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Malta,
Aqui vai a recensão de um livro muito digno. Temos que investigar se ao nível da Força Aérea há investigação deste tipo. Os nossos “pilotos” na tertúlia têm a obrigação de nos apoiar.
A partir da próxima semana irei andar mais mansinho, já estou a meio de um livro delirante que dá pelo nome de “Em nome da Pátria”, de um tenente-coronel chamado Brandão Ferreira que escreve habilidosa e ardilosamente fora do tempo, e até da investigação histórica e política.
Paciência, temos que viver com os ressabiados e atormentados do império, dialogar até ao ilimite e desmascarar as mistificações.
Um abraço do
Mário
A Marinha na Guiné, durante a Guerra Colonial:
Um relato relevante para uma missão não menos relevante
Por Beja Santos
São escusados quaisquer comentários à sua análise sobre a Guerra Fria e o impacto que ela teve nos movimentos de independência em África, trata-se de uma apreciação rigorosa e isenta, é credora da nossa atenção mas somos conhecedores de tais factos. Novidade poderá ser, para muitos de nós a reviravolta naval decorrente das missões da Armada nos diferentes teatros de operações e sobretudo na Guiné. O autor dá conta dos procedimentos adoptados noutras guerras de guerrilhas e a adaptação que se procedeu ao nível da Armada portuguesa. Está lá tudo, desde os navios, aos fuzileiros especiais, à reserva naval, a todos os equipamentos que se usaram em África.
Depois de apresentar as actividades da Marinha em Angola, o estudo centra-se na Guiné, que o comandante Cann apresenta da seguinte maneira: “Dos três teatros de operações, a Guiné era o mais complicado e o mais difícil. Era também o mais importante teatro para a Marinha, porque aqui as suas actividades eram vitais não só a nível táctico como estratégico. A razão era bem simples. Cerca de 80 % de toda a carga e do pessoal dentro deste teatro movimentava-se por mar ou via fluvial. Somente 18 % passava por terra e cerca de 2 % por via aérea. Nos anos finais da guerra, quando o trânsito por estrada se tornou difícil, cerca de 85 % era por via aquática. O transporte através dos rios e braços-mar era também importante para o PAIGC, e por esta razão o policiamento do tráfego fluvial pela Marinha era tão importante para a tarefa de transporte”. Mais adiante, o autor debruça-se sobre a estratégia militar referindo as diferentes aplicações possíveis para o Exército e para a Armada. Porque os conceitos de ambas as armas foram altamente litigiosos durante todo o conflito: a Armada queria aproveitar-se da morfologia da Guiné e imobilizar o inimigo nas diferentes vias fluviais, travando a progressão do PAIGC dissuadindo a movimentação das suas tropas e populações e destruindo a sua logística; o Exército tendia a favorecer a estratégia tradicional de teatro, usando tropas acantonadas e apoiadas por forças de intervenção e de reacção rápidas. O comandante Cann observa que o PAIGC manifestou sempre uma quase cegueira relativamente à dimensão naval, caso se tivesse apetrechado para uma série ofensiva de guerra de minas, teria com facilidade bloqueado os cursos de água, conduzindo o esforço de guerra ao caos.
O empenhamento naval na Guiné aparece minuciosamente descrito neste livro: tipo de embarcações, forças, patrulhamentos, serviços de manutenção, instalações, rotas principais. Destaca-se o esforço de guerra no Sul, já que o PAIGC contava com o apoio da Guiné Conacri, tendo estabelecido quatro bases principais na zona da fronteira Sul (Kadigné, Boké, Kandiafara, Sansalé). Para combater o inimigo as forças portuguesas lançaram uma ofensiva através de operações como a Tridente, golpes de mão no Rio Camexibó, a operação Hitler, as operações “Via Láctea” (esta na área do Cacheu).
O autor dá igualmente um grande destaque à operação “Mar Verde”, sobejamente conhecida de todos nós. Nas conclusões, o comandante Cann procede à avaliação do legado da Marinha nas diferentes frentes da Guerra Colonial, reafirmando que a Marinha se adaptou perfeitamente aos novos cenários e soube reflectir sobre as experiências anteriores de guerra na selva. Recorda igualmente que a Marinha devotou um grande esforço à produção de cartas hidrográficas que iam sendo corrigidas e anotadas a partir da experiência e utilizadas como quadro de referência. Foi este conhecimento de campo de batalha que constituiu a chave da sobrevivência e dos sucessos. São lições que tendem a ser esquecidas por todos, menos pelos veteranos do conflito e pelos historiadores. Ora este legado é relevante não só pelas dimensões militares do conflito vivido como para conhecer a adaptação da Marinha aos novos desafios, actuais e futuros.
Apesar da tradução e revisão deploráveis, estamos face a um livro importantíssimo que convém saudar e recomendar.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5192: Historiografia da presença portuguesa (28): Notícias da Guiné, segunda série (Beja Santos)
Vd. último poste da série de 30 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5183: Notas de leitura (31): Notícias da Pátria e dos que a invocam, em vão ou não (António Matos)
1 comentário:
Caro Beja Santos
Mais uma notável contribuição para os camaradas da Tabanca desta recensão deste livro de John P. Cann, agora sobre a Marinha Portuguesa.
Se não conheces, ele publicou um primeiro livro em 1997, cuja 1.ª edição portuguesa foi em Julho de 1998 e cujo título é: Contra-Insurreição em África 1961-1974 O modo português de fazer a guerra", Edições Atena, Lda.
Refere-se praticamente ao Exército, pelo que não será de estranhar que ainda venha a aparecer um ultimo sobre a Força Aérea.
Abraços
Jorge Picado
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