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quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27202: Facebook...ando (93): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte X: Fortaleza da Amura, hoje Museu Militar da Luta de Libertação Nacional e sede do Quartel General das Forças Armadas da Guiné-Bissau.



Foto nº 1 > Bissau >  Fortaleza da Amura > Área envolvente dos mausoléus


Foto nº 2 > Bissau > Fortaleza da Amura > Parada do antigo QG/CCFAG (Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné).. Dos lados esquerdo e direito, eram as famosas 4 Rep (Repartições)...


Foto nº 3 > Bissau > Fortaleza da Amura > Ao fundo, e sob os centenários poilões, os mausoléus dos heróis da liberdade da Pátria...


Foto nº 4 > Bissau > Fortaleza da Amura > Trecho de muralha exterior, um velho canhão e um poilão


Foto nº 5 > Bissau > Fortaleza da Amura > Mausoléu de Amílcar Cabral (1924-1973)


Foto nº 6 > Bissau > Fortaleza da Amura > Placa alusiva à inauguração, depois de reabilitada, da "nova" Fortaleza da Amura, sede atual  do EMGFA.


Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura >  Maio de 2025

Fotos (e legendas): © João de Melo (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




João Melo (ou João Reis de Melo), ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74):

(i) é profissional de seguros, vive em Alquerubim, Albergaria-a-Velha;

(ii) viaja regularmente, desde 2017, para a Guiné-Bissau, em "turismo de saudade e de solidariedade" (em que distribui material pelas escolas de Cumbijã, e apoia também, mais recentemente, o clube de futebol local);

(iii) regressou, há pouco mais de 3 meses,  da sua viagem deste ano de 2025;

(iv) tem página no Facebook (João Reis Melo);

(vi) tem mais de duas dezenas e meia de referências no nosso blogue para o qual entrou em 1 de março de 2009.

1. Na sua viagem, em maio passado, de Bissau a Cumbijã, no sul, na região de Tombali, o nosso grão-tabanqueiro João Melo, passou por várias das nossas geografias emocionais... E fotografou esses lugares (Bissau, Quinhamel, Bula, Susana, Cacheu, Bambadinca, Saltinho, Buba, Mampatá, Cumbijã...).

Temos procurado, com a sua autorização, fazer uma seleção das suas melhores imagens. Ele tornou-se um grande conhecedor e um excelente cicerone da atual Guiné-Bissau.

Uma das visitas (demoradas) que fez,  foi  à Fortaleza de São José da Amura  


2. Excerto da página do Facebook do João Reis Melo, postagem de 18 de agosto de 2025, 13:14 (*):

"Retalhos de uma passagem pela Guiné.

Ainda, e sempre, a bela Fortaleza de São José de Amura em Bissau  (**). Hoje, Museu Militar da Luta de Libertação Nacional e também sede do Quartel General das Forças Armadas da Guiné-Bissau.

Esta minha última visita em Maio passado, ficou registada com mais de duas centenas de fotos e vídeos. 

Hoje, destaco a parte envolvente aos mausoléus que veneram os seus heróis nacionais da luta de libertação que têm como seu primeiro representante Amílcar Cabral."

(Revisão / fixação de texto: LG)

____________

Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 7 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27098: Facebook...ando (92): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte IX: Praça Che Guevara (antiga Praça Honório Barreto)

 (**)  Sinopse da história da fortaleza da Amura:


(i) Origens e construção inicial

No final do século XVII, a presença francesa na Guine (hoje Guiné-Bissau)  intensificou-se com a Companhia do Senegal, especializada no tráfico de escravos. Face á ameaça, o capitão-mor do Cacheu, António de Barros Bezerra, informou o rei português, em 1687, sobre as pretensões francesas de erguer uma fortificação em Bissau. Com apoio local, conseguiu impedir esse avanço.

Em 1696, sob comando do capitão-mor José Pinheiro, começou-se a erguer uma fortificação portuguesa. O projeto encontrava-se em dificuldades, pelo que teve de negociar com o rei local para assegurar o terreno.

No entanto, após a não renovação do contrato da Companhia de Cabo Verde e Cacheu em 1703, a capitania foi abandonada em 1707 e a fortificação anterior acabou por ser foi destruída. 

(ii) Reconstruções e remodelações

A fortaleza atual foi reconstruída em novembro de 1753, baseada num projeto de Frei Manuel de Vinhais Sarmento. 

Posteriormente, em 1766, o Coronel Manuel Germano da Mota introduziu alterações no traçado.

Entre 1858 e 1860, houve novos reparos sob a liderança do capitão e engenheiro militar Januário Correia de Almeida .

No século XX, a partir da década de 1970, foi restaurada pelo arquiteto Luís Benavente; a estrutura que vemos hoje é fruto dessa intervenção.
 
(iii) Funções atuais e valor simbólico

A fortaleza possui planta quadrangular em estilo Vauban, com baluartes pentagonais e 38 aberturas para canhões.

 Internamente, albergava a Casa de Comando, quartéis e armazéns;  além disso, havia uma paliçada que ligava a fortaleza a um pequeno forte costeiro com duas peças de artilharia.

Após a independência, em 1974, a Fortaleza passou a ser sede das forças armadas guineenses. Acolhe, além disso,  o Museu Militar da Luta de Libertação Nacional e o Mausoléu de Amílcar Cabral.
 
Diversos heróis da independência nacional estão lá sepultados incluindo Amílcar Cabral (1975), Francisco Mendes, Osvaldo Vieira, Titina Silá, entre outros.

A DW também confirma que ali se encontram os restos mortais de nomes emblemáticos como Amílcar Cabral, Francisco Mendes, Osvaldo Vieira e Titina Silá.
  
(iv) Em resumo:
 
Ontem (ou seja, em termos históricos): a fortaleza foi edificada como defesa contra potências coloniais rivais (principalmente francesas), reconstruída várias vezes ao longo dos séculos XVIII a XX, desempenhando um papel militar e estratégico desde as origens da colonização portuguesa.

Hoje, já na Guiné-Bissau independente: a  fortificação está em boas condições e aberta ao público.
 
Serve como símbolo nacional tanto na preservação da memória militar quanto na homenagem aos fundadores da independência, através do museu e do mausoléu.

Além do caráter memorial, é uma ponte com o passado colonial português e um marco patrimonial a ser preservado.

Fontes: 
Ang |  commons.m.wikimedia.org | Deutsche Welle | TripGrab | Wikipedia (en) | Wikipedia (es) |  Wikipédia  (pt) | 

(Pesquisa: LG | Assistente de IA / ChatGPT)

(Revisão / fixação de texto: LG)

domingo, 31 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27171: Felizmente ainda há verão em 2025 (28): A "política de terra queimada": a guerra peninsular (1807-1814) e a guerra colonial no CTIG (1963/74) - Parte I




Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca ) > Subsector de Xime >Madina Colhido > Fevereiro de 1970 > Sinais de queimadas (das NT ou do IN)... Proporcionavam a criação de clareiras onde era mais fácil os nossos helicópteros pousar...Como foi o caso do dia 9 de Fevereiro de 1970: 

(i) por volta das 5 e tal da manhã, o 1º cabo Galvão, da 3º Gr Comb / CCAÇ 12, ficou ferido  (torceu um pé) na cambança do Rio Buruntoni (havia uma tosca ponte feita pelo IN  de troncos de árvores);

 (ii) ás 13h00 as NT sofreram uma violenta emboscada em Gundagué Beafada, de que  resultariam uma série de baixas entre as NT (CART 2520, Pel CAç Nat 63 e CCAÇ 12), incluindo o 1º cabo Galvão que ia nesse momento em padiola improvisada e foi alvejado a tiro;

 (iii) a helievacuação dos feridos deu-se já em Madina Colhido  (um local de trágica memória e o fotógrafo estava lá...):

 (iv) em dezembro de 1975 seriam fuzilados, neste local,  pelo PAIGC ( no poder)  alguns antigos militares que haviam combatido  ao nosso lado, incluindo o nosso antigo soldado arvorado, futa-fula, o gigante Abibo Jau, do 1o. Gr Comb (que entretanto  ingressara em 1973/74 na CCAÇ 21);

Fotos: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.




Arlindo Teixeira Roda: ex-fur mil at inf, 3º Pelotão, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71); o melhor fotógrafo da CCAÇ 12 e de Bambadinca, juntamente com o Humberto Reis;  no passado 25 de janeiro de 2025 em Coimbra, foi-lhe atribuída a designação de Presidente Emérito da Federação Portuguesa de Damas, tendo em conta a sua ação na criação da Federação e, também, a condução do organismo nos últimos 12 anos. 




1.  Felizmente que ainda há verão em 2025... 

Felizmente que  a Tabanca Grande também tem (e mantém) a sua "universidade sénior de verão"...

 Felizmente que a gente ainda vai tendo paciência, tempo e pachorra para ir blogando, escrevendo, lendo, comentando o nosso blogue (que fará 22 anos de existência em 23 de abril de 2026, se lá chegar, se lá chegarmos com vida e saúde)...

 Felizmente que o meu camarada da CCAÇ 2590 /  CCAÇ 12 (fomos juntos no T/T Niassa em 24/5/69 e regressamos juntos no T/T Uige em 17/3/71), o Arlindo Roda, natural de Pousos,Leiria, deu sinais de vida, ao fim de mais de 30 anos (!), telefonando-me na sexta feira passada... (Vive em Setúbal, reformado de professor do ensino técnico, desde os...57 anos!).

A propósito de "fogos florestais" (*)...

Na Guiné-Bissau, antes da guerra colonial, era tradicional fazerem-se grandes queimadas no tempo seco. Era uma prática generalizada para se obter novas terra e pastagens, se bem que à custa da destruição da floresta e da degração dos solos.

Durante a guerra colonial, até 1974, ambos os combatentes (PAIGC e Exército Português), recorreram a política de "terra queimada": 

  • os bombardeamentos e o fogo posto (no capim) causavam incêndios, de maior ou menor proporção, abrindo vastas clareiras na savana arbustiva;
  • uso de balas  incendiárias nos ataques às nossas tabancas (fulas);
  • por sua vez, o abate indiscriminado de gado e a destruição dos "stocks" de arroz e outros víveres foram uma forma de usar a "fome" contra o IN na guerra de contrassubversão;
  • um exemplo da política de terra queimada foi a Op Lança Afiada (Sector L1, Bambadinca, 8-18 de março de 1969), comandada pelo cor inf Hélio Felgas (mais tarde, maj - gen, ref., 1920-2008 
 Iremos, na segunda parte deste poste, falar da alegada  "política de terra queimada" na Guiné, exemplificada pela Op Lança Afiada... 

De qualquer modo, há outros exemplos históricos do recurso à "política da terra queimada", como estratégia militar para devastar territórios, privando o inimigo de recursos  (alimentos,  abrigo...).


l
Batalha do Buçaço (1810). Gravura da época.
Fonte: Arquivo Histórico-
Milityar | Wikipedia

2. Para não irmos mais longe, cite-se o caso da guerra peninsular (1807-1814): durante as invasões napoleónicas, as tropas luso-britâncias aplicaram a política de terra queimada para atrasar o avanço das tropas francesas e privá-las de recursos alimentares.

A política de terra queimada envolveu a evacuação das populações, e a destruição de searas, pomares,  moinhos, pontões , casas e e demais bens que não podiam ser transportados. 

Essa tática foi utilizada especialmente durante a terceira invasão francesa (1810-1811), comandada por Massena, após a batalha do Buçaco (27 de setembro de 1810)  e durante o avanço e recuo para as Linhas de Torres Vedras. 

Tanto as  tropas luso-britânicas como a guerrilha portuguesa também recorriam à destruição de gado, alimentos e outros víveres para causar fome e dificultar a subsistência dos invasores.


(i) A dupla estratégia de Wellington: As Linhas de Torres e a política de "Terra Queimada" que puseram fim às invasões napoleónicas

Durante a terceira e última invasão francesa de Portugal, em 1810, o General Arthur Wellesley, futuro Duque de Wellington, engendrou uma brilhante e implacável estratégia defensiva que se revelaria decisiva para a derrota e  expulsão das tropas napoleónicas. 

Esta estratégia assentava em dois pilares fundamentais e interdependentes: 

  • a construção das monumentais e secretas Linhas de Torres Vedras;
  • a aplicação de uma rigorosa política de terra queimada.


As Linhas  deTores. Fonte: Wikipedia





Longe de serem uma mera barreira física, as Linhas de Torres Vedras eram um complexo e sofisticado sistema defensivo que se estendia por dezenas de quilómetros, desde o Tejo até ao Oceano Atlântico, protegendo a capital, Lisboa.

(ii) As Linhas de Torres Vedras: uma fortaleza impenetrável

A sua construção, iniciada em segredo em novembro de 1809, um ano antes da chegada do exército francês, foi uma obra de engenharia militar, genial,  sem precedentes.

O sistema era composto por três linhas defensivas principais, aproveitando as elevações naturais do terreno. Eram constituídas por uma rede de mais de 150 fortes, redutos, postos de artilharia (mais de 6 centenas de bocas de fogo), estradas militares e outros obstáculos, guarnecidos por dezenas de milhares de soldados portugueses e britânicos (cerca de 40 mil)  

A primeira linha, a mais exterior e fortemente fortificada, foi concebida para deter o avanço inicial do inimigo. 

A segunda linha oferecia uma posição de recuo, enquanto a terceira, mais próxima de Lisboa, visava proteger uma eventual evacuação das tropas britânicas por mar, um cenário que Wellington sempre considerou.

O grande trunfo das Linhas de Torres residia no facto de serem praticamente desconhecidas do exército invasor, comandado pelo Marechal André Massena. E mesmo dos seus construtores (cada um  só conhecia a sua seção, ou local; quem tinha a visão do conjunto era o próprio Wellington e o seu engenheiro militar, o coronel Richard Fletcher.

Ao chegar às suas imediações, em outubro de 1810, após a Batalha do Buçaco, Massena deparou-se com uma barreira formidável e inesperada, que se revelaria intransponível.

(Imagem à direita: Arthur Wellesley (1769-1852), 1º duque de Welington. Fonte: Wukipedia)


(iii) A política de Terra Queimada: a fome como arma...de dois gumes


Complementar à defesa estática proporcionada pelas Linhas de Torres, Wellington implementou uma brutal, mas eficaz, política de terra queimada. 

À medida que o exército anglo-luso se retirava estrategicamente para o refúgio das Linhas, foi dada ordem para que a população civil abandonasse as suas terras, levando consigo todos os bens e gado que conseguisse transportar.

Tudo o que não podia ser levado era sistematicamente destruído: colheitas foram queimadas, moinhos desmantelados, pontes derrubadas e celeiros esvaziados. 

O objetivo era criar um vasto deserto à frente das Linhas, privando o exército francês de qualquer meio de subsistência. A proclamação de Wellington foi clara: nada deveria ser deixado para trás que pudesse ser utilizado pelo inimigo.

Esta política teve consequências devastadoras para a população portuguesa, que sofreu enormes privações, fome e doenças. (No entanto, do ponto de vista militar, foi um golpe de mestre:  o exército de Massena, que dependia da requisição de mantimentos no terreno para se abastecer, viu-se rapidamente a braços com uma crise logística insustentável.)


(iv) O desfecho da invasão: a vitória da estratégia das Linhas de Torres e da  "política de terra queimada"

Enquanto o exército anglo-luso se encontrava seguro e bem abastecido dentro das Linhas, com o porto de Lisboa a garantir o fornecimento contínuo de homens e provisões, as forças francesas definhavam do lado de fora. 

Durante meses, Massena manteve as suas tropas (3 exércitos, 65 mil homens) em frente às Linhas, na esperança de que Wellington saísse para uma batalha em campo aberto, o que nunca aconteceu.

A fome, as doenças e o constante assédio por parte das milícias portuguesas foram dizimando o exército francês. Sem esperança de receber reforços ou mantimentos e confrontado com a aproximação do inverno, Massena foi forçado a ordenar a retirada em março de 1811.

 A perseguição movida pelas tropas de Wellington transformou a retirada francesa num pesadelo e num desastre, culminando na sua expulsão definitiva de Portugal.

A combinação genial das Linhas de Torres Vedras com a política de terra queimada demonstrou a visão estratégica de Wellington e a resiliência do povo português. 

Esta dupla abordagem não só salvou Portugal da ocupação napoleónica (e partilha do território, que seria dividido em três partes), como também marcou um ponto de viragem na Guerra Peninsular, contribuindo decisivamente para o eventual colapso do império de Napoleão Bonaparte.

Claro, há o reverso da medalha: resultou em enormes sofrimentos para a população portuguesa, incluindo assassinatos e maus-tratos, ruína agrícola, saques e incêndios em cidades, vilas e aldeias. 

Muitas aldeias foram evacuadas e transformadas em territórios desérticos, levando à fome,  a epidemias e à escalada dos preços dos géneros alimentícios. O sacrifício da terra queimada, embora essencial para travar os franceses, empobreceu grandemente o país, justificando-se pelo objetivo de proteger a independência nacional.

(v) Um rasto de morte e  desolação

As Invasões Napoleónicas, que assolaram Portugal entre 1807 e 1814, deixaram um profundo rasto de morte e destruição.

É  extremamente difícil apurar o número exato de vítimas, as estimativas apontam para uma perda demográfica significativa, que terá ultrapassado as 200 mil  pessoas, podendo mesmo aproximar-se das 300.000, entre civis e militares.

Este valor representa uma quebra demográfica considerável para um país que, no início do século XIX, contava com uma população total de aproximadamente 2,9 a 3 milhões de habitantes. (E que só duplicaria 100 anos depois, 6 milhões em 1910.)

A contagem precisa das vítimas é dificultada pela natureza do conflito, que não se limitou a batalhas campais. A fome, as epidemias e os massacres perpetrados sobre a população civil foram responsáveis pela grande maioria das mortes. 

A terceira invasão, liderada pelo marechal Massena em 1810-1811, é consensualmente considerada a mais brutal e devastadora para os portugueses.

No início do século XIX, a população portuguesa rondava os 3 milhões de pessoas;

  • dados mais específicos indicam que em 1801 a população era de 2.931.930 habitantes;
  • durante o período das invasões, nomeadamente em 1811, registou-se uma diminuição para 2.876.602 habitantes, um reflexo direto do impacto da guerra, da fome e das doenças na demografia do país.

As múltiplas ( e interligadas) causas da elevada morbimortalidade  

  • Ações militares: as batalhas, escaramuças e cercos ao longo dos sete anos de conflito resultaram num número significativo de baixas militares, tanto do exército regular como das milícias e ordenanças que se opunham aos invasores; as tropas regulares portuguesas (cerca de 20 a 30 mil homens mobilizados) sofreram baixas consideráveis: os números variam, mas as estimativas apontam para  em 10 a 15 mil mortos em combate ou por doença, sem contar desertores e incapacitados.

  • Massacres e violência sobre civis: as tropas francesas (Junot, Soult e Massena), e por vezes também as aliadas, cometeram diversas atrocidades contra a população civil; vilas e aldeias foram pilhadas e queimadas, e os seus habitantes massacrados; a violência fazia parte da tática de intimidação e retaliação contra a resistência popular; há relatos contemporâneos que falam em dezenas de milhares de civis mortos diretamente (talvez 40 a 60 mil ao longo das campanhas.

  • Fome generalizada: a política de "terra queimada", adotada tanto pelas tropas em retirada como pela resistência para dificultar o avanço inimigo, levou à destruição de colheitas e à requisição forçada de alimentos; o episódio mais devastador foi a política de terra queimada durante a 3.ª Invasão (1810-11): populações inteiras do norte e centro foram obrigadas a abandonar casas e colheitas para dificultar a progressão de Masséna.

  • Epidemias:  a subnutrição, as más condições de saúde e higiene, a deslocação de populações, a concentração de refugiados e tropas criaram o ambiente ideal para a propagação de doenças como o tifo, a disenteria e a varíola, que ceifaram milhares de vidas.
Vários historiadores (como Oliveira Martins) falam que Portugal terá perdido perto de 300 mil pessoas no total das invasões.

A combinação destes fatores resultou numa catástrofe demográfica que marcou profundamente a sociedade portuguesa. A perda de vidas, aliada à destruição de infraestruturas e à desorganização social e  económica, deixou o país exaurido e contribuiu para a instabilidade política e social que se seguiu ao fim do conflito.

A perda de quase um décimo da sua população  (cerca de 300 mil num total de 3 milhões em 1801), num período de sete anos (1807/14) representou uma catástrofe demográfica de enormes proporções para Portugal e marcou um dos períodos mais mortíferos da sua história.

Com a fuga da corte para o Brasil (donde só regressará em 1821), as invasões napoleónicas e a crescente influência inglesa na vida política nacional, assiste-se, por outro aldo, à destruição do incipiente desenvolvimento do capitalismo industrial em Portugal, iniciado em meados do séc XVIII, sobretudo com o pombalismo.

A política de terra queimada (sobretudo na 3ª invasão, 1810/11) ficou marcada na memória popular portuguesa, especialmente nas regiões centro e norte do país, como uma das mais severas provações já enfrentadas pela população civil. Foram relatados casos extremos de devastação onde até estradas e casas foram destruídas para impedir o acesso dos franceses a qualquer recurso útil.

A expressão "ir p'ró maneta" vem dessa época. O "maneta" era a alcunha do Louis Henri Loison (1771-1816): perdera um braço num episódio de caça, foi  talvez  o mais sanguinário e rapace dos generais franceses de Napoleão, participou nas três invasões franceses (facto a comprovar)... 

O seu nome inspirava terror e horror, pela sua crueldade e pela forma como torturava e executava os prisioneiros, e especialmente os guerrilheiros portugueses.

Em resumo, a política de terra queimada (a par das Linhas de Torres) foi um dos instrumentos mais importantes na resistência às invasões francesas em Portugal, com consequências profundas para o território e para o povo português. (**)

(Continua)

(Pesquisa: LG | Assistente de IA / Gemini, Perplexity, ChatGPT)

(Para saber mais: Centro de Interpretação das Linhas de Torres | CM Sobral de Monte Agraço)

(Revisão / Fixação de texto, negritos, itálicos, subtítulos: LG)

Quinta de Candoz, 31 de agosto de 2025, 18:00

____________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. comentários de António Rosinha e Fernando Ribeiro. Poste de 30 de agosto de 2025 Guiné 61/74 - P27166: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (9): Secas e fomes levaram ao longo do séc. XX à morte de mais de 100 mil pessoas

(...) António Rosinha:

(...) "Eram os tempos da sardinha para 3 (ou 4), e em que não havia incêndios, embora houvesse piromaníacos e incendiários como haverá sempre, mas os resíduos das florestas eram poucos para aquecer as lareiras e defumar os enchidos.

sábado, 30 de agosto de 2025 às 12:27:00 WEST

(...) Fernando Ribeiro:

(...)  Antº Rosinha, em Portugal sempre existiram incêndios e sempre existirão, porque são uma forma de a Natureza se renovar. Não há volta a dar-lhe. O que não existia, era tantos eucaliptos e tantos pinheiros bravos, que ardem como palha, nem tanto despovoamento do interior. Em 1966, concretamente, morreram 25 militares no combate a um incêndio ocorrido na serra de Sintra. (...)

sábado, 9 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27103: Os nossos seres, saberes e lazeres (695): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (216): Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Junho 2025:

Queridos amigos,
Pode parecer um tanto espetacular, e rebarbativo, crismar este museu de uma casa da extensa História de Portugal, mas a verdade é que o acervo de pintura medieval, a qualidade da escultura gótica, a pintura tardo-gótica, e indo por aí fora até ao século XIX, com remissões para a arte europeia de primeira ordem, impressiona quem quer que o visite, os biombos japoneses, a custódia de Belém, o extenso mobiliário, as preciosidades da arte flamenga e tudo mais justificam visitas regulares ao antigo palácio dos condes de Alvor e do Convento das Albertas, a museologia e a museografia que é hoje possível desfrutar não tem qualquer termo de comparação com as visitas que ali fiz na meninice, estou a ver a minha mãe a mostrar-me orgulhosa a Baixela Germain e eu a interrogá-la se não havia dinheiro para limpar as pratas, como é que uma Baixela tão valiosa se apresentava tão enegrecida... Isto para já não falar nos tapetes puídos e na falta de boa iluminação. Deixa-se aqui dois apontamentos, sugere-se ao potencial visitante que leia previamente uma publicação alusiva ao museu para desfrutar da sua memorável itinerância.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (216):
Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 1


Mário Beja Santos

Sem nenhuma preparação prévia, naquela manhã de sábado em que tinha pensado em limpar o meu escritório, arranjei-me e tomei a decisão: vou visitar o Museu Nacional de Arte Antiga, nada tem de custoso, apanho o metro até ao Cais do Sodré, são inúmeros os transportes daqui até ao velho Palácio dos Condes de Alvor. Muni-me de uma obra escrita pelo meu amigo José Luís Porfírio, que foi diretor e conservador do museu, fui selecionando o que mais me interessava ver, mas sempre aberto a imprevisto. Recordo-me que a primeira vez que ali entrei, levado pela minha mãe, fiquei intrigado pelo desconsolo da decoração, e quando a minha progenitora me apontou, ufana, para a Baixela Germain, perguntei-lhe se não havia dinheiro para limpar as pratas, estava tudo enegrecido.

Hoje, dá gosto percorrer todas aquelas salas, independentemente de haver ciclos e escolas que não desfazem bater o coração. Mas o Museu das Janelas Verdes, instalado num antigo palácio do século XVIII, e completado com um anexo de 1940, que ocupa o que foi o antigo Convento das Albertas, tem sido alvo de muita atenção, alvo de intervenções qualificadas, e, como muitos outros, é um filho direto da revolução liberal. D. Maria II, e porventura o marido, quiseram preservar o que de melhor havia no acervo nos conventos extintos em 1834, magnífico recheio que foi colocado em depósito no Convento de S. Francisco, aquele quarteirão onde está hoje o Museu do Chiado e no lado oposto a Academia de Belas Artes.

O Museu Nacional das Belas Artes ganhou notoriedade em 1882 com a célebre Exposição de Arte Ornamental, vieram peças de Espanha e do Reino Unido, o museu intitulava-se então Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia e mudou de título em 1911 para Museu Nacional de Arte Antiga. O seu património excede o que veio da extinção dos conventos, temos peças provenientes do espólio da rainha Carlota Joaquina, peças adquiridas pelos reis D. Fernando II e D. Luís, peças adquiridas pela Academia das Belas Artes, peças provenientes de vários legados, como, por exemplo o visconde de Valmor ou as peças depositadas como as 1500 esculturas da Coleção Ernesto Vilhena.

Se o visitante começar a sua visita no andar superior, tem pintura portuguesa e estrangeira do século XIV, adiante irá demorar-se junto dos painéis de S. Vicente, verdadeiramente polémicos quanto ao seu autor e lugar de proveniência, há quem jure a pés juntos que o seu autor é Nuno Gonçalves, permito-me duvidar, o que há de Nuno Gonçalves neste museu tem pouco a ver com o conjunto destas seis tábuas, e não conheço nenhum políptico destinado a uma igreja com pescadores e cavaleiros, naturalmente que me rendo ao assombro deste conjunto, não desmerecendo que está ali o retrato da nascente epopeia portuguesa dos Descobrimentos.

Mudando de posição, vou defrontar-me com obras que muito me impressionam, caso do Santo Agostinho pintado por Piero della Francesca, a Virgem e o Menino de Hans Memling, passo um tanto como cão por vinha vindimada por muita arte religiosa para ir desfrutar do quadro intitulado Chegada das Relíquias de Santa Auta ao Mosteiro da Madre de Deus, pelo chamado mestre do retábulo de Santa Auta, gosto muito de apreciar a Anunciação de Frei Carlos e daqui passo para retratos de grande qualidade como o de D. Leonor de Áustria, pintado por Joos van Cleve ou o rei D. Sebastião pintado por Cristóvão de Morais. Suspendo aqui a visita para ir tomar um cafezinho no belo jardim do museu com uma parte do porto de Lisboa pela frente, mas só depois de me demorar diante de S. Jerónimo, pintado por Albrecht Dürer.

São João Evangelista, 1301-1350, oficina ativa na Península Ibérica
Retrato de um cavaleiro da Ordem de Cristo, 1525-1550 (?), escola portuguesa, estilo de Gregório Lopes. Durante muito tempo pensava tratar-se de Vasco da Gama, com os elementos do quadro, a começar pelos óculos, é totalmente inadmissível.
O Inferno, 1510-1520, escola portuguesa
Virgem Maria (de Calvário) e São João Evangelista (de Calvário), 1501-1525, oficina flamenga ativa em Portugal
Martírio de São Sebastião, Gregório Lopes, 1536-1539
Santo António pregando aos peixes, Garcia Fernandes, 1535-1540
D. João III e São João Batista, oficina de Cristóvão Lopes (?), depois de 1564
Natureza-morta com caixas, vidros e pote de barro, por Josefa d’Ayala, dita Josefa de Óbidos, cerca de 1660-1670
Retrato de senhora, mestre desconhecido, 1625-1650
Presépio de Santa Teresa de Carnide, de António Ferreira, cerca 1701-25, exposto no Museu Nacional de Arte Antiga
Vista do Mosteiro e Praça de Belém, Filipe Lobo, 1657
São Jerónimo, pintado por Albrecht Dürer, 1521

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 2 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27080: Os nossos seres, saberes e lazeres (694): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (215): Casal de S. Bernardo, Alcainça, gratas lembranças do Filipe de Sousa – 2 (Mário Beja Santos)

sábado, 5 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26986: Os nossos seres, saberes e lazeres (688): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (211): Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril 2025:

Queridos amigos,
Cônscio de que há para aqui um certo percurso errático, entendi que devia vir um pouco atrás, ao século XIX, onde efetivamente começa o acervo permanente do museu e daí mostrar aquela bela parede onde se expõe o retrato, manifestação capital do século XIX para o século XX; sem perda de demora passei por dois modernismos para preparar o cenário que irá conduzir às alterações das décadas de 1960 a 1980. Vejo-me aflito quando chego às últimas salas do acervo permanente, desentendo-me com câmaras escuras e coisas parecidas, a minha fronteira é aquele João Tabarra, por ironia a fotografia foi vista, durante gerações, pelos estetas como uma arte bonitinha mas que devia ocupar um espaço à parte, os Eduardo Gageiro, Victor Palla ou Gérard Castello-Lopes que fiquem no arquivo fotográfico, não tem direito a competir com as artes plásticas, abre-se uma exceção para o Jorge Molder, escusam de me perguntar porquê. Tudo somado, é indispensável vir até este acervo permanente, tem uma leitura, um discurso pedagógico, que nos faz entender a palpitante viagem que começou em 1910. Portanto, uma visita obrigatória.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (211):
Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 2


Mário Beja Santos

Recapitulando, era diretora do Museu Nacional de Arte Contemporânea Emília Ferreira e procedeu-se à reformulação do chamado acervo permanente, que isto dizer que o visitante do museu tem sempre em exposição um histórico do seu património, independentemente de exposições que estejam a acontecer. Entra-se no museu e a partir da Sala dos Fornos tem-se uma mostra do que melhor do século XIX o museu conserva, não faltam os românticos, os naturalistas, e assim caminhamos para a transição que será trazida pelos chamados modernistas.

Quem concebeu a exposição teve a feliz ideia de pôr de alto a baixo a parede de mudança de piso o chamado encontro de gerações, ali pontifica o retrato. Como escreve uma das responsáveis pela exposição, Maria de Aires Silveira temos ali mestres académicos, registos de elegância mundana, a densidade do retrato camoniano, assim se chega a Columbano, ali podemos ver o retrato de Teixeira de Pascoais, também está presente mestre Malhoa. E refere esta conservadora que por 1910 o autor portuense António Carneiro introduz a modernidade através da pintura Noturno, que aqui mostrámos no texto anterior. É igualmente nesta época que irrompem as ruturas com o academismo no século XIX. Percorremos essa sequência histórica de autores que vão desde a primeira geração modernista até ao neorrealismo e surrealismo, não esquecendo, porém, que em plena década de 1940 Fernando Lanhas abre caminho ao abstracionismo. É dentro desta recapitulação que pretendo repescar artistas de mérito até à transição que vai ocorrer a partir dos anos 1960. Veja-se Júlio dos Reis Pereira que usou de um traço e de um contexto grotesco, deliberadamente ingénuo, e numa atmosfera estética singular, isto numa época em que as artes plásticas se modernizavam mas dentro de um figurativismo que mantinha as regras do equilíbrio do traço.

O pescador de sereias, por Júlio dos Reis Pereira, 1929
Sabat – Dança de roda, António Pedro, 1936

António Pedro trilhou o surrealismo, figura polifacetada, homem de teatro, escritor de relevo. Fez objetos, escultura, cerâmica, galerista. Num tempo em que Leal da Câmara fora grande desenhador de humor em Paris e Amadeo Souza-Cardoso ganhara notoriedade internacional, em 1935, em Paris, Pedro assinou um manifesto ao lado de alguns dos nomes mais sonantes do tempo como Marcel Duchamp, Delaunay, Kandinsky, Miró, Picabia, Arp e Calder. No tempo da Exposição do Mundo Português, de 1940, era inaugurada no Chiado uma exposição por ele organizada, exposição surrealizante, ele, António Dacosta e a escultora inglesa Pamela Boden. Temos aqui neste Sabat - Dança de roda quatro corpos ou troncos, cruzam-se num espaço, envolvendo braços e seios e as quatro cabeças calvas fixam-nos em espanto. Quadro de uma grande violência carnal, como observará José-Augusto França.
Cais 44, Fernando Lanhas, 1943-1944

Ainda não sabia, mas era uma revolução silenciosa, nada de figuras, linhas geometrizantes, mas, para desconforto do espírito académico e mesmo dos modernistas havia nesta conjugação de cores uma luminescência que era impossível refutar não se tratar de uma grande arte.
Sombra projetada de René Bertholo, Lourdes Castro, 1964

Estamos a entrar numa nova era, o neorrealismo deu sinais de esgotamento, o próprio surrealismo segue um caminho autónomo e algo de profundo iria acontecer com as bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian, ir-se-ão impondo novos nomes, caso de Lourdes Castro, Helena Almeida, Bartolomeu Cid, Sá Nogueira, uns motivados pelos temas da sociedade de consumo, outros experimentando o uso da sua própria figura como modelo dentro da obra, será o caso de Helena Almeida como mais tarde Jorge Molder. O fundamental a reter é que a partir de agora a abertura a outras estéticas não será tão demorada como no princípio do século, isso ver-se-á nos trabalhos de Paula Rego ou de Menez. O museu pode orgulhar-se de ter obras de grande significado destas gerações, como abaixo se exemplifica.
A Noiva, por Paula Rego, 1972
Sem título, Menez, 1985
Sem título, João Vieira, 1972
Da série TV, Jorge Molder, 1995
This is not a drill (No Pain No Gain), João Tabarra, 1999

As artes plásticas, como é óbvio, não estavam nem ficaram insensíveis seja à erupção de novos meios de comunicação e ao aproveitamento de novas tecnologias. A fotografia voltou a ganhar estatuto de nobreza, as instalações, as performances entraram na ordem do dia, de algum modo já tinha sido assim com o Op, a arte cinética, mas a dimensão tecnológica foi tão avassaladora que trouxe uma alteração profunda aos conceitos estéticos. Isto para já não falar nos aparatos espetaculares como o uso de detritos humanos, materiais da construção civil, etc.
Não sei para onde caminhamos, a minha fronteira do gosto acaba aqui.

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Nota do editor

Último post da série de 28 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26966: Os nossos seres, saberes e lazeres (687): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (210): Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 1 (Mário Beja Santos)

sábado, 28 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26966: Os nossos seres, saberes e lazeres (687): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (210): Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março 2025:

Queridos amigos,
Era então diretora do Museu Nacional de Arte Contemporânea a Emília Ferreira e deu-se um refrescamento do acervo permanente, diga-se de passagem que é riquíssimo, não há um outro referencial como este. Sendo vasto o acervo, fui primeiro cumprimentar mestre Columbano, ele está, de algum modo, no encerramento de uma época, mesmo dando alguns indícios que se predispunha a colaborar na rutura. O seu retrato de Antero de Quental é arrepiante, é um fim da Pátria. Entramos depois nos sinais de alvorada, nos percursos da modernidade, Almada e Amadeo, Viana e Eloy são nomes irrecusáveis, mas temos Canto da Maya na escultura e vai abrir-se espaço para dois movimentos, o neorrealismo e o surrealismo, mestre Pomar tem o ícone neorrealista no Gadanheiro e vão-se impôr vários nomes no surrealismo, curioso este fenómeno das artes plásticas que se prolonga até ao nosso tempo. Ainda recentemente anunciaram o último surrealista, um senhor desconhecido que vive lá para as Américas, isto quando verdadeiramente está vivo e a trabalhar Raúl Perez, de quem ninguém fala e é um grande artista. Caprichos ou tiranias dos críticos de arte...

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (210):
Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 1

Mário Beja Santos

O Museu Nacional de Arte Contemporânea alterou recentemente o seu acervo permanente. Digamos que o visitante tem tudo a ganhar com a compreensão dos objetos da rutura. O modernismo anuncia-se no início da década de 1910, digamos que tardiamente se pensarmos que o cubismo já está em movimento, sob a égide de Picasso e Braque. Chegaram artistas de Paris, como Francis Smith ou Emmerico Nunes, já estão a revolucionar o naturalismo, mas os nomes prestigiados da pintura dão pelo nome de Columbano, Malhoa, Carlos Reis ou Marques de Oliveira. Ainda ninguém conhece Amadeo em Portugal. De acordo com os historiadores de arte, a rutura põe-se em movimento com a Exposição Livre de 1911 e I Exposição dos Humoristas de 1912. Há nomes que começam a ganhar prestígio, Almada, Jorge Barradas, Leal da Câmara, um desenhador de humor consagrado em Paris.

É durante a guerra que se dá uma animação nas Letras e nas Artes Plásticas, basta pensar no Orpheu, em Pessoa e Sá Carneiro, Santa Rita, Eduardo Viana. Amadeo expõe no Porto e em Lisboa, não é verdadeiramente apreciado; o futurismo é o movimento efémero. A década de 1920 dá um salto com modernistas que não rejeitam as artes gráficas, caso de Viana, Almada, Bernardo Marques, António Soares, Stuart, mais tarde Carlos Botelho, António Ferro irá pedir-lhes a sua colaboração para a chamada política do espírito, que dominará a paisagem das artes até ao fim da Segunda Guerra. Eduardo Viana é um desses pintores marcantes da época, como Mário Eloy, que criou personagens grotescas e inquietantes, cores que fogem à realidade, tudo com elevado sentido expressionista.

A escultura parecia desaparecida depois de Machado de Castro, surge Canto da Maya. E assim chegamos aos movimentos dos anos 1940. No mesmo ano em que abre a Exposição do Mundo Português, António Pedro promove uma exposição onde apresentava pintura surrealista. Vai emergir o abstracionismo, caso da pintura de Fernando Lanhas, ainda durante a Segunda Guerra. E imediatamente depois vão entrar num quase confronto dois movimentos de alto significado, o neorrealismo e o surrealismo. E Almada Negreiros deixa os seus trípticos nas gares marítimas, vai buscar temas míticos e populares, varinas e a nau Catrineta, cenas de circo e as despedidas dos emigrantes, um governante do Estado Novo dirá apoplético que era preciso retirar dali aqueles mamarrachos, o que diriam os estrangeiros daquela rusticidade e provincianismo? Mas antes de entrarmos em ruturas, mostre-se duas obras-primas do naturalismo, de mestre Columbano, depois sim, virá a rutura. Iremos fazer a viagem até ao surrealismo, mais adiante prosseguiremos.

O Grupo do Leão, pintura de Columbano Bordalo Pinheiro. Obra capital da pintura portuguesa do século XIX, por analogia é uma mostra de um coletivo de artistas, jornalistas e escritores que nos remete para uma atmosfera de ilustração social que oferecem Os Painéis de S. Vicente, atribuídos a Nuno Gonçalves. Naquele período da monarquia constitucional em que alguns intelectuais procuram explicar razões para a decadência do país, temos aqui um grupo folgazão, nada parecido com Os Vencidos da Vida, estão nele representados, entre outros, Cristino da Silva, Columbano, Silva Porto, António Ramalho e Rafael Bordalo Pinheiro. O quadro data de 1885, D. Carlos é o rei, já houve o Ultimatum, esta galeria de retratos já não cabe no romantismo, obedece às regras do academismo, mas é percetível o anúncio de uma rotura nas correntes estéticas vigentes.
Antero de Quental, pintado por Columbano, 1889. Os historiadores de arte reconhecem nesta tela uma alteração substancial na técnica de Columbano, mas o fundamental, para mim, é a mensagem que transparece naquele rosto em desânimo, é como se anunciasse uma Pátria em afundamento, e o poeta-pensador-ativista político não sabe qual a melhor saída.
A visita que me traz a este museu é para apreciar o novo olhar sobre a rutura moderna, como, ainda no interior do academismo – naturalismo, vão brotar os sinais do modernismo, no desenho e na pintura, em gente que foi a Paris, como Amadeo ou Eduardo Viana, aqui em Portugal, Almada ou Jorge Barrada. Há quem lhe chame a 1.ª geração do modernismo; seguir-se-á outra, onde irão confluir contestações, lembranças do expressionismo, e depois o neorrealismo e o surrealismo. O que fundamentalmente pretendo aqui deixar ilustrado é ver o que se passou entre 1911 e os anos 1950. A quem estiver interessado, peço a leitura desta síntese apresentada pela conservadora Maria de Aires Silveira.
Nocturno, por António Carneiro, 1910, porventura o primeiro sinal da modernidade. Como se lê na legenda: “Esta paisagem silenciosa, onde apenas se pressente a presença humana pela pontuação de manchas de luz, cria conversas sentimentais com o quadro Interior, de Aurélia de Sousa. É igualmente nesta década que irrompem as ruturas com o academismo do século XIX.”
Janela, Amadeo de Souza-Cardoso, 1916. Há vários Amadeo dentro de Amadeo, ele regressa a Portugal por razões da guerra, trabalha incessantemente em Manhufe, dá-se uma evolução, todo o seu cromatismo se vai depurando e simplificando, ainda há sinais da sua ligação ao cubo-expressionismo, mas o que se sente em obras tão simples como esta é que ele era um vanguardista original, o seu nome e a sua obra aparecerão ligados a exposições que deram brado antes da guerra.
Paisagem tropical – S. Tomé, por Jorge Barradas, 1931
Adão e Eva, pelo escultor Ernesto Canto da Maya, 1929-39
João Hogan, Carlos Botelho e muito, muito Almada Negreiros. Transição da década de 1930 para 1940, estão aqui alguns dos elementos de uma das obras fundamentais de Almada, os frescos das gares marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbitos, meados da década de 1940.
Quadros de Mário Eloy, incluindo dois autorretratos
Gadanheiro, por Júlio Pomar, 1945
A chegada do surrealismo, dois quadros de Marcelino Vespeira
Aurora hiante, por Cândido da Costa Pinto, 1942
La voie sauvage des songes, por Mário Cesariny, 1947

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 21 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26944: Os nossos seres, saberes e lazeres (686): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (209): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 9 (Mário Beja Santos)