1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Março de 2011:
Queridos amigos,
Ainda hoje não entendo como se demorou tanto tempo a investigar os arquivos da PIDE/DGS para encontrar a natureza das suas actividades na guerra colonial. Melhor ou pior, estas delegações iam informando Lisboa, na fase inicial do desencadeamento da luta armada, da evolução da guerrilha, tipos de armamento, recrutamento, processos de intimidação, material de propaganda, etc. Como veremos mais adiante, a PIDE foi explicando para Lisboa com algum detalhe o que se estava a passar na Guiné, logo em 1962. Estas informações necessariamente que precisam de ser equacionadas com os relatórios dos governadores, dos comandos militares, testemunhos civis, etc. Importa não esquecer que os arquivos dos guerrilheiros também contam. Isto só para alertar que ninguém pode dar-se por satisfeito e poder dizer que o essencial sobre a guerra está escrito.
Um abraço do
Mário
A PIDE/DGS na guerra da Guiné
Beja Santos
Reconhecido pela crítica e pela investigação científica, “A História da PIDE”, de
Irene Flunser Pimentel, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2007, é o tratado fundamental sobre a polícia política do Estado Novo. Irene Pimentel, que veio a ser galardoada com o
Prémio Pessoa [, em 2007,], é uma investigadora indispensável sobre algumas instituições do Estado Novo e também obra de referência a sua fotobiografia do Cardeal Cerejeira bem como o seu trabalho “Judeus em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial. Em Fuga de Hitler e do Holocausto”.
Na sua obra “A História da PIDE”, é-nos dado é relato minucioso da repressão exercida, os seus métodos, desde a vigilância, passando pela captura e pelo interrogatório até à investigação e instrução dos processos; ficamos a conhecer o perfil dos detidos políticos, a vida nas prisões, os julgamentos políticos, as relações entre a polícia política e o aparelho judicial e de igual modo é aflorada a relação entre a PIDE/DGS e as Forças Armadas, isto para já não falar sobre a vigilância sobre todos aqueles que, fora dos inimigos figadais do regime, revelavam qualquer dissidência social, política e até religiosa. Irene Pimentel declara taxativamente que não investiga este domínio da participação da PIDE na guerra colonial na justa medida em que fora feita uma tese de doutoramento sobre este tema: “A PIDE/DGS na Guerra Colonial, 1961-1974”, por Dalila Cabrita Mateus, Terramar, 2004.
É sobre este trabalho que nos vamos debruçar, exclusivamente na orientação das actividades da PIDE/DGS no território da Guiné.
A autora dedica o seu trabalho “À memória do meu irmão, Raúl [Evaristo]dos Santos Cabrita, primeiro-sargento[, SAS,] da Força Aérea, morto em Março de 1967, na Guiné. E à memória dos angolanos, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos e portugueses, vítimas do terror e da guerra colonial”. Dalila Mateus procurou três objectivos: conhecer tão profundamente quanto possível a organização da PIDE/DGS nas colónias; descobrir os contributos dados (em repressão, em informações para os militares e operações de natureza diversa) durante a guerra colonial; estudar as relações externas e internas da polícia política. Dentre as suas fontes, veio a revelar-se como mais preciosa os arquivos da PIDE na Torre do Tombo, estão ali depositadas informações estratégicas de valor incalculável para o estudo de toda a guerra.
No primeiro capítulo (“A PIDE/DGS nas Colónias”), há três matérias circunstanciais que nos interessa para o estudo da Guiné. O primeiro, tem a ver com a Operação Mar Verde, era responsável da PIDE/DGS na Guiné o inspector Matos Rodrigues que terá afirmado que “havia uma grande dificuldade no trabalho de informação”, os militares não disporiam de um serviço de informações credível e a delegação não tinha organização, não havia rede de informações internacional, não era possível exercer uma aturada vigilância sobre os guerrilheiros. Era tudo débil. Narra-se seguidamente a história de M, agente provocador na Guiné. M estabeleceu contactos com Rafael Barbosa e outros, apresentou-se como membro da Acção Revolucionária Armada (ARA), procurou recrutar “rapazes evoluídos” para a luta na Guiné, propôs-se mesmo ser o elo de ligação entre o PAIGC, a ARA e o PCP, arvora propaganda da União Revolucionária marxista-leninista. Com tanto espavento, ninguém lhe deu crédito.
Fragoso Allas virá a revelar-se a figura predominante da PIDE na Guiné. De 1968 a 1971, é adido comercial na missão de Portugal em Kinshasa, de 1971 a 1973 foi chefe da delegação em Bissau onde terá sido “mais fiel a Spínola do que à hierarquia da PIDE”. Um colaborador directo de Spínola disse de Allas: “Na Guiné, era o homem das missões delicadas, que estava dentro das coisas todas. Do Allas, tudo era possível.
No segundo capítulo (“A Repressão”), há uma referência ao campo de trabalho da Ilha das Galinhas, nele teriam estado mais de uma centena de presos políticos. Segundo a autora, em meados de 1969, foram transferidos do
campo do Tarrafal para aqui 58 presos guineenses. Um dos transferidos, Bruno Dantas Pereira, considera o campo da Ilha das Galinhas ainda pior que o Tarrafal e nele morreram, segundo afirma, alguns detidos, vítimas de espancamento.
No terceiro capítulo (“As Operações”), cresce o número de referências à Guiné. Falando do assassínio de Amílcar Cabral, refere os planos de 1967, de 1969, 1970, 1971 e 1973. Começando pelo primeiro, diz Dalila Mateus que “Em 1967, na Guiné, o então chefe da delegação da PIDE, inspector Miguel António Cardoso, propõe ao director-geral um plano para suprimir Amílcar Cabral e furtar os arquivos do PAIGC em Conacri”. Ao que parece o projecto não tinha pés para andar e depois da substituição do inspector Cardoso o plano foi abandonado.
A “Operação Chèvre” data de 1969, envolveu várias colaborações, terá tido inclusive a participação de um diplomata senegalês. Fica-se sem perceber se é esta a tentativa de assassinato que Luís Cabral refere nesta data e que deu circunstância para várias execuções sumárias na região do Boé. Na Operação Mar Verde (Novembro de 1970) segundo Alpoim Calvão, se Cabral estivesse em Conacri, teria sido “seguramente eliminado”.
A questão no essencial continua nebulosa. No entanto, sabe-se que caíram obuses no Bairro onde vivia Amílcar Cabral. Spínola, no entanto, afirmou que dera ordem a Alpoim Calvão para trazer o líder do PAIGC vivo. Também não dá para entender como é que a autora diz soberanamente “Temos de concluir que o marechal Spínola faltou à verdade. Tal como terá faltado quando afirmou nada ter a ver com o assassínio de Amílcar Cabral”. O que acontece é que não há nenhuma prova, absolutamente nenhuma, de envolvimento da PIDE no assassínio de Amílcar Cabral, nenhum investigador encontrou qualquer documento probatório, manda o rigor histórico que o investigador não especule quando não pode provar.
Voltando aos factos, em 1971, a PIDE/DGS em Cabo Verde voltou a planear o assassínio de Amílcar Cabral, a polícia política contava com um antigo membro do PAIGC, um cabo-verdiano residente em Monróvia, na Libéria. Esta tentativa também não resultou. A PIDE, entretanto, vai coligindo informações sobre descontentamentos interétnicos e sugere a exploração de todas estas divergências.
Em Março de 1972, Cabral apresentou à direcção do PAIGC um documento contendo um plano de Spínola para decapitar o PAIGC, com três fases, trata-se de um documento incontornável na história do PAIGC.
Quanto ao assassinato de 20 de Janeiro de 1973, continua cheio de incógnitas. Não vale a pena invocar o testemunho de alguns conjurados, sabe-se hoje que todos estes interrogatórios decorreram numa atmosfera de horror, no todo ou na parte comparáveis aos mais sinistros que ocorreram em atmosferas totalitárias. Os testemunhos dos autores do crime valem o que valem. E não serve pôr em confronto o que sempre disse Spínola quanto ao seu não envolvimento e o que terá dito Fragoso Allas a Otelo Saraiva de Carvalho quando foi apresentar despedidas pelo fim da sua comissão de serviço na Guiné (“os tipos tinham ido longe de mais, porque a missão era só raptar e conseguir trazer Amílcar Cabral para Bissau como refém”).
(Continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Março de 2011 >
Guiné 63/74 - P7934: Notas de leitura (217): Jardim Botânico, de Luís Naves (3) (Mário Beja Santos)