quinta-feira, 3 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9844: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte II_ Batismo de fogo em Bissum-Naga até às férias...





Guiné > Bissau > BAC 1 > Dezeembro de 1967 > Peça de museu, de arilharia, possivelmente do tempo da(s) "guerra(s) de pacificação", à entrada da messe de oficias > Foto nº 23/199 do álbum do João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69) .





Guiné > Bissau > BAC 1 > Dezeembro de 1967 >  Obuses 10.5 > Foto nº 31/199
 



Guiné > Bissau > Bissau > c. meados de 1968, tempo das chuvas > Avenida marginal, dando ao acesso ao porto de embarque >  Foto nº 56/199.






Guiné > Bissau > Bissau > c. meados de 1968 >  Instalações da marinha, junto ao porto >  Foto nº 57/199.






Guiné > Bissau > Bissau > c. meados de 1968 > LDM no Rio Geba, ao fundo  do  lhéu do Rei, frente ao porto de Bissau. (Distância aproximada: 1,5 km) [... e não "Ilha do Príncipe"] > Foto nº 62/199.





Guiné > Região do Cacheu > Bissum-Naga > 1968 > "Eu em Bissum - à esquerda ainda se vê o 'canhão' de um obus 8,8cm e a entrada do aquartelamento virada a Nordeste; ao fundo, um abrigo onde dormia, com um posto de vigia em cima, e à direita e em primeiro plano, no meio da parada, e danificado pelas granadas de morteiro do IN que caíam com muita frequência, estava o paiol das munições". 



Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da  Guiné. Todos os direitos reservados. (Fotos editadas e parcialmente legendadas por L.G.)



Memórias da minha comissão na Província Ultramarina da Guiné - Parte II (*)




Por João Martins  (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69) . 


(Continuação)

4 – Chegada à Guiné e partida para Bissum-Naga

Na manhã do dia 19 de Dezembro de 1967 (*), chegámos e atracámos ao cais de Bissau. Vieram-nos buscar e conduziram-nos à nossa nova unidade, a BAC 1 (Bateria de Artilharia de Campanha nº1). 


Apresentámo-nos ao Capitão Abreu Faro, comandante da unidade, que nos deu as boas-vindas e teve uma breve conversa connosco. Perguntou-nos quais as nossas perspectivas, comecei por ouvir os meus dois camaradas. Um, disse que sofria do estômago e que agradecia um lugar em que se comesse bem, o outro, que tinha mulher e um filho de modo que lhe dava jeito um local onde não houvesse muita “porrada”.

Depois de ter pensado duas vezes, e já que não fazia sentido pedir o mesmo que os meus camaradas, se bem que fosse essa a minha vontade, resolvi pedir as férias em Agosto [, de 1968], na Metrópole, para as poder gozar em S. Martinho do Porto, porque, sem praia e sem mar, as férias para mim não são férias. E assim aconteceu tanto em 1968 como em 1969.

A seguir, o capitão mandou-me vestir o camuflado e mandou-me para a Lancha de Desembarque Média (LDM) que já se encontrava no cais,  com um pelotão de 3 obuses 8,8 cm.

Não me lembrei da ração de combate, pelo que, na ida para Bissum-Naga pelo rio Cacheu, passando por Joanlandim [o João Landim, na travessia do Rio Mansoa], durante dois dias praticamente não soube o que era comer nem beber, nem mesmo os da lancha me deram o que quer que fosse.

Era esta a falta de solidariedade que se vivia entre militares de ramos diferentes, o que mostra a falta de espírito de “unidade nacional” sem a qual não se vencem guerras, e, quanto ao dormir, faz-se ideia do que é dormir ao ar livre, numa noite bem escura para não sermos vistos pelo IN, em cima de um colchão de espuma.







Guiné > Região do Cacheu > Carta de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bissum-Naga e de Biambe.



5 – Bissum-Naga

Chegámos a Bissum a 21 de Dezembro [de 1967], portanto, na semana que precede o Natal, pelo que, como de costume, e talvez para esquecer as saudades das famílias que nessa quadra ainda são mais intensas, iniciámos a operação “Bolo Rei”, a que se seguiu a operação “Cavalo Orgulhoso”.

Tive uma adaptação particularmente difícil, porquanto logo nos meus primeiros dias tivemos feridos e mortos, e, na véspera de Natal, de forma imprópria de gente civilizada, houve um elemento considerado afecto ao inimigo que foi muito, mas muito maltratado, pelo que fiquei a saber da selvajaria de que também éramos capazes. Foi um dos piores locais da Guiné por onde passei.

Terra de balantas, etnia altiva e independente, nunca me senti muito bem visitando as palhotas e interagindo com a população, dir-se-ia que, ao longo de cerca de 500 anos de convivência os nossos povos tiveram muito poucos contactos.

A tabanca localizava-se entre o aquartelamento e o rio Cacheu, ao longo da estrada, de modo que eramos atacados apenas dos quadrantes Sul e Este. Nós e a população éramos frequentemente sujeitos a flagelações por parte do IN que nos atacava tanto de dia como de noite, pelo que, durante os meses que estive lá, dormi sempre sem saber o que eram uns lençóis e um pijama.

Recordo vários episódios:

Uma vez, numa operação, um dos nossos soldados tropeçou num ninho de abelhas. Ficou com a cara de tal maneira picada e inchada que estava completamente irreconhecível, é claro que teve que ser imediatamente evacuado para Bissau.

Todos os dias era necessário ir buscar água à bolanha que não ficava longe, cerca de 800 metros a Nordeste, e estava rodeada de palmeiras que tapavam a visibilidade. Era uma rotina normalmente sem incidentes, pelo que os nossos soldados iam com sapatilhas, descontraídos, sem qualquer preocupação em montar segurança, e iam mais preocupados em apanhar algum pássaro que pudessem comer ao almoço já que a comida escasseava.

Aconteceu que, certa vez, depararam-se com uma emboscada; o IN estava à espera deles e apanhou-os completamente desprevenidos. Quando começou o tiroteio corri para o obus que estava voltado para Este e dei ordem de fogo na direcção da orla da bolanha calculando que não atingiria nenhum dos nossos. Creio que o disparo e o barulho do rebentamento das granadas pô-los em fuga, mas não evitou algumas baixas.

Noutra altura, na sequência de uma operação, trouxeram para o aquartelamento uma rapariga muito “bonita e jeitosa”, uns tantos abusaram dela, dei-lhe todo o apoio que me foi possível e lamentei o sucedido.

Mais tarde, vi um dos principais responsáveis com a cabeça muito inchada, porque, a jogar futebol, tinha batido com ela, tinha perdido os sentidos e a memória, e não se lembrava de nada. Não sei se foi castigo de Deus… Mas não descarto essa hipótese…

Uma vez, num ataque que fizeram ao quartel, entrámos em tiro direto, estávamos a ver se descortinávamos onde se encontrava o IN pela observação dos disparos das espingardas quando ouvimos um tilintar no canhão; aberta a culatra, encontrámos uma bala que tinha entrado pelo cano, o alvo eramos nós mas não tiveram essa sorte.

Outra vez, estava a tomar banho de chuveiro à hora do almoço dos soldados, porque era a melhor hora para estar completamente nu e mais à vontade. Quando começou o ataque ao aquartelamento pensei que não iria durar muito, estando completamente nu, não estava em condições de ir para onde quer que fosse.

Decidi esperar pacientemente pelo final da flagelação. Esta porém estava a prolongar-se mais do que poderia esperar e as balas e as granadas de morteiro passavam cada vez mais próximo pelo que já me estava a aborrecer… Estava eu nesta conjectura quando ouço um som sibilino que, pela minha já longa experiência de flagelações ao aquartelamento,  me levou a concluir que se tratava de uma granada que se aproximava perigosamente. Só tinha uma decisão a tomar, atirar-me para o chão, a granada caiu a menos de dois metros e felizmente do outro lado de um tronco de palmeira que delimitava a zona do duche. Depois, já recomposto do susto, e constatando que tinham parado de disparar, resolvi fugir para dentro de um abrigo como Deus me deitou ao Mundo. Foi então que alguém reparou que eu estava a deitar sangue de uma perna, felizmente que estava apenas ligeiramente ferido.

Dias mais tarde, vieram-me dizer que o PAIGC tinha dado a informação na rádio de que me tinham abatido. Eles bem fizeram por isso em tiro direto, estilo tiro ao alvo e o alvo era eu, percebi então porque é que as tinha sentido a passar tão perto de mim, mas não tinha chegado a minha hora…

Era raro sair do aquartelamento, aquela gente não me inspirava grande confiança, talvez porque ainda era “periquito”, mas uma vez vieram-me dizer que havia “ronco” na aldeia. Decidi ir ver como era. Compreendi que era dia de festa estilo S. João e com a particularidade dos habitantes das redondezas (“turras”) também virem participar na festa. Não fiquei nem muito à-vontade nem muito descansado, e menos fiquei quando em plena “sala do baile” me vieram avisar que “eles” andavam à minha procura. Resolvi não armar em herói e regressar rapidamente ao quartel. No caminho, ainda houve quem me apontasse um arco com uma flecha, mas não teve coragem para me atingir.

Recordo que para melhor ocupar o tempo decidi ensinar os soldados [, guineenses,] do meu pelotão que eram iletrados, a ler e a escrever. Contrariamente ao que eu poderia supor, alguns opuseram-se radicalmente, parecia que atentávamos contra a sua liberdade de optarem pela ignorância e que muito mal lhes queríamos.

Expliquei que o nosso único desejo quando largávamos os nossos familiares na Metrópole era irmos defendê-los dos terroristas ficando sujeitos a sermos feridos ou mesmo a morrermos e o facto de nos dispormos a ensiná-los a ler e a escrever era o de pretendermos para eles uma vida melhor. Também argumentei que teriam a possibilidade de escrever aerogramas às suas famílias.

Não ficaram convencidos, o que muito me entristeceu na medida em que revelava pouca confiança relativamente aos nossos verdadeiros propósitos e também uma certa dose de estupidez, porque, no fundo, era um esforço adicional a que nos dispúnhamos tendo em vista a melhoria das suas condições de vida. Só depois de falarem uns com os outros é que alguns aceitaram fazer o esforço de aprendizagem, dir-se-ia que estavam satisfeitos com o que tinham, um vencimento ao fim do mês com pouco trabalho e que lhes dava para viver.

Não mostravam estar muito preocupados com o seu futuro nem como iriam sustentar as suas famílias, talvez contassem que fossem as mulheres a trabalhar para os sustentar… ou então, seriam os europeus.

A certa altura, o capitão da companhia de cavalaria que defendia Bissum e que era miliciano (**), resolveu construir uma pista para avionetas, e como não tinha os meios adequados, resolveu pôr a viatura do pelotão de Artilharia a puxar um tronco de árvore. A pista, vista do ar podia ser muito bonita, mas em terra era notória a existência de lombas acentuadas, o que não podia ser do agrado dos pilotos.



João Martins


(Continua)
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Notas do editor:


(*) Vd. primeiro poste da série > 30 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9834: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte I: De Mafra (EPI) a Bissau (BAC1)

(**) Provavelmente, o Cap Mil Inf Manuel Carlos Dias, comandante da CCAV 1747: mobilizada pelo RC 7, partiu partiu para o TO da Guiné em 20/7/1967 e regressou à metrópole em 7/6/1969. Esteve apenas em dois sítios, segundo a respetiva ficha de unidade: Farim e Bissum. 


A CCAV 1747 é contemporânea da CCAV 1748 (Bissau, Bula, Contuboel, Bissau, Farim; Comandante: Cap Mil  Inf Emílio  Augusto Pires); e da CCAV 1749 (Mansoa, Mansabá, Quinhamel; Comandante: Cap Mil Inf  Germano da Silva Domingos). 


Nenhuma destas três companhias - que se presume fossem independentes - está devidamente representada da nossa Tabanca Grande. O nosso camarada José Nunes, do BENG 447 (15jan68 / 15jan70), confirma - através de uma foto aqui publicada - que a CCAV 1747 - "Unos e Firmes" - esteve em Bissum-Naga (em 1968). Também sabemos, por outras fotos do José Nunes, que em 1966/67, esteve aqui a CCAÇ 1497, pelo menos com três grupos de combate (o 1º,  o 2º e o 3º).

Guiné 63/74 - P9843: Parabéns a você (414): Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAV 3366/BCAV 3846 (Guiné, 1971/73)

Para aceder aos postes do nosso camarada Delfim Rodrigues, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9836: Parabéns a você (413): José Carlos Neves, ex-Soldado Radiotelegrafista (Guiné, 1974)

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9842: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (19): Em 2013 lá estaremos todos novamente, e em maior número (Valentim Oliveira)

1. Mensagem do nosso camarada Valentim Oliveira (ex-Soldado Condutor da CCAV 489/BCAV 490, Como, Guidaje e Farim, 1963/65), com data de 29 de Abril de 2012:

Caros Amigos e companheiros de jornada.
Passados oito dias que já foram depois do nosso exemplar encontro em Monte Real, apenas me resta dizer que fica a saudade com a firmeza segura de que para o ano de 2013 lá estaremos todos novamente, e em maior número.

Se me é permitido deixo aqui bem expresso uma nota de louvor à organização constituída pelos incansáveis Joaquim Mexia Alves, Carlos Vinhal e Miguel Pessoa. A todos os meus parabéns.

Estive com o Rui Alexandrino no dia 26, e fiz-lhe a entrega do livro que o Idálio me deu para lhe entregar, fui encontrá-lo no consultório médico.
De momento está um pouco abalado com o sistema de saúde, mas dias melhores hão-de vir.

Um abraço amigo
Valentim Oliveira

Os mânfios em assembleia

Eu e o Idálio Reis falando do livro

Recordando passagens com o Marinho
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9830: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (16): Álbuns dos nossos fotógrafos Jorge Canhão, Juvenal Amado, Luís Moreira, Manuel Carmelita, Manuel Lema Santos, Manuel Resende, Miguel Pessoa, Rui Silva e Sousa de Castro

Guiné 63/74 - P9841: Agenda cultural (199): Intervenção de Mário Beja Santos na Tertúlia sobre o livro de sua autoria "Adeus até ao meu regresso", realizada no passado dia 26 de Abril em Lisboa

Realizou-se no passado dia 26 de Abril, na Bertrand Dolce Vita Monumental, Lisboa, uma sessão integrada no ciclo "Tertúlia, Literaturas da guerra colonial: há memórias que nunca acabam", com coordenação do Cor Carlos Matos Gomes, em que esteve em destaque o livro "Adeus até ao meu regresso" de autoria do nosso camarada Mário Beja Santos que foi um dos intervenientes a par do nosso camarada e Editor/Administrador deste Blogue, Luís Graça.


1. Deixa-se aqui um apontamento da intervenção de Mário Beja Santos:


Adeus, até ao meu regresso:

Algumas questões sobre a literatura da guerra da Guiné

Por Mário Beja Santos

Pode não ter uma elevada qualidade, esta literatura da guerra da Guiné, mas tem uma longevidade assombrosa, basta dizer que surgiu logo aos primeiros tiros, em 1964, e não para de nos surpreender.

Abraça, esta literatura, o romance e o conto, as memórias de vários matizes, o ensaio, a poesia, a reportagem, a investigação histórica e os diários.

Obedece às vicissitudes dos ciclos históricos do Império, da descolonização, do desatar dos constrangimentos, da gradual equidistância que permite aos participantes joeirarem azedumes e centrarem-se no essencial. Foi essa a trajetória que eu escolhi para tratar no livro Adeus, até ao meu regresso as impressões que colhi sobre os títulos que tive oportunidade de conhecer e, tanto quanto sei, até tive a felicidade de ler o essencial.

Começou a guerra, não havia espaço para dúvidas de fé, o regime não permitia sedições nem clamores anticoloniais. O que se escreveu tem a ver com a dinâmica militar, o apoio à guerra, o exame do estudioso da evolução da guerrilha ou a nomeação do verdor do soldado português: Armor Pires Mota, Manuel Barão da Cunha, Hélio Felgas, por exemplo.

No final da década, numa linguagem totalmente codificada, emerge um nome importante das letras portuguesas, Álvaro Guerra, ex-combatente, a quem se ficará a dever alguns parágrafos belíssimos e irrecusáveis sobre esta guerra (desde O Disfarce até já nos anos 70, O Capitão Nemo e Eu).

Estamos nos anos 70, antes do 25 de Abril temos a escrita desalentada de A Flor e a Guerra, de Manuel Barão da Cunha e os textos sempre encriptados (ou quase) de Álvaro Guerra. Vejamos com algum detalhe algumas obras de Álvaro Guerra. Oiçamo-lo em O Disfarce: «Nasci na pátria do ódio gentil, na pátria da paz e do sono, do idílio de uma seringa cheia de medo com uma veia cheia de velho sangue, uma veia sossegada e antiga, sem dores de me parir. Cresci entre as histórias mentirosas e as mezinhas mitológicas de adiar mortes serenas, milhões de tranquilíssimas mortes conformadas, ao som do fado-hino e da saudade-destino».

Falta agora uma apreciação de O Capitão Nemo e Eu (1973), é a última incursão de Álvaro Guerra na guerra da Guiné.

Alguns críticos que saudaram a obra na época interrogaram-se se se estava perante um romance, uma narrativa ou uma memória. Há um homem que está ferido, preso a uma cama de hospital, que entra num processo de convalescença, que divaga quase em estado de delírio, entre o sono e a vigília, nunca é dado estabelecer as fronteiras entre o que é sono e o que é sonho.

Temos um ferido que tateia o corpo e o meio envolvente, que vigia a fisiologia e que repesca os factos acontecidos, a justificação por estar ali, sujeito a remédios e injeções. 



Pequena tertúlia que contou comn a presença de alguns camaradas da Tabanca Grande: além do Beja Santos, o Jorge Cabral, o Luís, a Alice, o Alberto Branquinho, o João Martins, o António Vaz,  o Francisco Henriques da Silva (antigo embaixador na Guiné-Bissau, o Joaquim Carvalho (do BENG)... Fotos de L.G.

É bem possível que tenha regressado ferido na perna, tal como Álvaro Guerra, tão ferido que volta à infância, vê aparecer no seu quarto um anjo, depois regressa ao Geba e amaldiçoa a sua sorte: «Por lá chafurdei na lama das lalas, debati-me no turbilhão dos tornados, derreti-me na fornalha de um sol quase invisível, dissolvi-me na chuva vertical, e amei como um danado aquela terra que me injetou a febre, me secou, me expulsou a tiro. Mas nunca o preço do amor é excessivo nem a presença da morte o pode aniquilar». Bastava este parágrafo de Álvaro Guerra para o colocar obrigatoriamente em qualquer antologia referente à literatura da guerra da Guiné.

E chegamos a 1974, a dinâmica literária dá uma sacudidela veloz, é tempo de niilismo e de irreverência. José Martins Garcia será o arauto e o grão-mestre dessa viragem. E  

Lugar de Massacre a obra incontornável do anúncio desses novos tempos.

Lugar de Massacre é um livro soberbo (3ª edição, 1996). É difícil acreditar que haja prosa mais niilista, corrosiva e grotesca que a que ele utiliza na construção dos personagens, dos ambientes e atmosferas, nos diálogos entre guerreiros, até nas circunstâncias do quotidiano. Martins Garcia usa até à exaustão o nonsense como metáfora, a relação entre chefes e subordinados decorre habitualmente entre o despotismo, a orgia sexual e a bebedeira que culmina no embrutecimento e até mesmo na hospitalização. É um livro autobiográfico, como ele próprio anota: «Este romance foi redigido entre o mês de Dezembro de 1973 e o dia 8 de Setembro de 1974. Qualquer coincidência com a realidade colonial dos anos 1966 – 1968, no que respeita à Guiné-Bissau, não é produto do acaso».

Os anos 80 terão novas características: os autores estão mais disponíveis para os relatos confessionais, a intimidade vem à flor dos relatos, tornam-se crus, pujantes, como numa corrediça os acontecimentos circulam velozmente do presente ao passado ou vice-versa. Três autores (Álamo Oliveira, José Brás e Cristóvão de Aguiar) merecem incontestável destaque.

Álamo Oliveira com o seu Até Hoje (Memória de Cão) vem desafrontadamente falar da homossexualidade e da guerra, entre João e Fernando, as personagens principais. É uma obra rica na descrição de ambientes. Por exemplo, a chegada do correio é um acontecimento avassalador, como Álamo Oliveira descreve: «Estão como cabras espantadas, prisioneiros ridículos, inocentes, amantes de cordel, aos saltos, gritinhos tarzânicos. Doentes de alegria explosiva, rapazes com o coração a viajar para o princípio do ser, primitivos os sentidos expostos. Fixam-se no meio da parada, a mão à testa para tapar o sol, a avioneta de voo raso, dois sacos de correio que se despenham e se amparam nos mil dedos que os agarram... As notícias vinham ali ensacadas, cadeadas, atrasadas quase quatro semanas. Vinham alegrias de tempo contado, saudades moídas pela azenha da distância, tristezas em rebanho... Os olhos estão fixos nas mãos do cabo-escriturário que agora é todo o quartel de Binta e só aquele tamanho, a mão emocionado metendo a chave no cadeado do saco com a mesma untuosa demora da desfloração».

José Brás é um estreante e traz uma grande surpresa com as suas Vindimas no Capim. Vindimas no Capim é uma obra de peso da literatura da guerra colonial guineense. Um Filipe Bento que vem à fala orgulhoso do pai barbeiro e da mãe costureira, orgulhoso das origens, da fossanga das vinhas, íntegro numa raiva desmedida à instituição militar com quem, tudo leva a crer, ficou definitivamente incompatibilizado. Enternece este regresso à juventude e depois saltar para Cutima-Fula, Camba-Jate ou caminhar até Guileje, nos entretantos deixar claro o que o pessoal da 4022 viveu em estafadeira. Há imagens que, de tão bem resumidas, nunca mais se esquecem: «Buba! Ao longe pareceu-nos um bairro de lata. O Prior Velho. O rio era a autoestrada do norte e o barco a carreira dos Claras a caminho de Lisboa. As barracas iam crescendo e já se viam braços no ar à beira do espelho da estrada; um amontoado de troncos a entrar na largura da rota, em forma de cais, e uma mancha a alargar-se, a mexer-se, a gritar».

É uma narrativa que fala de bruxa de vários tipos, das eleições no tempo de Salazar, do obscurantismo de vários matizes, de um mundo que gradualmente foi desaparecendo com o termo daquela guerra. Compreendemos, no fim da narrativa, porquê vindimas no capim: é a voz do chamamento da terra, dentre as tabancas, ao pé do corredor da morte, com os palavrões da guerra. E também se compreende a dedicatória «Àqueles que se estoiravam, eles próprios, por dentro e por fora, para que a terra continuasse a parir e o sol a fecundá-la». Seguramente, estas Vindimas no Capim têm lugar merecido entre o que melhor se escreveu nos já longínquos anos 80.

Temos finalmente Cristóvão de Aguiar, ainda hoje às voltas com o seu livro Braço Tatuado.

Desde que escreveu Ciclone de Setembro (1985), Cristóvão de Aguiar (1940) nunca mais largou o filão da Guiné, onde combateu de 1965 a 1967. Virá a desafetar de Ciclone de Setembro o romance O Braço Tatuado (1990), segue-se Relação de Bordo (1999), Trasfega (2003) e A Tabuada do Tempo (2006).

A expedição de Arquelau de Mendonça em terras da Guiné, publicada em Ciclone de Setembro (1985) deve ter sabido a pouco quer ao escritor quer aos leitores. Arquelau é um ilhéu típico: foi à guerra para não se demorar, andou lá a correr, acompanhado de um casal de rafeiros, comandou o 1.º grupo de combate da CCAÇ 666. As suas correrias, tanto quanto parece, centraram-se no Leste, procurou alhear-se da guerra, era impossível, viu execuções sumárias, dez mortos numa emboscada, entre Piche e Canquelifá. Sofreu as solidões do aquartelamento de Dunane, sentiu a sombra da loucura, depois o Niza, o tal soldado do braço tatuado, resolveu suicidar-se quando a Lena (cujo nome estava tatuado) o preteriu por outro. Não é difícil perceber como o episódio do Niza lhe ficou gravado, obriga Cristóvão de Aguiar a revisitações: «Tento de onde estou parado parlamentar com ele. Faço-lhe ver que aquela loucura o poderá desgraçar para o resto da vida. Não me dá ouvidos. Desgraçado já ele estava, nenhuma outra desgraça o poderia afetar tanto. Dão uns passos a medo e muito devagar. Mal nota que me vou aproximando, dá dois tiros para o ar. Estaco estarrecido. Muito subtil, levo a mão ao bolso e palpo a arma. Ele olha-me com a fixidez de um dementado e entende o meu gesto sorrateiro. Diz ele: Se o meu alferes sonha em tirar a pistola, abato-o de seguida... E despeja, em rajada, quase todo o carregador da G-3 para o ar, mas não tanto para o ar que não sinta o assobio de uma bala rente ao ouvido direito. Não me dou por achado, mas entro em pânico por dentro. A minha cabeça é um carrossel de fogo. Mordo os beiços numa tentativa de autodomínio, se calhar de autodefesa. Verifico que o Niza não traz cinturão nem as cartucheiras. Respiro de alívio».

Dos anos 90 em diante temos toda a gente a escrever: Armor Pires Mota regressa com Cabo Donato Pastor de Raparigas e surpreende-nos com uma obra-prima Estranha Noiva de Guerra. Seja em edições de autor ou com chancela de editora, surgem títulos à volta do romance e conto, de um modo geral coisas insignificantes, mesmo quando há boa vontade. O registo vai para Tempo Africano de Manuel Barão da Cunha, Memória dos Dias sem Fim, de Luís Rosa e As Ausências de Deus, de António Loja. Barão da Cunha remexe nos seus diferentes títulos anteriores, põe alguém em nome das jovens gerações a interpelar um ex-combatente que cirandou por África, o resultado é o de um bom exercício didático. Ficamos a dever a Luís Rosa e a António Loja parágrafos belíssimos, diria mesmo que se acaso se vier a publicar uma antologia de grandes textos eles terão presença obrigatória.

No campo das memórias é onde mais longe se foi, no escol e no rol. Vasco Lourenço, Salgueiro Maia, Gustavo Pimenta, as reportagens de João Paulo Guerra, antigos prisioneiros do PAIGC e essencialmente José Talhadas, Amadú Djaló e Moura Calheiros. A equidistância veio garantir olhares mais serenos sobre a guerra colonial, a investigação revelou-se parte interessada sobretudo com os trabalhos de João de Melo, Rui de Azevedo Teixeira e Margarida Calafate Ribeiro. 

Muita gente começou a vazar recordações, a título exemplificativo: Nuno Mira Vaz escreveu sobre o BCP 12 e a Guiné; Garcia Proença sobre os movimentos independentistas, o Islão e a Guiné; António Duarte Silva deu continuidade ao estudo da história recente da Guiné, é hoje um investigador indispensável; Sanches de Baêna escreveu sobre os fuzileiros da Guiné como Kruz Abecassis sobre a aviação. 

No campo da História Luís Nuno Rodrigues escreveu uma biografia sobre Spínola, recorrendo aos parâmetros da história oral, José Freire Antunes escreveu nos anos 90 (recentemente reeditado) A Guerra de África, 1961-1974. E Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso deram devido relevo à história da Guiné nos já incontornáveis Os Anos da Guerra Colonial. A súmula sobre a guerra da Guiné de Fernando Policarpo tem poucas rugas e muitos méritos para acicatar a curiosidade dos não-iniciados.

Graça de Abreu colige notas da sua observação, não escondendo o quotidiano entediante, estava atento ao evoluir da guerra e tinha acesso a muita informação, daí a utilidade em ler-se o seu trabalho como uma apreciação do agigantar da guerra, entre 1972 e 1974; Leonel Olhero está num Esquadrão Panhard, sobretudo em Bula, doseia as recordações entre o antes e o durante a guerra e profere declarações altamente polémicas como aquelas que tece ao capitão Salgueiro Maia. Mário Beja Santos pretende reconstituir a sua comissão militar desde que desembarcou em Bissau, em Julho de 1968, até ao seu regresso, em Agosto de 1970. Organiza metodicamente os acontecimentos por semanas, interessa-se em mostrar como descobriu o deslumbramento pelo Cuor, onde viveu 17 meses, com a missão principal de garantir a navegabilidade do Geba.

Urgindo pôr temo a este arrazoado de considerações sobre uma literatura sem fim à vista, tendo mesmo em conta que este arrazoado poderá ter sido injusto em omissões graves ou qualificações menos abonatórias, importa sublinhar que qualquer síntese é espinhosa quando não abre espaço à antologia. Isto para significar que se revela indispensável entregar a um especialista o cotejo de textos representativos de autores representativos. O único mérito que posso conferir a este apanhado é a chamada de atenção para obras e autores até agora omitidos, sabe-se lá por que razões de cariz ideológico ou outras. Afinal, até eu me esqueci de apresentar A Cubana que Dançava Flamenco, de Armor Pires Mota, de dizer que continuam a surgir obras com depoimentos de ex-combatentes, caso de Dias de Coragem e de Amizade, Angola, Guiné Moçambique: 50 histórias da guerra colonial, de Nuno Tiago Pinto, com prefácio de Carlos de Matos Gomes (A Esfera dos Livros, 2011); deixei no olvido inúmeras histórias de companhias, algumas delas de grande significado. Não quero estar na pele do historiador a quem couber tal missão! Todos os dias o investigador é confrontado com surpresas, entra num arquivo ou num alfarrabista e surgem mais novidades. Há depois amigos zelosos que juntam outras peças e, com um sorriso nos lábios, surpreendem-nos. Falou-se na literatura propagandística do regime, o exemplo escolhido foi o de Amândio César. Mas há mais. Horácio Caio escreveu em 1970 Guiné 9 Dias em Março, José Manuel Pintasilgo escreveu em 1972 Manga de Ronco no Chão e Horácio Caio volta às lides do panegírico em 1974 com Guiné 1974, Vigilância e Resposta. Para que conste que o rol é supostamente infindável.

A despeito de uma maioritária falta de qualidade desta literatura, há parágrafos extraordinários assinados por Álvaro Guerra, Martins Garcia, Cristóvão de Aguiar, António Loja ou Luís Rosa. E Estranha Noiva de Guerra, de Armor Pires Mota, o mais persistente dos todos os escritores da guerra da Guiné, é autor de uma obra-prima digna de constar na bibliografia indispensável de todas as literaturas de guerra.

Haverá surpresas? E porque não? As memórias de Amadú Djaló, do sargento Talhadas e do coronel Moura Calheiros não foram publicadas nos últimos anos? Até ao lavar dos cestos, até estar vivo o último militar que combateu na Guiné, há que contar com as surpresas da vindima, não há mês em que não surja um título, um depoimento, um olhar sobre aquela guerra que se travou enquanto se caminhava na farroba de lala, entre cipós e tabás, a patinhar no tarrafo, nas emboscadas montadas em florestas secas densas, militares acoitados atrás do baga-baga, a resistir à fúria das emboscadas, ou dentro dos aquartelamentos, imprecando em noites de flagelação destruidora. Haverá seguramente surpresas, este género literário está muito longe de ter fechado para obras e muito menos para mudança de ramo.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9797: Agenda cultural (197): "Adeus até ao meu regresso" em foco na "Tertúlia - Literaturas da guerra colonial: há memórias que nunca acabam", dia 26 de Abril de 2012, pelas 18 horas, na Bertrand Dolce Vita Monumental, Lisboa, com a participação de Mário Beja Santos e Luís Graça

Vd. último poste da série de 29 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9828: Agenda cultural (198): "O Trilho: um cruzar de épocas em gerações transversais – 1950-2050", novo livro de José Saúde

terça-feira, 1 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9840: Tabanca Grande (334): Leopoldo Correia, ex-Fur Mil da CART 564 (Guiné, 1963/65)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Leopoldo Duarte Correia*, ex-Fur Mil da CART 564, Nhacra, Quinhamel, Binar, Teixeira Pinto, Encheia e Mansoa, 1963/65, com data de 6 de Abril de 2012:

Prezado Camarada Luis Graça :
Dando continuidade à nossa última conversa, aqui estou finalmente a fazer aquilo que já deveria ter feito há bastante tempo, isto é, enviando as fotos requeridas para a inscrição e mais quatro (para começar) onde demonstro todo o meu carinho pelas criancinhas da Guiné.

Se me é permitido, passo a fazer a minha apresentação curricular ( ! ) ….

Sou alfacinha desde 14/3/1941, mas por motivos de saúde e pela situação do após guerra, emigramos para Estarreja, terra natal de meu pai. Lá cresci e me fiz gente, tirei o Curso Industrial de Electricidade na E.I.I.D. Henrique, no Porto, o que me deu a oportunidade de entrar na CNE (hoje REN) e em 1963 ser incorporado no curso de Sargentos Milicianos em Mafra e Tavira, seguindo para a Guiné em Outubro do mesmo ano.

Fiz parte da CART 564 que na Guiné, como Companhia independente, teve um ano os seus militares espalhados por diversas zonas.

Pela minha parte, estive em Nhacra, Binar, Teixeira Pinto, Mansoa.


Em Nhacra tive o privilégio de conhecer a figura carismática da NHA CARLOTA, de quem ainda hoje tenho imensas saudades.

Muitas estórias poderiam ser contadas, mas fica para a outra vez.

A foto do miúdo, de seu nome Armando Capitão Comandante, foi tirada em Nhacra logo nos primeiros dias da comissão, fui eu que lhe mandei fazer a farda e o nomeei meu “ordenança”, ainda gostava de saber se estará vivo e qual o rumo que aquela amostra de gente terá tido.

A foto da bajudinha (Lolita) foi tirada em Mansoa em 1964 e no campo de futebol dos Balantas, dizia ao pessoal que era a minha namorada. Coisas de mulher.

O pequeno Armando Capitão Comandante, de Nhacra, ainda à "civil", acompanhado de Leopoldo Correia

O pequeno Armando já devidamente uniformizado e investido nas funções de ajudante de campo do Fur Mil Leopoldo Correia



 A pequenita Lolita de Mansoa

Mansoa > Capo de futebol dos Balantas > Lolita, uma espectadora atenta ao que a rodeia, ao colo do Leopoldo Correia.

Por agora é tudo, numa próxima ocasião poderei enviar mais fotos, inclusive relativas à linda cidade de Bafatá datadas de 1959 /60, pois tenho ainda lá familiares ligados ao comércio.

Despeço-me com um abraço e votos de Boa e Santa Páscoa.
Leopoldo Duarte Correia
Águas Santas – MAIA


2. Comentário de CV:

Caro amigo Leopoldo, bem-vindo à Tabanca Grande onde já tens uns quantos amigos.
Eu e o Eduardo Magalhães seremos aqueles com quem mais falarás e que conheces pessoalmente.

Sei que tens uma memória prodigiosa e facilidade em passar a papel as tuas histórias. Andaste pelo meu chão e ainda amarguraste aquela trágica estrada Mansoa/Cutia/Mansabá ainda em picada. Se no meu tempo era muito perigosa, imagino como seria na primeira metade dos anos 60. Tens que nos dizer como era a Guiné nesse tempo. Percorreste outros locais pois a tua Companhia estava desmembrada com Pelotões e Secções destacados.

Conheceste por lá pessoas que acabaste por reencontrar há pouco tempo, que não vias há mais de 40 anos, de quem nos vais falar com certeza.

Tens também fotos que podes digitalizar e mandar, acompanhadas das respectivas legendas que servirão para ilustrar as tuas memórias ou para avaliarmos a diferença com a Guiné dos mais "novos".

Como vês, tenhas tu algum tempo livre e disposição, e não te faltará assunto para dares trabalho aos editores.

Antes de terminar, quero deixar-te um abraço em nome da tertúlia e dos editores.

Quanto a mim, já sabes como me encontrares.
Um abraço e votos de saúde do teu camarada e amigo
Carlos Vinhal

(Revisão do texto e legendas das fotos da responsabilidade do editor)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9272: Memória dos lugares (168): Bambadinca, de 1969/71... Evocando a figura do antigo comerciante Fernandes Rendeiro, natural da Murtosa, recentemente falecido... (Leopoldo Correia)

Vd. último poste da série de 30 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9833: Tabanca Grande (333): Mário José Lopes de Azevedo, que foi Furriel Miliciano de Artilharia da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/72 (Luís Gonçalves Vaz)

Guiné 63/74 – P9839: Convívios (423): 18º Encontro do Pessoal de Bambadinca, 1968/71, em 26 de Maio na cidade do Porto (Manuel Monteiro Valente, ex-1º Cabo At Inf, CCAÇ 12, 1969/71)


1. Mensagem do nosso leitor e camarada Manuel Monteiro Valente (a quem convidamos formalmenmte para ingressar na Tabanca Grande):


Boa noite Luís, 



Aproveito a oportunidade para te cumprimentar e solicitar os teus bons ofícios no sentido da máxima divulgação possível deste evento no Porto em 26 de Maio próximo. 



Um abraço 

Monteiro Valente 

BAMBADINCA, 1968 A 1971 > 18º Convívio



Estão conviados todos os camaradas, seus famliares e amigos das unidades e subunidades que passaram por Bambadinca (Zona leste, Setor l1), enter 1968 e 1971, a saber: intendência):


CCS / BCAÇ 2852 (1968/70)
CCAÇ 12 (1969/71)
Pel Caç Nat 52 (1968/70)
Pel Caç Nat 54 (1969/70)
Pel Caç Nat 63 (1969/71)
Pel Mort 2106 (1969/70)
Pel Mort 2268 (1970/72)
Pel Rec 2046 (1968/70)
Pel Rec 2206 (1970/71)
CCS / BART 2917 (1970/72)
(sem esquecer o pessoal do PINT - Pelotão de intendência):  

P R O G R A M A 



10h30 - Formar na esplanada do café Velásquez (Praça Velásquez, às Antas, Porto) 
11h30 - Missa de sufrágio pelos companheiros falecidos 
12h30 - Chegada ao restaurante no complexo do Monte Aventino 
12h45 - Entrega de flores às senhoras acompanhantes 
13h00 - Início do almoço com bufete livre 
16h00 - Entrega de lembrança alusiva ao evento 
16h30 – Bolo alusivo ao aniversário 
17h00 - Destroçar 

NOTA: Este programa poderá ser eventualmente alterado se as condições o propiciarem 

CAMARADA DE BAMBADINCA: INSCREVE-TE, PARTICIPA, TRAZ A FAMÍLIA E AMIGOS!

Inscrição ao cuidado: 

Manuel Monteiro Valente 
Rua Joaquim Lopes Pintor nº118 - 1º Dto. 
4405-868 Vilar do Paraíso – Vila Nova de Gaia 

Telefone: 224 932 060 
Telemóvel: 912 700 544 ou 968 849 886 
Email: mmv.947@gmail.com
ou Lourival.director@gmail.com

2. Nota adicional do organizador sobre o Patacão (coisa muito importante nos dias que correm):


Luís, aproveito para te cumprimentar e dizer que estão a correr em bom ritmo as inscrições para o Almoço/Convivio. É expectavel que tenhamos bastante gente  no Porto. Desde já agradeço a tua ajuda na divulgação do evento.

Os preços são os seguintes:

Crianças até 4 anos, grátis;
Dos 5 aos 9 anos, 12,50;
Adultos, 32.50.

Um abraço
Monteiro Valente


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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 – P9838: Convívios (422): XI Encontro da CCAÇ 3477, dia 26 de Maio de 2012, em Vila Nova de Gaia (Diamantino Rocha)


1. O nosso Camarada Diamantino Rocha, ex-Alf Mil da CCAÇ 3477 (os Gringos de Guileje), 1971-72, recebemos o seguinte pedido de divulgação do programa da próxima festa anual da sua Unidade.


6º ENCONTRO DA CCAÇ 3477 (Gringos de Guileje)

Olá Luís Graça e demais camaradas da Guiné:

É a primeira vez que vos contacto, mas tenho lido com regularidade as informações que divulgam pela internet, sobretudo acerca de Guileje, onde estive, de Outubro de 1971 a Dezembro de 1972, como Alferes da CCAÇ 3477 (os Gringos de Guileje). 

Esta companhia vai realizar o seu 6º encontro no próximo dia 26 de Maio, em Vila Nova de Gaia, mas, como os soldados eram quase todos dos Açores, tem sido muito difícil obter os seus contactos, até porque na sua quase totalidade emigraram para os EUA e o Canadá. 

Por isso, venho solicitar que, se possível, façam difundir no V/ blogue esta informação, com indicação para contactarem o "alferes Rocha" através do e-mail: "rocha.diamantino@gmail.com" ou pelos telefones 227826104 e 962874644.

Anexo "crachá" para, se possível, incluírem na informação, pois é uma boa forma de chamar logo à atenção. 

Desde já o meu obrigado.
Diamantino Rocha
Alf Mil da CCAÇ 3477 
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P9837: Cartas de Gadamael: maio e junho de 1973 (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp, CCAV 8350, Guileje, 1972/73)







Guiné > Região de Tombali > Gadamael Porto > Maio de 1973 > Na altura (22 de Maio de 1973) em que Guileje foi abandonada pelas NT, o J. Casimiro Carvalho estava em Cacine, coordenando o reabastecimento destinado à sua companhia. Os géneros e as munições vinham de Bissau, em batelões, até Cacine, e depois em LDM até Gadamael e, por coluna, até Guileje. Estas fotos devem ser dessa época, e foram tiradas em Gadamael, não em Cacine (como por lapso indiquei há 5 anos atrás, quando não conhecida o rio Cacine, muito mais largo em Cacine do que em Gadamael)...



Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.



Mapa da província da Guiné (1961) > Escala 1/500 mil > Pormenor: posição relativa de Cacine, Gadamael Porto e Guileje.




1. Em 2007 abrimos uma série sob o título  Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (*). Publicamos seis  postes com base nas cartas (e aerogramas),  enviados à família pelo José Casimiro Carvalho (ex-Fur Mil Op Especiais, CCAV 8350, 1972/74, atualmente a residir na Maia) , no tempo em que ele esteve em Guileje (recorde-se que a subunidade a que ele pertencia - a CCAV 8350, Os Piratas de Guileje - esteve lá entre Dezembro de 1972 e Maio de 1973)  


A correspondência que então publicámos, reportava-se à estadia em Guileje, e ao período entre fevereiro e maio de 1973. Quando o aquartelamento foi abandonado em 22 de maio de 1973, por decisão do comandante do COP 5, major Coutinho e Lima, o Casimiro Carvalho estava em Cacine, há duas semanas.  Tinha sido destacado para lá, com a missão de supervisionar a receção dos abastecimentos chegados, de Bissau, por mar e rio. Portanto, ele safou-se da batalha de Guileje (os cinco dias que vão de 18 a 22 de maio de 1973). Foi de Cacine, logo no dia 22,  que ele comunicou aos pais, estupefacto, a queda de Guileje.



Cacine, 22/5/73:

Queridos pais: Vou-lhes contar uma coisa difícil de acreditar como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada [a bold, no original], ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel, ou se foi ordem dada pelo Comandante-Chefe, mas uma coisa é certa: GUILEJE ESTÁ À MERCÊ ‘DELES’ [, em maíusculas, no original]. (...)









A 25 de maio, escreve à mãe, dando mais pormenores da situação dramática que se vivia em Guileje, antes da retirada:

Cacine, 25/5/73

Mãezinha: (…) Graças a Deus, estou óptimo, aqui em Cacine, onde (por enquanto) não há guerra.

O pessol fugiu, abandonando tudo lá, de Guileje, porque estavam a cair foguetões e granadas de canhão sem recuo, desfazendo padaria, depósito de géneros... O chão estava cheio de crateras , devido às granadas. Os militares de lá estavam há 96 horas debaixo de bombardeamento, sem beber nem comer (só algumas rações de combate que conseguiram apanhar), pois não podiam sair dos abrigos.

Deixaram 4 Berliets novas (550 contos cada um), outras camionetas, 2 geradores, 2 obuses novos (4 000 contos cada um), armas pesadas, toda a comida e bebidas ficaram lá, grande parte desfeitas, etc.

Era um inferno, alguns soldados estavam aterrorizados, morreu um furriel que estava num abrigo, com estilhaço na cabeça.

E eu aqui, em vez de estar com os meus camaradas neste momento de perigo… Os turras andavam por volta do quartel (a 300 m). Um abraço do seu filho (…).

PS – Ficaram lá 30 vacas abandonadas
.



2. Mas em 29 de maio (ou até antes), o J. Casimiro Carvalho reune-se aos seus camaradas, que tinham chegado a Gadamael. A CCAV 8350 parece ser uma companhia destroçada e desmoralizada, que é naturalmente mal recebida pelo novo comandante do COP 5 e que não tem em Gadamael condições para ficar e lutar...

Alguns dias depois, o J. Casimiro Carvalho  será ferido em combate, em Gadamael, depois de ter ajudado a salvar e a evacuar o seu comandante, o cap Quintas, ferido com gravidade (a 1 de Junho de 1993). Não temos cartas ou aerogramas desse período (1ª quinzena de Junho de 1973), em que os paraquedistas do BCP 12 foram aliviar a pressão do PAIGC sobre Gadamael, a seguir ao abandono de Guileje pelas NT (em 22 de Maio de 1973). Não sei se o Carvalho escreveu à família, ou se não o pôde fazer. Ele não fala, na sua correspondência,  desse ferimento em combate (que terá sido ligeiro: um estilhaço de morteiro 120).

De qualquer modo é muito interessante cruzar estas informação epistolográfica com as memórias do Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista da CCP 121 que esteve no inferno de Gadamael nesta altura (**), depois do inferno de Guidaje.


Na resenha biográfica do J. Casimiro Carvalho, não há grande precisão nas datas, por parte do Casimiro Carvalho, no que diz respeito ao período em que esteve em Gadamael. O BCP nº 12, a duas companhias (CCP 122 e CCP 123) é enviado para Gadamael a 2 de Junho, seguindo-se a 13 a CCP 121, do Victor Tavares. Regressa a Bissau a 7 de Julho (as CCP 122 e 123) e a 17 de Julho (a CCP 121). Os páras conseguirão travar a ofensiva do PAIGC a partir do momento em que se instalam em Gadamael.

Eis como Carvalho descreve o seu ferimento, que deve ter ocorrido no princípio de junho de 1973: (i) a situação mais crítica em Gadamel é nos dias 31 de Maio, 1 de Junho e na noite de 1 para 2 de Junho; (ii) o cap Quintas, comandante da CCAV 8350, é gravemente ferido na tarde do dia 1 de Junho, sendo ajudado pelo Fur Mil Carvalho, que estava operacional e foi um dos derradeiros defensores do aquartelamento antes da chegada dos páras - CCP 122 e 123 - a 2 de Junho):


(...) "Em Gadamael, fugindo das morteiradas certeiras do 120

"Aqui vão alguns itens, e falo assim para não ser acusado de subverter a verdade dos factos.Em Gadamael não havia casamatas como em Guileje, só valas. Os bombardeamentos eram tão intensos que nem dava para acreditar, quando ouvíamos as saídas, tínhamos 22 ou 23 segundos até as granadas 120 caírem em cima de nós ou , muito raramente, caírem mais além. O pessoal começou a fugir para o rio, e as granadas caíam no rio, o pessoal corria para o parque Auto e as granadas caíam no parque Auto, o pessoal saltava para as valas e as granadas iam cair nas valas. Numa dessas quedas (voos) para a vala - e já lá ! -, senti as nádegas húmidas e, ao pôr lá a mão, esta veio encharcada em sangue... Berrei que estava ferido e fui evacuado num patrulha da Marinha para Cacine (entretanto no barco fui tratado e apaparicado pelos marujos).

"Em Cacine verificaram que era um estilhaço de morteiro 120 do IN, e que não havia necessidade de ser transferido para Bissau, pelo que fui nomeado chefe de limpeza em Cacine (um Ranger, imaginem) .

"Quando começaram a chegar as vítimas desse holocausto, e como ouvia os meus camaradas a embrulhar, deu um clique na minha cabeça e peguei numa Kalash que eu tinha, virei-me para um oficial e disse:- Ou me mandam já para Gadamael onde morrem os meus homens ou eu varro já esta merda!" (...)

"Num dos ataques [a Gadamael], o Capitão Quintas foi ferido muito gravemente; ajudei-o a chegar ao cais, debaixo de fogo, arranjei um Sintex e o mesmo não tinha depósito...! Corri, debaixo dum bombardeamento terrível, arranjei um depósito tendo então levado o Sintex para Cacine, com ele e mais feridos.

"O pessoal entretanto debandava para o mato, onde era mais seguro estar. Um deles morreu enterrado no lodo, outros foram recuperados numa lástima , por elementos da Marinha (julgo eu)" (...).




3. Republicamos esta correspondência de Gadamael, agora com apoio de algumas cartas digitalizadas.  A coleção que o autor nos disponibilizou, num total de cerca de cinquenta cartas (enviadas de Guileje, Cacine, Gadamael, mas também doutros sítios por onde andou depois de sair de Gadamael, em finais de junho de 1973: Cumbijã, Cumeré, Bissau, Nova Lamego, Paunca), foi agora devolvida ao Zé que a vai  confiar a uma das suas duas filhas. E seguramente que ficarão bem entregues.

A selecção, a revisão e a fixação do texto, bem como os subtítulos, são da responsabilidade do editor do blogue..


Mandaram de Bissau 6 urnas com chumbo...


Gadamael-Porto, 29/5/73



Pai: Recebi hoje as fotos, ao chegar a este local onde se encontra a minha companhia refugiada, a 18 Km de Guileje, vindo de Cacine depois de ter acabado o meu serviço. Lá, em Cacine, passei uns dias óptimos.


Em Gadamel os grupos têm saído todos os dias para o mato e têm sido atacados todos os dias, caindo em emboscadas. Eu vou começar a sair também


Mandaram de Bissauu 6 URNAS (com chumbo) para aqui. À ESPERA!!! O pessoal anda todo desmoralizado. Ficaram, em Guileje, 6 sacos de correio fechados, correio que nós, portanto, não recebemos. Se eu não responder a essas cartas, já sabe porquê. As fotos que eu tinha, vossas, ficaram lá também. Isto é que é a GUERRA.

(…) Comigo não há novidade, não se preocupem. Estou óptimo. Eh! Eh! Já não penso tanto na Ana, talvez devido a isto, mas quase nem penso nele. Vamos a ver no que isto vai dar. (…) Não desanime que eu também não. Adeus. (…)



Amanhã já vou sair e levo a metralhadora ligeira HK-21

Gadamael, 30/5/73


Querida mãe: (…) Vou mandar um rolo de 12 fotos a preto e branco. (…) Eu, bem, graças a Deus. Mandem-me roupa interior e meias, pois não tenho quase nada (…): 5 cuecas, 6 pares de meias (3 brancas e 3 verdes, no Casão Militar são a 17$00 cada par).

Tenham paciência mas é melhor isto do que morrer e a morte andou perto dos SITIADOS em Guileje.



Amanhã já vou e isto anda mesmo mau. Levo a metralhadora ligeira HK-21. Lubrifiquei-a hoje, toda. Antes de sair vou experimentá-la aqui no quartel (…).





Isto está a melhorar, só bombardeiam de vez em quando... 


Gadamael, 19/6/73



Paizinho:

(…) Estou bem, àparte uma dor de estômago e diarreia, provocadas pela má alimentação e má água (…)

Isto, às 7 da manhã começa-se com cerveja, para acabar às 7 da noite. Já bebi mais cerveja aqui do que você em toda a vida. É o que nos vai aguentando.

Isto está a melhorar, só bombardeiam de vez em quando e fora do quartel, portanto sem consequências. Há agora muitas emboscadas feitas aos paraquedistas que cá estão (2 companhias). Já há alguns que foram evacuados: ficaram malucos com isto aqui. Eu ando porreiro.








Diga lá ao Fernando [ Carvalho, o irmão,] que se torna a mencionar a palavra cobarde, não lhe escrevo mais. Pois se eu fugi da emboscada [descrita em 3] é porque éramos 14 homens só com G-3 e quatro ficaram logo ‘prontos’; a outro encravou-se-lhe a arma e seis fugiram logo. Estava só eu a dar fogo e outro moço, eu fui o único que tirei outro carregador e o disparei. Ficar lá nestas condições, não era um acto heróico mas sim um suicídio. Portanto, cuidado com as palavras, sr. Fernando. Eu não estou zangado. Eu não devia falar na quantidade de homens. Adeus.





Em Gadamael, estamos a dormir nas cabanas dos pretos que fugiram





Gadamael, 20/6/73

Minha querida mãezinha:

Como você me pediu, cá estou eu a escrever-lhe como posso. Se não lhe escrevi mais amiúde foi por causa da situação, pois nem tínhamos com que escrever, roubaram tudo e nem apetecia fazer nada porque andávamos a fugir das granadas, e desmoralizados com isto tudo. Até tínhamos medo de ir tomar banho.

Além de tudo, não tínhamos condições para nada pois nunca parávamos em sítio certo. Agora estamos a dormir e viver em cabanas dos pretos que fugiram , cheias de ratos e mosquitos. Mas pelo menos já dormimos, e eu com um Lusospuma.

Pode acreditar que me encontro bem, felizmente, pois agora acabou a história dos bombardeamentos. Agora só há emboscadas, quando saímos para o mato. Vamos cheios de medo e eu principalmente, pois vou à frente sempre porque, voluntariamente, levo uma metralhadora ligeiro. É uma defesa pessoal e de grupo muito boa. Eu levo 200 balas e a minha equipa 400.

Outro dia eu e o meu grupo comprámos 5 cabritinhos e eu é que os cozinho, Sou elogiado por oficial e soldados que os comem, pois tornei-me AQUELE cozinheiro. Desenrasco-me muito bem. Limparam-me também a máquina fotográfica.

Informem-me também do que se diz acerca disto aí, pois eu gosto de saber. Como já disse, vou outra vez, mais a Companhia, para o Cumeré onde estive quando cheguei à Guiné.

O irmã da Ana [, a namorada, o Eduardo Campos,] não está em Catió mas sim em Cufar.

(…) Parece que Guileje fica abandonado. O General Spínola não deu nenhuma ordem acerca de Guileje. A aviação vem aqui todas os dias bombardear à volta do quartel e todos os dias as antiaéreas turras ripostam.

Não vou ficar aqui muito tempo. Ando com uma diarreia maluca. Mas há-de passar. Continuo a sair para o mato.

Vamos para o Cumeré porque a nossa cmpanhia tem muitos mortos e mais feridos, para virem mais soldados completar a Companhia.

Eu devo levar um louvor, e não só mo darão se forem injustos. Pois andei debaixo de fogo a transportar mortos e feridos e a curá-los (não havia enfermeiros) numa BERLIET que eu conduzia e a transportar motores de botes para ser possível fazer as evacuações. Transportei feridos graves (a pé), debaixo de fogo. Mas ESTOU OK!

Seu filho que a ama.





Grande ronco dos paraquedistas, em 23 de Junho de 1973







Queridos pais:

Estou óptimo, verdade! E vocês, como têm passado ? Sempre em sobressalto, mas sem razão. Pois isto agora está mais ou menos normal, embora vivamos sem condições de higiene e de habitação.

(…) Ontem, uma das companhias paraquedistas que aqui está, surpreende um grupo de 









turras, entre os quais cubanos, e pô-los em debandada, apanhando-lhes fardamento, alimentos, armamento, munições, coisas que eles tinham apanhado no Guileje, etc. Dois mortos deles e muitos feridos.

Estamos perto de abandonar esta vida, pois devemos ir para Cumeré.

Gosto muito das cartas da mãezinha, nunca deixe de me escrever. Pois dão-me umas horas de vida, enquanto penso nelas. E o meu velhinho ? Então tem-se esquecido do seu filho ? (…).



Vêm aí os periquitos: vai haver bebedeira pela certa

Gadamael, 26/6/73



Now we have peace

Minha querida mãezinha:

É com imensa ternura que, mais uma vez, lhe dedico uns minutos do meu pensamento. Neste momento batem 8 horas numa emissora de London [sic] que ouvimos no rádio.

Então, como têm passado todos aí em casa, enquanto o vosso soldadinho finalmente tem sossego, pois os turras não nos têm chateado, nestes últimos dias ?!







Ontem chegou uma companhia nova aqui, veio substituir a companhia daqui, e há-de vir uma outra, daqui a uns dias, para nos substituir. Vai haver bebedeira, pela certa, e vamos para o Cumeré, para completar a Companhia, substituir mortos e feridos graves. O capitão também foi ferido gravemente, e foi evacuado para a Metrópole. O outro capitão, o daqui, também foi ferido.

Há já alguns dias que vivemos em paz de espírito, e agora, desde há alguns dias fui nomeado instrutor de um novo grupo de milícias (pretos, 40). Ensino-lhes desde armamento a táctica de combate a ginástica. É um passatempo e não saio para o mato, pela primeira vez em oito meses, feitos ontem, dia 25.

Já passou a nuvem negra que tapava o nosso amor, entre mim e a Ana (…).

Parece que há um aumento de 500$00 a partir de Março e que recebemos tudo junto em Agosto. Mande dizer quanto marca o saldo B.B. & Irmão (…).





4. As cartas de Gadamael acabam aqui... Mais um vez agradeço ao nosso herói de Gadamael, o Casimiro Carvalho, o carinho, a confiança, o apreço e a franqueza que ele teve para connosco, permitindo-nos entrar na sua intimidade, na intimidade da sua família, conhecer as suas emoções, as suas alegrias e tristezas.  Quero dizer-lhe, publicamente, que esta epistolografia  é um importante contributo para a análise socioantropológica da guerra colonial. Infelizmente, milhões de cartas como estas já se perderam ou vão-se perder com o progressivo envelhecimento e desaparecimento dos combatentes que passaram por estes estranhos lugares: que dirão os nossos filhos, netos e bisnetos, quando um dia ouvirem (se ouvirem...) falar de topónimos guineenses como Gandembel, Guileje, Gadamael ou Cacine ?


Mas voltando à nossa história... Sabemos que em 9 de Julho de 1973, os Piratas de Guileje estão de passagem pelo Cumeré. O nosso ranger, ligeiramente ferido com um estilhaço de morteiro, tinha partido a 8 de Julho, de Cacine para Bolama, de LDG, presume-se. Em Bolama, vê pela primeira vez mulheres brancas (!) ao fim de 8 meses de mato. Toma um retemperador banho de pisccina (entrada: 10$00) e duas refeições (120$00) - incluindo o inevitável e incontornável bife com batatas fritas e ovo a cavalo - que lhe souberam pela vida (uma típica expressão nortenha).

No dia seguinte, no Cumeré, já estava a receber instrução militar, dada pelos comandos. O Cap Mil Abel Quintas, evacuado de Gandemebel, será substituído no comando da CCAV 8350, que algum tempo depois voltará ao sul (Nhala, Colibuía, Cumbijã) por onde ficará até 1974. No Cumeré, em Julho de 1973, a preocupação do J. Casimiro Carvalho é descansar e tranquilizar a família, depois do pesadelo de Guileje e Gadamael... 

O resto da história, a seguir ao 25 de abril,  já é conhecida: o Casimiro Carvalho ainda irá apanhar um susto de morte, em Paunca (***), aonde fora colocado, em rendição individual, na CCAÇ 11, uma companhia formada por pessoal do recrutamento local.  (LG)
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Notas do editor:

(*) Vd. posts anteriores:

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 9

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Guilele, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

18 de junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'


25 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3354: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (6): O nosso querido patacão


(**) Vd. post de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

(...) "13 de Junho de 1973: aliviando a pressão sobre Gadamael

"No dia 13 de Junho, de manhã cedo, preparámo-nos para rumar [de Cacine] a Gadamael, sendo transportados em Zebros do Destacamento de Fuzileiros Especiais Africanos nº 21, dois grupos de combate sendo colocados nas margens do rio nas proximidades de Gadamael para onde seguimos em patrulhamento depois de serem desembarcados os outros dois grupos de combate da 121 que foram deslocados em LDM. No regresso, as embarcações seguiram para Cacine com os paraquedistas da CCP 122, aonde iriam recuperar durante um curto período.

"Chegados ao destacamento [ de Gadamael], verificámos que o estado do mesmo era na verdade aterrador, fruto dos constantes ataques, sendo bem visíveis os buracos dos rebentamentos das granadas do IN. Era evidente que quem lá tinha estado anteriormente, tinha passado por uns maus bocados.

"As nossas duas companhias de paraquedistas que se encontravam aqui estacionadas estavam em permanentes patrulhamentos no exterior do aquartelamento, indo a este simplesmente para remuniciamento e reabastecimento. Desta forma fomos alargando o raio de acção indo até junto à fronteira, para conseguir referenciar os locais de onde o PAIGC fazia os ataques, para dar indicações à nossa Artilharia e Força Aérea. A impossibilidade de referenciar, por ar, estes alvos, levou-nos a ocupar as zonas em que o IN poderia instalar as suas bases do fogo e deste modo a fazê-lo afastar-se. Foi o que, realmente, veio a acontecer.

"A partir desta altura fomos ao encontro dos locais de onde se ouviam os disparos das bocas de fogo e ocupámos essas áreas mesmo junto à fronteira, algumas vezes chegámos mesmo a ultrapassar a linha de fronteira com alguma profundidade - nunca por períodos longos, mas apenas porque havia aí bases de fogo IN. Nunca conseguimos apanhá-los desprevenidos, pois havia sempre forças de infantaria do PAIGC que os alertava com tiros acabando por retardar a nossa progressão.

"No entanto os ataque a Gadamael deixaram de ser tão frequentes, passando as flagelações a a realizarem-se com menos intensidade e sem a precisão até aí evidenciada, além de feitas a partir daí sempre de locais diferentes. Quando as nossas forças aí chegavam, já eles tinham partido para outro local.

"Mesmo já quando as forças do PAIGC não flagelavam o destacamento com tanta frequência, fomos mantendo a actividade de patrulha ao mesmo ritmo, por forma a manter as áreas próximas do braço do rio que dava acesso a Gadamael e que era a nossa única via de ligação para o exterior

"Consequentemente a eficácia de tiro até aí verificada por parte do IN deixou de existir e a intenção e pressão inicial caiu por terra, as forças do nosso exército voltaram ao destacamento e com os paraquedistas fizeram vários patrulhamentos transmitindo-lhes os nossos conhecimentos e mais confiança nos deslocamentos em plena mata até aí de arrepiar" (...).

"23 de Junho de 1973: atolados num campo minado!

"A 23 de Junho de 1973, recebemos ordens para novo patrulhamento. Manhã cedo arrancámos desta vez saindo pela que era considerada porta de armas virada para o rio, o qual atravessámos. Avançámos para o local indicado pelos nossos superiores, em progressão lenta e com cuidados redobrados.

"Esta zona não era para brincadeiras. Nesse dia éramos acompanhados por 2 militares do exército que eram sapadores e montavam minas no terreno tentando proteger o destacamento da acção do inimigo. Passado algum tempo, recebemos ordens para parar na frente, estávamos num local minado pelos nossos novos companheiros e a sua missão era indicar-nos a localização das minas para podermos contornar o local sem qualquer incidente (...)".

 (***) Vd. postes:

19 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9771: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (8): Cartas de Paunca, SPM 5668, Parte I (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp., CCAÇ 11, mai-ago 1974)