1. Com a devida vénia e todos os nossos melhores e mais respeitosos cumprimentos e agradecimentos, publicamos neste poste da autoria do jornalista Alberto Pita, inseridos no Jornal da Madeira, dos dias 22 e 23 de Novembro de 2009, duas excelentes e elucidativas reportagens referentes à chegada das ossadas à Madeira e ao funeral do 1º Cabo Gabriel Telo, falecido em combate em Guidage em 25 de Maio de 1973:
Jornal da Madeira / 1ª Página / 2009-11-22
Ossadas de Gabriel Telo são levadas hoje para o Paul do Mar
Emoção na chegada de Telo
Apoiada pelas duas filhas, Maria João e Gabriela, Flora Telo caminhou vagarosamente em direcção à pequena urna. Não estava a mais de dois metros de distância, mas o esforço foi grande para esta mulher, ainda a recuperar da operação aos joelhos.
Pousou as mãos sobre a urna como quem afaga um bebé e, com os olhos molhados, beijou-a. «Filho, a mãe está aqui», disse uma e outra vez, por entre os soluços do choro.
Dentro e fora da sala do Monumento ao Combatente o silêncio era total. Por entre dezenas de pessoas presentes na homenagem, apenas as palavras de Flora se ouviam. «A mãe está aqui.» A emoção era forte.
O reencontro acontecia. Trinta e seis anos depois.
Não era só Flora Telo que tinha os olhos vermelhos e cheios de lágrimas. As filhas também não conseguiam conter os sentimentos.
«Sinto uma grande emoção por ficar próxima dos restos mortais do meu irmão. Sei que ele já estará no céu, mas aqui o que desejávamos era fazer-lhe um funeral digno. E é o que estamos preparando», disse Gabriela Telo, irmã do antigo soldado, dois anos mais nova, e o elemento da família com quem as entidades militares contactaram ao longo do processo de transladação.
Gabriela confessou ontem que durante os três anos em que aguardou pela chegada do irmão teve momentos de desespero e chegou até a perguntar aos militares responsáveis se «estavam a brincar com os sentimentos das pessoas». Explicavam-lhe que o processo era complexo e moroso e apelavam à paciência da família. A ansiedade foi sendo controlada. «Até que hoje chegou o dia. É uma grande satisfação», diz, por entre lágrimas.
Maria João, irmã mais nova, sentia ontem um misto de emoções. Estava alegre pela chegada das ossadas, mas triste por esse momento trazer de novo toda a dor.
Gabriel Telo sucumbiu em 25 de Maio de 1973, na sequência da explosão de um engenho detonado pelo inimigo, em Guidaje, na Província da Guiné, durante a Guerra do Ultramar.
O primeiro cabo Telo pertenceu a um grupo de onze soldados que morreram na guerra e que foram enterrados na mesma zona, apesar de terem sucumbido em momentos diferentes. Entre eles estavam três pára-quedistas. E, a bem da verdade, foi por causa dos três elementos desta força especial que as ossadas do cabo Telo, natural do Paul do Mar, chegaram agora à Madeira.
Os pára-quedistas têm o lema de que “Ninguém fica para trás” e, durante mais de trinta anos, não desistiram até que trouxessem os três «únicos» que não tinham regressado a Portugal. Agora, finalmente, chegaram.
Numa acção de solidariedade, a União dos Pára-quedistas estendeu a mão e trouxe os outros militares que estavam juntos aos pára-quedistas. Mas só os que as respectivas famílias quiseram. Algumas optaram por não voltar a abrir a dor da perda de um ente querido. Uma delas foi a família de Câmara de Lobos, do soldado João Nunes Ferreira.
A chegada dos restos mortais de Gabriel Telo representa o encerramento de um capítulo com mais de três décadas e que nos últimos três anos obrigou a um enorme esforço logístico, com o início do processo no terreno. O sucesso desta operação decorre da ajuda de várias instituições, com particular mérito para a União dos Pára-quedistas, que foi quem desencadeou todo este processo.
A ligação à Madeira foi feita, sobretudo, com a organização do Monumento ao Combatente, liderada pelo coronel Morna Nascimento.
Ontem, na homenagem feita ao cabo Telo, Morna Nascimento dizia que agora é chegado o tempo de alertar o país para a obrigação de o Governo da República custear as transladações dos portugueses que morreram na guerra e por lá ficaram.
Alberto Pita
Jornal da Madeira / 1ª Página / 2009-11-23
«Agora ele está na sua terra»
Funeral do cabo Telo realizou-se na presença de centenas de pessoas
A cerimónia fúnebre encerra um processo de um grupo de soldados, dos quais faziam parte dois madeirenses - o cabo Telo e o soldado João Nunes Ferreira. O processo de exumação dos cadáveres e trasladação para Portugal demorou cerca de três anos. A União dos Pará-quedistas foi quem desencadeou este resgate - estavam três elementos desta força especial entre os 11 cadáveres - que agora chega ao fim com este funeral, o último dos corpos que foram retirados de Guidaje, na Guiné Bissau.
«Fechámos, de facto, um ciclo cujo objectivo era trazer os corpos que tinham sido inumados naquele cemitério de campanha, na Guiné», explicou o presidente da União de Pára-quedistas, o general Avelar de Sousa, que ontem marcou presença na cerimónia. Várias entidades associaram-se, aliás, a esta última homenagem ao soldado, falecido a 25 de Maio de 1973 (e não 1963 como erradamente escrevemos ontem). Miguel Mendonça, presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, colocou de manhã uma coroa de flores junto à urna do militar, quando ainda se encontrava no Monumento ao Combatente Madeirense no Ultramar. Um pouco mais tarde, já no Paul do Mar, freguesia de ontem o cabo era natural, estiveram presentes no funeral Monteiro Diniz, Representante da República para a Madeira, Brazão de Castro, secretário regional dos Recursos Humanos, Manuel Baeta, presidente da Câmara Municipal da Calheta, entre outras individualidades.
O processo de exumação e trasladação das ossadas do cabo Telo abriu na família uma ferida que há décadas tentavam sarar. A mãe, Flora Telo, nunca deixou, porém, que a memória do filho fosse esquecida. Por isso, durante os últimos 36 anos repetia insistentemente histórias sobre Gabriel, realçando as qualidades deste jovem, que foi sacristão na igreja que, anos antes, chegou a ajudar a erguer. O mesmo templo que ontem acolheu a cerimónia da sua despedida.
Ontem, a comoção impedia Flora Telo de dizer o que representava para si aquele momento.
No dia anterior, porém, confessou ao Jornal da Madeira ainda sentir «uma saudade grande do meu filho». E com o olhar em direcção ao céu apelou para que Gabriel Telo pedisse por todos os que «mais necessitam».
«Era um filho bom, querido, que desde pequenino» ajudou na igreja, recordava-se.
A vinda dos restos mortais abriu na família feridas do passado, mas, apesar dos momentos de dor e ansiedade, ninguém se arrepende da decisão.
Ontem, Gabriela Telo, irmã dois anos mais nova, dizia sentir uma «satisfação» por agora Gabriel estar «mais perto» da família.
Maria João, a mais nova das irmãs, disse sentir «uma mistura de emoções impossíveis de descrever».
Ainda assim, referiu que naquele preciso momento, à saída do cemitério, sentia «uma alegria, porque ele está na sua terra. Estes últimos dias foram de saudade, de revolta, mas agora, que ele já está aqui no nosso cemitério, na terra dele, agora é um alívio».
Com o funeral do cabo Telo «fechámos, de facto, um ciclo cujo objectivo era trazer os corpos que tinham sido inumados naquele cemitério de campanha, na Guiné», disse o presidente da União de Pára-quedistas, o general Avelar de Sousa, que ontem marcou presença na cerimónia de despedida do militar madeirense, falecido há 36 anos na Guiné Bissau.
Ainda faltam buscar 1.400 portugueses
Continuam cerca de 1.400 militares portugueses enterrados em África. São soldados que sucumbiram em combate mas que o Estado português não custeia o seu regresso ao país.
Os militares pressionam as autoridades mas o resultado tem sido nulo.
Para esse processo, a União Portuguesa de Pára-quedistas está disponível para contribuir com a experiência adquirida no processo de exumação, identificação e trasladação dos cadáveres de Guidaje, na Guiné Bissau.
«A União dos Pára-quedistas está disponível para prestar auxílio através de tudo aquilo que aprendemos», referiu presidente desta associação, o general Avelar de Sousa.
O presidente da Comissão Organizadora do Monumento ao Combatente Madeirense no Ultramar, Morna Nascimento, também diz que é tempo do Estado cumprir a «sua obrigação».
É tempo de «chamar à responsabilidade o Governo português para a obrigação que tem de fazer regressar à metrópole - seja à Madeira, aos Açores ou ao continente - as ossadas que ainda lá estão dos combatentes que foram num dever pátrio e por conta do Estado para o Ultramar. Não se aceita que eles fiquem lá abandonados e que as famílias é que tenham de pagar o seu regresso. É uma obrigação do Estado, é uma obrigação da Nação e uma obrigação de Portugal trazê-los de regresso ao chão da sua Pátria», defendeu Morna Nascimento, sublinhando que morreram em combate ou por doença 8.402 portugueses África. O coronel não sabe, contudo, quantos destes eram madeirenses.
Alberto Pita
Reportagens e Fotos: © Jornal da Madeira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
5 comentários:
Quem não se lembra nos seus tempos de menino, ouvir essas palavras" A mãe está aqui´"
Mais tarde também nos nossos pesadelos, quem nos afagava a cabeça e repetia baixo "A mãe está aquí"
Também os nossos filhos ouviram tantas vezes essas palavras, acalmaram-se, sossegaram e dormiram com a certeza que a mãe estava alí para os protejer e dar a vida dela se fosse necessário.
Mas as palavras tantas vezes ditas desde sempre, ganharam outra dimensão na voz da mãe do Telmo, ganharam uma força que nem ela alguma vez pensou ser capaz.
É daquelas frases que abarcam toda um vida com muitos anos de injustiça e sofrimento.
Injustiça essa de quem se viu privada do fruto do seu ventre por imposição estúpida de uma guerra em que se morreu sem ser para defender a terra e sua família, esse sim merecedor do esforço supremo.
A injustiça de ser privada até dos restos mortais do seu filho durante dezenas de anos.
Até agora nunca pode acarinha-lo pondo flores na sua campa, não falou com ele como só as mães sabem falar com os filhos, mesmo fisicamente ausentes.
Descansa em paz Gabriel pois a tua mãe está aquí.
Juvenal Amado
CHOCA SABER QUE ESTE PAÍS QUE JÁ FOI DIRIGIDO POR GENTE ÍNTEGRA, ESTE PAÍS DE GÉNIOS MILITARES E MARINHEIROS,QUE VIU NASCER GAMAS E CABRAIS,QUE FOI BERÇO DE CAMÕES E DE PESSOA,QUE ATESTOU NATURALIDADE A PEDRO NUNES, PEDRO HISPANO E TANTOS OUTROS,POSSA TER SIDO TRANSFORMADO NUM ESPAÇO TÃO MAL FREQUENTADO,FEDENDO A CORRUPÇÃO...
CABE-NOS EXIGIR,À GENTE MENOR QUE
DE HÁ TRINTA E CINCO ANOS A ESTA PARTE,SE ARVORA EM PODER,O REGRESSO DOS 1400 COMBATENTES TOMBADOS NOS CAMPOS DE ÁFRICA.
O DINHEIRO TEM DE APARECER POIS "ESTOURAM" MUITO MAIS DE FORMA VERGONHOSA...
É TEMPO DE SAIRMOS À RUA A PROTESTAR CONTRA ESTE ESTADO DE COISAS QUE A CADA DIA QUE PASSA É MAIS AVILTANTE...
É TEMPO DE TRAVAR ESTA IGNOMÍNIA!
COMO ALGUÉM DISSE HÁ DIAS,JÁ TEMOS UM DEPUTADO NA TABANCA.(AMÂNDIO SANTOS,CREIO...)
É TEMPO DE FAZERES ALGO PELOS QUE AGUARDAM JUSTIÇA NOS CAMPOS DE ÁFRICA.
MANUEL MAIA
O meu pai, foi um dos combatentes nesta guerra sangrenta, felizmente regressou, mas o Gabriel Telo, foi um dos que ele ajudou a enterrar pois estava lá, e outra vez o voltou a enterrar 36 anos depois. Foi com muita emoção que presenciei ao reencontro do meu pai com camaradas que não via há 36 anos. Ele pretende ir ao continente à confraternização em 02 Maio 2010, para recordar. É preciso que ninguém esqueça a juventude e a sanidade que foi roubada a muitos de vós! Como cantam os Delfins: "combater na selva sem saber porquê, e sentir o inferno de matar alguém".
O meu pai é Manuel Baptista Teixeira- Da mesmo companhia do Gabriel Telo, é da Madeira - Camacha, se alguém quiser contactá-lo poderá enviar mensagem para: manuela2376@gmail.com
Um bem haja a todos
" UMA NAÇÃO QUE NÃO HONRA OU ESQUECE O SEU PASSADO , NÃO MERECE O FUTURO "
Faço minhas as palavras de R.DURÃO
CMD
C.AMARO
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