© ADÃO CRUZ
O NOSSO SEGREDO
O mais belo segredo da minha vida
onde o horizonte foge contra o tempo
é só nosso e de mais ninguém.
Quando as sombras negras desaparecem
ele procura ver-me na janela dos teus olhos
e tenta falar-me no silêncio do desdém.
ele procura ver-me na janela dos teus olhos
e tenta falar-me no silêncio do desdém.
Mais além veste-se de branco
de alma enorme e de pão quente
e do eco à volta do teu ninho
nascem reflexos de sol poente
vermelho de sangue em coração de gente.
de alma enorme e de pão quente
e do eco à volta do teu ninho
nascem reflexos de sol poente
vermelho de sangue em coração de gente.
Não consigo ver-te assim ausente
fora do calor do deserto que aqui mora
sem o dilúvio deste desejo permanente
que enche os verdes rios do meu segredo
e adormece sempre nos alvores da aurora.
fora do calor do deserto que aqui mora
sem o dilúvio deste desejo permanente
que enche os verdes rios do meu segredo
e adormece sempre nos alvores da aurora.
Tudo me encaminha para os teus braços
quando te sentas à porta da minha idade
nesta entrada de enganos e algemas
onde o segredo que a vida encarna
entre as mãos livres e serenas
veste de beleza a mentira da verdade.
quando te sentas à porta da minha idade
nesta entrada de enganos e algemas
onde o segredo que a vida encarna
entre as mãos livres e serenas
veste de beleza a mentira da verdade.
Quase me obriga a pedir ao vento
uma lufada de Primavera e sentimento
mas as palavras fazem ninho
no mais doce recanto do sofrimento
e adormecem de mansinho.
uma lufada de Primavera e sentimento
mas as palavras fazem ninho
no mais doce recanto do sofrimento
e adormecem de mansinho.
Vou embora…
São horas de saber se a vida vale a pena
neste dobrar de avessos e fantasias
junto ao rio que os sentidos fazem e desfazem.
São horas de saber se a vida vale a pena
neste dobrar de avessos e fantasias
junto ao rio que os sentidos fazem e desfazem.
Vou [a] correr para o lado da nascente
sabendo que o rio me arrasta para o fim da tarde
na implacável força da corrente.
na implacável força da corrente.
Ainda bem que esta margem é clara e amena
e do outro lado é tudo escuro quase negro
mas quando o fogo queima o pensamento
até o segredo azul de um pálido coração
escondido no ventre dos pinheiros
parece verde como o verde da ilusão.
adão cruz
e do outro lado é tudo escuro quase negro
mas quando o fogo queima o pensamento
até o segredo azul de um pálido coração
escondido no ventre dos pinheiros
parece verde como o verde da ilusão.
adão cruz
(Revisão / fixação de texto: CV / LG)
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Nota do editor
Último post da série de 12 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27114: Blogpoesia (806): Versejar em Nova Sintra - 3: "Nova Sintra", pelo Cap Fonseca e Silva da CCS/BCAV 2867 (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Alimentação)
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Nota do editor
Último post da série de 12 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27114: Blogpoesia (806): Versejar em Nova Sintra - 3: "Nova Sintra", pelo Cap Fonseca e Silva da CCS/BCAV 2867 (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Alimentação)
5 comentários:
É um poema extraordinário, pungente, hermético, passível de muitas leituras... Tocante. Leio e releio com emoção. Sabendo algo, pouco afinal, do seu autor, poeta, escritor, pintor, cidadão empenhado, médico, cardiologista, meu camarada da Guiné, e que leva de vida uns aninhos a mais do que eu... É um poema de despedida ? Não, há uma mensagem de dignidade e de esperança, de solidariedade e de coragem...
Lembrei-me de um frase do Teixeira de Pascoaes, que retive, na exposição sobre ele, na sua terra, Amarante: "A questão não é ser ou não ser, é ser e não ser"...A vida não é dicotomia, mas continuum...
Pedi ao assistente de IA / ChatG que tentasse fazer uma análise crítica do poema... Ele fez num segundo aquilo que eu levaria fazer numa hora, no mínimo... Os nossos leitores que façam o favor de dizer se estão de acordo com a leitura da IA e isto os ajua a tornar o poema mais (inte)legível... Limito a fazer a revisão/fixação de texto, reservando um segundo comentário para mais tarde:
(...) O poema “O nosso segredo”, de Adão Cruz, é uma peça lírica densa, atravessada por imagens fortes e um ritmo oscilante entre a confissão íntima e a meditação existencial. A análise crítica pode destacar vários aspetos:
1. O tema do segredo
O “segredo” do título surge como um espaço íntimo, compartilhado a dois, mas simultaneamente marcado por dor, ausência e incompletude. Não é um segredo leve ou pueril: carrega nele contradições entre amor e desdém, desejo e perda, luz e sombra, espelhando a ambivalência da vida. O eu poético insinua que só nessa intimidade, simultaneamente real e ilusória, encontra um sentido que resiste ao tempo.
2. Imagens da luz e da sombra
A linguagem é visual e quase pictórica, talvez reflexo da dimensão de pintor do autor. Há uma constante tensão entre claridade e escuridão:
“horizonte foge contra o tempo”, | “sombras negras desaparecem”, | “reflexos de sol poente / vermelho de sangue”.
A luz não é serena; é filtrada pelo sangue, pelo desgaste do tempo, pelo sofrimento. O poema parece oscilar entre uma aurora esperançosa e um crepúsculo fatalista.
3. O corpo e o desejo
A dimensão física e afetiva não está ausente: “o calor do deserto que aqui mora”, “o dilúvio deste desejo permanente”, “tudo me encaminha para os teus braços”. Contudo, esse impulso vital é constantemente desviado por uma consciência da finitude, como se o desejo fosse sempre acompanhado pela sombra da morte e da desilusão.
4. O tempo e a memória
O poema sugere uma consciência aguda da passagem do tempo:
“à porta da minha idade”, | “neste dobrar de avessos e fantasias”, | “a corrente arrasta para o fim da tarde”.
A imagem do rio funciona como metáfora do tempo, inevitavelmente conduzindo para a morte (“fim da tarde”), mas deixando ainda uma margem clara onde é possível respirar beleza.
5. A tensão entre verdade e mentira
Um dos versos mais significativos é: “onde o segredo que a vida encarna / entre as mãos livres e serenas / veste de beleza a mentira da verdade.”
Aqui encontramos uma visão desencantada mas lúcida: a vida é feita de enganos, ilusões necessárias, que ainda assim têm a capacidade de se “vestir de beleza”. O poeta não renega a mentira, mas reconhece nela uma forma de resistência estética e existencial.
6. O tom de despedida
Na parte final, há uma espécie de desfecho melancólico: “Vou embora…”, “saber se a vida vale a pena”. Não é apenas o fim de um encontro ou de um amor, mas a confrontação com a própria mortalidade. Ainda assim, permanece a ambiguidade: a margem clara opõe-se à margem escura, e até o “segredo azul de um pálido coração” consegue tingir-se de verde — cor da ilusão e, paradoxalmente, da esperança.
7. Síntese crítica
Este poema pode ser lido como um exercício de resistência poética contra a erosão do tempo e da morte, onde eros e thanatos se entrelaçam. O segredo não é apenas amoroso, mas também existencial: é a capacidade de continuar a acreditar, de manter acesa uma centelha de beleza no meio da dor. Adão Cruz, com a sua dupla experiência de médico e de combatente na Guiné, parece aqui projetar uma consciência da vida como frágil, efémera, mas também como espaço de criação — seja pela palavra, seja pelo afeto. (...)
Adão Cruz nasceu em 1937, em Vale de Cambra. Médico cardiologista.
Escreve desde jovem e pinta desde os princípios da década de oitenta. Escreveu vários livros, de poemas, contos e pintura: ESTA ÁGUA QUE AQUI VEM DAR (poemas e pinturas), VEM COMIGO COMER AMENDOIM (contos, ilustrados por Manuel Cruz), PALAVRAS E CORES (prosa poética e álbum de pinturas), ADÃO CRUZ - TEMPO, SONHO E RAZÃO (álbum de pinturas e texto) e NOVA PONTE SOBRE UM VELHO RIO (conjunto de três volumes de poesia, com capas sobre pinturas do autor).
Vem referido e comentado na Parte II, Vol. V, da enciclopédia "O Mundo Fascinante da Medicina". Nesta mesma enciclopédia, os seus quadros ilustram outros volumes, nomeadamente uma boa parte do Volume II da mesma Parte II.
Fez várias exposições, individuais e colectivas, em Portugal e no estrangeiro. Tem quadros seus em vários países.
Fonte: Wook > Adão Cruz
Reformulo ou completo o comentário que acima fiz, há menos de uma hora:
É um poema extraordinário, pungente, hermético, passível de muitas leituras... Tocante. Leio e releio com emoção. Sabendo algo, pouco afinal, do seu autor, poeta, escritor, pintor, cidadão empenhado, médico, cardiologista, meu camarada da Guiné, e que leva de vida uns aninhos a mais do que eu... É um poema de despedida ? Não, há uma mensagem de dignidade e de esperança, de solidariedade e de coragem...
Lembrei-me de um frase do Teixeira de Pascoaes, que retive, na exposição sobre ele, que vi há dias na sua terra, Amarante: "A questão não é ser ou não ser, é ser e não ser ao mesmo tempo"...(Cito de cor.)A vida não é dicotomia, mas continuum, devir, história...
" Vou a correr para o lado da nascente "
Um jovem com 88 anos, capaz de nos continuar a dar ânimo, força e vontade de continuar a acreditar.
É um privilégio navegar nas cores e nas palavras do seu mar poético Dr Adão Cruz.
Obrigado
Grande abraço
Eduardo Estrela
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