Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > s/d [1973?] > BCAC 4513 > A última visita do Com-Chefe e Governador Geral Bettencourt Rodrigues (de costas, de camuflado, à direita, recebendo honras militares)
Foto: © Fernando Costa (2009). Direitos reservados
1. Mensagem do Fernando Costa, ex-Fur Mil Trms, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Março de 1973/Setembro de 1974) (*):
Caros amigos,
Volto ao vosso contacto para enviar uma foto onde aparece o Cmdt das Forças Armadas da Guiné, General Bettencourt Rodrigues (**), naquela que foi a última visita a Aldeia Formosa. Os militares que estão a fazer a guarda de honra, são do BCaç 4513. Esta foto, se assim o entenderem, pode ser incluída com as que se encontram no poste P5160 (***).
Um forte abraço, Ex-Furriel Mil Fernando Costa
2. Comentário de L.G.:
Ligou-me esta noite o Fernando, e tivemos uma longa conversa ao telefone. É um homem das Arábias, o novo membro, alfacinha, da nossa Tabanca Grande. Imaginem que ele, para além das chefe das transmissões em Aldeia Formosa (na ausência do Alferes da CCS que ficou no bem-bom de Bissau, a tomar conta das antenas das telecomunicações...), foi um homem dos sete ofícios... E sobretudo foi músico, chegou a acompanhar a Cilinha, que tinha a mania que sabia cantar o fado, nas visiats aos quartéis do sul... Pedia ter ficado em Bissau, ligado à Ra´+dio, ams não ficou pior cuasa do Alferes.
O Fernando Carvalhinho, um homem do fado, foi soldado, também de transmissões, na CCS do BCAÇ 4513... São muito amigos e o Fernando tem um excelente álbum fotográfico da Guiné. Eles ainda são do tempo de Spínola, que visitou duas vezes Aldeia Formosa. Numa delas, o Caco Baldé veio expressamente para dar uma porrada num 1º cabo de uma das companhias do Batalhão... Com o pessoal formado e alinhado na parada, rapou de um papel e chamou o cabo. Quando este compareceu perante o velho general, arrancou-lhe as divisas e deu-lhe dois pares de estalos...
O Bettencourt terá ido, uma vez, no fim de 1973 ou princípio de 1974... Tiha lá um sobrinho, madeirense. O Fernando já não se lembra do Cherno Rachide Djaló, que deve ter morrido antes da CSS do BCAÇ 4513 ter chegado Aldeia Formosa, em Março de 1973 (uma figura respeitada do Islão, de etnia futa-fula, já aqui evocado diversas veses, por mim, pelo Manuel Amaro, pelo Torcato Mendonça, e de quem já se disse tanta coisa, a de que inclusivamente teria sido um 'agente duplo', jogando com um pau de dois bicos...). O Fermando lembra-se, sim, de uma filha e eventualmente de um filho do grande marabú, que tinham uma loja na tabanca... A filha, que privada muito com a malta da tropa, terá já morrido, de doença prolongada, em Espanha.
Quanto à entrega do quartel ao PAIGC, em meados de Agosto, o Fernando tem muitas histórias - e algumas bem divertidas! - para nos contar...
O Fernando, que se reformou como bancário do BCP (pertenceu ao núcleo dos 100 primeiros colaboradores, e privou com o Jardim Gonçalves), conhece meio mundo (além da Europa, a África, a Austrália...). Antes de ir para a tropa, aos 17 anos, tocava numa orquestar ligeira em Moçambique, tendo acompanhado a Amália. Foi, naturalmente, um homem da noite, aqui, em Lisboa e em África. Em Bissau, frequentavam o Chez Toi onde chegou a encontrar miúdas, suas conheidas, de Lisboa, que eram contratadas para uma temporada... Afinal, não foram só os homens a fazer comissões de serviço em África... Foi também árbitro e dirigente federativo, a nível do futebol de salão ou Futsal... Tem um filho cineasta, que é também professor na Lusófona, logo colega do nosso Jorge Cabral.
Mas eu não vou adiantar mais (in)confidências... Percebo que ele goste mais de falar do que escrever, mas já se comprometeu a mandar mais fotos e mais histórias dos últimos tempos da guerra da Guiné... Boa noite, camarada Fernando, sou um prazer conhecer-te e ouvir-te ao telefone. Fico para já à espera de duas coisas que e prometeste: (i) fotografia (digitalizada) da farda nº 2, com botões dourados, que sacaste a um guerrilheiro do PAIGC em Agosto de 1974; (ii) e a cópia da carta que o teu tenente-coronal (Sacadura qualquer coisa) mandou aos pais da rapaziada, antes oara partida para a guerra, a explicar que ficava a tomar conta deles todos e que iria fazer tudo para os trazer de volta, sãos e salvos (!)... (Olha, acho isto bonito!)...
______________
Notas de L.G.:
(*) Ultimo poste da série Memória dos Lugares > 17 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5119: Memória dos lugares (49): Xime, Madina Mandinga, Bafatá e Nova Lamego- (Alfredo Dinis)
(**) GENERAL JOSÉ MANUEL BETTENCOURT RODRIGUES:
(i) Nasceu no Funchal em 5 de Junho de 1918;
(ii) Frequentou o Liceu de Pedro Nunes, em Lisboa.
(iii) Frequentou os preparatórios militares na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa;
(iv) Foi admitido ao Curso de Infantaria da Escola do Exército que terminou em 1939, como primeiro classificado;
(v) Concluiu o Curso de Estado-Maior com a classificação de Distinto em 1951;
(vi) 17 anos mais tarde, após a frequência do Curso de Altos Comandos, no qual teve a classificação de Muito Apto, é promovido a Brigadeiro;
(vii) Em 1972 é General.
(viii) Em 21 de Setembro de 1973 tomou posse como Novo Governador e Comandante-Chefe do CTIG, nomeado em substituição do carismático General Spínola (que cessara funções a 6 de Agosto).
(ix) Foi preso, no 26 de Abril de 1974, na Amura, pelos seus subordinados que faziam parte do MFA:
"(...) no dia 26 de Abril, onze oficiais dirigiram-se ao Gabinete do General Comandante e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa. Foi um acto pacífico, civilizado, mas dramático. Com o General vieram também alguns oficiais que se lhe solidarizaram, nomeadamente o Brigadeiro Leitão Marques que o MFA julgava poder contar para o substituir".
Eis a lista dos oficiais revoltosos: Ten Cor Mateus da Silva, Eng Trms; Ten Cor Maia e Costa, Eng; Maj Folques, Cmd; Maj Mensurado, Pára; Cap Simões da Silva, Art; Cap Sales Golias, Eng Trms; Cap Matos Gomes, Cmd; Cap Batista da Silva, Cmd; Cap Saiegh, Cmd (Africano), Cap Ten Pessoa Brandão, Armada; Cap mil José Manuel Barroso.
Sobre este episódio escreveu Pezarat Correia:
(...) "Começo por dizer que tenho consideração pelo general Bettencourt Rodrigues, apesar do abismo ideológico que nos separa. Espero ainda escrever a explicar porquê. Evidentemente que teria gostado que ele, em 25 de Abril de 1974, tivesse aderido, mesmo que não ao MFA, pelo menos à JSN. Mas, como diz o Matos Gomes no comentário anterior, não lhe era possível, porque a rede política do Estado Novo o tinha apanhado. Mas tenho a certeza, até porque já falei sobre isto com muitos camaradas do MFA da Guiné, que a dignidade com que o Golias aqui se lhe refere, está na linha da dignidade com que o trataram na Guiné" Comentário por Pezarat Correia em 2007-10-18 10:12:04. Blogue Avenida da Liberdade
(x) Por despacho da Junta de Salvação Nacional, passou à situação de Reserva em 14 de Maio de 1974.
(xi) Outras das suas principais missões e colocações: Professor e Director dos Cursos de Estado-Maior; Chefe de Estado -Maior do Quartel-General da Região Militar de Angola; Comandante da Zona Militar Leste de Angola... Foi também Comandante do Regimento de Artilharia 1.
(xii) Exerceu, ainda, as funções de Adido Militar e Aeronáutico junto da Embaixada de Portugal em Londres e de Ministro do Exército (1968/1970). Foi nomeado para o Centro de Comando e Estado-Maior do Exército Americano, no Com-mand and General Staff College Fort Leavenworth, Kansas (1953).
(xiii) Condecorações: Medalha de Ouro de Valor Militar com palma; Medalha de Ouro de Serviços Distintos com palma e Grã-Cruz da Medalha de Mérito Militar.
(xiv) É co-autor, juntamente com os generais J. da Luz Cunha, Kaúlza de Arriaga e Silvino Silvério Marques, do livro de depoimentos África, Vitória Traída (Intervenção, 1977).
Vd. Também o sítio Guerra Colonial > Protagonistas > Bettencourt Rodrigues
(***) Vd. 25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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