1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Novembro de 2009:
Carlos e Luís,
Este texto dá conta de um trabalho à volta da indústria militar portuguesa que, em grande parte, após a descolonização, se desmoronou e o autor analisa os porquês. Penso que os tertulianos vão apreciar esta dimensão dos bastidores da guerra, foi esta indústria que nos mandou as rações e os preciosos medicamentos para tratarmos o paludismo e os fungos.
Um abraço do
Mário
Indústria Militar Portuguesa no Tempo da Guerra
1961 – 1974
Por Beja Santos
É do mais elementar bom senso que só se pode combater anos a fio desde que se assegure uma presença física de contingentes, se lhes forneça a tempo e horas abastecimento em víveres, material para defender e atacar, equipamento, medicamentos, manutenção e reparação de viaturas, aviões e navios, munições de toda a espécie. “Indústria Militar Portuguesa no tempo da guerra 1961 – 1974” é o resultado de uma dissertação de mestrado de João Moreira Tavares em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em 2003, depois publicada pela Caleidoscópio em 2005, com o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar. Como escreve a orientadora do mestrado, Maria Fernanda Rollo, é indispensável conhecer o papel desempenhado pelos estabelecimentos fabris das Forças Armadas no quadro de esforço de guerra. Foi a guerra colonial que fez interromper a reestruturação e modernização da indústria militar, que se encetara no início da década de 50. Para esta investigadora, a guerra colonial repercutiu-se negativamente na situação económica e financeira e na actividade produtiva dos estabelecimentos fabris militares portugueses. Como se veio a ver, concluída a descolonização. Sem estes estabelecimentos fabris militares teria sido impossível termos feito a guerra que fizemos a tão baixo custo. O autor explica os porquês e o como.
Entre os porquês, sabemos bem que a falta de apoio político internacional e o bloqueio à venda de material bélico durante toda a guerra conduziram o país à procura de soluções internas no domínio da produção de armamento. E com resultados palpáveis. Igualmente foram envolvidas diferentes indústrias civis no fornecimento de bens e serviços às Forças Armadas. E não foi despiciendo o investimento feito para aumentar a capacidade e a diversificação dos vários tipos de produção dos estabelecimentos fabris estatais que compunham a indústria nacional.
Esclareça-se que a indústria militar era composta por estabelecimentos fabris de dimensões, características e finalidades muito diferentes uns dos outros, distribuídos pelos três ramos das Forças Armadas, mas, na maioria dos casos, tutelados pelo Exército. O autor analisa detalhadamente os três tipos de estabelecimentos que constituíram a indústria militar. No primeiro grupo estavam os responsáveis pela produção e comercialização dos artigos de fardamento e de equipamento, géneros alimentícios, medicamentos e produtos afins, caso da Fábrica Militar de Santa Clara, Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos, Manutenção Militar e as Oficinas Gerais de Fardamento. No segundo grupo, haverá que considerar os responsáveis pela manutenção e reparação de navios de guerra, aviões e toda a gama de veículos automóveis. Estão neste caso o Arsenal do Alfeite, as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico e as Oficinas Gerais de Material de Engenharia. No terceiro grupo estão incluídos os estabelecimentos produtores de material de guerra como a Fábrica Militar de Braço de Prata e Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras.
O que se passou para o incremento da indústria militar em Portugal só é compreensível com os acontecimentos da guerra fria e a criação da NATO. Portugal cedo recorreu ao auxílio norte-americano, prestado através do Plano Marshall e investiu uma parcela de ajuda financeira recebida no reequipamento e modernização das suas fábricas de armamento e munições. Basta ver dois dados: em Abril de 1953, o Governo norte-americano assinou um acordo com o Governo português para a produção de 350 mil munições de artilharia de 10,5 cm pela Fábrica de Braço de Prata; as OGMA acordaram com a Air Material Force European Area, dos EUA, em realizar inspecções periódicas aos aviões C-47 e C-54 e, eventualmente, a outras aeronaves que operassem na Europa. De 1959 a 1969 a indústria militar produziu para a era RFA granadas de artilharia e de mão, munições de armas ligeiras e espingardas automáticas G3. As encomendas e os apoios provenientes do estrangeiro, sobretudo as da RFA, facilitaram o investimento estatal, foram um indispensável balão de oxigénio.
A indústria militar correspondeu ao que lhe foi pedido, mas a factura foi desastrosa. Nunca funcionou uma comissão coordenadora da indústria militar. Se é verdade que houve o objectivo prioritário do Governo que procurou uma cooperação entre os sectores público e privado, não é menos verdade que pagou sempre tarde e a más horas ao sector privado e descapitalizou os estabelecimentos fabris. Foram as manigâncias financeiras que possibilitaram a prossecução do esforço de guerra ocultando os verdadeiros custos do conflito. A verdade só foi conhecida no fim da guerra: houvera milagre no esforço dos homens, mas a erosão financeira, a batuta mágica que fizera funcionar o sistema, fez caminhar os estabelecimentos fabris para o desastre. Como observa o autor, a guerra colonial não favoreceu a indústria militar, acabou por a penalizar por motivos de ordem financeira, nomeadamente quando impediu que o processo de modernização e reestruturação iniciado na década de 50 ficasse concluído. O autor finaliza o seu trabalho dizendo que é uma questão em aberto a falta de cooperação entre a indústria militar nacional e a sua congénere civil.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5344: Notas de leitura ( 37): Quem Mandou Matar Amílcar Cabral?, de José Pedro Castanheira (Beja Santos)
Vd. poste de 27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5353: Notas de leitura (38): Prefácio ao livro do Manuel Maia, História de Portugal em Sextilhas, a ser lançado na Tabanca de Matosinhos, em 9/12/09 (Luís Graça)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Analisar, mesmo com espírito crítico, mas sério, um trabalho científico desta natureza é, em princípio, arriscado. Mas, tendo em consideração vários cenários que se contradizem entre si, sou levado a emitir a minha opinião.
1- É certo que no período da guerra, 1961/74 o esforço da nação traduzido no esforço de guerra através do orçamento geral do estado foi sempre muito superior às nossas possibilidades. E os resultados viram-se e ainda hoje se fazem sentir. Alguns encheram-se, mas a maioria se já estava faminta e sedenta, acabou por ficar depenada
2- E esse esforço foi superior às nossas capacidades pela teimosia de quem governava, uma vez que não aceitou, como outros países aceitaram no após guerra, dar a independência às colónias. As teimosias de alguns são pagas de forma muito cara pela maioria da população. E no nosso caso foi em vidas humanas e em atrasos de toda a ordem e feitio.
3- Mas dizer-se que “. Foi a guerra colonial que fez interromper a reestruturação e modernização da indústria militar, que se encetara no início da década de 50”, é pura demagogia. Até essa altura o Casão de santa Clara confeccionava capotes de lã grossa, fardas de cotim, bivaques, arreios em pele, botas grossas e pouco mais. Com a guerra começou a fabricar, primeiro as fardas amarelas, depois os camuflados, as botas de pele e de lona, as boinas, os quicos, as redes mosquiteiras, os cinturões e tudo o mais que começou a equipar as forças armadas, tudo em quantidades industriais nunca antes vistas. Desenvolveu-se portanto a industria militar só com um pequeno senão que era o caso do cliente ser único e exclusivamente o patrão Estado, com os inconvenientes daí derivados. Portanto, quando a guerra terminou, a indústria estava dimensionada para uma facturação que nunca mais atingiu e nem sequer soube substituir o tal cliente único. Terão sido feitas algumas diligências nesse sentido mas, se bem nos lembramos, nessa altura também apareceram negócios escuros pelo meio que em nada beneficiaram a economia nacional.
4- Mas as OGMAS modernizaram-se como se modernizaram os Estaleiros navais e até o Tramagal teve um período áureo quando as Mercedes foram substituídas pelas Berlliets/Tramagal. É certo que apesar de algumas dificuldades no inicio da guerra é caso para se perguntar donde vieram os contingentes de jipes Mercedes, de Unimogs de vários tipos e dos camiões Mercedes de todos os tamanhos que vieram substituir os despojos da 2ª guerra que eram as GMC, os Jipões, os Jipes dos americanos e até os camiões Matadores, Atkinson, e as carrinhas Austin e Morris que os ingleses deixaram no deserto e de que nos calharam muitas que equiparam as nossa forças armadas até, para aí, 1964/65 e talvez 1966.
5- Também a indústria de armamento se desenvolveu nesse período. Era a fabricação da G3, a fabricação aperfeiçoada da FBP e no que respeita a munições, incluindo as de artilharia, também nunca se parou de crescer, fornecendo inclusivamente, como diz o artigo, munições de artilharia, outras munições e até granadas de mão para a Alemanha, até 1969.
6- E com todas as dificuldades orçamentais, porque elas existiam uma vez que o esforço financeiro era desproporcionado para as nossas capacidades e para a nossa teimosia de mantermos uma guerra injusta, de onde é que vieram os Allouettes, os Pumas, os Fiat G91, as DO27, para além dos T6 que tínhamos herdado dos americanos em quantidades industriais e que tanto voaram em África? E os nossos Patrulhas, as nossas LDGs. LDMs e LDPs como é que foram conseguidas? Claro que foram os nossos parceiros da Nato que nos ajudaram apesar de não concordarem explicitamente com a guerra colonial. Mas sempre aproveitavam para fazer negócio.
7- A nossa capacidade instalada no que respeita à industria da guerra cresceu naquele período de acordo com as necessidades mais prementes das nossa forças deslocadas em África e, depois, não conseguiram arranjar mercados alternativos não fosse a industria do armamento muito especifica, muito especial e muitas vezes sujeita a negócios nem sempre muito claros.
8- Muito mais havia a dizer sobre este trabalho. Mas isso requeria uma pesquisa aturada e contactos difíceis de encontrar. É isto que me apraz registar como cidadão atento e ainda como ex-combatente pouco esclarecido mas nem sempre desatento das realidades que nos cercavam e nos continuam a cercar.
Carlos Pinheiro
Ex-Combatente Guiné 1968/70
Caro Carlos Pinheiro
Se leres este comentário, considera a hipótese de te juntares a nós. Estou a fazer-te um convite formal.
Um abraço e obrigado por nos leres.
Carlos Vinhal
Co-editor
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