sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5355: Notas de leitura (39): Indústria Militar Portuguesa no Tempo da Guerra 1961-1974, de João Moreira Tavares (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Novembro de 2009:

Carlos e Luís,
Este texto dá conta de um trabalho à volta da indústria militar portuguesa que, em grande parte, após a descolonização, se desmoronou e o autor analisa os porquês. Penso que os tertulianos vão apreciar esta dimensão dos bastidores da guerra, foi esta indústria que nos mandou as rações e os preciosos medicamentos para tratarmos o paludismo e os fungos.

Um abraço do
Mário


Indústria Militar Portuguesa no Tempo da Guerra
1961 – 1974


Por Beja Santos

É do mais elementar bom senso que só se pode combater anos a fio desde que se assegure uma presença física de contingentes, se lhes forneça a tempo e horas abastecimento em víveres, material para defender e atacar, equipamento, medicamentos, manutenção e reparação de viaturas, aviões e navios, munições de toda a espécie. “Indústria Militar Portuguesa no tempo da guerra 1961 – 1974” é o resultado de uma dissertação de mestrado de João Moreira Tavares em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em 2003, depois publicada pela Caleidoscópio em 2005, com o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar. Como escreve a orientadora do mestrado, Maria Fernanda Rollo, é indispensável conhecer o papel desempenhado pelos estabelecimentos fabris das Forças Armadas no quadro de esforço de guerra. Foi a guerra colonial que fez interromper a reestruturação e modernização da indústria militar, que se encetara no início da década de 50. Para esta investigadora, a guerra colonial repercutiu-se negativamente na situação económica e financeira e na actividade produtiva dos estabelecimentos fabris militares portugueses. Como se veio a ver, concluída a descolonização. Sem estes estabelecimentos fabris militares teria sido impossível termos feito a guerra que fizemos a tão baixo custo. O autor explica os porquês e o como.

Entre os porquês, sabemos bem que a falta de apoio político internacional e o bloqueio à venda de material bélico durante toda a guerra conduziram o país à procura de soluções internas no domínio da produção de armamento. E com resultados palpáveis. Igualmente foram envolvidas diferentes indústrias civis no fornecimento de bens e serviços às Forças Armadas. E não foi despiciendo o investimento feito para aumentar a capacidade e a diversificação dos vários tipos de produção dos estabelecimentos fabris estatais que compunham a indústria nacional.

Esclareça-se que a indústria militar era composta por estabelecimentos fabris de dimensões, características e finalidades muito diferentes uns dos outros, distribuídos pelos três ramos das Forças Armadas, mas, na maioria dos casos, tutelados pelo Exército. O autor analisa detalhadamente os três tipos de estabelecimentos que constituíram a indústria militar. No primeiro grupo estavam os responsáveis pela produção e comercialização dos artigos de fardamento e de equipamento, géneros alimentícios, medicamentos e produtos afins, caso da Fábrica Militar de Santa Clara, Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos, Manutenção Militar e as Oficinas Gerais de Fardamento. No segundo grupo, haverá que considerar os responsáveis pela manutenção e reparação de navios de guerra, aviões e toda a gama de veículos automóveis. Estão neste caso o Arsenal do Alfeite, as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico e as Oficinas Gerais de Material de Engenharia. No terceiro grupo estão incluídos os estabelecimentos produtores de material de guerra como a Fábrica Militar de Braço de Prata e Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras.

O que se passou para o incremento da indústria militar em Portugal só é compreensível com os acontecimentos da guerra fria e a criação da NATO. Portugal cedo recorreu ao auxílio norte-americano, prestado através do Plano Marshall e investiu uma parcela de ajuda financeira recebida no reequipamento e modernização das suas fábricas de armamento e munições. Basta ver dois dados: em Abril de 1953, o Governo norte-americano assinou um acordo com o Governo português para a produção de 350 mil munições de artilharia de 10,5 cm pela Fábrica de Braço de Prata; as OGMA acordaram com a Air Material Force European Area, dos EUA, em realizar inspecções periódicas aos aviões C-47 e C-54 e, eventualmente, a outras aeronaves que operassem na Europa. De 1959 a 1969 a indústria militar produziu para a era RFA granadas de artilharia e de mão, munições de armas ligeiras e espingardas automáticas G3. As encomendas e os apoios provenientes do estrangeiro, sobretudo as da RFA, facilitaram o investimento estatal, foram um indispensável balão de oxigénio.

A indústria militar correspondeu ao que lhe foi pedido, mas a factura foi desastrosa. Nunca funcionou uma comissão coordenadora da indústria militar. Se é verdade que houve o objectivo prioritário do Governo que procurou uma cooperação entre os sectores público e privado, não é menos verdade que pagou sempre tarde e a más horas ao sector privado e descapitalizou os estabelecimentos fabris. Foram as manigâncias financeiras que possibilitaram a prossecução do esforço de guerra ocultando os verdadeiros custos do conflito. A verdade só foi conhecida no fim da guerra: houvera milagre no esforço dos homens, mas a erosão financeira, a batuta mágica que fizera funcionar o sistema, fez caminhar os estabelecimentos fabris para o desastre. Como observa o autor, a guerra colonial não favoreceu a indústria militar, acabou por a penalizar por motivos de ordem financeira, nomeadamente quando impediu que o processo de modernização e reestruturação iniciado na década de 50 ficasse concluído. O autor finaliza o seu trabalho dizendo que é uma questão em aberto a falta de cooperação entre a indústria militar nacional e a sua congénere civil.


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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5344: Notas de leitura ( 37): Quem Mandou Matar Amílcar Cabral?, de José Pedro Castanheira (Beja Santos)

Vd. poste de 27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5353: Notas de leitura (38): Prefácio ao livro do Manuel Maia, História de Portugal em Sextilhas, a ser lançado na Tabanca de Matosinhos, em 9/12/09 (Luís Graça)

3 comentários:

Carlos Pinheiro disse...

Analisar, mesmo com espírito crítico, mas sério, um trabalho científico desta natureza é, em princípio, arriscado. Mas, tendo em consideração vários cenários que se contradizem entre si, sou levado a emitir a minha opinião.
1- É certo que no período da guerra, 1961/74 o esforço da nação traduzido no esforço de guerra através do orçamento geral do estado foi sempre muito superior às nossas possibilidades. E os resultados viram-se e ainda hoje se fazem sentir. Alguns encheram-se, mas a maioria se já estava faminta e sedenta, acabou por ficar depenada
2- E esse esforço foi superior às nossas capacidades pela teimosia de quem governava, uma vez que não aceitou, como outros países aceitaram no após guerra, dar a independência às colónias. As teimosias de alguns são pagas de forma muito cara pela maioria da população. E no nosso caso foi em vidas humanas e em atrasos de toda a ordem e feitio.
3- Mas dizer-se que “. Foi a guerra colonial que fez interromper a reestruturação e modernização da indústria militar, que se encetara no início da década de 50”, é pura demagogia. Até essa altura o Casão de santa Clara confeccionava capotes de lã grossa, fardas de cotim, bivaques, arreios em pele, botas grossas e pouco mais. Com a guerra começou a fabricar, primeiro as fardas amarelas, depois os camuflados, as botas de pele e de lona, as boinas, os quicos, as redes mosquiteiras, os cinturões e tudo o mais que começou a equipar as forças armadas, tudo em quantidades industriais nunca antes vistas. Desenvolveu-se portanto a industria militar só com um pequeno senão que era o caso do cliente ser único e exclusivamente o patrão Estado, com os inconvenientes daí derivados. Portanto, quando a guerra terminou, a indústria estava dimensionada para uma facturação que nunca mais atingiu e nem sequer soube substituir o tal cliente único. Terão sido feitas algumas diligências nesse sentido mas, se bem nos lembramos, nessa altura também apareceram negócios escuros pelo meio que em nada beneficiaram a economia nacional.
4- Mas as OGMAS modernizaram-se como se modernizaram os Estaleiros navais e até o Tramagal teve um período áureo quando as Mercedes foram substituídas pelas Berlliets/Tramagal. É certo que apesar de algumas dificuldades no inicio da guerra é caso para se perguntar donde vieram os contingentes de jipes Mercedes, de Unimogs de vários tipos e dos camiões Mercedes de todos os tamanhos que vieram substituir os despojos da 2ª guerra que eram as GMC, os Jipões, os Jipes dos americanos e até os camiões Matadores, Atkinson, e as carrinhas Austin e Morris que os ingleses deixaram no deserto e de que nos calharam muitas que equiparam as nossa forças armadas até, para aí, 1964/65 e talvez 1966.
5- Também a indústria de armamento se desenvolveu nesse período. Era a fabricação da G3, a fabricação aperfeiçoada da FBP e no que respeita a munições, incluindo as de artilharia, também nunca se parou de crescer, fornecendo inclusivamente, como diz o artigo, munições de artilharia, outras munições e até granadas de mão para a Alemanha, até 1969.
6- E com todas as dificuldades orçamentais, porque elas existiam uma vez que o esforço financeiro era desproporcionado para as nossas capacidades e para a nossa teimosia de mantermos uma guerra injusta, de onde é que vieram os Allouettes, os Pumas, os Fiat G91, as DO27, para além dos T6 que tínhamos herdado dos americanos em quantidades industriais e que tanto voaram em África? E os nossos Patrulhas, as nossas LDGs. LDMs e LDPs como é que foram conseguidas? Claro que foram os nossos parceiros da Nato que nos ajudaram apesar de não concordarem explicitamente com a guerra colonial. Mas sempre aproveitavam para fazer negócio.

Carlos Pinheiro disse...

7- A nossa capacidade instalada no que respeita à industria da guerra cresceu naquele período de acordo com as necessidades mais prementes das nossa forças deslocadas em África e, depois, não conseguiram arranjar mercados alternativos não fosse a industria do armamento muito especifica, muito especial e muitas vezes sujeita a negócios nem sempre muito claros.
8- Muito mais havia a dizer sobre este trabalho. Mas isso requeria uma pesquisa aturada e contactos difíceis de encontrar. É isto que me apraz registar como cidadão atento e ainda como ex-combatente pouco esclarecido mas nem sempre desatento das realidades que nos cercavam e nos continuam a cercar.
Carlos Pinheiro
Ex-Combatente Guiné 1968/70

Carlos Vinhal disse...

Caro Carlos Pinheiro
Se leres este comentário, considera a hipótese de te juntares a nós. Estou a fazer-te um convite formal.

Um abraço e obrigado por nos leres.
Carlos Vinhal
Co-editor