"Santiago, foi um dos quatro primeiros apóstolos que seguiram Jesus e seu primeiro mártir, foi mandado degolar pelo rei Herodes. Os seus restos mortais foram levados para a região galega de Compostela, tendo aí nascido o maior centro de peregrinação da Europa cristã, Santiago de Compostela. A imagem existente na igreja Matriz de Castelo Rodrigo representa um guerreiro a cavalo lutando com um mouro já dominado e debaixo das patas do cavalo, normalmente designado de Santiago “Matamouros”.
Fonte: Adapt de: Aldeias Históricas de Portugal > Santiago, Mata Mouros, Castelo Rodrigo | Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)
1. O termo ficou no léxico da língua portuguesa: "mata-mouros" (nome masculino, de dois números) é o "indivíduo que exagera os seus feitos e valentias", sinónimo de fanfarrão, ferrabrás, valentão...
E ficou também na toponímia e na antroponímia: referências históricas apontam para a existência de indivíduos com este apelido, como "Fernão Domingues Mata Mouros" e "Alberto Mata Mouros de Resende da Costa", sugerindo que, embora raro, o apelido tem raízes antigas nosso território.
Há também relatos anedóticos da presença de famílias com este apelido na região do Algarve, uma zona de forte influência muçulmana e palco de inúmeros confrontos durante a "Reconquista".
A toponímia portuguesa também conserva a memória destes tempos, com exemplos como a "Quinta de Mata Mouros" em Silves, no Algarve, um local histórico que hoje alberga uma adega. Em Espanha, na Extremadura, Badajoz, há o município Valle de Matamoros.; e haverá maisde 3,3 mil indivíduos, com este apelido, de acordo com a Geneanet ,
Rara ou incomum, a expressão chegou todavia aos nossos dias como apelido de família (ou sobrenome), erm Portugal. A origem deve ter sido por alcunha, e não por via patronímica (nome do pai), toponímica (nome do lugar de nascimento) ou outra.
Encontrámos, na Net, pelo menos duas figuras públicas portuguesas com este apelido:
- um senhor, Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas no XV Governo Constitucional (entre 2002 e 2005);
- uma senhora, antiga juiza conselheira do Tribunal Constitucional, há uns atrás.
Fomos também encontrar na Guiné um Luís Mata-Mouros Resende Costa, colono, branco, 36 anos de idade, natural de Bissau, ligado ao comerciante Benjamin Correia em meados dos anos 50. O apelido "Mata-mouros", carregado de conotações históricas da "Reconquista Ibérica", revela-se de rara presença em Portugal e é praticamente inexistente nos restantes países lusófonos.
(i) Origem e significado histórico
O termo "Mata-mouros" é uma alusão direta às batalhas travadas durante a chamada Reconquista Cristã da Península Ibérica, que se estendeu por séculos (séc. VIII- séc. XV), acabando com a conquista do reino de Granada, o último reino mouro, em 1492 (o ano da descoberta do "Novo Mundo").
A expressão significa literalmente"aquele que mata mouros". Era frequentemente usada como epíteto, alcunha ou cognome, atribuído a guerreiros que se destacavam pela sua bravura nos confrontos com os muçulmanos do Al-Andalus.
Esta designação está intrinsecamente ligada à figura de Santiago Maior, o apóstolo padroeiro de Espanha e de Portugal, frequentemente representado na sua faceta de "Santiago Matamoros" (ou "Mata-mouros").
A iconografia do santo a cavalo, brandindo uma espada sobre mouros caídos (vd. imagem acima), tornou-se um símbolo poderoso da cruzada cristã e inspirou a toponímia e, nalguns casos, a antroponímia.
Em Portugal, a palavra "mata-mouros" adquiriu também um significado figurado: por exemplo, o Dicionário Priberam define-o como o indivíduo fanfarrão, ferrabrás ou valentão, uma derivação curiosa que reflete a transformação de um epíteto de guerra numa expressão popular.
(ii) Presença em Portugal: um apelido raro mas notável
Apesar da sua forte carga histórica, o apelido "Mata-mouros" é pouco comum em Portugal. A sua raridade é atestada pela dificuldade em encontrar famílias com este nome em listas telefónicas e a ausência de referências em bases de dados genealógicas.
A pesquisa da IA em bases de dados e registos "online" do Brasil, Angola, Moçambique e outros países de língua portuguesa também não revelou a presença do apelido "Mata-mouros".
A ausência do apelido "Mata-mouros" nos PALOP e no Brasil pode ser explicada pela sua origem muito específica e ligada a um contexto histórico-geográfico que não se transportou da mesma forma durante o período da colonização. As peregrinações a Santiago entraram em decadência acelerada já em meados do séc. XIV (com a "peste negra", a crise demográfica, as guerras, etc.). A formação da sociedade brasileira, colonial e escravocrata, em contrapartida, vai dar-se num contexto diferente, com outras influências e dinâmicas na atribuição de apelidos.
Em suma, o apelido "Mata-mouros" é uma herança direta da chamada Reconquista em Portugal, um testemunho onomástico de um passado de conflitos e da construção de uma identidade nacional. A sua raridade contrasta com a força da sua simbologia.
2. Felizmente ainda é verão, apesar da "rentrée" para muitos (a escola, o trabalho, as vindimas, as consultas médicas, etc.). Nós, entretanto, vamos continuando por Candoz por mais uma semana. (*)...
E vamos blogando...Existem ainda outros apelidos portugueses igualmente raros, exóticos ou de origem curiosa que refletem episódios históricos, lendas, factos anedóticos, toponímias ou devoções religiosas pouco comuns.
(i) Devoção religiosa e santoral:
apelidos como "dos Anjos", "das Dores", "do Rosário", "de São João", "dos "Santos", "de Todos os Santos", “da Anunciação” ou até... "Cara d'Anjo"!... eram usados como complemento de nome, especialmente por mulheres, religiosos ou conversos para evidenciar devoção, refúgio ou proteção sobrenatural; as nossas "Marias" têm quase todas um santo ou uma santa por detrás do nome: a minha mãe era "Maria da Graça", uma das minhas irmãs "Maria do Rosário", há muitas "Marias de Fátima", etc.
(ii) Toponímicos exóticos:
alguns apelidos derivam de lugares muito pequenos, aldeias desaparecidas ou microtopónimos pouco conhecidos (exemplos: “Xabregas”, “Alcaçovas”, “Mosteiro”, "Matacões', ou “Miragaia”, usados para indicar origem rural ou urbana invulgar).
(iii) Apelidos-epíteto ou de alcunha:
da Idade Média, herdaram-se apelidos derivados de alcunhas descritivas, físicas ou até jocosas, como “Espadana”, “Buzina”, “Melro”, “Passarinho”, “Queimado”, “Valente”, “Foge”, “Parvo”, “Quebra-Costas”, “Caçador”; ou outros e outras, talvez de origem mais recente,"Mata-frades", "Piça", Minorca", "Caga-tacos", "Meia-Leca", "Mata-pintos", "Fala-baixo", etc.
(iv) Apelidos de conotação guerreira ou étnica:
além de "Mata-mouros", encontram-se registos raros como “Mata-cães” (às vezes associado a confrontos com populações mouriscas), “Mouro”, “Mourão”, “Mourisco”, "Judeu", "Mulato", "Cigana", "Preto", “Cristão Novo” (para os convertidos), e ocasionalmente “Castelhano”, "Galego, "Alemão", "Francês "ou “Inglês” para estrangeiros integrados.
(v) Hagiotoponímicos raros:
existem apelidos tirados de santos ou mártires pouco comuns localmente, como “Santa Bárbara”, “Santo Amaro”, “Santo Tirso”, "Espírito Santo", ou ainda, por justaposição, “Santidade”.
Muitos destes apelidos começaram como alcunhas, marcas de devoção, ou indicações de origem, e só mais tarde se fixaram como sobrenomes de família. Os contextos de nomeação variavam amplamente, desde motivos de sobrevivência (mouros, judeus, escravos africanos que foram obrigados a converter-se e adotar nomes cristãos), percursos de peregrinação (“Santiago”, “Compostela”, “Peregrino"), até sátira, história pessoal ou identificação local, a alcunha ("apelido", em português do Brasil) funcionando como uma verdadeira "etiqueta" que não precisa(va) de ser colada á testa.
Em resumo, "Mata-mouros" junta-se assim a lista de apelidos históricos insólitos em Portugal, muitos deles provenientes de episódios da "Reconquista", da escravatura, da perseguição aos mouros e aos judeus, da cristianização forçada (1497), inquisição ou de eventos locais marcantes.
3. Durante a guerra colonial na Guiné, era frequente usarmos alcunhas para melhor identificar, "marcar" ou "etiquetar" os nossos camaradas: muita gente tinha alcunhas:
- desde os superiores hierárquicos (Caco Baldé,"Aponta, Bruno!, Pimbas, Alma Negra, Gasparinho, Bagabaga, Major Elétrico, Coronel 11, Trotil...);
- até aos milicianos e praças ("Tigre de Missirá", "Pato da Bolanha", "Mec-Mec", "Chico", Chicalhão", "Pastilhas", "Caga-tacos", "Meia-leca","Meia-foda", "Mouraria", "Bolha d'Água", "Parte-punho", "Cara de Cu", "Quatrocentos", "Aguardente", "Tempo Embrulhado", etc., até ao "Se-te-vens" (corruptela do nome de uma marca de cigarros, por que era conhecida a esposa de um camarada nosso), etc. ) (**);
Temos vinte tal postes com
referências a "alcunhas".
4. Também existem, no português europeu, apelidos e alcunhas de natureza pícara, brejeira, maliciosa, erótica ou até pornográfica, em Portugal, e especialmente no Alentejo, onde o calão e o humor popular têm longa tradição.
Estes apelidos são herança oral e, muitas vezes, só circulam localmente, sendo raros em documentação oficial, mas ainda estão vivos na memória coletiva (veja-se o incontornável "Tratado das Alcunhas Alentejanas", 4ª ed., Colibri, 2002, da autoria de Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva).
O Francisco Martins Ramos (1943-2017) era antropólogo, natural da Amareleja. O Carlos Alberto da Silva é sociólogo da saúde e também antigo professor da Universidade de Évora.
Exemplos de Apelidos e Alcunhas Pícaras do Alentejo- Bicha/Galhofo/Maricas: termos que circulam como apelidos depreciativos devido à sexualidade ou maneiras.
- Calhandro(a): não tem conotação sexual, mas designa alguém "atiradiço", insinuação de promiscuidade ou pouca vergonha;
- Galdéria: mulher de reputação duvidosa ou de vida sexual livre, às vezes usada como epíteto familiar;
- Escalda: “Rapariga muito quente nos bailes”, apelido para mulher considerada fogosa ou promíscua;
- Javardice/Javardo(a): usado para pessoas consideradas desleixadas ou de hábitos sexuais libertinos, pode ser alcunha direta;
- .Joana dos Moços: mulher que teve vários filhos de diferentes pais — insinuação maliciosa sobre a sua vida íntima;
- Lambança: conversa atrevida, mexericos de natureza sexual, também pode ser usada como apelido para quem gosta de "porcaria";
- Langonha: sgnifica esperma (sémen), também usada em sentido jocoso;
- Meia-Foda: muito comum, usada para designar pessoa de baiza estatura, mas também associada à situações ambíguas ou mal resolvidas em matéria sexual (igual a "meia-leca", na tropa);
- Minete: calão direto para sexo oral (=cunilíngua), ocasionalmente designando alguém atrevido;
- Ó Punheta: usado como exclamação, mas também como alcunha para alguém dado à masturbação ou simplesmente irreverente (equilavente a "parte-punho", na Guiné, no calão da tropa);
- Pai do Cu: alcunha dada a homens considerados sexualmente libertinos, mulherengos ou, segundo usos, alvo de pilhéria por algo relacionado com sexo anal ou escatologia; tornou-se célebre nas aldeias porque existiam mulheres que, sendo vítimas de violência doméstica, gritavam: “Valha-me o Pai do Cu!”.
- Pandarilho/Pandelero/Panasca: são variantes antigas e regionais para homem afeminado ou homossexual, por vezes maliciosamente aplicadas ou sentido pejorativo;
- Passarola: termo popular para órgãos genitais femininos (=vagina; "pito", no Norte), usado como alcunha, servindo de mote trocista ou para atribuir a alguém fama de devasso;
- Pentelho/Pintelho: pèlo púbico,pormenor insignificante, pessoa irritante, aborrecida,importuna;
- Pixa, Gaita, Pau, Piça, Picha d'aço: diversos calões penianos conferidos como alcunha a, por exemplo, jovens atrevidos, mulherengos ou simplesmente alvo de chacota;
- Prenha: mulher grávida fora do casamento;
- Tronga: mulher da vida/prostituta;
- Zorra: prostituta ou mulher de reputação duvidosa; "filho de zorra": bastardo, filho natural, filho de padre (em Trás-os-Monres).

Complementarmente, consulte-se também o "Dicionário do Calão e Expressões Idiomáticas", de José João Almeida (Editora Guerra & Paz, 2019; vd também aqui, em
Projeto Natura | Universidade do Minho).
Muitos destes termos da linguagem informal, da gíria ou do calão foram (e são usados ainda) como alcunhas entre amigos, conhecidos ou inimigos para marcar uma diferença, ironizar, satirizar hábitos de alguém ou, simplesmente, como herança do falar local, muitas vezes não se sabendo sequer qual a sua origem.
Existem casos de famílias que ficaram conhecidas na aldeia durante gerações por uma alcunha deste tipo, independentemente do apelido registado no cartório paroquial ou na conservatória do registo civil.
Em contextos mais fechados e tradicionais, alguns destes apelidos podem ser mais ou menos ofensivos, dependendo do contexto, do tom ou da confiança entre os interlocutores. Nalguns casos, são "formas carinhosas de tratamento"; "ó meu Cara de Cu â Paisana!!...
A presença, existência ou sobrevivência destes nomes evidenciam o lado irreverente, humorístico e, por vezes até, transgressor da cultura rural alentejana, onde o dito popular, a sátira e a oralidade são ferramentas de convivência social e de criação identitária. (***)
Muitas destas alcunhas alentejanas com conotação sexual, pícara, erótica ou maliciosa fixaram-se oralmente e, por vezes, até integravam o quotidiano rural.
De um modo geral, refletem o humor, o descaramento, a verve ou o olhar picante da cultura popular da região e estão extensamente documentadas por sociólogos, etnógrafos e outros estudiosos dos usos e costumes, etc.
Deve ainda acrescentar-se que muitas destas alcunhas surgem do contacto diário, de episódios de alcova ou de determinadas condições sociais (do trabalho à infidelidade conjugal, do lazer e das festas à sexualidade).
A atribuição era (e é) frequentemente pública e marcava para sempre um indivíduo ou família na pequena comunidade rural, fechada como, por exemplo, Aldeia Nova de São Bento (***).Há grande
criatividade, ironia e até intencionalidade social: reforçar a moralidade coletiva pela sátira, pela provocação ou pelo controle do comportamento sexual.
Estas alcunhas testemunham a riqueza, a ousadia, a espontaneidade e a criatividade o falar popular alentejano, fazendo parte de uma
tradição de oralidade onde o erótico e o pornográfico convivem com o burlesco, o pícaro, o brejeiro e o satírico.
(Continua)
(Pesquisa: LG + Assistente de IA /Gemini, ChatGPT)
(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)
___________________
Notas do editor LG:
(*) Último poste da série > 13 de setembro de 2025 >
Guiné 61/74 - P27216: Felizmente ainda há verão em 2025 (33): A natureza tem horror ao vazio... Reflexões, mais ou menos melancólicas, no dia seguinte à primeira vindima de Candoz(**) Vd. poste de:
5 de março de 2020 >
Guiné 61/74 - P20706: Memórias ao acaso (Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845) (4): Alcunhas
28 de maio de 2016 >
Guiné 63/74 - P16141: In Memoriam (258): Soldado Ilídio Fidalgo Rodrigues, o "Esgota Pipas" da CCAÇ 2382, morto por um estilhaço de um projéctil IN (Manuel Traquina, ex-Fur Mil)
6 de setembro de 2012 >
Guiné 63/74 - P10342: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (25): "O Aguardente"