segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15036: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte XII: Colunas logísticas... E em março de 1969, participação na Op Cabeça Rapada I, ao serviço do BCAÇ 2852


Foto nº 1


Foto nº 1A


Foto nº 2 


Foto nº 2 A


Foto nº 3


Foto nº 3A



Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7

Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Pel Rec Daimler 2046 (1968/70 > Fotos  do álbum de Jaime Machado, imagens que falam por si e que documenta a participação das velhinhas Daimlers na escolta de segurança a colunas logísticas bem como a colunas de transporte de tropas e civis.

Fotos: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Continuação da publicação do belíssimo álbum fotográfico do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968 / fevereiro de 1970, ao tempo dos BART  1904 e BCAÇ 2852) (*):

[foto atual à esquerda; o Jaime Machado reside em Senhora da Hora, Matosinhos; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]

Por lapso. referimos. nalguns postes anteriores, que o Jaime esteve ao serviço do BART 1913, quando queríamos dizer BART 1904... Do lapso, pedimos desculpa ao nosso camarada e aos nossos leitores.

Quanto às fotos acima, numeradas mas não legendadas, faço apelo mais uma vez  à memória e às notas do autor, para acrescentar as informações que achar oportunas. São "fotos falanets", como diz o nosso camarada e amigo Torcato Mendonça, contemporâneo do Jaime Machado no CTIG  e no setor L1, e também meu). O Torcato participou nesta operação abaixo referida, a Op Cabeça Rapada I.

2. Atividade operacional do Pel Rec Daimler 2046, agora ao serviço do BCAÇ 2852   (continuação)

MARÇO 1969

OPERAÇÃO “CABEÇA RAPADA [I]”


Iniciada em 25 de março às 4h00, com a duração de 2 dias e com a finalidade de proteger a desmatação das bermas do itinerário Bambadinca-Mansambo, a realizar por 7 mil  nativos.

Tomaram parte na Operação:

Dest. A – CCAÇ 2405 a 2 Gr Comb; CCS/BCAÇ 2852 a 2 Gr Comb; PEL CAÇ NAT 53 e 63;

Dest B – CART 2339 a 2 Gr Comb; CART 1746 a 2 Gr Comb; CCAÇ 2314 a 2 Gr Comb;

Dest C – PEL MIL 103, 104 e 105;  PEL ART BAC 1 (MANSAMBO); PEL DAIMLER 2046

DESENROLAR DA ACÇÃO

Iniciaram a picagem os destacamentos A e B, respetivamente de Bambadinca e Mansambo, encontrando-se nos pontos previstos e iniciando as seguranças laterais do itinerário. 

O pessoal nativo foi chegando aos pontos de trabalho, trabalhando em bom ritmo e regressando a Bambadinca ao anoitecer. O Pel RecDaimler 2046 patrulhou constantemente o itinerário. Em 26, às 5h00, reiniciou-se a Operação terminando cerca das 18h00 sem consequências, regressando a tropa aos quartéis e os nativos aos centros de recrutamento.

(Continua)
  __________

Nota do editor:

(*) Postes anteriores da série:

10 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14992: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte XI: Bissau

2 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14959: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte X: Bafatá

29 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14943: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte IX: Os meus rios, Geba e Udunduma

22 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14914: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VIII: População: de Porto Brandão a Cansamba

17 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14890: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VII: O edifício dos CTT de Bambadinca: c. 1968/70 e 2010 ... (Fotos completadas com as de Humberto Reis, ex-fur mil op esp., CCAÇ 12, 1969/71)

11 de julho 2015 > Guiné 63/74 - P14864: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VI: Mulheres e bajudas (III)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14851: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte V: Mulheres e bajudas (II): A Rosinha, a lavadeira de Bambadinca, 40 anos depois (em Bissau)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14847: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte IV: Mulheres e bajudas de Bambadinca (I)

29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14806: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte III: O grave acidente com arma de fogo que vitimou o Uam Sambu, do Pel Caç Nat 52, na manhã de 1/1/1970

24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14790: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte II: Ao serviço do BART 1904 (de maio a setembro de 1968) e do BCAÇ 2852 (de outubro de 1968 a fevereiro de 1970)

21 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14775: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte I: Partidas e chegadas

Guiné 63/74 - P15035: FAP (82): Pedaços das Nossas Vidas: VI - Um ataque com "olhos azuis" - I Parte: "O ideal missionário do povo sueco" e "A escapatória ética da ajuda humanitária sueca" (José Nico, Gen PilAv)

1. Em mensagem do dia 22 de Agosto de 2015, o nosso camarada Miguel Pessoa, Cor PilAv Ref (ex-Ten PilAv, BA 12, Bissalanca, 1972/74), enviou-nos um trabalho para publicação, da autoria do General PilAv José Francisco Fernando Nico, versando a ajuda da Suécia aos Movimentos de Libertação africanos, durante a guerra colonial.

Caros editores Luís Graça e Carlos Vinhal
Após a conversa que tive com o Luís sobre este assunto, envio para os dois o texto que originou este meu contacto, pois não sei quem está de serviço ao trabalho editorial.
O texto em questão, da autoria do General PilAv José Nico, tem circulado na Net e o assunto que versa é certamente do interesse de muitos dos seguidores deste blogue. Por um lado, por ser assunto que é do conhecimento de poucas pessoas, por outro, por relatar factos passados na "nossa" Guiné, no início do longínquo ano de 1969, matéria que justifica uma ampla divulgação. É esse o motivo que me leva a reencaminhar-vos o referido texto para publicação no blogue, tendo-me sido já transmitida a anuência do seu autor - Gen. Nico - à sua edição no blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Um abraço.
Miguel Pessoa

************

PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS

Cumpri muitas missões durante a minha carreira na Força Aérea Portuguesa. A comissão na Guiné, porém, sobrepôs-se a todas as outras e marcou-me indelevelmente para o resto da vida. A mim e certamente a todos os que, de algum modo, partilharam a mesma experiência. É dela ou de acontecimentos com ela relacionados, que vos irei dando conta…
José Nico
Gen PilAv


VI – UM ATAQUE COM “OLHOS AZUIS” (1)

Embora não tenha tomado parte directa na acção nunca esqueci o dia 6 de Janeiro de 1969. Há uma razão para isso: conservo ainda uma munição da metralhadora AA quádrupla ZPU-4 que nesse dia abriu fogo contra os G-91, a partir de Sangonhá, no Sul da Guiné, local que tinha sido até poucos meses antes uma posição do Exército Português. Sempre que olho para aquele pedaço de metal inerte imagino a chuva de projécteis iguais que em diversas situações sairam dos tubos dos famosos “quatro bocas”1 e nos passaram ao lado sem nunca nos conseguirem derrubar2. Como é que essa memorabile de uma arma AA que efectivamente disparou contra os nossos aviões veio parar às minhas mãos é a história que me proponho contar neste episódio dos “Pedaços das nossas vidas”.

ZPU-4. Desenho de Paulo Alegria

____________

Notas:
1 - “Quatro bocas”, designação que os cubanos davam às metralhadoras AA ZPU-4. Embora, por razões de “auto-estima” os guineenses nunca tenham admitido, existem grandes probabilidades dos dispositivos anti-aéreos do PAIGC e, em particular as ZPU e os canhões AA 37mm, terem sido operadas por cubanos. Os quatro canos da ZPU-4 debitavam 2400 tiros por minuto e as munições chegavam aos 15.000 pés de altura embora o alcance eficaz fosse de 4600 pés. Em qualquer caso o perigo maior para um alvo rápido como era o G-91 era a densidade de projécteis na trajectória do avião e menos a destreza do apontador.
2 - Houve aviões abatidos por outros tipos de armas AA e também pelos mísseis Strella mas nunca tivemos uma perda provocada, nem pelas ZPU-1-2 ou 4, nem pelos canhões de 37mm.

************

O ideal missionário do povo sueco 

Não é possível descrever este acontecimento sem primeiro tentar traçar as linhas mestras do apoio sueco aos movimentos de libertação, durante a guerra que nos foi imposta em África, pois está directamente implicado no que vos quero relatar. Além disso, estou convencido que poucos terão consciência da dimensão e importância das acções que os suecos moveram contra Portugal nesse desastroso período da nossa história em que abdicámos totalmente do projecto da nação pluricontinental e multirracial, independentemente da situação objectiva em cada território, e embarcámos revolucionariamente na infame descolonização. Em última análise, os suecos contribuíram também para os mortos, estropiados e feridos que sofremos durante a guerra. Esta é, por isso, também uma oportunidade para lançar alguma luz sobre a dimensão e natureza do sistema adversário que enfrentámos e a que conseguimos resistir durante treze anos, apesar do diminuto peso estratégico do país.

Trata-se de uma questão que merece naturalmente uma análise muito mais abrangente do que o espaço para o presente artigo permite. Irei, por isso, tentar sintetizar o essencial do que achei até agora sobre a “amizade e solidariedade” sueca em relação aos movimentos de libertação e, consequentemente, o seu papel de inimigo como parte do sistema adversário que nos moveu a guerra.

Comecemos então pelo conceito de sistema adversário, por contraposição com a ideia corrente de que os nossos inimigos foram apenas os movimentos de libertação. Na realidade, estes beneficiaram de promotores e de apoios externos que foram engrossando com o passar do tempo até atingirem uma escala quase global. Estes apoios e os próprios movimentos de libertação estavam interligados e actuavam de forma coordenada para alcançar o mesmo objectivo estratégico e por isso devem ser considerados como um sistema. Assim, todos os que contribuíram objectivamente, por qualquer forma, para desapossar Portugal dos seus territórios ultramarinos, promovendo a liberdade de acção e a capacidade dos movimentos de libertação, foram elementos desse sistema adversário e, portanto, foram também nossos inimigos na guerra.3

Numa listagem por defeito aponto os que me parecem os mais óbvios mas, muitos outros, incluindo a gama dos países amigos com comportamentos ambivalentes, ficam por mencionar: as oposições políticas internas, diversas individualidades espalhadas um pouco por todo o Mundo, a URSS, a China, a Coreia do Norte, Cuba, os países do Norte da Europa, Argélia, Tunísia, Egipto, Senegal, Guiné-Conacri, República do Congo, República Democrática do Congo, Zâmbia, Tanzânia, o Movimento dos Não-Alinhados, a Organização da Unidade Africana e a Organização das Nações Unidas.

No grupo dos países do Norte da Europa notabilizou-se sempre a Suécia que, após uma fase de apoio informal mas efectivo, acabou por dinamizar os restantes países nórdicos4 para actuarem também abertamente contra Portugal, a partir de 1969.

De forma algo diferente dos que agiram apenas por razões políticas de natureza institucional, na Suécia verificou-se sempre uma simbiose entre a sociedade civil e o Estado. Ambos foram actores proactivos e actuaram combinados. Em última análise, o comportamento de um grupo significativo de suecos e de algumas das suas instituições foi claramente um acto de guerra contra os portugueses, muito semelhante ao dos cubanos que enviaram militares e armamento em apoio directo das acções de guerrilha sem que Portugal alguma vez os tivesse atacado ou declarado a guerra. As razões que sustentam esta atitude são naturalmente diversas mas podem ser explicadas e decorrem do sucesso do estado social sueco e de outros factores que justificam os excelentes indicadores de qualidade de vida que entronizaram o país como uma referência de desenvolvimento a partir de finais dos anos vinte do século passado.

Anteriormente, a Suécia fora um país rural, economicamente relativamente débil, que só começou a industrializar-se em meados do século XIX, na cauda dos países europeus economicamente desenvolvidos. Todavia, já nesse período, os fundamentos do estado social que iria ser, no futuro, um pilar fundamental do sucesso do país há muito que estavam enraizados na cultura sueca5. Conseguiu então, a partir daí, começar a tirar dividendos da Revolução Industrial e a partir do final do século XIX e princípios do século XX a economia acelerou definitivamente dinamizada por numerosos inventores e empresários6. No entanto, o ambiente social era ainda tão frágil que, desde meados do século XIX até aos anos 30 do século XX, muitos suecos se viram forçados a engrossar o fluxo da emigração europeia para os Estados Unidos.

Com o desenvolvimento económico e a resultante segurança material, cresceu o bem-estar social que por sua vez influenciou a melhoria da estabilidade interna e externa do país e o incremento das liberdades civis. Foram estas conquistas, reconhecidas e elogiadas internacionalmente, que acabaram por incutir nos suecos a presunção de que tinham adquirido não só o direito mas também a obrigação moral de exportar o seu modelo civilizacional para os países menos desenvolvidos e áreas problemáticas. Foi uma atitude que derivou dos princípios luteranos inculcados há muito na sociedade e no Estado7, os quais exigem que seja feito sempre o melhor (a ética dos virtuosos)8 e nestes termos os suecos nunca admitem fazer menos que o melhor, em quaisquer circunstâncias. É por isso que mesmo perante um insucesso um sueco dificilmente reconhece que errou. Este singular comportamento pode ser retratado da seguinte maneira: basicamente “os suecos não têm perguntas sobre os problemas do Mundo mas apenas respostas, que julgam serem as melhores e universais, configurando-se como modelo. Presumidamente, esse modelo poderá conduzir o resto do mundo ao estádio a que eles chegaram, no pressuposto de que isso seria possível e bom para todos”9.

Por estas razões instalou-se um pendor missionário na cultura sueca que foi reforçado por altura da nomeação, em 1953, de Dag Hammarskjöl para Secretário-Geral das Nações Unidas. O povo sueco passou então a sentir a orientação política e os programas civis e militares da ONU como uma responsabilidade também sua, como foi o caso do programa de descolonização. Psicologicamente, terá sido um lema do tipo “a ONU somos nós” um dos factores que mais influenciaram, nessa altura, a motivação internacionalista da comunicação social, juventudes universitárias, sindicatos e partidos políticos suecos. A acção de Dag Hammarskjöld à frente das Nações Unidas foi avidamente assumida como uma extensão da política externa da Suécia a qual se considerava moralmente responsável por resolver os problemas do mundo, tal como a ONU10. Foi tão intensa essa motivação que a longínqua e pouco africana Suécia resolveu participar, logo em Dezembro de 1958, na I Conferência de Povos Africanos em Acra, no Gana, claramente em busca de oportunidades de realização. Foi nessa conferência que o Partido Social Democrata sueco, então no governo, estabeleceu os primeiros contactos com os movimentos de libertação africanos os quais constituíram os alicerces do subsequente apoio sob a eufemística capa de “ajuda humanitária”.

É claro que esse ideal de “olhos azuis”, como os suecos gostam de classificar as suas “boas intenções”, a “inocência” e aparente “ingenuidade” das suas iniciativas extra-muros, nunca deu ao Mundo novas Suécias pela simples razão de que o que sustenta o estado social e as liberdades suecas é o potencial económico. São tudo coisas muito caras que não são obtidas por ideologias, nem por pretensas boas intenções mas sim com recursos e esses só podem ser gerados por um estado eficaz, investimento, educação e trabalho. Nada disso alguma vez acabou por acontecer nos países seleccionados pela ajuda humanitária sueca e em particular na Guiné-Bissau11.

Outro aspecto marcante, já referido atrás, foi a clara cumplicidade entre o Estado e a sociedade civil. A explicação para isso parece decorrer do conceito de “solidariedade” que, em sueco, não só se refere à coesão social mas também ao empenhamento e responsabilidade (tanto na Suécia como externamente) quanto a questões humanitárias12 e desenvolvimentos de natureza política. Essa atitude contribuiu para reforçar a auto-identificação dos suecos como um povo tradicionalmente avançado moral e tecnologicamente e começou a ganhar visibilidade por altura da Segunda Guerra Mundial, período que colocou em risco os valores civilizados, cabendo à Suécia, acreditam eles, o papel de sua guardiã13.

É tudo isto que justifica a paranóia missionária do povo sueco e o fervor no apoio, logo a partir de 1961, através dos OCS, organizações estudantis e partidos políticos, numa altura em que o PAIGC ainda não tinha sequer iniciado as hostilidades (excepto a casca de banana no cais do Pindjiguiti em 3 de Agosto de 1959)14 e a política oficial do Estado ainda estava longe de acometer Portugal.
____________

Notas:
3 - Tor Sellström, Sweden and National Liberation in Southern Africa, pág 64: “...Cabral himself who was the chief architect behind the commodity programme. Supplied with arms from the Soviet Union and its allies, he had from the outset ruled out the idea of military support from Sweden, designing instead a programme of civilian cooperation that at the close of the 1960s was met by no other country”...“Sweden and the Soviet Union were the largest donors to PAIGC. While the former was predominant on the civilian side, the latter was the leading supplier to the military struggle.
4 - Noruega, Finlândia, Dinamarca, Holanda e Islândia.
5 - Tudo terá começado com a Igreja Luterana que, em 1734, lançou as primeiras pedras na construção do Estado Social sueco ao instituir a obrigação de cada paróquia ter um asilo para os mais desfavorecidos e economicamente carenciados - O mito do "socialismo sueco", João José Horta Nobre, Mestre em História Contemporânea, 07 maio 2014.
6 - Mises Daily, Stefan Karlsson, August 7, 2006.
7 - In the Swedish religious and political tradition, the connection between Lutheranism and Swedish national identity stayed relevant long after the disappearance of religion as an all-encompassing norm in daily life. Catholicism and the Idea of Public Legitimacy in Sweden, ACADEMIC JOURNAL ARTICLE By Harvard, Jonas, European Studies , No. 31 , January 1, 2013.
8 - Até ao ano 2000, a religião Luterana foi a religião oficial do Estado sueco. O luteranismo atribui significado religioso ao trabalho mundano do dia a dia, por meio do qual se pode expressar o amor ao próximo e, consequentemente, agradar a Deus.
9 - Why Swedes would talk about themselves?, Astréia Soares, Doutora em Sociologia pelo IFCS/UFRJ, professora da Universidade Fumec/MG.
10 - Gustafsson, 1964, pág. 115.
11 - Returning to Guinea-Bissau twenty years after his visit to PAIGC’s liberated areas, in 1993 Anders Ehnmark reflected upon liberation and liberty, independence and development, dreams and realities, in his essay ‘The Trip to Kilimanjaro’, concluding that “something which was not predicted has taken place” (Ehnmark (1993) op. cit., pág. 113).
12 - Brian Palmer (1996).
13 - Why Swedes would talk about themselves?, Astréia Soares, Doutora em Sociologia pelo IFCS/UFRJ, professora da Universidade Fumec/MG.
14 - O “massacre do Pindjiguiti” foi intencionalmente provocado especialmente pelo PAI (depois PAIGC) que se tinha organizado três anos antes sob a direcção de Amílcar Cabral. A título de exemplo, para mostrar a mistura explosiva então instalada em Bissau, alguns dos membros do PAI eram membros do PCP na clandestinidade (Elysée Turpin, Carlos Correia, Abílio Duarte e Rafael Barbosa), outros eram empregados da Casa Gouveia (Elysée Turpin e Carlos Correia estes com duplo chapéu e Luís Cabral). Existiam ainda outros grupos, alguns também dinamizados por Amílcar Cabral e Rafael Barbosa. Toda esta gente conspirava e andava em bicos dos pés para provocar os “colonialistas” e foram eles que manipularam os marinheiros manjacos até à confrontação com a polícia. Basicamente tratou-se de uma greve por razões salariais, que já tinha sido ensaiada antes, e que se foi exarcebando até que em 3 Agosto 1959 deu-se uma inevitável confrontação com a polícia. Nessa altura, os grevistas picados pelos agitadores quiseram assaltar a Casa Gouveia tendo atacado os polícias (papéis) com arpões, paus, barras de ferro e remos na tentativa de os desarmar. Obviamente isto resultou em mortes. A partir desse lamentável desfecho, o desejado “massacre” passou a ser, imediata e incessantemente, utilizado no estrangeiro e em particular na Suécia como bandeira para a luta de libertação. Os mortos do Pindjiguiti ficaram para a história da libertação como um crime dos colonialistas e aos companheiros de Amílcar Cabral nunca nada lhes pesou na consciência. Tudo se justificava na lógica marxista que os iluminava. Ver também “Sweden and National Liberation in Southern Africa: Solidarity and assistance”, Tor Sellström, pág. 45.

************

A escapatória ética da ajuda humanitária sueca

Os suecos podem querer convencer o Mundo de que, eticamente, são “de olhos azuis” mas todos sabemos que o estado de desenvolvimento e bem-estar que conseguiram15 são indicadores que não permitem outra interpretação das suas atitudes que não seja a da intencionalidade fundamentada e objectiva. Tinham certamente consciência de que todas as formas de apoio aos movimentos de libertação e em particular ao PAIGC que, dentre eles foi o mais beneficiado, eram letais e redundavam em mortos, feridos e destruição quer entre as forças portuguesas, incluindo as de recrutamento local e ainda as populações civis. De facto, não interessava que a ajuda sueca apenas fosse direccionada para a propaganda, para melhorar e manter as bases no Senegal e na Guiné-Conacri, para fornecer meios de transporte, para o tratamento de doentes e feridos, para financiar deslocações dos dirigentes, etc. Toda a ajuda contribuía para a capacitação do movimento cujo objectivo último era fazer a guerra e acabar com a presença portuguesa pela força. Não pode ter sido, nem foi outra, a motivação dos suecos.

Ciosos do seu estatuto como país de referência viram-se, por isso, obrigados a arranjar uma forma subtil de conferir uma aura de bondade às suas acções de modo a conservar as consciências impolutas e, em particular, não pôr em causa os preceitos que exigiam não patrocinar ou promover nada que implicasse perda de vidas ou mais sofrimento. Apresentando-se como “um país muito escrupuloso quanto aos princípios”, a ajuda aos movimentos de libertação e em particular ao PAIGC teve que ser justificada de modo a encobrir a sua finalidade última e as respectivas consequências.

Atentemos por isso no termo escolhido para designar esse apoio, precisamente o de “ajuda humanitária”. Efectivamente, esta designação não só dava a ideia de inocuidade como soava bem (para os pouco avisados que eram a generalidade dentro e fora de portas) e transpirava bondade. Outro factor muito utilizado foi a classificação do regime português como sendo uma ditadura fascista e portanto tudo o que dele emanasse estava automaticamente condenado. Por politicamente correcta validava todo o tipo de iniciativas contra Portugal, promovia a unidade de esforço com as oposições ao regime português e com a comunidade internacional democrática e, também com a não democrática, desde que não fosse ocidental ou, por exemplo, pertencesse ao bloco soviético. O problema é que o que estava em jogo era o projecto e futuro de uma sociedade pluricontinental e multirracial e não a sobrevivência do regime que transitoriamente a governava. A Suécia justificava assim a “ajuda humanitária” aos movimentos de libertação fazendo de conta que estava a combater um regime político quando, na realidade, estava a influenciar decisivamente o futuro de uma comunidade que em termos humanos se projectava muito mais avançada que as que hoje temos. As pessoas não contavam, o que importava eram os “amanhãs que cantam” das ideologias em voga16 com consequências terríveis como a conflitualidade, a ingovernabilidade ou as actuais avalanches emigratórias. Também eles, suecos, sopraram os ventos da história contra Portugal e condicionaram a seu belo prazer o futuro dos povos que habitavam os territórios então portugueses. É por isso que entre as características já inventariadas na mentalidade sueca não tenho dúvidas em acrescentar mais uma e esta bem negativa: a hipocrisia, nua e crua.

Mas não eram apenas estes os argumentos falaciosos que os suecos coligiram para justificar a sua “ajuda humanitária”. Outros que pareceriam “não ter pernas para andar” mas foram prontamente validados pelo imaculado povo “dos olhos azuis” foram a invocação do atraso português em termos económicos e o facto da colonização estar a ser feita com pessoas de baixa ou média condição social. Tanto o primeiro como o segundo argumento queriam apenas dizer que os povos africanos de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau mereciam colonos mais ricos, mais educados e de mais elevada condição social. Presumivelmente, se esses colonos fossem suecos então estaria tudo bem e esses territórios já seriam uma espécie de Suécias dos Trópicos. No entanto, enquanto nós sentíamos que as características da população portuguesa presente em África nos aproximavam mais das populações autóctones e por isso conferiam melhores condições de entrosamento, convivência e uma evolução comum mais equilibrada e eficaz, para os nossos detractores era tudo negativo e justificava a guerra que promoviam.

Para além destas considerações é no relato escrito por Tör Sellström, em 200817, que se pode perceber melhor grande parte do racional sueco para justificar o apoio aos movimentos de libertação anti-Portugal:

Declarava-se que essa ajuda não poderia entrar em conflito com o primado do direito internacional, no âmbito do qual se define que nenhum estado tem o direito de interferir nos assuntos internos de outro. Contudo, relativamente aos movimentos de libertação em África, a ajuda humanitária e o apoio à formação académica não devem ser interpretados como estando em conflito com as referidas normas internacionais nos casos em que as Nações Unidas tenham tomado uma posição inequívoca contra a opressão dos povos que lutam pela liberdade nacional. Considera-se que a África Austral ocidental, a Rodésia e os territórios africanos sob suserania portuguesa estão abarcados por essa definição.

Passaremos a seguir a explicar o processo que levou a esta decisão. Entretanto, é de notar que poucos países ocidentais eram tão diferentes entre si como Portugal e a Suécia no período pós-guerra e que as ligações económicas eram inicialmente fracas.

Apesar de ambos os países terem passado à margem da segunda guerra mundial, o fosso, que separava a ditadura fascista do Portugal católico da social-democracia da Suécia protestante, era abissal. Na arena internacional, Portugal via-se como um importante portador do estandarte do destino imperial e tinha aderido à OTAN, enquanto a Suécia fazia gala do seu passado não-colonial. Em termos nacionais, o regime de Lisboa seguia uma via ultra-proteccionista, que administrava uma economia retrógrada e estagnada, baseada no sector primário, enquanto que o governo social democrata da Suécia registava um crescimento económico acelerado e era um país cada vez mais exportador, em resultado directo duma política de transformação industrial assente na qualificação. No prisma social, as políticas elitistas praticadas em Portugal criaram taxas de analfabetismo e má saúde pública que colocavam o país mais no terceiro mundo, enquanto as práticas igualitárias do "modelo sueco" colocavam este país na vanguarda da educação e da saúde. 

As relações comerciais entre Suécia e Portugal eram bastante marginais até meados dos anos 60. Em 1950, o valor das exportações suecas para Portugal chegava a 28,3 milhões de coroas suecas, ou seja 0,5 por cento do total de exportações. Os números correspondentes para as importações suecas feitas por Portugal representavam nesse mesmo ano 25,1 milhões de coroas suecas, ou seja 0,4 por cento. Dez anos mais tarde o valor das exportações suecas tinha aumentado para 60,9 milhões de coroas suecas, mas a parte de Portugal no total de exportações ficou estável, enquanto a proporção relativa das importações de Portugal diminuiu para 0,3 por cento. Era fácil de ver que o comércio externo que a Suécia tinha com Portugal era muito menos relevante do que o que tinha com a antiga colónia portuguesa, o Brasil. Os investimentos directos em Portugal foram, durante muito tempo, apenas de relevância marginal. Apenas algumas empresas suecas, como a SKF e a Electrolux tinham estabelecido sucursais em Portugal nos anos 20, ao passo que algumas empresas têxteis viriam, mais tarde, a fazer investimentos directos. Por junto, havia apenas cerca de cinco empresas suecas em Portugal em 1960 e os seus produtos combinados eram bastante reduzidos.

Esta é uma pequena amostra do convencimento e arrogância sueca em relação a Portugal. A construção ética apenas visou dar cobertura ao que desejavam fazer a todo o custo e que tinha começado a ganhar momento ao tempo de Dag Hammarskjöl nas Nações Unidas. Sentiram-se, assim, com base em análises claramente preconceituosas, auto-mandatados a dar-nos uma lição. Todavia, tudo o que acima se transcreveu pode agora, que a guerra acabou há muito, ser contra-argumentado. Para não me alongar demasiado limitar-me-ei a comentar a invocação da virgindade sueca em relação ao colonialismo e ao facto do Estado-Novo “criar taxas de analfabetismo e má saúde pública que colocavam o país mais no terceiro mundo”. Em relação ao primeiro ponto é preciso frisar que, no passado, os interesses da Suécia assentaram no comércio marítimo e na indústria do ferro. Por essa razão nunca estiveram muito interessados em ocupar território mas sim em garantir o acesso dos seus navios a pontos de carga e descarga em África e em vender ferro trabalhado. Para além disso, estabeleceram, embora por um curto período, diversos entrepostos na costa do Ghana destinados à aquisição e trânsito de escravos com destino às Américas. Em paralelo com esse comércio avultava o fornecimento das barras de ferro para lastro dos navios negreiros e as argolas e grilhetas com que os escravos eram sujeitos a bordo e nos pontos de embarque e desembarque. Também mantiveram uma colónia de escravos em Saint-Berthélemy desde 1787 até Outubro de 184718. Por último, em finais do Séc XIX a Suécia participou na Conferência de Berlin com o mesmo estatuto e as mesmas intenções das restantes potências europeias. Não parece por tudo isto que a Suécia se possa distanciar agora, em termos morais, nem dos portugueses nem dos outros países que colonizaram África.

Sobre “as políticas elitistas praticadas em Portugal que criaram taxas de analfabetismo e má saúde pública” este argumento difundido na opinião pública sueca era claramente mal intencionado. Dava a impressão que o regime era tão mau que estava a fazer o país “andar para trás”. A verdade é que o regime português, apesar de tudo, fazia o que podia depois do descalabro da 1.ª República e havia evolução. Não tão rápida como seria desejável, ou não tão rápida como a da Suécia, mas isso decorria do que se pudesse considerar como a situação de referência para efeitos de comparação, por exemplo, à data da instauração do Estado Novo. Também resulta claro, bastando para isso olhar para as fotografias da época, que o país de 1926 era completamente diferente do país de 1960. Este alegado retrocesso invocado pelos suecos parece ser resultado da propaganda dos opositores ao regime e dos líderes dos movimentos de libertação, em particular de Amílcar Cabral, Eduardo Mondlane e Holden Roberto, que foi de quem os suecos se aproximaram mais. Outra coisa não seria de esperar.
____________

Notas:
15 - A admissão de que a ingenuidade seja um traço da cultura sueca contrasta com a imagem da Suécia moderna, secular e tecnologicamente avançada e com um alto índice de informação sobre questões internacionais (Why Swedes would talk about themselves?, Astréia Soares, Doutora em Sociologia pelo IFCS/UFRJ, professora da Universidade Fumec/MG).16 - Nada mais elucidativo do que comparar as projecções de liberdade e desenvolvimento de Amílcar Cabral para a Guiné-Bissau e a situação real do país após quarenta anos de independência.
17 - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, Tor Sellström, Nordiska Afrikainstitutet, Uppsala 2008
18 - Up until the 9th of October 1847 Sweden had a colony in the West Indies called Saint-Berthélemy where there were thousands of slaves. When Gustav III was asked to end slavery in the beginning of the 19th century by Great Britain where the abolitionist movement had grown strong the Swedish king firmly neglected that Sweden had had any participation in having slaves. This denial has lived to our days in Sweden as well on the former Swedish colony Saint-Berthélemy, Pan African Visions » Afro-Swedish Perspectives, Blogs » Living in Denial: Sweden and the slave trade, October 16th, 2012

(Continua)

************
____________

Nota do editor

Poste anterior da série de 29 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13443: FAP (81): A propósito do voo MH17 das linhas aéreas da Malásia atingido por um míssil, em 17/7/2014, sob o céu da Ucrânia... Deus nos livre da antiaérea amiga, que da inimiga livramo-nos nós (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

Guiné 63/74 - P15034: Notas de leitura (750): “Nhoma, uma trajetória de luta”, por Bnur-Batër (Respício Nuno e Eduíno Sanca), Edições Corubal, Guiné-Bissau, 2013 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Setembro de 2014:

Queridos amigos,
O que me cativou do principio ao fim neste livro foi a língua portuguesa. Frases como estas: “Desenhou-se-lhe um fulgor bravo no rosto” e também: “Outra questão que sazonalmente visita os nossos pensamentos” e, mais ainda: “Transpirava aquecido pelas notícias”.
É uma biografia onde cabe tudo, até pormenores de feitiço e cartomancia no assassinato de Nino: “Um molhe de cartas estava em cima da mesa e ainda por revelar. Voltou sete cartas, quatro delas eram naipes de espadas, uma de paus e duas de copas. Logo junto ao corpo encontrou duas, o nove de paus colado ao peito e o rei de copas no chão, perto da cabeça do defunto. Debaixo de duas cadeiras encostadas à parede havia mais duas cartas, a quina e o sete de espadas. O dez de espadas estava junto à catana. À entrada, no chão e coberto de sangue, jazia o quatro de espadas. Na parede salpicada de sangue estava colado o sete de copas”.
É um livro de assombro, há que ler com cuidado, a memória do biografado escorrega por vezes para a fantasia.

Um abraço do
Mário


Nhoma, um combatente em várias guerras da Guiné-Bissau (1)

Beja Santos

“Nhoma, uma trajetória de luta”, por Bnur-Batër (Respício Nuno e Eduíno Sanca), Edições Corubal, Guiné-Bissau, 2013, é um livro surpreendente, viciante, numa primeira leitura fica-se perplexo e por várias razões: a sinceridade do depoimento, aquela criança balanta que queria ir para a luta e que se formou e mantém os seus rituais animistas, de valor indiscutível; o lindo idioma luso-guineense em que os biógrafos contam a história da vida de Bitchofula Na Fafe, nada me tinha sido dado ler neste estuário de um português antigo, derivado do crioulo, elegante, vocábulos que se entrelaçam como ramos de floresta-galeria e nos embriaga pelo prazer da leitura; e a própria trajetória de um homem que tudo ofereceu, que se enredou em fidelidades, que conheceu a prisão e a abjeção, e que viveu nas antecâmaras a ditadura de Nino Vieira, é diante do seu cadáver que termina este exercício biográfico.

Os biógrafos explicam os seus intentos: “Os factos aqui evidenciados poderão, em certa medida, contribuir para a compreensão do que tem constituído o grão de areia na engrenagem para a consolidação da ideia de Estado: o confronto obstinado entre o presente e o passado recente e o seu contágio ao imaginário coletivo das gerações mais novas”. Bitchofula Na Fafe é uma criança quando adere, na região de Catió, à guerrilha, entrará em Guileje depois da retirada das tropas portuguesas, não esconde a profunda admiração pelo Kabi, Nino ou João Bernardo Vieira. Irá participar no golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980. Em 1986, é acusado e detido, alegadamente por estar envolvido na tentativa de um golpe de Estado capitaneado por Paulo Correia e Viriato Pã. Passou anos no cativeiro sem qualquer julgamento, descobriu à sua custa que a Guiné e os seus líderes tinham encetado um processo autofágico; durante a guerra civil Nhoma foi forçado a juntar-se à rebelião, por ter sido preso pelos fiéis a Nino, sem saber por que razão. Novamente preso, lidera uma fuga digna do cinema. Será um dos principais promotores da revolta contra Ansumane Mané, em defesa de Kumba Iyalá. Mas Nhoma tinha mais peripécias dramáticas para presenciar: a destituição do Presidente da República, os assassinatos de dois chefes de Estado-Maior General das Forças Armadas, o regresso de Nino e a sua execução. Vê desaparecer camaradas de trincheira e de muita conivência.

A descrição da infância obrigatoriamente que nos maravilha: “O filho macho de Tchambu cresceu em Kablol e atingiu a classe de idade de nghayé-gdanh (última fase antes de atingir a fase adulta). Parecia uma palmeira, era alto e magro. Usava tranças rentes e negras. Enfeitava os pulsos e os tornozelos com braceletes de plástico e fibras vegetais. Ao pescoço pendurava um tubo de borracha preto e fino. Tapava as nádegas com lopé. Aprendeu com os miúdos da sua idade a olhar para o céu, com muita reverência”. E mais adiante: “A tiracolo, penduravam um barkafon (espécie de taleiga que serve para transportar comida e outros utensílios) onde guardava comida. Nesse grupo de rapazes, haveria quem soprasse trovas típicas com longos chifres de boi e também quem se ocupasse de uma vara de cana de bambu comprida, totalmente amarrada com três fios de nylon, passando por cima da cabaça forrada com couro de gazela, chamada viola”. Nhoma sabe que há jovens que estão a preparar-se para a luta e que têm um chefe, Kabi. Teimosamente, Nhoma impõe-se, quer aderir à luta. Vão para Cubucaré. Em Kablol aparece um capitão, irá disparar indiscriminadamente sobre gente indefesa, viera com um homem encapuçado que conhecia os guerrilheiros e simpatizantes. Segundo Nhoma, morreram sete pessoas. O capitão terá cometido um equívoco, a gente morta não colaborava com a guerrilha. Segue-se um pormenor curioso: “Kablol era exemplar para as autoridades coloniais desde os tempos em que o prisioneiro de delito comum, Btakda NGugna, recusou evadir-se durante a libertação de Nino do calabouço de Catió. A confiança dos tugas foi quebrada com o assassinato do guarda-sipaio Yalá Na NFad, que tinha iniciado o arrolamento para o imposto. O chefe da tabanca de Kablol pediu dois rapazes para escoltarem Yalá a um outro chefe de tabanca. Ao atracarem na outra margem, foram intercetados por Nino que capturou Yalá e o liquidou, deixando o cadáver no meio da estrada, como represália por o ter denunciado aos tugas”. Nhoma descreve a partida dos jovens para a guerrilha, como recebeu ordens para regressar a Kablol e ajudar a família, regressou mas pouco tempo depois quis voltar para a mata. Irá conhecer Abel Djassi, nome de guerra de Amílcar Cabral. O encontro foi intempestivo. Temos aqui referências aos acampamentos do Sul, pena é que a omissão cronológica seja absoluta, não sabemos se estamos ainda em 1962 ou 1963, fala-se em Porto de Gã-Djola, no acampamento de Mafelé-Dangó, em Tchuguesinho e nos seus primeiros combates com as tropas portuguesas.

Abruptamente, chegamos a 1969, já existem armas antiaéreas de quatro canos, ZPU-4, e chega Osvaldo Vieira da barraca de Unal, nova conversa intempestiva. Nhoma recebe uma incumbência precisa, não se sabe em que data, mas ele diz aos seus biógrafos: “A prioridade do comando da luta era impedir o projeto dos tugas de alcatroar a estrada de Kufar até Catió, via Cabaceira. O projeto já estava em execução e haviam construído um troço considerável. Nhoma e outros entraram em ação para bloquear o projeto, tendo transformado em cinzas o aeródromo de Kufar e Kuduku Nalu. O ataque custou um bocado da gengiva a Nhoma, que a perdeu ao tentar afastar uma granada inimiga que explodiu, um estilhaço atingiu-o na boca”. Depois em Janeiro de 1973 aparece Pedro Pires a comunicar a morte de Amílcar Cabral. Virá a saber que o seu irmão Kintie Na Fafe fora executado, fora um erro, ao que parece por uma denúncia de Maria Turra. E depois recebe instruções de Nino para ir até Mejo. Diz aos seus biógrafos que capturaram um alferes que depois foi expedido para Kandjafra (que nós designamos por Kandiafara). E diz algo que a historiografia portuguesa irá certamente dizer que é fantasioso: “Os guerrilheiros conseguiram do alferes capturado informações decisivas que viriam a servir na execução do plano de ataque a Guileje (importa recordar que o preparador desta operação, Osvaldo Lopes da Silva, nunca fala em informações oriundas dos portugueses). Porém, este discutiu com Kabi apostando que a guerrilha não será capaz de conquistar aquela guarnição altamente fortificada. As atitudes do oficial português perante o sucesso da operação determinaram a guerrilha e reforçaram a estratégia de ataque”. Depois da retirada das tropas portuguesas, Nhoma foi designado para guardar Guileje. Diz que o alferes capturado não sobreviveu e que os guerrilheiros encontraram jantar ainda no lume (coisa impossível, os guerrilheiros esperaram vários dias para entrar em Guileje, encontraram escombros, abrigos e muita bebida, houve bebedeira até fartar…). Estamos em crer que Nhoma quis dar uns ares de cowboy aos biógrafos e excedeu-se na fantasia. É pena.

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15026: Notas de leitura (749): "Kassumai", por David Campos, publicado pela Associação Chili com Carne, Dezembro de 2012 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15033: Parabéns a você (951): António Fernando Marques, ex- Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 de Agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15028: Parabéns a você (950): Carlos Cordeiro, Amigo Grâ-Tabanqueiro dos Açores, ex-Fur Mil em Angola e J.L. Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Guiné, 1969/71)

domingo, 23 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15032: Memória dos lugares (315): Pragança, aldeia da serra de Montejunto, união das freguesias de Lamas e Cercal, concelho de Cadaval - fotos de Luís Graça

























Serra de Montejunto > Cadaval > Pragança, freguesia de  Lamas > 20 de agosto de 2015 > Aspetos diversos da pitoresca aldeia de Pragança, a começar pelo coreto da filarmónica local que foi fundada em finais do séc. XIX. O coreto, guarnecido nas paredes e bancos laterais,  por deliciosos painéis de azulejos, criados e pintados à mão,  pela Oficina Brito, Caldas da Raínha,  é, além disso, um dos mais belos miradouros do oeste esteremenho. A poente, a vista alçança os concelhos vizinhos, de Cadaval, Bombarral, Torres Vedras, Lourinhã, Peniche, Óbidos, Caldas, Nazaré...

Texto e fotos: © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados

1. Pragança é uma localidade situada no sopé da Serra de Montejunto. Pertence à união das  freguesias de Lamas e Cercal. concelho do Cadaval, distrito de Lisboa.

Segundo a tradição oral e os vestígios arqueológicos, Pragança é  uma das mais antigas aldeias portuguesas. No séc.  XVIII  foram encontrados vestígios paleoliticos no Pico da Vela, na serra de Montejunto, Sobranceiro à aldeia de Pragança, no alto de um cabeço rochoso calcário, situa-se o Castro de Pragança.

A antiga freguesia de Lamas orgulha-se de possuir um rico património ambiental, cultural e histórico, a começar pelo  maciço calcário da serra do Montejunto que é o o ex-libris do concelho de Cadaval.

O castro de Rocha Forte ou Castelo Velho, as grutas necrópoles da serra de Montejunto,  a Real Fábrica do Gelo, o antigo convento dos dominicanos (séc. XIII), a  ermida da N. Sra. das Neves (séc. XIII, XVI e ss.), bem como as inúmeras belezas naturais da serra, a par da sua  flora e fauna, tornam a antiga de freguesia de Lamas num dos sítios mais atrativos da região do Oeste.

É na união das freguesias de Lamas e Cercal,  em plena serra do Montejunto, que está localizada a Real Fábrica de Gelo, onde no séc. XVIII era fabricado o gelo que abastecia não só a corte como, mais tarde, diversos cafés da baixa lisboeta. Foi recentemente  classificada como monumento nacional.

Além do edifício principal,  a Real Fábrica do  Gelo é constituída por um poço, atualmente tapado e que outrora era a fonte de abastecimento de água dos 44 tanques,  amplos e rasos, onde se fazia, por congelação, o gelo. A fábrica era explorada por um "neveiro". (Foi classificada como Monumento Nacional,através do Decreto n.º 67/97, de 31 de Dezembro; é considerado por inúmeros especialistas internacionais  “como um caso único pela originalidade das suas estruturas  e pelo razoável estado de conservação”).

Quase no topo da serra de Montejunto, situa-se  a ermida de N  Sra. das Neves, edificada, nos começos do séc. XIII, pelos frades dominicanos. Junto à ermida, podem observar-se as ruínas do primeiro convento da ordem dos dominicanos, fundado em Portugal.

É também aqui que se realiza, a 5 de agosto, a popular romaria de N. Sra. das Neves. Um dos nossos camaradas que não costuma perder este evento é o Eduardo Jorge Ferreira.

Para se almoçar ou jantar, recomendo o restaurante típico Garcia da Serra: a relação qualidade/preço é imbatível e o Garcia e a esposa são simpatiquíssimos. Provei com agrado as queixadinhas de porco, o bacalhau á Garcia e o cabrito da serra... 


2. Quatorze camaradas nossos morreram em Angola, Guiné  Moçambique durante a guerra colonial. Três  morreram no TO da Guiné, segundo a detalhada e preciosa informação recolhida no portal Ultramar TerraWeb, relatiava aos mortos na guerra do ultramar do concelho de Cadaval

(i) António Emídio Ribeiro da Silva, soldado maqueiro, CCS/BCAÇ 4612, morto em 1/11/73, por acidente; está sepultado na sua terra natal (Póvoa do Cadaval, Lamas);

(ii) José Isidro Marques, soldado apontador de metralhadora, CCAÇ 423/ BCAÇ 237, morto em combate, em 3/7/63, natural de Alguber, freguesia de Alguber;

(iii) Luís Ferreira Faria, sold cond, Comp Transportes 735,  QG/CTIG, morto por afogamento em 24/8/64, natural de Cercal, união das freguesias de Lamas e Cercal.

_______________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15031: 3 anos nas Forças Armadas (Tibério Borges, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2726) (6): Gadamael Porto



1. Parte VI de "3 anos nas Forças Armadas", série do nosso camarada Tibério Borges (ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2726, Cacine, Cameconde, Gadamael e Bedanda, 1970/72).


3 anos nas Forças Armadas (6)

Gadamael Porto

Gadamael Porto ficava mais no interior do rio Cacine e mais perto da fronteira, tendo a norte Guileje onde o corredor da morte era o espaço para a passagem de material de guerra dos turras. Eles dominavam a floresta desde a Guiné Konakry passando por Guileje, Bedanda e chegando a Catió depois de atravessarem o rio Cubijam. Toda a zona do Catanhez, a floresta que marginava os rios Cacine e Cumbijã, englobava Cabedú, a Sul, e Bedanda, a Norte.


Este território era fechado tendo apenas carreiros ao logo de toda a floresta e banhado por pântanos onde as sanguessugas se agarravam às nossas pernas sugando-nos o sangue. Para além dos quartéis ficavam as emboscadas, a morte assombrada de terror e as minas. Os quartéis ficavam sujeitos a bombardeamentos às mais diversas horas mas sobretudo ao anoitecer. Aqui em Gadamael fui apanhar uma Companhia no fim da comissão, e como tal tinha o terreno na sua mão, não tendo apanhado neste mês que ali estive acontecimentos de maior. Os bombardeamentos eram o prato do dia e como tal eram-nos muito comuns. Na maioria dos casos não chegavam aos nossos quartéis porque eles bem temiam os nossos obuses. Estes eram direccionados rapidamente para a direcção de onde vinham os clarões e varria-se aquela zona quer em longitude quer em latitude.

Fui parar a Gadamael por ordem do meu capitão que certamente recebeu ordens de Bissau. No caso de haver outra substituição noutro quartel que tivesse de ir alguém da nossa Companhia, certamente já não seria eu. Os nossos serões eram preenchidos com o jogo do bingo. Cada quartel tem o seu cariz próprio dependendo, evidentemente, das pessoas que o criam.

Certo dia alguém se lembrou de se vestir à muçulmano e foi logo à maneira da entidade religiosa. Mal sabíamos nós que ao irmos ter com ele, o mal estar iria fazer parte desse encontro. Por nossa parte nunca foi colocar nesta brincadeira qualquer intenção de crítica ou algo que pudesse nascer um mal entendido. Foi um espaço de tempo sem pensarmos nas consequências. O que é certo é que ele nos disse que apenas se vestiam daquela maneira eles, os dignitários religiosos.





Nota: no meu álbum estas fotos têm a data de 10Out1970

Gadamael não possuía obus 14 mas 10,5 - armas mais maneáveis e adequadas às circunstâncias ou por falta de capital para os obter. Possuía um jipão onde transportava uma metralhadora.
 
Nota: no meu álbum esta foto tem a data de 11Nov1970

Estando o capitão de férias, ficou a comandar as tropas o Alferes Silva. Neste espaço de tempo, Bissau, certamente, dá ordens a que se faça outra substituição, desta vez em Bedanda, dum alferes. Em Cacine era regulamentar estarem dois pelotões e os outros dois em Cameconde. Nesta situação não me lembro se estava ou num ou noutro lugar. O que sei é que o Silva veio ter comigo para eu ir preencher a falta dum alferes em Bedanda. Fui contra esta situação uma vez que já tinha sido incumbido de o fazer e como tal outro estaria na vez. Não sei o que o levou a vir ter comigo mas o que pensei foi que ele não teve coragem de indicar um dos outros dois, uma vez que ele próprio não poderia ser. Pensei que por os outros três serem continentais e eu açoriano ou eles ofereceram resistência a tal ponto que ele optou por me manejar. Apesar de recusar ele insistiu comigo. Fiquei revoltado com esta situação e não estava na disposição de a aceitar. Por outro lado sabia que uma desobediência traria algo de grave.

Como o material de guerra estava por minha conta planeei uma fuga a partir de Portugal para França. Nessa altura e antes de ir para Bedanda tinha as minhas férias planeadas para as passar nos Açores. No regresso de férias do Capitão e na minha ida para férias encontramo-nos em Bissau.

Na minha mala coloquei umas quantas granadas de mão pois falava-se que passar a fronteira de Portugal não era fácil. Contei ao capitão o que estava planeando.

Ele aconselhou-me primeiro ir a Bedanda ver o ambiente, falar com o capitão e tirar informações do que por lá se passava.

Não me lembro bem a sequência dos acontecimentos mas devo ter ido a Bedanda antes de ir de férias porque devolvi de regresso todas as granadas que levava ao Capitão.

A Companhia ali aquartelada era de nativos exceptuando a maioria dos graduados. Não gostei desta situação mas no cômputo geral mudei de ideias.

(Continua)

Texto e fotos: © Tibério Borges
____________

Nota do editor

Poste anterior da série de 15 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15006: 3 anos nas Forças Armadas (Tibério Borges, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2726) (5): Invasão a Conakry e, Entre Cacine e Cameconde

Guiné 63/74 - P15030: Libertando-me (Tony Borié) (31): O Sonho Americano (1)

Trigésimo primeiro episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 17 de Agosto de 2015.




Na escola velha do Adro, na então vila de Águeda, o professor Silvério ensinava, batia, era violento, era actor, pois na aula de história exemplificava a personagem de que falava, com gestos e atitudes, algumas violentas, se algum de nós lhe colocava uma questão, só dava respostas a “Bem da Nação”, os nossos antepassados portugueses. Na sua boca, eram os melhores, os mais bons, só existiam vitórias, talvez sem o saber, fazia toda a classe violenta, pois nos intervalos das aulas, nós combatíamos e lutávamos uns com os outros para também sermos os melhores e, raro era o dia em que nós não andávamos “à lambada”, às vezes com o nosso companheiro de carteira.

Quando abria o livro da História de Portugal, até aquela derrota em Alcácer-Quibir para ele era uma vitória e, o inimigo que se cuide, pois o rei português e alguma nobreza, que lá morreu, havia de voltar um dia, para os vencer e vingar-se. Era assim, era a mentalidade de quem tinha a responsabilidade de fazer homens para o futuro, embora qualquer um de nós desconfiasse de tantas vitórias, devia de haver por lá também algumas derrotas.

Tivemos um companheiro de profissão, durante muitos anos, oriundo da Índia, que nos dizia que na sua história, os portugueses e outros povos europeus apareciam por lá como pescadores ou comerciantes, depois consideravam-se descobridores ou colonizadores e, anos mais tarde, eram única e simplesmente corsários, vulgo “piratas”, isto era a opinião dele e vale o que vale, mas ele dizia-nos tudo isto, principalmente nos momentos em que não concordava com a nossa opinião.

Foi por tudo isto que fomos parar à África, mais propriamente à Guiné, mas ainda por cá andamos, e hoje vamos iniciar uma pequena história do começo do povoamento Europeu no Novo Mundo, mais propriamente os USA, onde entra Portugal, com os nossos antepassados, pescadores, navegadores, descobridores, comerciantes, colonizadores e, corsários, vulgo “piratas”, história esta que representa um trabalho com alguma dificuldade de pesquisa, mas acreditamos que não é contada na história de Portugal. Terá que ser em pelo menos 3 capítulos, pois o espaço do nosso blogue tem que ser repartido com os nossos companheiros, fiquem atentos que vale a pena, pois esta personagem, ainda hoje é popular, pelo menos por aqui, na história dos USA. Cá vai o primeiro episódio.

******

“American Dream”
I Parte 

Entre outros países da Europa, Espanha, Portugal e França foram os que se moveram mais rapidamente para estabelecer uma presença no Novo Mundo. Outros países, também o fizeram, mas de forma mais lenta, tudo isto algumas décadas depois das explorações que John Cabot fez, (o seu verdadeiro nome era Giovanni Caboto) que foi um navegador e explorador italiano, financiado por Henrique VIII, na altura rei de Inglaterra, na tentativa de estabelecer possíveis colónias inglesas, pois os primeiros esforços foram fracassados, mais notavelmente a Colónia de Roanoke, localizada num local que hoje faz parte do estado de Carolina do Norte, que desapareceu por volta do ano de 1590. No final de 1606, alguns empresários ingleses partiram com uma carta da Companhia Virgínia de Londres para estabelecer uma colónia no Novo Mundo. A frota composta de três navios chamados “Susan Constant”, “Discovery” e “Godspeed”, sob o comando do jovem Capitão Christopher Newport, que depois de uma longa viagem, com a duração de cinco meses, incluindo uma paragem nas ilhas de Porto Rico, de onde partiram em Abril de 1607 para o continente americano. Uns dias depois, a expedição desembarcou num lugar chamado Cape Henry, num local que hoje faz parte do estado de Virgínia, com ordens para selecionar uma localização com alguma segurança, puseram-se a explorar o que é agora Hampton Roads, numa saída para a Baía de Chesapeake, a que deram o nome do rio James, em honra de seu Rei James I, da Inglaterra.

Até aqui, na nossa pesquisa ainda não houve interferência de Portugueses, Espanhóis ou mesmo Franceses, mas é tempo de vos explicar que esta personagem, o Capitão Christopher Newport, quando jovem navegou com Sir Francis Drake, que foi um capitão inglês, vice-almirante, que foi um famoso corsário, vulgo “pirata”, também político, que a rainha Isabel I de Inglaterra, entre outras acções, condecorou como cavaleiro do reino, pois foi ele o segundo em comando da frota inglesa, subordinado apenas a Charles Howard e à própria rainha, no ataque sobre a frota espanhola em Cádiz, participando assim na derrota da célebre “Armada Espanhola”, durante a guerra que a Inglaterra teve com a Espanha. Este Sir Francis Drake, corsário, morreu de disenteria, talvez envenenado por alimentos deteriorados, em Janeiro de 1596, depois de um ataque fracassado a San Juan, em Porto Rico.

Voltando ao Capitão Christopher Newport, este homem do mar, como corsário, vulgo “pirata”, ao serviço da Rainha Elizabeth I de Inglaterra, realizou mais ataques a navios Espanhóis e Portugueses do que qualquer outro corsário Inglês, onde entre outras coisas, apreendeu fortunas do tesouro Espanhol e Português em batalhas navais, ferozes, não só nas tais Índias Ocidentais, que é uma região da Bacia do Caribe e Oceano Atlântico Norte, que inclui as muitas ilhas e nações insulares das Antilhas e do arquipélago Lucayan, como mesmo em pleno oceano Atlântico, pois em Agosto de 1592, ele capturou o navio Português “Madre de Deus”, ao largo dos Açores, tendo realizado nesse momento um feito considerado, como a maior pilhagem Inglesa do século, pois o navio Português, já sobre o seu comando, entrou no porto de Inglaterra com cinco centenas de toneladas de especiarias, sedas, pedras preciosas e outros tesouros.

Na nossa pesquisa não conseguimos saber se no momento da captura do navio Português, o navio do Capitão Christopher Newport hasteava a bandeira Inglesa ou a bandeira “pirata”, se a tripulação do navio Português foi feita prisioneira ou simplesmente dizimada, queimada, ou enforcada e os corpos deitados ao mar, o que era uso corrente entre lutas “piratas”, mas quase certo era que o produto destes saques financiavam novas viagens para o Novo Mundo, portanto os nossos descendentes Portugueses ajudaram, pelo menos financeiramente, o povoamento por Europeus do tal Novo Mundo.

Este corsário, em missão de guerra, invadiu Puerto Caballos (no que hoje é o país Honduras), em 1603, onde os despojos de todas estas missões foram compartilhados com os comerciantes de Londres que o financiavam, assim como com o reino, pois em 1605, depois de mais uma missão no Caribe, voltou para a Inglaterra, onde além dos tais despojos dos saques a navios, tanto Portugueses como Espanhóis, que eram fortunas na época, ainda houve lugar para levar dois crocodilos bebés e um javali, para dar como presentes ao rei James I, que entre outras coisas, vejam lá, Sua Alteza Real tinha um fascínio por animais exóticos.

Depois de liderar os seus homens em mais um ataque, desta vez numa luta, abalroando um navio Português ao largo da costa de Cuba, o seu braço direito foi cortado em parte, usando depois uma espécie de luva, com um gancho introduzido, para substituir a mão. A partir desse momento começaram a chamar-lhe um nome parecido com “Capitão Gancho”. É por esse nome que vamos continuar a identificá-lo, pois a história da sua vida faz parte do “America Dream”, que quer dizer mais ou menos o “Sonho Americano”.

(continua)

Tony Borie, Agosto de 2015
____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15010: Libertando-me (Tony Borié) (30): Queria fugir à tropa, uns dias antes de ir “às sortes”