Caros amigos, Camaradas! Saudações amigas.
Antes de mais um Oscar Bravo pela recepção de que fui alvo na Tabanca Grande.
Satisfazendo o pedido do Carlos Vinhal, devo dizer-te que foi uma experiência singular, a entrega de Cafal Balanta.
Tudo começou num dia igual a tantos outros, em que um grupo de elementos do PAIGC entrou pacificamente em Cafal Balanta.
Passearam à vontade pelo tabancal e também pela zona militar. Não houve incidentes, para além de uma tentativa de visitar o Posto de Rádio, à qual eu me opus, mantendo o acesso interdito à área das Transmissões, pois ainda não tinha recebido ordem para destruir componentes confidenciais. Esta visita estava a ser acompanhada pelo Segundo Comandante da Companhia.
Resolvida a questão, começou uma amena cavaqueira, em que fundamentalmente se trocaram impressões sobre a guerra. Nesta conversa, recordo duas questões: os elementos do PAIGC conheciam ao pormenor cada um de nós, patentes, Especialidades, e até sabiam qual era o melhor jogador de futebol entre nós. Enquanto nós jogávamos futebol, eles estudavam o nosso comportamento. A outra questão, foi a afirmação de que a tropa do PAIGC não tinha pressa, ao contrario da tropa portuguesa que estava desejosa de regressar a casa, e por isso estava estrategicamente mal preparada.
Um dos outros temas de conversa foi marcação da data para a entrega definitiva, que ocorreu passado alguns dias, não sei quantos.
Outra questão a realçar é que eles falavam tão bem português como nós. Não sei agora precisar se houve alguma cerimónia oficial no acto da nossa saída de Cafal, mas presumo que não porque no dia em que chegou a LDG, já tínhamos a viola no saco e foi um até a vista dado, que a ansiedade de regressar era enorme.
Na chegada a Bissau recordo uma passagem com alguma nostalgia, na messe de Sargentos em Santa Luzia a refeição era ração de combate. Claro que não comi. Fui para Bissau, e desde Zé da Amura até ao Ronda, corri os restaurantes todos, e a única coisa que consegui comer foi um ovo estrelado com ervilhas fritas. Nesta altura deviam estar em Bissau para cima de 20.000 militares.
Respondendo agora ao camarada José Marcelino Martins, efectivamente eu fui a primeira pessoa em Cafal Balanta a ter conhecimento do que se estava a passar em Lisboa.
Há alguns dias já que tinha informações muito secretas de que algo iria acontecer. Por outro lado o meu Posto de Rádio funcionava 24 horas sobre 24 horas. Através de ondas curtas eu tinha escuta de várias estações de rádio, quer amadoras quer profissionais, nomeadamente de África e de Portugal.
Curiosamente a primeira informação a chegar veio através da Maria Turra: (a ditadura de Salazar caiu) foram estas palavras que aceleraram o batimento do coração. A partir daí foi uma maratona de sintonizar rádio para aqui, rádio para ali, até ao romper do dia, quando finalmente começaram a chegar informações mais credíveis, que todavia não tinham ainda confirmação militar.
Quando Cafal começou a despertar, fui falar com o nosso Capitão Salgado Martins (forte abraço para ele) e transmiti-lhe os factos que conhecia no momento. A emoção era indescritível, mas por outro lado havia um forte sentimento de incerteza e até talvez de insegurança.
O sentimento de união ficou ainda mais forte. Estávamos no Cantanhez cada vez mais entregues a nós próprios. Tudo se resolveu em bem
Aproveito para enviar foto do Posto de Rádio sempre em operação
Forte Alfa Bravo a todos
António Agreira
Cafal > Posto de Rádio no tempo da CCAÇ 4544/73 > Fur Mil TRMS António Agreira com os seus camaradas
____________Nota de CV:
(*) Vd. poste de 23 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8699: Tabanca Grande (299): António Agreira, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 4544/73 (Cafal, 1973/74)
8 comentários:
Caro Agreira
Como previa, não foste um dos primeiros, mas sim o primeiro a saber o que se passava.
Já no meu tempo (68/70) se fazia isso. Havia sempre alguém a tentar ouvir "novidades". Normalmente um radio telegrafista, que recolhia as noticias em morse.
Eu também fui de transmissões de infantaria e, antes, da Arma de Transmissões, cujo Regimento tem o seu dia em 17 do corrente.
Ab
Caro amigo António Agreira e restantes da Tabanca Grande, não é meu hábito comentar os Posts. Porque admito, aceito, respeito etç as experiencias de cada um. Somente intervenho em alguns Coments, quando existe uma aparente (ou não) deturpação da verdade, intencional ou não. Dito isto, o meu intento agora (porque necessário em sequência de outros 'confrontos' opinativos) chamar a atenção dos camaradas para o teu 5º parág. "Resolvida a questão..." e o 7º parág. "Outra questão...".
Acrescentando a isto o teu interesse em estares informado, logo este teu Post, se torna diferenciável. E tambem (interpretação minha), muito do que se diz (escreve) intempestivamente, por vezes, é baseado, maioritáriamente, sobre a apreciação local e temporal, sem conhecimento de outros factores, não menos importantes, como foram na guerra que se desenvolveu, neste caso na Guiné.
Um abraço para todos e cada um
Carlos Filipe
ex- CCS BCAÇ3872 Galomaro/71
Amigo Agreira,
Provavelmente não vais ficar por Bissau, nem tu nem os teus oficiais e comandantes.
Não deixes de desenvolver a viagem de regresso e chegada tua e dos teus superiores. Pois deves ter episódios interessantes como os que acabas de contar.
Foste tu que decidiste que o teu posto de transmissões era para respeitar. Já havia falta de oficiais?
Antº Rosinha
o capitão Salgado Martins foi meu comandante da minha companhia da 3caç do bcaç 4612/72 de Mansoa, algum tempo e foi subtituido por outro
Agostinho Gaspar
Dois aspectos importantes ressaltam desta mensagem do camarada António Agreira:
1)"Os elementos do PAIGC conheciam ao pormenor cada um de nós, patentes, especialidades, e até sabiam qual era o melhor jogador de futebol entre nós. Enquanto nós jogávamos futebol, eles estudavam o nosso comportamento."
Entre outros factores, isto é bem revelador da evolução que a guerra na Guiné foi tendo ao longo dos anos.
Pelas opiniões expressas de alguns camaradas que estiveram lá antes de 1970/71 e, até de outros que estiveram lá depois disso, verifica-se que não se aperceberam dessa evolução.
É que a guerra não estava estagnada e o IN já não era exactamente o mesmo de anos antes.
2)"Outra questão a realçar é que eles falavam tão bem português como nós."
Pois...é que tem havido aqui relatos a indicar que, na entrega de aquartelamentos, "eles" só falavam francês (ou talvez outras línguas, espanhol, chinês, russo, vá-se lá saber!).
Mas até não entendo a admiração. É que "eles" tinham as bases principais na Guiné-Conacri e no Senegal,(onde se fala francês) lembram-se? Já agora, qual a percentagem de guineenses, dos que estavam do nosso lado, que falavam português?
Um abraço para todos
José Vermelho
Caro camarigo António Agreira
Gostei muito de ver as fotos com o teu 'posto de transmissões'. Até deu para 'sentir' o cheiro dos rádios, das baterias, do clima de ansiedade vivido dentro dele sempre que uma mensagem de 'prioridade mais elevada' aparecia ou tinha que ser expedida.
Também, como opinião, acho exemplar e altamente responsável o teu comportamento de manter o acesso reservado (restrito, mesmo) às instalações que eram de tua responsabilidade. Parabéns, independentemente das opiniões que pudesses ter sobre a guerra, a sua justeza ou justificação.
Agora um outro apontamento à parte.
Sendo tu um 'homem das Transmissões', é certo, mas sim de um Batalhão e não sendo um "Ilustre TSF", como é que te 'dedicas' a fazer 'escuta' das emissões rádio? A exceder tarefas e competências? Curiosidade?
Abraço
Hélder S.
É claro que sendo
Caro camarigo António Agreira
Aquando do meu comentário anterior fui interrompido para fazer outras tarefas e acabei por perder o 'fio à meada'.
Isto para dizer que para além do que referi, há um outro aspecto bastante mais interessante, por vários e bons motivos, que no entanto já foi referido em comentários anteriores.
É que tu também foste testemunha directa, no local, com presença viva, não és dos que 'ouviste dizer' e referes a situação dos contactos e das peripécias das visitas e da 'entrega' das instalações da forma como as relatas.
Vou tomar boa nota pois às vezes é sempre preciso recorermos a estes depoimentos para contrapor a outros.
É que devia ser facilmente entendível que 'cada caso é um caso', como se costuma dizer, e que as coisas não podiam ser necessariamente iguais em todos os sítios, teriam de haver nuances, em função de tantos factores que me escuso de enumerar aqui. Mas há a perigosa tentação de se fazer extrapolar a ideia de que "se aqui se passou assim, foi igual em todo o lado". Coisa errada!
Acresce ainda o facto de que há também uma tendência da parte de alguns amigos para que quando os relatos são de acordo com as suas convicções então estão certos, são universais, são 'isentos', são 'verdadeiros' porque 'estiveram lá', mas quando não são coincidentes com as suas certezas, então já são mistificações, são tentativas de falsificar a verdade (a deles, claro)...
Mas lá se vai vivendo com isso.
Abraço
Hélder S.
Caro Agreira,
De facto os períodos epocais diferentes,mesmo que próximos,implicam realidades diversas e consequentemente abordagens não coincidentes...
Fui pioneiro em Cafal quando ali não havia rigorosamente nada que pudesse assemelhar-se a quartel e à sua vivência normal.
Nesse período,o inimigo não nos estudava porque se aparecesse...
Nessa fase,nos ataques ao arame, as unicas palavras próximas do português que gritavam eram insultos despejados à velocidade dos disparos...
Evidentemente que só conhecíamos aquela realidade,desconhecendo as traições que entretanto íam sendo cozinhadas por infiltrados políticos na estrutura militar e profissionais do Q.P. a quem apenas o ordenado sem riscos interessava...
Mas a nossa realidade,a da defesa do espaço que nos foi confiado,pese embora tanta e tão dura dificuldade, foi levada a bom porto...
Para quem como vós - mais novos no território - teve que assumir a derrota( que,contrariamente ao que alguns de purpúrea cor afirmam,estava tão longínqua...)deve ter sido frustrante.
Não foi por acaso que a aproximação nunca aconteceu com companhias já velhas...
Um grande abraço
manuelmaia
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