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quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27225: Memórias dos últimos soldados do império (4): os "últimos moicanos" - Parte I (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, mar 1973/ set 74)





Guiné > Região do Oio > Mansoa >9 de setembro de 1974   > Uma foto para a história: o ex-fur mil op ersp / ranger, Eduardo Magalhães Ribeiro,. hoje nosso coeditor, CCS/BCAÇ 4612/74 (Mansoa, abr - out 1974), a arriar a bandeira verde-rubra, na presença de representantes do PAIGC (incluindo a viúva de Amílcar Cabral) e de autoridades militares do CTIG.


Foto (e legenda): © Eduardo Magalhães Ribeiro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

1.   "O Prisioneiro da Ilha das Galinhas", da autoria do Abílio Magro,  é uma das crónicas "divertidas" da série "Um amanuense em terras de Kako Baldé" (de que se  publicaram  15 postes enter janeiro de 2013 e março de publicada em 2016, e que estamos agora a revisitar). 

O título é enganador: o "prisioneiro" personifica aqui, metaforicamente falando, o "último dos moicanos"... 

A cena passa-se em Bissau, em finais de setembro de 1974, com os últimos militares portugueses a fazerem  a "comissão liquidatária" do impériom (a destruir papéis, a arrumar caixotes, a deitar fora a tralha da guerra, a transferir serviços, a fazer as malas para regressar a casa, a beber as últimas "basucas", etc.).

 Faz sentido republicar agora,  na efenéride dos 51 anos, esta história na série "Memórias dos últimos soldados do império" (*)

A República da Guiné-Bissau já tiha sido reconhecida por Portugal, "de jure et de facto", em 10 de setembro. O brigadeiro graduado Carlos Fabião, último governador e comandante-chefe,  ainda era, até 14 de outubro desse ano, formalmente, o representante do Governo português, do território. 

Sabe-se que  No dia 14 de Outubro, pelas 3 da manhã, o comandante-chefe Carlos Fabião partiu do aeroporto de Bissalanca, juntamente com os comandantes do CTIG, da Zona Aérea, do seu Estado-Maior (onde se encontrava também o seu CEM, Henrique Gonçalves Vaz) e os oficiais da Comissão Coordenadora do MFA na Guiné. Este voo representou o penúltimo contingente das nossas tropas, e não o último. No aeroporto encontravam-se representantes do PAIGC em Bissau, nomeadamente Juvêncio Gomes, Vítor Monteiro, Constantino Teixeira, Paulo Correia e Silva Cabral (nome de guerra, "Gazela").

O então Comodoro Vicente Manuel de Moura Coutinho de Almeida D´ Eça tinha passado a ser, entretanto,  a partir de 14 de Outubro, à uma hora, o  comandante de todas as forças dos três Ramos presentes no TO da Guiné.  

Na manhã do dia 14 de outubro realizou-se a entrega do Palácio do Governo, tendo assistido a esta cerimónia o comodoro Vicente Almeida d' Éça, em representação do Governo Português (segundo Jorge Sales Golias, este foi o último acto oficial antes da retirada de todas as Forças Portuguesas) (**)

O comandante das Forças Terrestres a embarcar foi o coronel de infantaria António Marques Lopes: este sim o último contingente militar a abandonar o TO da Guiné, no T/T Uíge,  em 15 de outubro (chegado a Lisboa, a 20; nele veio também o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro) (*).


2. Recordemos a cronologia desses últimos dias do Império, no que diz respeito à Guiné... Garantida a independência pela Lei n.º 7/74, o período (de 30 de julho a 15 de outubro de 1974) foi caracterizado por "ausência significativa de pressão política ou militar", destacando-se no entanto, as seguintes acções mais relevantes (estamos a citar a CECA- Comissão para o Estudo das Campanhas de Ágfrica) (***)

(i) desmobilização, até fianl de agosto,  das forças de recrutamento local, que lutaram a nosso lado contra o PAIGC, razão pela qual o seu desarmamento e desmobilização constituíram período crítico na fase final da nossa permanência na Guiné;

(ii) a retirada das nossas forças do teatro de guerra, sua concentração em Bissau e transporte das últimas unidades para Lisboa, em 15 de Outubro;

(iii) neste período, o potencial relativo de combate das NT  relativamente às do PAIGC era-nos desfavorável, pelo que se tornou necessário gerir o evoluir da situação com o maior tacto político e militar, garantindo sempre o máximo possível de segurança para as nossas tropas.

Recorde-se as datas-chave:;

  •  26 de agosto, em Argel, assinatura do acordo entre o Governo Português e o PAIGC para a independência da Guiné-Bissau, tendo-se assentado nos seguintes pontos essenciais: (a) independência em 10 de setembro de 1974; (b) retirada das Forças Armadas Portuguesas até 31 de outubro; (c) cessar fogo "de jure" desde a mesma data;
  • de 4 a 9 de setembro, chegada a Bissau de vários membros do Governo e responsáveis do PAIGC; no dia 9, chegou também o primeiro contingente militar do novo Estado;
  • 10 de setembro, em Lisboa, cerimónia formal de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal;  na mesma data, em Bissau, iniciava-se a transferência dos principais serviços públicos para a responsabilidade da administração do novo Estado;
  • 15 de outubro, retirada dos últimos contingentes das forças militares portuguesas estacionadas em Bissau; regresso nos TAM e no T/T Uíge e navios da marinha;
  • no total, regressaram a Lisboa cerca de 23.800 combatentes do efectivo metropolitano.

  Os nossos "cronistas" desse tempo são o Eduardo Magalhães Ribeiro, o Albano Mendes de Matos e... o Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina (CSJD),  QG/CTIG, março 1973/ setembro 1974).  

O Abílio Magro também  um dos últimos "moicanos" (leia-se: soldados do império), tendo regressado  a caso em fins de setembro, nos TAM. O ten cor Albano Mendes Matos, a 14, também de de avião. O Eduardo, a 15, no T/T Uíge.

O Abílio Magro é o nosso grão-tabanqueiro nº 600, tendo ingressado formalmente no blogu em 13/1/2013. Tem 73 referências.




Os "últimos moicanos" - Parte I

por Abílio Magro


A azáfama fazia lembrar uma tarde de fim de feira numa qualquer terra do interior de Portugal, onde as embalagens vazias de cartão se amontoam ao lado de cada tenda e os feirantes se apressam a recolher os artefactos e produtos não transacionados para, na madrugada seguinte, regressarem à estrada e ocupar novamente as “montras” numa outra feira qualquer.

Estávamos em finais de setembro de 1974 e o recinto da “feira” era a pequena “parada” defronte do edifício do QG/CTIG.

Com efeito, havia muita movimentação de pessoas e bens e o asseio parecia ter sido algo descurado. Notava-se algum nervosismo e pressa em fazer malas. Lembrava o término de um qualquer período de férias de Agosto no Algarve em que havia necessidade de andar lesto, a fim de se evitar as longas filas de trânsito das estradas algarvias daqueles tempos.

As entradas e saídas do Quartel-General eram constantes e respirava-se, efetivamente, um fim de feira com desfazer de tendas. A grande maioria das Unidades Militares que tinham estado sediadas no interior do território, já tinha regressado à Metrópole e era agora chegado o momento dos últimos “moicanos”, nomeadamente os militares metropolitanos que se encontravam presos na Ilha das Galinhas.

A pequena Ilha das Galinhas, com apenas 50 km² de área,  é uma das oitenta e oito ilhas que compõem o Arquipélago de Bijagós. Durante o período colonial funcionou nesta ilha uma prisão, designada por "Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas".

Esta colónia estava destinada, essencialmente, a presos políticos, incluindo elementos do PAIGC, alguns dos quais ali estariam em trânsito para a prisão do Tarrafal (Ilha de Santiago, Cabo Verde).

Os prisioneiros andavam soltos pela ilha e a maioria trabalhava na bolanha (cultivo de arroz) e nas plantações de ananás e mancarra (amendoim) que havia pelo campo.

Nos finais de setembro de 1974, um desses prisioneiros, militar metropolitano, andava por ali no recinto da “feira” do QG/CTIG a aguardar não se sabia muito bem o quê.

Fazia-se acompanhar por um corpulento macaco-cão que segurava por uma trela de corrente de aço.
Este “prisioneiro à solta” apresentava uma tez bastante avermelhada, indiciando excesso de sol recente (ou algum excesso de aguardente) e trajava de um modo demasiadamente informal para um militar naquele local; camisa, calções e sapatos de ténis militares. Na cabeça, sempre descoberta, ostentava uma farta cabeleira arruivada e encaracolada e, nas pernas e coxas, várias tatuagens “pornográficas” a necessitarem de “bolinha vermelha”.

Era de poucas falas e parecia andar por ali apenas com o intuito de desafiar “altas patentes”, digo eu.

Com efeito, dava-me um certo gozo ver majores, tenentes-coronéis, coronéis, etc., que entravam ou  saíam do QG, depararem-se com aquela figura acompanhada do “seu animalzinho de estimação” e, pasmados, fitando o “moicano”, receberem em troca um olhar ostensivamente desafiador que os desarmava por completo e os “aconselhava” a prosseguir o seu caminho, o que faziam sem pestanejar.

Com muito custo lá conseguimos chegar à fala com o “moicano” e, segundo recordo, ele aguardava autorização para trazer o “companheiro” para a Metrópole, mas, confrontado com a nossa convicção de que isso não seria possível, logo afirmou que “então cortava o pescoço ao símio!”

Eram dias de muita rebaldaria e, lá fora, na estrada que passava em frente ao QG/CTIG, era constante o movimento de negros alombando para suas tabancas “troféus de guerra” diversos, tais como: colchões, frigoríficos, aparelhos de ar condicionado, etc.

Alguns capitães conduziam jipes bastante “mal-tratados” que avariavam constantemente e era vê-los a empurrar a “sucata” com a ajuda de um ou outro militar…

Enfim, imagens vivas do fim do Império Colonial Português!

Uns dias depois é chegada a hora do meu regresso a casa e lá estava no aeroporto de Bissalanca o “moicano”, sem macaco. Viajou connosco e disse-nos que o tinha matado (??).

Abílio Magro

(Revsião / fixação de texto, título: LG)


2. Na altura,  o editor LG tinha deixado o seguinte comentário no  poste P15618;


Há algo de pungente na tua descrição, tão singela, ingénua e ao mesmo tempo tão realista e quase cinematográfica dos últimos dias de Bissau... São pinceladas, são apontamentos, são "flashes", são pequenos detalhes de uma atmosfera, única, a da véspera de se partir, definitivamente, para casa e deixar atrás a tralha da História, e as ruínas de uma guerra, que vai, contudo, continuar a arder em lume brando...

Acho que, quem como tu, foi um dos últimos guerreiros do império, mesmo tendo sido um honestíssimo e patriótico amanuense, não mais poderia esquecer esses últimos dias, essas últimas horas...

O teu "prisioneiro da ilha das Galinhas" é um "boneco" bem apanhado!... Estou a imaginar a cara de desagrado, confusão e impotência dos nossos "maiores" (tenentes coroneis e majores) ao tropeçar, à portas do QG, com o teu "moicanho"... Mas todos foram, "chefes e índios", tristes figurantes do filme em que os "tugas" sairam de cena... daquela parte de África aonde justamente tinham sido os primeiros, dos europeus, a chegar, em meados do séc. XV!...

Obrigado, mano Magro, por mais este delicioso naco de prosa!..

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016 às 22:04:00 WET 
____________


(...) Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 420/423-

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27224: Memórias da tropa e da guerra (Joaquim Caldeira, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, Tite e Fulacunda, 1968/69) (11): O Soldado Castro

1. Mensagem do nosso camarada do Joaquim Caldeira, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (,Tite e Fulacunda, 1968/69), com data de 5 de Setembro de 2025:

Desta vez, relato uma das implicações para que, durante 22 meses, não pude gozar férias por ter sido punido com detenção cumprida no mato.

Um abraço.
J.Caldeira


O SOLDADO CASTRO

Nunca percebi porque, sendo eu apenas um simples furriel, menos que sargento, tivesse que assumir funções que pertenceriam a oficiais ou, na sua ausência, a sargentos.

 Em mais um regresso de Nova Sintra, comandando uma força de cerca de 30 homens, na qual se incluía o soldado Castro que até era da secção do sargento Faria, também integrante da força, sofremos uma emboscada. Mas antes o Faria tinha oferecido o cantil de aguardente ao Castro e, este, não se fazendo rogado, bebeu talvez em quantidade razoável. Ficou grogue e, durante o tiroteio, resguardou-se debaixo de umas raízes de embondeiro e por lá adormeceu. Tropa fandanga.

No final da emboscada, reunido o pessoal, certifiquei-me de que não tinha havido danos pessoais e, após comunicar com a sede do batalhão, certifiquei-me de estávamos todos e mandei prosseguir. 

Passadas duas horas fui informado de que faltava o Castro. Pensei logo o pior. Que talvez estivesse morto ou ferido e que, por eu nem sequer o conhecer - estávamos há muito pouco tempo na Guiné e ele nem pertencia à minha unidade - não tinha dado pela sua falta. O Faria também não. Nova comunicação para o batalhão a informar da falta de um elemento.

 Recebo ordens para prosseguir e informaram que pessoal da companhia de Nova Sintra, por estar mais perto do local da emboscada, iria procurá-lo. Mas não o encontrou. 

Quando acordou, ainda sob o efeito da cachaça, dando pela nossa falta, caminhou errante para Nova Sintra. Chegou lá no dia seguinte. Foi um heli buscá-lo para Tite. E eu tive um processo disciplinar que resultou em castigo de dois dias de detenção que vim a cumprir fora do quartel, a caminho de Bissássema.

Como não podia deixar de ser, estes processos são demorados e só vim a saber da minha punição uns meses depois. Precisamente no dia 2 de Maio, data do meu aniversário. 

Até foi giro. O capitão presenteou-me com uma lembrança, um álbum para fotografias e a nota de culpa.

Quanto ao Castro, por remorso tentou dar um tiro na boca e eu fui chamado para o impedir. Não me foi difícil convencer do seu erro, mas sei que ficou marcado para sempre.

 Uns anos mais tarde, fui chamado para ser sua testemunha num processo em que pedia uma pensão de reforma, que lhe foi concedida por incapacidade motivada por stress de guerra. Perdi-lhe o rasto, mas gostava de reencontrá-lo.
_____________

Nota do editor

Último post da série de 8 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27195: Memórias da tropa e da guerra (Joaquim Caldeira, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, Tite e Fulacunda, 1968/69) (10): Ataque à Tabanca de Feninquê

Guiné 61/74 - P27223: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Adenda II: serviço de "guarda de honra" ao tribunal militar



Guiné > Bissau > Antiga Av da República > Edifício da administração civil onde funcionavam os tribunais (civil e militar) > c. 1917/73 >  Hoje é sede do Supremo Tribunal de Justiça da República da Guiné-Bissau >  Foto do álbum do José Romãoex-fur mil at inf, CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73.


Foto (e legenda): © José Romão (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 




Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense, Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura bastante conhecida no seu país, Cabo Verde: radialista, jornalista, escritor, etnomusicólogo... Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)", de que se publoicaram 9 poestes mais uma adenda (*)

 
1. Manda-nos agora um comentário ao poste P27222  (**):

Data - 16 set 2025 14:22

Assinto - Comentário ao poste do Abilio Magro

Olá, caro, amigo:

Começo a me recompor do choque (***), vou tentando voltar à normalidade. Obrigadíssimo pelo teu apoio, naquele momento difícil no passado mês de Agosto. Na Guiné, dizem: mês de Agosto, mês de desgosto! Isso numa alusão ao Massacre de Pidjiguiti em 1959! Pois é, desde que vivi entre 1973 e 1975 que fiquei com esse horror ao mês de Agosto… talvez agora, um trauma.

Olha, vi o post do amigo e companheiro Abílio Magro (**), não resisto e fazer um comentário, que segue abaixo:

Em Bissau, após a minha chegada, ao QG/CTIG, talvez meio e mês depois, fui escalado para esse serviço,  “Guarda de Honra”, num julgamento no Tribunal Militar em Bissau que decorreu, no Palácio da Justiça ou o edifício que funcionava como tal, ali perto da Igreja (julgo um pouco abaixo) do lado direito da Avenida principal, que ia desembocar na Praça do Império, hoje, Praça dos Heróis Nacionais em Bissau. 

Recordo, era um julgamento de guineenses que tinham sido presos por ligações à guerrilha, logo eram vulgarmente chamados «turras». 


O «protocolo» era o mesmo descrito pelo Abílio Magro, só que a mim deram-me na arrecadação uma pistola Walther, os soldados eram todos guineenses, acho, do recrutamento local, levaram G-3. 

O serviço de Guarda de Honra durou apenas um dia, o julgamento é claro continuou, pois havia outros na escala para esse serviço. Quando começou, ouvimos o início, acusações em “apresentar arma”, mas depois, só lá ficaram dois soldados de sentinela dentro do tribunal; o resto, ficava cá fora e de hora em hora iam render os que estavam na sala. 

Por isso, recordações sobre acusações não ficaram, pior ainda, nunca mais me interessei, depois daquele dia de calor intenso, durante o serviço no Tribunal em Bissau.

Já agora, me lembro, que havia uma série de serviços e escalas, que se faziam pelo uma vez, para além escalas que cumpríamos uma vez por mês: 

  • Guarda (na entrada principal do QG em Santa Luzia); 
  • Piquete (ronda nocturna no bairro de Cupelon oi Pilão);
  • Guarda da PIDE (parte traseira). 

Para além destes, pelo menos a mim, coube apenas uma vez, ser nomeado «escrivão» num processo em que estava envolvido um guineense, que foi capturado no mato, logo acusado de ajudar o IN. Estava preso, ali pelos lados de Brá, numa prisão de um quartel que já não me lembro o nome. 

Quando chegamos lá, numa tarde, eu, escrivão, e o alferes inquiridor, encontrãmos os presos a jogar futebol! O encarregado da prisão, que era cabo-verdiano, ficou surpreso com a nossa chegada. Apitou logo, o jogo parou e começou logo a contagem de quantos eram os presos! 

E explicou-nos: "Temos de estar sempre atentos, pois se um deles fugir, sou o responsável!"

 Voltaram todos para as celas, ficou apenas o preso, que fomos interrogar. Não durou muito tempo, pois o alferes fez a leitura das declarações que estavam no auto e o preso confirmou tudo. Logo, foi rápido, assinámos e fomos embora.

Já agora, recordo, o primeiro serviço de «guarda de honra» que fiz, foi no dia 1 de Dezembro de 1972, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, Missa, no Dia da Restauração. 

Fiquei espantado, com a presença de um grande número de altas patentes, de tenente-coronel para cima!!! Felizmente tudo correu bem; para mim foi a primeira vez que entrava naquele monumento, vi o túmulo de Luís de Camões.

Forte Abraço, vida e saúde

Carlos Filipe Gonçalves

Jornalista Aposentado

(Revião / fixação de texto: LG)

____________________

Notas do editor LG:


(*) Vd. postes de:

16 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26924: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Adenda I: Kalú de Nhô Roque e a sua "circunstância"

13 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26917: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - X (e última) Parte : a guerra de nervos nos últimos seis meses


(**) Vd poste de 15 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27222: Humor de caserna (212): Dura lex sed lex!...Guarda de Honra ao tribunal millitar (Abílio Magro, ex.fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, 1973/74)


(***) Vd- poste de 9 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27104: In Memoriam (558): Dúnia Ivone Ramos Gonçalves (1976-2025), filha do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, CefInt / QG / CTIG, Bissau, 1973/74): o funeral é amanhã, às16h00, no Cemitério da Várzea, Praia, Cabo Verde

Guiné 61/74 - P27222: Felizmente ainda há verão em 2025 (34): Mata-mouros e outros apelidos e alcunhas, raros, exóticos, pícaros, brejeiros, etc. - Parte I




"Santiago, foi um dos quatro primeiros apóstolos que seguiram Jesus e seu primeiro mártir, foi mandado degolar pelo rei Herodes. Os seus restos mortais foram levados para a região galega de Compostela, tendo aí nascido o maior centro de peregrinação da Europa cristã, Santiago de Compostela. A imagem existente na igreja Matriz de Castelo Rodrigo representa um guerreiro a cavalo lutando com um mouro já dominado e debaixo das patas do cavalo, normalmente designado de Santiago “Matamouros”.

Fonte: Adapt de: Aldeias Históricas de Portugal > Santiago, Mata Mouros, Castelo Rodrigo | Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. O termo ficou no léxico da língua portuguesa: "mata-mouros" (nome masculino, de dois números) é o "indivíduo que exagera os seus feitos e valentias", sinónimo de fanfarrão, ferrabrás, valentão...

E ficou também na toponímia e na antroponímia: referências históricas apontam para a existência de indivíduos com este apelido, como "Fernão Domingues Mata Mouros" e "Alberto Mata Mouros de Resende da Costa", sugerindo que, embora raro, o apelido tem raízes antigas nosso território. 

Há também relatos anedóticos da presença de famílias com este apelido na região do Algarve, uma zona de forte influência muçulmana e palco de inúmeros confrontos durante a "Reconquista".

A toponímia portuguesa também conserva a memória destes tempos, com exemplos como a "Quinta de Mata Mouros" em Silves, no Algarve, um local histórico que hoje alberga uma adega. Em Espanha, na Extremadura, Badajoz, há o município Valle de Matamoros.; e haverá maisde 3,3 mil indivíduos, com este apelido, de acordo com a Geneanet ,

Rara ou incomum, a expressão  chegou todavia aos nossos dias como apelido de família (ou sobrenome), erm Portugal. A origem deve ter sido por alcunha, e não por via patronímica (nome do pai), toponímica (nome do lugar de nascimento) ou outra.

 Encontrámos, na Net, pelo menos duas figuras públicas portuguesas com este apelido:
  • um senhor, Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas no XV Governo Constitucional (entre 2002 e 2005);
  • uma senhora, antiga  juiza conselheira  do Tribunal Constitucional, há uns atrás.
 
Fomos também encontrar na Guiné um Luís Mata-Mouros Resende Costa, colono, branco, 36 anos de idade, natural de Bissau, ligado ao comerciante Benjamin Correia em meados dos anos 50. 

O apelido "Mata-mouros", carregado de conotações históricas da "Reconquista Ibérica", revela-se de rara presença em Portugal e é praticamente inexistente nos restantes países lusófonos.  

(i) Origem e significado histórico

O termo "Mata-mouros" é uma alusão direta às batalhas travadas durante a chamada Reconquista Cristã da Península Ibérica, que se estendeu por séculos (séc. VIII- séc. XV), acabando com a conquista do reino de Granada, o último reino mouro, em 1492 (o ano da descoberta do "Novo Mundo").

A expressão  significa literalmente"aquele que mata mouros". Era frequentemente usada como epíteto,  alcunha ou cognome, atribuído a guerreiros que se destacavam pela sua bravura nos confrontos com os muçulmanos do Al-Andalus.

Esta designação está intrinsecamente ligada à figura de Santiago Maior, o apóstolo padroeiro de Espanha e de Portugal, frequentemente representado na sua faceta de "Santiago Matamoros" (ou "Mata-mouros"). 

A iconografia do santo a cavalo, brandindo uma espada sobre mouros caídos (vd. imagem acima), tornou-se um símbolo poderoso da cruzada cristã e inspirou a toponímia e, nalguns casos, a antroponímia.

Em Portugal, a palavra "mata-mouros" adquiriu também um significado figurado: por exemplo, o Dicionário Priberam  define-o como  o indivíduo fanfarrão, ferrabrás ou valentão, uma derivação curiosa que reflete a transformação de um epíteto de guerra numa expressão popular.

(ii) Presença em Portugal: um apelido raro mas notável

Apesar da sua forte carga histórica, o apelido "Mata-mouros" é pouco comum em Portugal. A sua raridade é atestada pela dificuldade em encontrar famílias com este nome em listas telefónicas e a ausência de referências em  bases de dados genealógicas.

A pesquisa da IA em bases de dados e registos "online" do Brasil, Angola, Moçambique e outros países de língua portuguesa também não revelou  a presença do apelido "Mata-mouros".  

A ausência do apelido "Mata-mouros" nos PALOP e no Brasil pode ser explicada pela sua origem muito específica e ligada a um contexto histórico-geográfico que não se transportou da mesma forma durante o período da colonização. As peregrinações a Santiago entraram em decadência acelerada já em meados do séc. XIV (com a "peste negra", a crise demográfica, as guerras, etc.). A formação da sociedade brasileira,  colonial e escravocrata, em contrapartida, vai dar-se num contexto diferente, com outras influências e dinâmicas na atribuição de apelidos.

Em suma, o apelido "Mata-mouros" é uma herança direta da chamada Reconquista em Portugal, um testemunho onomástico de um passado de conflitos e da construção de uma identidade nacional. A sua raridade contrasta com a força da sua simbologia. 


2. Felizmente ainda é verão, apesar da "rentrée" para muitos (a escola, o trabalho, as vindimas, as consultas médicas, etc.). Nós, entretanto, vamos continuando por Candoz por mais uma semana. (*)... 

E vamos blogando...Existem ainda outros apelidos portugueses igualmente raros, exóticos ou de origem curiosa que refletem episódios históricos, lendas, factos anedóticos,  toponímias ou devoções religiosas pouco comuns.


(i) Devoção religiosa e santoral:

 apelidos como "dos Anjos", "das Dores", "do Rosário", "de São João", "dos "Santos",  "de Todos os Santos", “da Anunciação” ou até... "Cara d'Anjo"!... eram usados como complemento de nome, especialmente por mulheres, religiosos ou conversos para evidenciar devoção, refúgio ou proteção sobrenatural; as nossas "Marias" têm quase todas um santo ou uma santa por detrás do nome: a minha mãe era "Maria da Graça",  uma das minhas irmãs "Maria do Rosário", há muitas "Marias de Fátima", etc. 

(ii) Toponímicos exóticos

alguns apelidos derivam de lugares muito pequenos, aldeias desaparecidas ou microtopónimos pouco conhecidos (exemplos:  “Xabregas”, “Alcaçovas”, “Mosteiro”, "Matacões',  ou “Miragaia”, usados para indicar origem rural ou urbana invulgar).

(iii) Apelidos-epíteto ou de alcunha

da Idade Média, herdaram-se apelidos derivados de alcunhas descritivas, físicas ou até jocosas, como “Espadana”, “Buzina”, “Melro”, “Passarinho”, “Queimado”, “Valente”, “Foge”, “Parvo”, “Quebra-Costas”, “Caçador”; ou outros e outras, talvez de origem mais recente,"Mata-frades", "Piça", Minorca", "Caga-tacos", "Meia-Leca", "Mata-pintos", "Fala-baixo", etc.

(iv) Apelidos de conotação guerreira ou étnica

além de "Mata-mouros", encontram-se registos raros como “Mata-cães” (às vezes associado a confrontos com populações mouriscas), “Mouro”, “Mourão”, “Mourisco”, "Judeu", "Mulato", "Cigana", "Preto",  “Cristão Novo” (para os convertidos), e ocasionalmente “Castelhano”, "Galego, "Alemão", "Francês "ou  “Inglês” para estrangeiros integrados.

(v) Hagiotoponímicos raros:

 existem apelidos tirados de santos ou mártires pouco comuns localmente, como “Santa Bárbara”, “Santo Amaro”, “Santo Tirso”, "Espírito Santo", ou ainda, por justaposição, “Santidade”.

Muitos destes apelidos começaram como alcunhas, marcas de devoção, ou indicações de origem, e só mais tarde se fixaram como sobrenomes de família. Os contextos de nomeação variavam amplamente, desde motivos de sobrevivência (mouros,  judeus, escravos africanos que foram obrigados a converter-se e adotar nomes cristãos), percursos de peregrinação (“Santiago”, “Compostela”, “Peregrino"), até sátira, história pessoal ou identificação local, a alcunha ("apelido", em português do Brasil) funcionando como uma verdadeira "etiqueta" que não precisa(va) de ser colada á testa.

Em resumo, "Mata-mouros" junta-se assim a lista de apelidos históricos insólitos em Portugal, muitos deles provenientes de episódios da "Reconquista", da escravatura, da perseguição aos mouros e aos judeus,  da cristianização forçada (1497), inquisição ou de eventos locais marcantes. 

3. Durante a guerra colonial na Guiné, era frequente usarmos alcunhas para melhor identificar,  "marcar" ou "etiquetar" os nossos camaradas: muita gente tinha alcunhas: 

  • desde os superiores hierárquicos (Caco Baldé,"Aponta, Bruno!,  Pimbas, Alma Negra, Gasparinho, Bagabaga, Major Elétrico, Coronel 11, Trotil...); 
  •  até aos milicianos e praças ("Tigre de Missirá", "Pato da Bolanha", "Mec-Mec", "Chico", Chicalhão", "Pastilhas", "Caga-tacos", "Meia-leca","Meia-foda",  "Mouraria", "Bolha d'Água", "Parte-punho", "Cara de Cu", "Quatrocentos", "Aguardente", "Tempo Embrulhado", etc., até ao "Se-te-vens" (corruptela do nome de uma marca de cigarros, por que era conhecida a esposa de um  camarada nosso), etc. ) (**); 
Temos vinte tal postes com referências a "alcunhas".

4. Também existem, no português europeu, apelidos e alcunhas de natureza pícara, brejeira, maliciosa, erótica ou até pornográfica, em Portugal, e  especialmente no Alentejo, onde o calão e o humor popular têm longa tradição. 

Estes apelidos são herança oral e, muitas vezes, só circulam localmente, sendo raros em documentação oficial, mas ainda estão vivos na memória coletiva (veja-se o  incontornável "Tratado das Alcunhas Alentejanas", 4ª ed., Colibri, 2002, da autoria de Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva).

Francisco Martins Ramos (1943-2017) era antropólogo, natural da Amareleja. O Carlos Alberto da Silva é sociólogo da saúde e também antigo professor da Universidade de Évora.

Exemplos de Apelidos e Alcunhas Pícaras do Alentejo

  • Bicha/Galhofo/Maricas: termos que circulam como apelidos depreciativos devido à sexualidade ou maneiras.
  • Calhandro(a):  não tem conotação sexual, mas designa alguém "atiradiço", insinuação de promiscuidade ou pouca vergonha;
  • Galdéria: mulher de reputação duvidosa ou de vida sexual livre, às vezes usada como epíteto familiar;
  • Escalda: “Rapariga muito quente nos bailes”, apelido para mulher considerada fogosa ou promíscua;
  • Javardice/Javardo(a): usado para pessoas consideradas desleixadas ou de hábitos sexuais libertinos, pode ser alcunha direta;
  • .Joana dos Moços: mulher que teve vários filhos de diferentes pais — insinuação maliciosa sobre a sua vida íntima;
  • Lambança: conversa atrevida, mexericos de natureza sexual, também pode ser usada como apelido para quem gosta de "porcaria";
  • Langonha: sgnifica esperma (sémen), também usada em sentido jocoso;
  • Meia-Foda: muito comum, usada para designar pessoa de baiza estatura, mas também associada à situações ambíguas ou mal resolvidas em matéria sexual (igual a "meia-leca", na tropa);
  • Minete: calão direto para sexo oral (=cunilíngua),  ocasionalmente designando alguém atrevido;
  • Ó Punheta: usado como exclamação, mas também como alcunha para alguém dado à masturbação ou simplesmente irreverente (equilavente a "parte-punho", na Guiné, no calão da tropa);
  • Pai do Cu: alcunha dada a homens considerados sexualmente libertinos, mulherengos ou, segundo usos, alvo de pilhéria por algo relacionado com sexo anal ou escatologia; tornou-se célebre nas aldeias porque existiam mulheres que, sendo vítimas de violência doméstica, gritavam: “Valha-me o Pai do Cu!”.
  • Pandarilho/Pandelero/Panasca: são variantes antigas e regionais para homem afeminado ou homossexual, por vezes maliciosamente aplicadas ou sentido pejorativo;
  • Passarola: termo popular para órgãos genitais femininos (=vagina; "pito", no Norte), usado como alcunha, servindo de mote trocista ou para atribuir a alguém fama de devasso;
  • Pentelho/Pintelho: pèlo púbico,pormenor insignificante, pessoa irritante, aborrecida,importuna;
  • Pixa, Gaita, Pau, Piça, Picha d'aço: diversos calões penianos conferidos como alcunha a, por exemplo, jovens atrevidos, mulherengos ou simplesmente alvo de chacota;
  • Prenha: mulher grávida fora do casamento;
  • Tronga: mulher da vida/prostituta;
  • Zorra: prostituta ou mulher de reputação duvidosa; "filho de zorra": bastardo, filho natural, filho de padre (em Trás-os-Monres).

 

Complementarmente, consulte-se também o "Dicionário do Calão e Expressões Idiomáticas", de José João Almeida (Editora Guerra & Paz, 2019; vd também aqui, em Projeto Natura | Universidade do Minho).

Muitos destes termos da linguagem informal, da gíria ou do calão foram (e são usados ainda) como alcunhas entre amigos, conhecidos ou inimigos para marcar uma diferença, ironizar, satirizar hábitos de alguém ou, simplesmente, como herança do falar local, muitas vezes não se sabendo sequer qual a sua origem.

Existem casos de famílias que ficaram conhecidas na aldeia durante gerações por uma alcunha deste tipo, independentemente do apelido registado no cartório paroquial ou na conservatória do registo civil.

Em contextos mais fechados e tradicionais, alguns destes apelidos podem ser mais ou menos ofensivos, dependendo do contexto,  do tom ou da confiança entre os interlocutores. Nalguns casos, são "formas carinhosas de tratamento"; "ó meu Cara de Cu â Paisana!!... 

A presença, existência ou sobrevivência destes nomes evidenciam o lado irreverente, humorístico e, por vezes até, transgressor da cultura rural  alentejana, onde o dito popular, a sátira e a oralidade são ferramentas de convivência social e de criação identitária. (***)

Muitas destas alcunhas alentejanas com conotação sexual, pícara, erótica ou maliciosa fixaram-se oralmente e, por vezes, até integravam o quotidiano rural. 

De um modo geral, refletem o humor, o descaramento, a verve ou o olhar picante da cultura popular da região e estão extensamente documentadas por  sociólogos, etnógrafos e outros estudiosos dos usos e costumes, etc.
 
 Deve ainda acrescentar-se que muitas destas alcunhas surgem do contacto diário, de episódios de alcova ou de determinadas  condições sociais (do trabalho à infidelidade conjugal,  do lazer e das festas  à sexualidade).

A atribuição era (e é) frequentemente pública e marcava para sempre um indivíduo ou família na pequena comunidade rural, fechada como, por exemplo, Aldeia Nova de São Bento (***).

Há grande criatividade, ironia e até  intencionalidade social: reforçar a moralidade coletiva pela sátira, pela provocação ou pelo controle do comportamento sexual.

Estas alcunhas testemunham a riqueza, a ousadia, a espontaneidade e a criatividade o falar popular alentejano, fazendo parte de uma tradição de oralidade onde o erótico e o pornográfico convivem com o burlesco, o pícaro, o brejeiro e o satírico.

(Continua)

(Pesquisa: LG  + Assistente de IA /Gemini, ChatGPT)

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 13 de setembro de 2025  > Guiné 61/74 - P27216: Felizmente ainda há verão em 2025 (33): A natureza tem horror ao vazio... Reflexões, mais ou menos melancólicas, no dia seguinte à primeira vindima de Candoz

(**) Vd. poste de:

5 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20706: Memórias ao acaso (Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845) (4): Alcunhas

28 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16141: In Memoriam (258): Soldado Ilídio Fidalgo Rodrigues, o "Esgota Pipas" da CCAÇ 2382, morto por um estilhaço de um projéctil IN (Manuel Traquina, ex-Fur Mil)

6 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10342: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (25): "O Aguardente"

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27221: Notas de leitura (1838): "Uma Outra Perspectiva", por Rui Sérgio; 5livros.pt, 2023 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Quando leio as narrativas do escritor Rui Sérgio, que foi alferes-médico num batalhão sediado em Galomaro, interrogo-me sobre o que aconteceu no Leste da Guiné desde agosto de 1970, altura em que regressei a casa, e os acontecimentos que ele descreve vividos predominantemente em 1973 e 1974. A partir de novembro de 1969, passei à intervenção em Bambadinca exclusivamente com um pelotão de caçadores nativos. Íamos corriqueiramente cumprir missões através de cimento, transporte de doentes a locais como Galomaro (então sede de companhia), Madina Bonco, Afiá, Madina Xaquili e outros pontos que Rui Sérgio aqui refere como autênticas operações, isto enquanto nós percorríamos estas regiões com num Unimog 411, ao nível de secção, impensável recorrer à picagem da estrada. Cumpríamos a coordenação das colunas que se organizavam a partir de Bambadinca até ao Saltinho, exatamente nos mesmos termos que Rui Sérgio descreve, só com a distinção que não parávamos em Mansambo, embora a tropa local picasse a estrada e ficasse em vigilância até à nossa passagem no regresso a Bambadinca. Muito provavelmente, o desaparecimento dos destacamentos de Béli e Madina de Boé deixaram o Boé mais permeável às investidas das forças do PAIGC. O régulo do Cossé, Mamadu Sanhá, tenente de 2.ª linha, dizia a quem o queria ouvir que ninguém do PAIGC se atrevia a molestar a vida dos habitantes do Cossé, isto até agosto de 1970. Vemos agora o batalhão em Galomaro, escusam de me dizer que a guerra não se tinha acentuadamente agravado no Leste.

Um abraço do
Mário



Há lembranças que aquele alferes médico não quer deixar apagar

Mário Beja Santos

É o mais recente livro de Rui Sérgio, intitula-se Uma Outra Perspetiva, 5Livros, 2023. São lembranças avulsas, por vezes releva o olho clínico, há queixumes e não menos azedumes, mas aquela natureza, as solidariedades, a sua atividade como alferes-médico colaram-se-lhe à pele, escreve como ninguém sobre a Guiné, mesmo quando aqui e ali se repete ou regressa à mesma história com outro pormenor. E momentos há em que narrador e leitor coincidem no olhar.

Logo as pragas, lembra uma praga de sapinhos, as viaturas a esborrachá-los, os gafanhotos, predadores terríveis, nuvens que quase encobrem o Sol; e os morcegos, a sair dos telhados do quartel, aos milhares, à noite era vê-los a comer os insetos, ótimo, eram menos picadas sobre nós. E recorda o Santos, maqueiro, que o chamou para ver o centro de saúde militar em Galomaro, centenas senão milhares de morcegos dependurados de cabeça para baixo nas traves do telhado, à procura de alimento, talvez insetos ou gafanhotos ou aranhas voadoras.

Não esquece as expedições ao Saltinho, de Galomaro a Bafatá, daqui a Bambadinca, aqui organizava-se uma grande coluna, pelo trajeto, que incluía Mansambo, a Ponte dos Fulas, Xitole e depois Saltinho, com inversão de marcha para evitar emboscadas e minas, ao longo do trajeto gente dos diferentes aquartelamentos ficavam e guardavam a passagem da coluna.

E vem o testemunho do profissional, a assistência médica no mato, ele fala na evacuação Yank (nós conhecíamo-la por Y), o alferes-médico e o cabo-enfermeiro seguiam no helicóptero como soros e mala de medicamentos. Rende uma homenagem aos anjos do céu, as enfermeiras paraquedistas. Volta a recordar Bacar, dava-lhe apoio no centro de saúde civil, ficara sinistrado numa mina antipessoal, era um intérprete de um médico, transmitia a sintomatologia do doente, filtrava a lista de doentes de acordo com as etnias. De igual modo, volta a lembrar o comandante Braima, um Futa-Fula alto e esguio, muito respeitado pelos seus pares (pisteiros e milícias).

O alferes-médico tinha em Galomaro a seu cargo a missão do sono e no pequeno hospital tratava tuberculosos e leprosos. Enuncia o tratamento dos leprosos, as dosagens, as manifestações, o que tomavam os tuberculosos, quais os seus sintomas e fala da vacinação das crianças.

Há também a lembrança do Sr. Regalla, proprietário do restaurante Pescaria em Galomaro. Um dia o alferes-médico perguntou-lhe se era do PAIGC, o Sr. Regalla contestou, era cabo-verdiano, o alferes-médico ripostou: “Sr. Regalla, disseram-me que tem um filho que se chama Agnello que se encontra na Suécia, em Upsalla, na produção de livros escolares do PAIGC.” O Sr. Regalla disse que era tudo mentira, o alferes-médico confirmou posteriormente ser tudo verdade.

As recordações não param, a onda do macaréu a subir o rio Geba, os ataques de abelhas, o fanado, os acontecimentos de Guidaje e Guileje, as suas recordações chegam à Marinha e aos Fuzileiros, manifesta-lhes gratidão, alude à importância dos botes pneumáticos utilizados pelos Fuzileiros, os zebros, retorna aos agradecimentos à Marinha, pelo seu papel fundamental na logística no transporte através dos rios em lanchas de diverso porte, recorda um acontecimento que envolveu um parente seu:
“O patrulhamento do Cacheu através das lanchas de fiscalização grandes como a Hidra, comandada em 1973 por um meu primo direito, o 1.º Tenente Jaime Luís Vieira Coelho eram fiscalizações com certo risco, como aconteceu em 20 de maio de 1973, em que houve um ataque à lancha com rebentamentos e incêndio no convés do navio, imediatamente apagado. Ataque na curva de Jugali. Houve feridos provocados pelos rebentamentos com RPG 2 e 7 e que atingiram os cunhetes de munições da peça de artilharia Bofors do Levante.”
As suas recordações retornam às colunas de abastecimento ao Saltinho, local que ele considera paradisíaco, a água revolta dos rápidos centros rochedos, o marulhar das águas e o seu espelhado refletindo o Sol, sentiam-se acobertados de paz e sensação do repouso do guerreiro.

Uma boa parte da sua narrativa prende-se com a crítica que faz à descolonização, aos fuzilamentos da tropa africana, mostra-se favorável à criação de um exército europeu e à exploração que os chineses fazem das riquezas florestais, mais propriamente as madeiras exóticas da Guiné-Bissau.

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Nota do editor

Último post da série de 12 de Setambro de 2025 > Guiné 61/74 - P27212: Notas de leitura (1837): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 11 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27220: In Memoriam (559): Isabel Bandeira de Melo (Rilvas) (1935-2025): uma mulher pioneira em vários domínios, interditos às mulheres, a começar pelo paraquedismo... Foi a "madrinha" das enfermeiras paraquedistas (1961).






Isabel Rilva (1936-2025): uma mulher portuguesa antes do seu tempo: não foi militar, não foi paraquedista, não foi à guerra, mas ajudou outras mulheres (as enfermeiras paraquedistas) a abrir, pela primeira vez, as portas da caserna...e entrar no teatro de operações.

Fonte: Fotogaleria da realizadora de cinema, Marta Pessoa, autora do documentário "Quem Vai à Guerra" (Portugal, 2011), página do Facebook


1. A triste notícia chegou-nos por mensagem do Miguel Pessoa e confirmada às  9h45 na página do Facebook de Miguel Machado, antigo oficial paraquedista e estudioso da história do paraquedismo em Portugal:

Isabel Bandeira de Melo (Rilvas), filha dos condes de Rilvas. carinhosamente apelidada pelos paraquedistas e pelas enfermeiras paraquedistas por Isabelinha, faleceu ontem,  14 de setembro de 2025, aos noventa anos de idade. Nascera em 8 de janeiro de 1935.

Tinha festejado, a 4 de janeiro último,   o seu 90º aniversário  com salto em queda livre, um salto tandem, a uma altura de cerca de 3 mil metros, a partir do aeródromo de Tancos, numa aeronave do Para Clube os Boinas Verdes, segundo notícia de Mário Rui Fonseca, publicada no jornal Médio Tejo, em 7 de janeiro de 2025.
 
Temos quatro referências à Isabel Rilvas. A Maria Aminda já aqui, em poste de 2011,  veio justamente lembrar o papel pioneiro que a Isabel Rilvas teve na criação do corpo de enfermeiras paraquedistas em 1961,  dizendo no seu discurso,  por ocasião do 50º aniversário do 1º curso de enfermeiras parquedistas,  o seguinte (**):

(...) Convêm também relembrar, neste processo, a importância da Sr.ª. Dª Isabel Bandeira de Mello, conhecida entre nós por Isabelinha Rilvas, à época a primeira Paraquedista da Península Ibérica, em ceder ao Tenente-Coronel Kaúlza de Arriaga, a documentação relativa aos treinos que executavam as “Enfermeiras do Ar”, pertencentes à Cruz Vermelha Francesa.

A Isabelinha, como colega e amiga da maioria das candidatas que integraram esse primeiro curso, teve também a sua quota-parte de influência, na decisão em aceitarem esse desafio.

Pela primeira vez iam ser treinadas em Portugal, mulheres para Paraquedistas. A sua preparação teve início a 6 de junho de 1961 e terminou a 8 de agosto, com a conquista da tão almejada boina verde e brevê, que lhes conferiram o título pelo qual passaram a ser designadas, “ As Enfermeiras Paraquedistas”.

Para se chegar a esse dia, foi preciso percorrer um duro e difícil caminho; vencer barreiras a que não estávamos habituadas, ultrapassar receios e preconceitos, superar debilidades físicas, momentos de fadiga, desânimo e medo do fracasso. Porém entrámos determinadas e convictas de que poderíamos chegar ao fim. Aceitámos voluntariamente esse grande desafio, de trocar a nossa vida rotineira, tranquila e profissionalmente estável, por outra que imaginávamos ser mais agitada, mas da qual não sabíamos como iria decorrer. Éramos jovens, e como tal generosas e aventureiras. (...)


2. A Tabanca Grande partilha, com a família e os/as amigos/as da Isabel Rilvas, a dor pela sua perda. Registe-se, entretanto, a mensagem, acabada de enviar pelo Miguel Pessoa: 

Transcrevo a mensagem que recebi da AFAP (Associação da Força Aérea Portuguesa):

"É com muita tristeza que a AFAP faz saber do falecimento da D. Isabel Rilvas, uma das pioneiras na aviação e no paraquedismo, e nossa sócia extraordinária. A nossa “Isabelinha” conseguiu o seu brevet (aos 19 anos) em 1954 em aviões e planadores; em 1956 tornou-se na primeira mulher paraquedista da Península Ibérica; e em 1981 obteve a licença de voo em balão de ar quente nos Estados Unidos.

O seu falecimento é realmente uma grande perda para a aviação portuguesa.

Informamos os/as nossos/as associados/as que o féretro vai hoje (15SET2025) às 17h30 para a Igreja da Força Aérea (São Domingos de Benfica), e amanhã (16SET2025) o funeral seguirá às 14h00 para o Cemitério dos Prazeres.

Até sempre, Isabelinha!

A AFAP expressa os seus sentidos pêsames à família e amigos!"



Isabel Rilvas


(com a devida vénia..)


3. Algumas notas biográficas desta mulher que, nunca tendo sido militar nem enfermeira paraquedista, teve uma vida notável e foi pioneira num domínio interdito às mulheres portuguesas, a aviação e o paraquedismo:
  • começou a aprender a pilotar aviões na Escola de Aviação Civil do Aero Club de Portugal (Sintra),em 1953, apadrinhada pelo director das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA), Pedro Avilez (para fazer o curso teve sempre a companhia de Chica,  uma empregada da familia que fez o papel de dama de companhia dela, tais eram os preconceitos da época);
  • em 1954, com 19 anos, tirou o brevê de pilotagem de aviões ligeiros (e posteriormente obteve as licenças equivalentes na África do Sul, Espanha, Itália e Estados Unidos da América, países onde viveu enquanto mulher do embaixador Leonardo Mathias); 
  • tirou também o brevê de voo à vela;
  • em 1955, ao ir com o pai ver um festival aéreo no aeroporto Le Bourget, entrou em contacto com as Enfermeiras Paraquedistas Socorristas do Ar, da Cruz Vermelha francesa. e tem a ideia de criar um grupo de enfermeiras semelhante em Portugal:
  • em 1955, é segunda mulher portuguesa a obter o brevê C que permite pilotar planadores;
  •  em França frequenta o curso de Instrutor Paraquedista no Solo no Centro de Paraquedismo de Biscarrosse onde é aluna da socorrista do ar Jacqueline Domerge; 
  • obtém, em 1956, brevê de 1.º grau de paraquedismo civil e no ano seguinte o de 2.º grau;  foi então a primeira mulher portuguesa (e ibérica) a saltar de paraquedas, no contexto civil; 
  •  para poder manter as suas licenças de paraquedista, Isabel tinha de completar um número específico de saltos, mas foi confrontada com a inexistência de locais onde fosse possível fazê-lo em Portugal; por isso, pediu à Força Aérea que a autorizasse a saltar na base militar de Tancos, local de treino dos soldados paraquedistas; obteve uma licença provisória para saltar no país; foi-lhe também concedida autorização para o fazer com os paraquedistas militares; o seu primeiro salto em Tancos teve lugar em 18 de janeiro de 1959, aos aos 24 anos;
  • fez o curso de instrutora de paraquedismo, completando 25 saltos;
  • em 3 de maio de 1959, convidada pelo Aeroclube de Luanda, saltou em queda-livre em Angola, perante luandenses maravilhados; repetiu a proeza em 17 de maio em Lourenço Marques, fascinando uma multidão de moçambicanos;
  • efectuou saltos de paraquedas de diversos tipos de aviões, entre eles: Stampe, Junkers JU52, Dakota, Tiger Moth, Dragon Rapid e Noratlas;
  • bateu o recorde português de voo sem motor: permaneceu no ar por 11 horas e 15 minutos em Alverca, em julho de 1960;
  • foi a primeira mulher a fazer acrobacias aéreas da Península Ibérica, tendo entrado em várias competições de festivais da modalidade, pilotando vários tipos de aviões;
  • foi a grande impulsionadora da criação do Corpo de Enfermeiras Paraquedistas Portuguesas em 1961 (o 1º curso começou em 6 de junho e terminou em 8 de agosto, na Base de Tancos; das candidatas iniciais, foram selecionadas 11, e só 6 concluíram e receberam o brevê, sendo conhecidas como as “Seis Marias”, como lembru a nossa amiga e camarada Maria Arminda);
  • conseguiu concretizar o seu sonho em 1961, quando Kaúlza de Arriaga, face aos desafios e exigências do inicio da guerra colonial em Angol,  apresentou a ideia a Salazar que, com ressalvas, autorizou a criação do grupo de enfermeiras;
  • em 1981, obteve uma licença de voo em balão de ar quente, nos EUA, sendo a primeira portuguesa a fazê-lo; de regresso a Portugal tentou junto da Direcção-Geral da Aeronáutica Civil obter uma equivalência, uma licença portuguesa, mas foi impossível, por não haver legislação para balões de ar-quente, nem sequer balões;
  • em 2017, foi condecoarada, pelo Presidente da República, com o grau de Grande-oficial da Ordem do Infante D. Henrique, 


(**) Vd. poste 5 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8998: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (28): Comemoração dos 50 anos dos cursos de 1961 das Tropas Pára-quedistas (Rosa Serra / Maria Arminda)

Guiné 61/74 - P27222: Humor de caserna (212): Dura lex sed lex!...Guarda de Honra ao tribunal millitar (Abílio Magro, ex.fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, 1973/74)



1. O "mano" Abílio, Valente e Magro (de seu nome completo Abílio Valente Lamares Magro) não precisa de apresentações mas há sempre alguém, no blogue,  que nunca lê os "preliminares" dos nossos postes:  

  • foi fur mil, CSJD/QG/CTIG, 1973/74) (descodificando: Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina do Quartel-General do Comando Territorial Independente da Guiné); 
  • foi um dos últimos "moicanos" (leia-se: soldados do império), tendo regressado a casa já no tempo na República da Guiné-Bissau, reconhecida por Portugal em 10 de setembro de 1974;
  • entrou  para a Tabanca Grande em 2013;
  •  tem sete dezenas de referências no blogue;

  • é um talentoso humorista de caserna; 
  • é aclamado autor da série "Um amanuense em terras de Kako Baldé";
  • e, caso único na história da(s) nossa(s) guerra(s),  é proveniente de uma grande família de combatentes, pois, de 8 irmãos (6 rapazes e 2 raparigas) todos os machos foram parar com os costados aos vários TO (Angola, Moçambique e Guiné), chegando a estar 5 irmãos (todos milicianos) ao mesmo tempo, a cumprir serviço militar, dos quais 4 no Ultramar... 
  • além do mais, era o mais novo dos manos, o caçula;
  • por mais incrível que pareça, nunca nenhum patriota cá da terra se lembrou de propor que o feito dos manos Magro passasse a figurar no livro dos "Guinness World Records"; de qualquer modo, ainda bem que a matriarca da família não deixou que as filhas se oferecessem  para o curso de  enfermeiras paraquedistas, alguém tinha que ficar a tomar conta da casa!


Dura lex sed lex!... Guarda de Honra ao tribunal militar

por Abílio Magro

.
Nos tribunais militares os julgamentos eram efectuados com a presença de uma Guarda de Honra e durante a minha comissão na Guiné, apenas uma vez fui escalado para comandar um pequeno pelotão numa "cena dessas".

De camuflado, luvas e cordões brancos nas botas, sob uma temperatura a rondar talvez os 40ºC e com alguns 80% de humidade no ar, lá fomos para a sala de audiências que não tinha ar condicionado, mas sim uma ventoinha "gigantola" no teto.

Quando o Juíz entrava todo de branco fardado, fazendo lembrar um vendedor de gelados que ali bem-vindo seria, a Guarda levantava-se, eu dava ordens de sentido-ombro armas, apresentar armas, "comme il faut",  nestas ocasiões.

Durante o julgamento permanecíamos de pé, de mãos quentinhas e com o suor a escorrer por todo o corpo, fazendo-nos sentir sermos nós os verdadeiros réus a cumprir já parte da pena.

Recordo-me que, nesse dia, foram três julgamentos seguidos (era talvez época de saldos).

A situação lá se foi aguentando (que remédio!), mas na hora da leitura da sentença é que a coisa se tornava feia.

 Todos em sentido enquanto o homem lia os "preliminares" e, quando proferia uma frase semelhante a: "Determino em nome da lei...", eu dava voz de apresentar armas e assim permanecíamos até ao fim da leitura que demorava uma eternidade, fazendo com que as armas aumentassem exponencialmente de peso.


No meu caso a arma era uma FBP cujo peso era bem inferior ao da G3 e cujo apresentar d'armas era sobre o peito aguentando-se razoavelmente a posição, mas o resto de pessoal,  armado de G3, ao fim de alguns minutos já não conseguia manter a arma firme na vertical, tremendo como varas verdes.

De soslaio, apercebi-me que alguns foram aproximando as respectivas coronhas da barriga, acabando por as poisar no cinturão, e transformando a Guarda de Honra num cerimonial com pouca verticalidade.

Segundo me recordo, um dos julgamentos referia-se a um soldado metropolitano que, a caminho de uma qualquer patrulha, saltara da viatura e regressara ao aquartelamento, desobedecendo ao alferes. 

Este ter-lhe-á posteriormente aplicado apenas um castigo de alguns "reforços à Benfica", castigo esse que foi considerado demasiado brando, o que terá originado, também, um processo disciplinar ao alferes.

Quanto à pena sofrida pelo soldado, não me recordo bem, mas julgo que foi de alguma dureza.

Num outro julgamento o réu era um civil negro, já com algumas chuvas passadas, baixote, descalço (e eu de luvas brancas!) e de uma etnia qualquer que obrigou à presença de um outro militar, também negro, no papel de tradutor. 

Não me recordo já de qual o crime cometido por aquele civil, nem da pena a que foi condenado, mas apenas que, após uma pergunta do Juíz, o "intérprete" ter entrado em longa algaraviada com o réu, finda a qual simplesmente respondeu:

 − Ele disse que não..

(Revisão / fixação de texto, título: LG)

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Nota do editor LG:

Último poste da série >~28 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27160: Humor de caserna (211): a Maria-tira-cabaço, uma história pícara de Empada... (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos)

Guiné 61/74 - P27221: De (Caras) (240): O capelão do BCAÇ 2855, José Torres Neves, que eu fui visitar a Mansoa, em 12/10/1969, e que vai celebrar missa no próximo dia 4 de outubro, na nossa terra, Meimoa, Penamacor, em convívio de antigos combatentes meimoenses (João Afonso Bento Soares, maj gen ref)




Foto nº 1A e 1 > Guiné > Região do Oio > Mansoa > 12 de outubro de 1969 >  Dois conterrâneos, o alf graduado capelão, CCS/BCAQÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) e o cap enf trnms, STM / QGCTIG (1968/70). Ambos são de Meimoa, Penamacor.




Foto nº 2 e 2A > Guiné > Região do Oio > Mansoa > 12 de outubro de 1969 >  Da esquerda para a direita,  o fur mil trms STM, o cap eng trms STM João Afonso Bento Soares, a esposa (que segura uma máquina de filmnar de 8 mm), o cap pqdt Albano Figueiredo, do BCP 12, e a esposa.


Fotos (e legendas): © João Afonso Bento Soares (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de João Afonso Bento Soaresex-cap eng trms,  STM/QG/CTIG (1968/70), hoje maj-gen ref:



Data - sábado, 13/09/2025 00:32
Assunto - Ida a Mansoa, em outubro de 1969



José Torres Neves, alf graduado capelão,
CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 7/5/1969 - 3/31971)

 Caros Amigos:

Em resposta ao v/ mail,  muito me congratulo pelo justo elogio que é feito ao ex-capelão em Mansoa, Padre José Torres Neves.(*)

Acontece que ele é meu conterrâneo,  da freguesia de Meimoa,  concelho de Penamacor,  Beira Baixa.

No próximo dia 4 de outubro de 2025, convidei-o para ir à santa terrinha celebrar a missa e estar presente no almoço-convívio que se segue de antigos combatentes meimoenses na Guerra do Ultramar  (de que ele é, aliás, parte integrante, face à sua comissão na Guiné).

Por coincidência a minha primeira comissão no Ultramar foi precisamente na Guiné, no período 1968-70. Eu era capitão e comandava o Destacamento do STM no CTIG / QG em Bissau, pelo que fui lá visitá-lo (à paisana) num fim de semana. 

Nessa altura, tive lá a minha mulher (3 meses, passados os quais ela regressou à metrópole dado o seu estado de gravidez já avançada). Nessa visita a Mansoa, levei comigo um capitão paraquedista e a mulher (ver fotos acima) (**)

Um forte e amigo abraço

Major general João Afonso Bento Soares

PS: -1 ª foto: Eu, capitão e o Zé Torres Neves, cpelão | a 2ª foto (da esquerda para a direita) - Furriel que chefiava o posto de Trms do STM (dependente do Dest STM que eu comandava); cap Bento Soares e mulher grávida;  cap paraquedista, Albano Figueiredo (já falecido) e mulher.

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Notas do editor LG

(*) Vd. poste de 12 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27214: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XXVIII: Mansoa, sector O4


(**) Último  poste da série > 10 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27204: (De)Caras (239): Cabos de Manobras (ou marinheiros CM), heróis esquecidos (José António Viegas, ex-fur mil art, Pel Caç Nat 54, Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Bolama, Ilha das Cobras e Ilha das Galinhas, 1966/68)