domingo, 1 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5191: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (22): Teixeira Pinto, férias à vista

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 28 de Outubro de 2009:

Amigo Vinhal
Mais uma passagem de Viagem… despoletada pela publicação da mensagem de anos ao Fontinha.

Um abraço e tudo de bom
Luís Faria


Teixeira Pinto - Férias à vista

Nos primeiros dias de estadia nestas novas paragens, tentei aperceber-me das características da povoação e das suas gentes, cirandando e observando comportamentos, tendo quase sempre como companheiras a minha faca de mato e a Walter requisitada e que repousava no bolso interior do camuflado.

A meu ver, a cidade era diferente, bem melhor planificada e maior do que Bula. Estendia-se ao longo de uma avenida principal recta e de duas vias no sentido SE/NW, alargando-se essencialmente para Norte e para Leste onde abraçava os inícios das estradas para Cacheu e Pelundo, respectivamente. Para Sul e Sudeste (??), até ao rio.

Se bem recordo, a avenida que se iniciava numa espécie de rotunda e terminava nas proximidades do aquartelamento, era ladeada por vivendas térreas, com os seus alpendres espaçosos que, permitindo abrigo da canícula e dos dilúvios, eram óptimos para, esparramados numa chaise longue, se fumar uma apetecida e bela cigarrada, acompanhada de uma boa cervejola fresca a entremear um petisquito, enquanto se apreciavam os movimentos bajudeiros, quando aconteciam.

Lateral e paralelamente havia mais, salvo erro, duas outras ruas que se ligavam à referida avenida por perpendiculares. Numa destas acabamos por alugar uma vivenda, espaçosa e também com um belo alpendre, onde e como já referi, se vieram a passar muitos bons momentos de confraternização, camaradagem… e não só!

Teixeira Pinto > Avenida Principal

Foto e legenda: © Luís Faria (2009). Direitos reservados


Em termos operacionais e nesses primeiros dias, fazíamos incursões ofensivas nas matas do lado esquerdo da estrada, no sentido Teixeira Pinto/Cacheu e umas seguranças à estrada em construção.

A nossa primeira época das chuvas tinha chegado e com ela aproximava-se o 6 Junho de 1970, o meu tão ansiado dia F, início das minhas também primeiras férias.
Tudo estava a correr com normalidade e sem problemas de maior no plano operacional.
A carteira estava recheada já que a dívida do jogo em Binar - que me pagou a viagem de ida e volta à Metrópole - já me tinha sido liquidada, como combinado. Homem de palavra!
A vida era bela!! Muito em breve estaria longe, noutras paragens em ambientes bem mais apetecíveis!

Estou no quartel, decerto com o pensamento longe, noutras latitudes. No dia seguinte irei de DO para Bissau, onde apanharei o voo da TAP para Lisboa.

Mas... não há bela sem senão!

O Capitão Mamede chama-nos, ao Fontinha e a mim, e comunica-nos que temos uma missão a cumprir: rebentar com uma série de munições antigas, depositadas para o efeito numa cratera aberta dentro do perímetro, lá para as bandas da bolanha !!!!(*)

Mesmo que eu fosse um UiUi não uiuivava com certeza, já que os apêndices pendulares me caíram ao chão, sem sequer ter sido necessário haver estacas ou saltar de um banco (como fez o desbragado sexual que foi ao médico mostrar as suas vergonhas, queixando-se com dores e a quem o médico disse olhando aquela lástima apodrecida:

- Não se preocupe… resolve-se já o problema e nunca mais vai ter dores. Suba para aquele banco… salte para o chão… ´tá ver, está resolvido… caiu-lhe tudo.

Na certa devo ter manifestado ao Capitão o meu desagrado, lembrando-lhe ir no dia seguinte de férias e tal e tal… A lengalenga deve ter sido comovente, mas não colheu!
E lá fomos, o Fontinha e eu, ver o petisco que nos tinha calhado na sorte.

Chegados à cratera… os ditos apêndices que davam azo aos uiuis voltaram ao lugar e ficaram… negros!

A realidade estava encarada de frente… tínhamos à vista um monte de quilos de explosivos velhos, granadas de vários tipos com e sem espoletas, minas… enfim, um petisco bem servido, muito variado e quente, muito quente e que podia surpreender!!

Com muita serenidade, havia que meter cabeça e mãos à obra e enfrentá-la!
Como em todas as competições, havia três prémios em disputa nesta prova:

1.º - Ir de Férias ao Puto e gozá-las;
2.º - Ir de férias ao Puto… sem as gozar e criando–nos chatices e a terceiros;
3.º - Ir de férias de vez e em Paz, sem destino definido.

Claro que ambos queríamos vivamente alcançar o primeiro prémio e para isso tínhamos que, progredir com cautela e cabeça fria, de maneira a chegarmos à meta exactamente ao mesmo tempo.
Assim foi, conseguimos! Ganhámos e a prova disso é estar agora a azucrinar-vos com este escrito e o Fontinha a vencer mais um ano hoje, 28/10/09. Como o conseguimos será explicado numa outra ocasião.

Dia F, a Dornier rasga os céus, levando-me nas suas asas através de poços de ar e bela paisagem nunca antes por mim avistada.

Os pipelines no deserto do Saara (?) são visíveis numa grande extensão…continuo a olhar pela janela do Boeing
Lisboa está à vista.

Um abraço a todos
Luís Faria
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5163: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (21): A CCAÇ 2791 em Teixeira Pinto - CAOP 1

(*) Vd. poste de 30 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLX: À sexta-feira, dia 13, o melhor era ficar na cama (Carlos Vinhal)

3 comentários:

manuelmaia disse...

CARO LUIS,

ESSE CAPITÃO MAMEDE CONSEGUIU DESSA FORMA FAZER UMA PISCINA UTILIZANDO APENAS DOIS HOMENS,TU E O FONTINHA.
QUANTO AOS UI!UI! PROVAVELMENTE DEPOIS DESSE ESTRONDO SURGIRAM POR CERTO...
DEVE TER DADO UM ABANÃO AOS GUISOS, DAQUELES À MODA ANTIGA...

António Matos disse...

Caro Luís Faria, sempre que se fala das férias, naquele tempo, vem-me à memória uma sequência fotográfica que aos olhos de hoje é verdadeiramente naïf mas que, reportando-nos às circunstâncias, era duma intensidade imensa que despertava em nós as mais estranhas sensações de euforia - o avião da TAP a sobrevoar a nossa zona operacional sempre que levantava voo.
Quando desaparecia nos céus, apoderava-se a angústia da saudade e ficava a imaginar o que pensaria quem lá ia e de que modo se apercebia da realidade terrena.
Aqueles 2 infindáveis anos foram, finalmente, substituídos por outros 37 rapidíssimos que se espera continuem prazenteiros e calmos ...
Oxalá !
António Matos

Jorge Fontinha disse...

Por alguma razão, esperava que o Luis Faria chegasse a T.Pinto.Desde Évora, que o destino se encarregou de fazer que ambos estavamos, destinados a ser o alvo do Capitão Mamede, quando algo complicado tinha de ser feito.Há mais histórias, que virão a ser contadas.Até com o sr. Major Barroso, Oficial de Operações do CAOP 1!Valha-nos Deus.Eles entendiam que nós é que tinhamos andado em Lamego...,tinhamos que o provar!O luis foi de férias e quando regressar vou eu.
Lembro-me perfeitamente do episódio do petisco que nos foi servido.Porque ser a CCAÇ.2791 a ter que o fazer, tendo acabado de chegar a Teixeira Pint?Estavam á nossa espera?Valeram o nervos de aço do Faria e a minha tradicional prudência?!...
Faria, aquele abraço.

Jorge Fontinha