segunda-feira, 15 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21078: Notas de leitura (1289): “Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa; edição revista, corrigida e aumentada, edição de autor, 2016 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Março de 2017:

Queridos amigos,
Trata-se neste texto da evolução do pensamento de Cabral nos seus últimos anos de vida, das atividades desenvolvidas tanto no campo diplomático, na vida do partido como na atividade operacional. Cabral desenhou a manobra que conduzisse à criação do Estado da Guiné e encostasse o regime de Lisboa à parede, após o reconhecimento da independência da Guiné-Bissau. Aqui também se fala nas lutas internas e nas tensões que irão desembocar no seu assassinato.
Não me canso de dizer que este trabalho é uma das maiores referências da historiografia, a despeito das discordâncias sobre certos olhares de Julião Soares Sousa. Não posso entender a importância que se atribui a Momo Touré, é para mim incompreensível que se aluda a uma vitória militar no Como, se fale em milícias para defender régulos e na exclusiva política de bombardeamentos de Schulz.
Reparo que a africanização da guerra se iniciou, sem equívocos, com Louro de Sousa, se intensificou com Schulz (basta lembrar as unidades militares que se constituíram no seu tempo no CIM, de Bolama e a formação de milícias cumpria outra lógica que a de proteger régulos). E, como direi mais adiante, as teses agora levantadas sobre o assassinato de Cabral adensam a bruma e a camuflagem sobre algo que muitos guineenses recusam como evidência: foram combatentes da primeira hora, e guineenses, que assassinaram Cabral.

Um abraço do
Mário


Amílcar Cabral visto por Julião Soares Sousa:
Uma biografia incontornável, agora revista e aumentada (4)

Beja Santos

“Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário africano”, edição revista, corrigida e aumentada, edição de autor, 2016: tenho para mim que é a biografia do líder histórico do PAIGC, escrita em língua portuguesa, que nenhum estudioso ou interessado na história da Guiné-Bissau ou nas lutas de libertação que ali se travaram pode dispensar. Nenhum outro investigador de Amílcar Cabral coligiu tanta documentação, desfez mitos e quimeras e enquadrou com perspicácia e isenção o homem, a sua ideologia, a sua causa, nos tempos e na circunstância em que atuou e em que perdeu vida, assassinado pelos seus próprios companheiros de luta.

Estamos no auge da luta armada, Cabral vai se confrontado com a política de Spínola “Por uma Guiné melhor”, consigna que se traduzia em habitação, educação, saúde e alguns desafios sociais par a população guineense. Basta recordar que entre 1969 e 1973 foram construídas mais de 8 mil casas, mais de 60 aldeias melhoradas e milhares de pessoas reagrupadas dentro de uma estratégia que procurava cortar cerce a pressão de guerrilheiros, apara trocar alimentos e obter informações. Como recorda o autor, no domínio das comunicações, foram alcatroadas mais de 500 quilómetros de estradas e no setor da saúde construíram-se e recuperaram-se mais de 50 postos sanitários. As escolas primárias viram duplicar o número de alunos. Entre 1963 e 1974, de modo a proteger o arroz das águas salgadas, foram construídos cerca de 650 diques. Para encontrar uma reposta, Cabral procurou incrementar a produção do Sul e em todas as parcelas onde a presença da guerrilha e populações tivesse uma certa estabilidade e procurou denodadamente ajuda internacional para melhorar a oferta dos Armazéns do Povo.

Com a luta armada a soprar de feição, e após o abandono decidido por Spínola de várias posições, o PAIGC avançou com reformas político-militares e administrativas. Recorde-se que o abandono de Béli e de Madina do Boé fez estender a influência do PAIGC em direção à região do Gabu e ter um domínio quase total da margem direita do rio Corubal; o Corredor de Guileje passou a ser patrulhado pelas tropas especiais e o aquartelamento de Guileje passou o ser o símbolo da presença portuguesa no Sul. Aumentava o espaço de influência do PAIGC e redobravam os problemas. Cabral apostava no combate ao analfabetismo e estimulou a criação de escolas e a difusão de educação nas chamadas áreas libertadas; no domínio da saúde, apareceram postos sanitários, hospitais regionais e setoriais e clínicas ortopédicas, quer no interior do território, quer na Guiné Conacri e no Senegal.

O autor estudou atentamente não só o quadro ideológico em que evoluiu o pensamento de Cabral ao longo da luta armada, como estudou as diferentes movimentações do lado português para obter informações, contar com agentes duplos e infiltrar os seus homens. Repetidamente se ouve falar em Momo Touré como líder de insurreições. Momo era um combatente da primeira hora, foi preso e depois dado como reabilitado. Era empregado de mesa num restaurante de Bissau, o Pelicano. Continua-se sem entender como vários estudiosos falam de Momo Touré como o líder desencadeador da atmosfera envenenada que se vivia em Conacri, em 1972, e como ele preparou a insurreição que culminou no assassinato de Cabral. Tenho para mim que na ausência de provas factuais sobre a organização do complô e o que o inspirava, usa-se miticamente o nome de Momo Touré como se este tivesse dotes político-ideológicos suficientes para mobilizar quem foi mobilizado. Quanto muito, seria um cabeça de turco, tal como nos aparece Inocêncio Cani. Os investigadores continuam perplexos com a falta de provas sobre os autores morais, parece que tudo se sumiu pelo chão abaixo, os documentos dos interrogatórios, a recolha de provas a que teriam procedido as diferentes comissões de inquérito. Nesse sentido, é bem fácil especular sobre os alegados autores morais. Cabral sabia das tensões, ao modelizar a estrutura do PAIGC a partir de 1970 tentava duas coisas ao mesmo tempo: uma descentralização centralizada e livrar-se dos clichés e conotações socialistas e comunistas. Não podendo abrir uma frente de guerra em Cabo Verde, aproveitou esses quadros qualificados, virão a ter uma extraordinária importância nos acontecimentos de 1973: basta pensar nos nomes de Osvaldo Lopes da Silva, Manecas, Silvino da Luz, Agnelo Dantas, entre tantos outros. Cabral sabe que há cansaço entre os seus combatentes, desenvolve de 1971 para 1972 uma extraordinária ofensiva diplomática junto da ONU, da OUA, percorre continentes a denunciar a situação da Guiné, pede à URSS armamento moderno, difunde em todos os auditórios a originalidade revolucionária guineense. Julião Soares Sousa, bem a propósito, também nos fala da como Cabral procurava extrair lições dos graves erros ocorridos depois das muitas independências africanas, estava atento aos riscos do neocolonialismo.

Cabral fora líder incontestado na direção da luta pela libertação das colónias portuguesas. Agora a guerra evoluíra nas três frentes, as suas relações com Eduardo Mondlane estavam eivadas de tensões ideológicas, o MPLA ocupava uma posição modesta no teatro angolano. Enquanto se envolve nessa ofensiva diplomática desenha também a estratégica militar, exige aos seus quadros maior atividade operacional e propõe mesmo a guerrilha urbana. O autor lembra que de 1969 a 1971 houve ataques a Bafatá, Bissau, Bolama e Gabu, mas com consequências mínimas.

Entra-se numa nova fase, a de procurar a proclamação do Estado da Guiné, era uma etapa que segundo o líder fundador iria mudar tudo, Portugal ficaria num grande dilema: sair da ONU e ficar fora da lei ou ficar, reconhecendo a independência do país. Julião Soares Sousa também observa que Cabral pretendia levar a cabo entre Setembro/Outubro de 1972 uma esmagadora ofensiva sobre Guileje e escreve:  
“O objetivo visado era Guileje mas com manobra de diversão sobre Guidage, no Norte, e Gadamael, no Sul, de modo a atrair a atenção as tropas portuguesas e assim atingir o objetivo primordial que era a conquista de Guileje vital do ponto vista logístico e para a segurança das populações do setor de Balana. O aquartelamento de Guileje, na frente de Balana/Quitáfine, era na opinião de Amílcar Cabral, o mais bem fortificado aquartelamento português em 1972. As unidades portuguesas aí estacionadas (duas companhias e infantaria, unidades de cavalaria e artilharia) tinham por missão impedir a utilização da principal via de reabastecimento das forças do PAIGC, a partir de Kandjafra, que aparecia nas cartas militares como Corredor de Guileje. Por isso, o líder do PAIGC estava absolutamente convencido de que com a queda de Guileje tudo à volta cairia. Fazia mesmo depender a derrocada do regime colonial na Guiné de uma eventual queda deste importante campo fortificado, pois aliviaria a pressão do exército português na zona da fronteira, precipitando o desenvolvimento de ações militares e abrindo novas perspetivas para a resolução do conflito”.
Mas entendeu-se não haver condições para essa ofensiva, ela só terá lugar depois do PAIGC possuir mísseis terra-ar. Em simultâneo, na ONU fazia-se mais uma tentativa para Portugal negociar com os movimentos de libertação nacional.

Nesta fase da narrativa, o historiador introduz o novo serviço de informações a cargo de Alpoim Calvão, fala-se em alegados contactos de Cabral com a oposição ao regime de Sékou Touré e estamos agora no olho do furacão das crises internas. Assim se chega ao assassinato de Cabral em Conacri.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21054: Notas de leitura (1288): “Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa; edição revista, corrigida e aumentada, edição de autor, 2016 (3) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

antonio graça de abreu disse...

Diz Julião Soares de Sousa, encaminhado por MBS:

Cabral pretendia levar a cabo entre Setembro/Outubro de 1972 uma esmagadora ofensiva sobre Guileje e escreve:
“O objetivo visado era Guileje mas com manobra de diversão sobre Guidage, no Norte, e Gadamael, no Sul, de modo a atrair a atenção as tropas portuguesas e assim atingir o objetivo primordial que era a conquista de Guileje vital do ponto vista logístico e para a segurança das populações do setor de Balana. O aquartelamento de Guileje, na frente de Balana/Quitáfine, era na opinião de Amílcar Cabral, o mais bem fortificado aquartelamento português em 1972. As unidades portuguesas aí estacionadas (duas companhias e infantaria, unidades de cavalaria e artilharia) tinham por missão impedir a utilização da principal via de reabastecimento das forças do PAIGC, a partir de Kandjafra, que aparecia nas cartas militares como Corredor de Guileje. Por isso, o líder do PAIGC estava absolutamente convencido de que com a queda de Guileje tudo à volta cairia.”

De Guileje, como todos sabemos, as nossas tropas, sob o comando do major Coutinho e Lima, as NT fugiram,( eu sei, a situação militar era difícil!). Mais nenhum outro aquartelamento caiu. O PAIGC não era militarmente mais forte. Não me contem mais histórias da carochinha. Respeitem a verdade factual da nossa História comum.

Abraço,

António Graça de Abreu