1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2009:
Malta,
Aqui vai a recensão de um livro muito digno. Temos que investigar se ao nível da Força Aérea há investigação deste tipo. Os nossos “pilotos” na tertúlia têm a obrigação de nos apoiar.
A partir da próxima semana irei andar mais mansinho, já estou a meio de um livro delirante que dá pelo nome de “Em nome da Pátria”, de um tenente-coronel chamado Brandão Ferreira que escreve habilidosa e ardilosamente fora do tempo, e até da investigação histórica e política.
Paciência, temos que viver com os ressabiados e atormentados do império, dialogar até ao ilimite e desmascarar as mistificações.
Um abraço do
Mário
A Marinha na Guiné, durante a Guerra Colonial:
Um relato relevante para uma missão não menos relevante
Por Beja Santos
John P. Cann, comandante da Marinha dos Estados Unidos, professor auxiliar da Universidade da Virgínia, membro associado da nossa Academia de Marinha, é um investigador de prestígio com provas dadas nos seus trabalhos dedicados à contra-subversão em África e às operações fluviais da marinha portuguesa na Guerra Colonial. O seu estudo “A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961 - 1974”, é de uma grande importância e de leitura obrigatória, mesmo tendo uma tradução degradante e uma revisão abaixo de cão pelo que se sugere uma nova edição expurgada de disparates e gralhas que impedem toda a atenção que as aprofundadas investigações do comandante Cann merecem (“A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961 - 1974”, Prefácio, 2009).
São escusados quaisquer comentários à sua análise sobre a Guerra Fria e o impacto que ela teve nos movimentos de independência em África, trata-se de uma apreciação rigorosa e isenta, é credora da nossa atenção mas somos conhecedores de tais factos. Novidade poderá ser, para muitos de nós a reviravolta naval decorrente das missões da Armada nos diferentes teatros de operações e sobretudo na Guiné. O autor dá conta dos procedimentos adoptados noutras guerras de guerrilhas e a adaptação que se procedeu ao nível da Armada portuguesa. Está lá tudo, desde os navios, aos fuzileiros especiais, à reserva naval, a todos os equipamentos que se usaram em África.
Depois de apresentar as actividades da Marinha em Angola, o estudo centra-se na Guiné, que o comandante Cann apresenta da seguinte maneira: “Dos três teatros de operações, a Guiné era o mais complicado e o mais difícil. Era também o mais importante teatro para a Marinha, porque aqui as suas actividades eram vitais não só a nível táctico como estratégico. A razão era bem simples. Cerca de 80 % de toda a carga e do pessoal dentro deste teatro movimentava-se por mar ou via fluvial. Somente 18 % passava por terra e cerca de 2 % por via aérea. Nos anos finais da guerra, quando o trânsito por estrada se tornou difícil, cerca de 85 % era por via aquática. O transporte através dos rios e braços-mar era também importante para o PAIGC, e por esta razão o policiamento do tráfego fluvial pela Marinha era tão importante para a tarefa de transporte”. Mais adiante, o autor debruça-se sobre a estratégia militar referindo as diferentes aplicações possíveis para o Exército e para a Armada. Porque os conceitos de ambas as armas foram altamente litigiosos durante todo o conflito: a Armada queria aproveitar-se da morfologia da Guiné e imobilizar o inimigo nas diferentes vias fluviais, travando a progressão do PAIGC dissuadindo a movimentação das suas tropas e populações e destruindo a sua logística; o Exército tendia a favorecer a estratégia tradicional de teatro, usando tropas acantonadas e apoiadas por forças de intervenção e de reacção rápidas. O comandante Cann observa que o PAIGC manifestou sempre uma quase cegueira relativamente à dimensão naval, caso se tivesse apetrechado para uma série ofensiva de guerra de minas, teria com facilidade bloqueado os cursos de água, conduzindo o esforço de guerra ao caos.
O empenhamento naval na Guiné aparece minuciosamente descrito neste livro: tipo de embarcações, forças, patrulhamentos, serviços de manutenção, instalações, rotas principais. Destaca-se o esforço de guerra no Sul, já que o PAIGC contava com o apoio da Guiné Conacri, tendo estabelecido quatro bases principais na zona da fronteira Sul (Kadigné, Boké, Kandiafara, Sansalé). Para combater o inimigo as forças portuguesas lançaram uma ofensiva através de operações como a Tridente, golpes de mão no Rio Camexibó, a operação Hitler, as operações “Via Láctea” (esta na área do Cacheu).
O autor dá igualmente um grande destaque à operação “Mar Verde”, sobejamente conhecida de todos nós. Nas conclusões, o comandante Cann procede à avaliação do legado da Marinha nas diferentes frentes da Guerra Colonial, reafirmando que a Marinha se adaptou perfeitamente aos novos cenários e soube reflectir sobre as experiências anteriores de guerra na selva. Recorda igualmente que a Marinha devotou um grande esforço à produção de cartas hidrográficas que iam sendo corrigidas e anotadas a partir da experiência e utilizadas como quadro de referência. Foi este conhecimento de campo de batalha que constituiu a chave da sobrevivência e dos sucessos. São lições que tendem a ser esquecidas por todos, menos pelos veteranos do conflito e pelos historiadores. Ora este legado é relevante não só pelas dimensões militares do conflito vivido como para conhecer a adaptação da Marinha aos novos desafios, actuais e futuros.
Apesar da tradução e revisão deploráveis, estamos face a um livro importantíssimo que convém saudar e recomendar.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5192: Historiografia da presença portuguesa (28): Notícias da Guiné, segunda série (Beja Santos)
Vd. último poste da série de 30 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5183: Notas de leitura (31): Notícias da Pátria e dos que a invocam, em vão ou não (António Matos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Caro Beja Santos
Mais uma notável contribuição para os camaradas da Tabanca desta recensão deste livro de John P. Cann, agora sobre a Marinha Portuguesa.
Se não conheces, ele publicou um primeiro livro em 1997, cuja 1.ª edição portuguesa foi em Julho de 1998 e cujo título é: Contra-Insurreição em África 1961-1974 O modo português de fazer a guerra", Edições Atena, Lda.
Refere-se praticamente ao Exército, pelo que não será de estranhar que ainda venha a aparecer um ultimo sobre a Força Aérea.
Abraços
Jorge Picado
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