quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5208: Da Suécia com saudade (14): Spínola, uma história de h pequeno dentro da História com H grande (José Belo)

1. Mensagem de José Belo (*), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, com data de 14 de Setembro de 2009:

Assunto - Análise das mentalidades dos nossos oficiais superiores. O Aspirante António de Spínola, uma pequena "história" para a História!


Para evitar as mínimas dúvidas de interpretação(!), gostaria de esclarecer alguns dos camaradas que fui Spinolista incondicional na Guiné. Tive o profundo desgosto pessoal de acabar por vir a lutar,literalmente de armas na mão, nos muros do RALIS contra o General Spínola de um projecto político com que me não identificava.

É uma pequena história que diz algo do carácter do General,que gostaria de compartilhar com os camaradas, pedindo desculpa dos detalhes "pessoalistas" da mesma, a que sou obrigado para a situar.

O meu pai era então médico particular do General reformado Pereira Coutinho,e tinha por ele grande amizade e respeito. Ao saber-me mobilizado para a Guiné, o General desejou despedir-se de mim. Em conversa em sua casa, surge o facto de Spínola ter sido Aspirante no Regimento então comandado por Pereira Coutinho. Creio que era o Regimento de Lanceiros, na Calçada da Ajuda, em Lisboa.

Chegado de novo ao Regimento, e como oficial menos antigo, foi, por escala, nomeado responsável pelo rancho da Unidade. Aparentemente, sempre aconteceu muito "à volta" dos alimentos e respectivas verbas, que os Srs. Coronéis-Comandantes, pairando ás alturas que pairavam, tinham dificuldades prácticas(!?) em resolver. Facto é que o Aspirante Spínola, passadas as quatro semanas no cargo, e depois de por todas as maneiras ter tentado lutar contra tais... moínhos de vento, apresentou, por escrito, ao seu comandante, o pedido de demissão de Oficial do Exército.

Este, como mais experiente nas tais lutas contra moínhos de vento, tentou demovê-lo de tal requerimento, logo no início da sua carreira militar. Perante o categórico "não" de Spínola, resolveu acabar por guardar o papel na gaveta da secretária,sem lhe dar seguimento.

Algumas conversas exaltadas terá havido sempre que Spínola lhe perguntava pelo despacho do requerimento, até que um dia, por rotação normal, Spínola acabaria por ser colocado noutra Unidade.

Muitas vezes a HISTÓRIA com "H" seria bem diferente, se estas histórias de "h" pequeno tivessem outros finais.

Um abraço amigo do José Belo.

Estocolmo, 3/11/09

____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 28 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5024: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (13): Portugal é um país de tolerância e humanismo

Vd. também poste de 29 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5178: Humor de caserna (16): Ui!Ui!... A minha despedida da Tabanca Grande... com saída pela porta do cavalo! (José Belo, Suécia)

(**) Esta história deve-se ter passado por volta de 1933/34... Vd. poste de

4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2239: Tugas - Quem é quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)

(...) Colocado inicialmente, em 1928, no Regimento de Cavalaria 4, irá exercer as funções de instrutor, durante seis anos, no Regimento de Cavalaria 7, a partir de 1933, já como alferes.

Em 1939, exercerá as funções de ajudante-de-campo do comandante da GNR (Guarda Nacional Republicana), general Monteiro de Barros, seu sogro, e dará início à sua colaboração na Revista de Cavalaria de que é co-fundador. (...)

6 comentários:

Luís Graça disse...

Meu caro José Belo:

Já agora, uma curiosidade, como era o nome completo do teu pai, médico ? Onde viveu, onde trabalhou ? Interesso-me pela história da profissão médica em Portugal...

Quanto ao episódio que contas: admito que a História com H grande, em Portugal e na Guíné, poderia ter sido outra, se o pedido de demissão do Alferes Spínola, no RC 7, em 1933 ou 1934, tivesse seguido os "trâmites normais" e sido aceite...

Podemos especular sobre outros cenários para a guerra colonial, a invasão de Conacri (22 de Novembro de 1970), o assassínio de Amílcar Cabral, o 24 de Setembro de 1973, o MFA, o 25 de Abril, o 28 de Setembro, o 11 de Março, o 25 de Novembro...

Acho que não devemos olhar, com sobranceiria, como fazem os Historiadores com H Grande, para a "petite histoire"... Como sociólogo, também puxo a braza à minha sardinha e cultivo a "sociologia histórica", valorizando as "histórias de vida", as "mentalidades", o "quotidiano", etc.

MANUEL MAIA disse...

CARO ZÉ BELO,

QUER DIZER QUE SE ESSE PEREIRA COUTINHO,GENERAL,DESSE SEGUIMENTO À CARTA/RENUNCIA DO HOMEM DO MONÓCULO MUNCA TERÍAMOS O 25...

COMO O MUNDO É IMPREVISÍVEL...

Anónimo disse...

Caro Manuel Maia. É,de facto interessante,como todos estes pequenos detalhes "de percurso" acabam por condicionar o grande "RIO" da História.José Belo

JC Abreu dos Santos disse...

... relativamente à presumida «análise das mentalidades», que ao incrédulo leitor aqui foi representada em «pequena história que diz algo do carácter» de quem aqui a expôs, «pedindo desculpa dos detalhes» desta inverosímil "petite histoire"...

– «O meu pai [em Abril de 1968] era então médico particular do General reformado Pereira Coutinho. [...] O facto de Spínola ter sido Aspirante, no Regimento então comandado por Pereira Coutinho. Creio que era o Regimento de Lanceiros, na Calçada da Ajuda, em Lisboa. Chegado de novo ao Regimento [...] foi [...] nomeado responsável pelo rancho da Unidade. [...] O Aspirante Spínola, passadas as quatro semanas no cargo, [...] apresentou, por escrito, ao seu comandante, o pedido de demissão de Oficial do Exército. [...] Até que um dia, por rotação normal, Spínola acabaria por ser colocado noutra Unidade.» (cit José A. Costa Belo, 14Set2009)
Com sobrenome "Pereira Coutinho", na época [Abr68] eram dois os generais reformados: um, Dom Miguel Pereira Coutinho, que em 1943-47 havia sido general comandante do RAAF; e um outro, que em 1945-48 foi general governador militar de Lisboa (substituído em 1948-52 pelo primeiro citado). Porém, nenhum deles comandou quer a EPC (ou RC4, cf algumas fontes), quer o RC2 (vg RL2), unidades pelas quais o visado ex-CCFAG passou como oficial, antes de atingir o posto de major. Quanto aos comandantes daquelas unidades: na EPC, em 1937-39 o coronel de cavalaria Francisco Jara de Carvalho; (no RC4, em 1936-38 o coronel de cavalaria Carlos Eugénio Alves Pereira, e em 1938-39 o coronel de cavalaria Júlio Augusto de Oliveira); e no RL2, em 1935-39 o coronel Artur José de Almeida, e em 1939-42 o coronel Higino Ferreira Barata.
Durante o conturbado 25Jul74, em que na EPC-Santarém era celebrado o Dia da Cavalaria, o ex-CCFAG proferiu na Parada Chaimite uma alocução, da qual se extrai o seguinte: «Falando na Casa-Mãe da Cavalaria, casa onde entrei há 36 anos e onde aprendi as primeiras noções militares, aqui fui colocado como primeiro-sargento e a minha inexperiência de então foi superada pelos velhos sargentos que me ajudaram nas artes de responder por um esquadrão. Guiado pelas suas mãos, aqui fiz a primeira guarda de polícia.» Em vista do que, em 1938 o futuro presidente da JSN era ainda 1º Sargento quando ingressou na citada "Casa-Mãe da Cavalaria". E só no ano seguinte, «agraciado com a Medalha de Mérito Militar de 3ª Classe», foi promovido a alferes de Cavalaria e colocado no RL2-Ajuda (então designado Regimento de Cavalaria nº2); mas por breve tempo, pois em 25Set39 iniciou funções de ajudante-de-campo do comandante-geral da GNR (1939-43), general João Monteiro de Barros (seu sogro).

Evidente «que não devemos olhar com» sobranceria para nenhuma pequena história, tanto mais que – ressalvados alguns equívocos e outros tantos anacronismos –, «muitas vezes a história com "H"»... é bem diferente.

Anónimo disse...

Lamento que á distancia de mais de 45 anos,nao possa precisar alguns dos promenores,mas recordo que o Sr.General Pereira Coutinho que me contou esta história,me recebeu em sua casa situada no bairro da Lapa em Lisboa.assim talvez seja mais fácil saber qual dos irmaos generais seria.Por outro lado,recordo ter sido este Sr.General Administrador(?),representante do Estado junto da Administracao(?)da Companhia Carris de Lisboa,na qual o meu pai era,na altura,médico.Quanto ao conteúdo de fundo da "petite histoire" contada pelo Sr.General,Ele,para mim,aparentava encontrar-se em posse de todas as suas faculdades mentais,pelo que nao tenho a mínima razao de duvidar do que,por ele,me foi contado,em abono do forte carácter,e honradez,do Sr.General Spínola. José Belo.

Anónimo disse...

Pelo respeito que sinto pelo autor do blogue e todos os camaradas que de algum modo nele participam,tentei nas últimas horas,atraves de telefonemas para Lisboa,obter dados mais concretos á volta de uma história,quanto a mim bem demonstrativa da honradez e forte carácter do entao jovem Oficial António de Spínola.Aguardo respostas concretas,quanto ao posto possivel,e o quartel da ocorrencia,o que creio nao ser dificil tendo como referencia o outro sr.Oficial que entao seria o seu comandante.Gostaria,no entanto,de tentar esclarecer o Sr.Abreu dos Santos que o "fundo" da história por mim recordada,independentemente de detalhes "de circunstancia" por mim ouvidos em 1968/69,é o que,julgo ser o importante,pois nao sou Historiador mas,simplesmente procuro compartilhar uma pequena história,sem sentir a mínima necessidade...mitomanica...de criar mais "inventonas" á volta da figura Histórica do General,que,infelizmente,durante a sua vida política as teve que enfrentar em número suficiente.José Belo.