenderam empertigar-se um bocado, sentindo-se ofendidos na sua honra, pela dúvida lançada quanto à veracidade das suas histórias, mas foi sol de pouca dura pois começaram a discutir entre eles, cada qual desmentindo os outros.
Reconheço que foi uma atitude pouco conciliadora e certamente injusta para com aqueles que na verdade enfrentaram reais situações mas, como disse, a paciência tem limites e, também em boa verdade, aquelas conversas já enjoavam. Mas foi quase “remédio santo” pois durante bastante tempo não houve bigrupos…
E pronto, esta história já está!
Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF
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Nota de MR:
Vd. último poste da série em: 22 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4235: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (3): Recordar aos poucos ou circuncisão espectacular
Guiné-Bissau > Bissau > Palácio Presidencial > 6 de Março de 2008 > Último excerto, em vídeo, da audiência que o Presidente João Bernardo 'Nino' Vieira (1939-2009) deu, por volta das 12h, a cerca de duas dezenas de participantes estrangeiros do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) (*).
Sinopse:
Referência às difíceis negociações de Argel, em 1974, entre Portugal (representado por Mário Soares e Almeida Santos) e o PAIGC, com vista ao acordo de paz. Posição de Spínola que acaba por dar o seu OK, facilitando assim o desfecho das negociações. Grande apreço de 'Nino' pelo velho marechal. Quando estava já em coma, fez questão de o visitar no hospital. Encontro, nessa ocasião, com o Gen Almeida Bruno, que estava emocionado. Bruno e 'Nino' falam de Guileje e Gadamael. Bruno pergunta a 'Nino' a razão por que é que o PAIGC não quis tomar Gadamael, quando tinha todas as condições para o fazer. A resposta de 'Nino' foi que, para o PAIGC, Gadamael seria uma cilada das NT. Depois de entrar em Gadamael, as tropas do PAIGC seriam facilmente dizimadas. Mantendo o seu tom de confidências, 'Nino' diz taxativamente que "a guerra é uma das coisas mais horríveis da vida"....
Volta a fazer um apelo à cooperação. A antiga colónia portuguesa precisa hoje, não de ser novamente colonizada, mas atacar os seus problemas de desenvolvimento. Remata, por fim, com um apelo a Cuba e Portugal "para que ajudem a escrever a história"... A Guiné-Bissau precisa de preservar a sua memória. "Os senhores têm filmes, documentos, fotografias"... Visivelmente feliz e bem disposto, 'Nino' faz um agradecimento final aos presentes por terem vindo à Guiné-Bissau participar no Simpósio de Guileje...
Vídeo (7' 00''): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.
Alojado em You Tube > Nhabijoes
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Notas de L.G.:
Vd. postes anteriores da série:
8 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3996: Nino: Vídeos (1): Ouvindo a versão do Coutinho e Lima sobre a retirada de Guileje (Luís Graça)
9 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4002: Nino: Vídeos (2): O amigo de Cuba... e de Portugal, que em Março de 2008 pedia mais professores de português (Luís Graça)
17 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4045: Nino: Vídeos (3): Em Portugal, um vizinho meu, antigo combatente, reconheceu-me e tratou-me por 'comandante Nino'...
14 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4185: Nino: Vídeos (4): Guidaje, Guileje, Gadamael: A Op Amílcar Cabral